domingo, 27 de maio de 2012
IRRIGAÇÃO DO NORDESTE
Artigo publicado na revista ITEM – Irrigação & Tecnologia Moderna, nº 71/72, 3º e 4º Trimestres 2006
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CRITÉRIO DE OUTORGA SAZONAL PARA A AGRICULTURA IRRIGADA NO
ESTADO DE MINAS GERAIS. ESTUDO DE CASO
Humberto Paulo Euclydes1, Paulo Afonso Ferreira2, Reynaldo Furtado Faria Filho3
RESUMO
Este trabalho apresenta uma proposta de critério de outorga sazonal objetivando otimizar
o uso da água viabilizando, assim, o aumento da área com agricultura irrigada.
Utilizando vazões diferenciadas para os períodos seco e chuvoso do ano, a metodologia
foi aplicada na região hidrográfica do rio Grande, pertencente ao Estado de Minas Gerais.
Os motivos que levaram a escolha desta região hidrográfica, foram: a)- importância
sócioeconômica das regiões inseridas na bacia hidrográfica do rio Grande em Minas Gerais;
b)- incorporação de 38.600 ha irrigados ao processo produtivo na região do Baixo Rio
Grande, previstos no Programa de Desenvolvimento Sustentável do Agronegócio nas
Bacias Hidrográficas de Minas Gerais – IRRIGAR MINAS, lançado pelo Governo do Estado
em abril de 2005; e c)- o comprometimento dos recursos hídricos na calha principal do Baixo
rio Grande com a geração de energia elétrica já instalada.
Os resultados das simulações realizadas empregando a vazão de referência adotada no
estado de Minas Gerais (Q7,10), mostraram que na região hidrográfica do Baixo Rio Grande,
utilizando-se o critério da outorga sazonal, foi possível aumentar a vazão a ser outorgada
em até 61,8% (35,6 m3/s no período seco para 57,6 m3/s no período chuvoso). Nas demais
sub-bacias estudadas do rio Grande, utilizando o mesmo procedimento, foi possível um
acréscimo na vazão de 52,4% (217,9 m3/s no período seco para 332,1 m3/s no período
chuvoso).
Desta forma, através da modificação do critério de outorga de captação a fio d’ água, pelo
órgão gestor, e considerando o limite máximo de derivação de 30% da Q7,10 e uma
demanda média de uso consumptivo de 0,95 L/s/ha, será possível incorporar ao processo
produtivo, aproximadamente 7.000 ha irrigados na região do Baixo Rio Grande e 36.000 ha
irrigados nas demais sub-bacias do rio Grande, totalizando assim 43.000 ha irrigados.
INTRODUÇÃO
O Programa de Desenvolvimento Sustentável do Agronegócio nas Bacias Hidrográficas
de Minas Gerais – IRRIGAR MINAS, lançado pelo Governo do Estado em abril de 2005,
prevê para um horizonte de curto prazo (07 anos) a incorporação de 75.087 ha irrigados ao
processo produtivo. Desse total, 38.600 ha, ou seja 51,4% correspondem a região
hidrográfica do Baixo Rio Grande. Ainda, segundo esse programa, a escolha desta região
constitui uma opção estratégica em virtude das condições climáticas e estruturais
encontradas na região e a existência de estudos detalhados sobre a irrigação (Plano Diretor
de Irrigação dos Municípios da Bacia do Baixo Rio Grande –PDI Baixo Rio Grande), bem
como de sua capacidade de criar condições para o desenvolvimento do restante do Estado.
1 Pesquisador da Fundação Rural Mineira em recursos hídricos, Av. P.H. Rolfs, s/n–Campus Universitário - Viçosa – MG
CEP 36.571–000 – hpeuclyd@ufv.br – tel: (031) 3899 2851
2 Professor titular da Universidade Federal de Viçosa. Departamento de Engenharia Agrícola
3 Mestrando em Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa
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De acordo com estudos realizados no PDI Baixo Rio Grande, os recursos hídricos,
apesar de abundantes, estão quase totalmente comprometidos com geração de energia
elétrica instalada no Baixo Rio Grande e com a irrigação que se instalou no norte de São
Paulo, especialmente na região de Guaira. Ainda segundo esse plano, a Bacia do Baixo Rio
Grande dispõe de apenas 8.820 ha de áreas irrigáveis com captação a fio d’água, e que a
possibilidade de incorporar 107.000 ha irrigados ao processo produtivo encontra-se
vinculado à regularização dos cursos d’água nas sub-bacias, nas áreas intermediárias e na
foz dos afluentes (MIN/MMA , 2002).
Tendo como foco a incorporação de 38.600 ha irrigados previsto no IRRIGAR MINAS e
descontando os 8.820 ha possíveis de serem irrigados com captação a fio d’água (PDI
Baixo Rio Grande), certamente resultará em um somatório de vários projetos de
barramentos, com custos financeiros e estudos de impactos ambientais a serem
considerados.
Há de se atentar, no entanto, que os custos financeiros e os impactos ambientais
decorrentes desses empreendimentos serão na maioria de pouca expressividade perante os
benefícios que eles certamente proporcionarão, tais como: regularização da vazão, aumento
da recarga de água subterrânea e elevação do nível freático, desenvolvimento da
piscicultura, atenuação dos danos das cheias, depuração de águas poluídas, dentre outros.
Neste contexto, estudos sobre sazonalidade das vazões outorgadas, com captações a fio
d’água, visando a agricultura irrigada é mais uma alternativa que objetiva aumentar a oferta
hídrica viabilizando assim o aumento da área irrigada e, portanto, da produção agrícola.
Desta forma, a presente proposta visará quantificar até quando é possível aumentar as
vazões outorgadas em períodos de maior oferta hídrica.
A outorga como instrumento de gestão dos recursos hídricos no Brasil está contemplada
nas legislações federal e estadual. Atualmente é possível identificar vários estados
brasileiros em processo de implementação de sistemas de outorga. Ribeiro e Lanna (2003)
afirmam que já é significativo o número de estudos no tema “outorga dos direitos de uso da
água no país”.
Esses autores comentam, ainda, que existem vários desafios a serem vencidos, sejam
nos aspectos teóricos e de concepção ou nos aspectos práticos de operacionalização dos
sistemas de outorga. Dentre esses desafios poderiam ser citados: a definição do valor
adequado para a vazão máxima outorgada, a inexistência de dados fluviométricos nas
bacias hidrográficas, o desconhecimento sobre usuários e respectivas demandas, as
dificuldades na definição dos sistemas subterrâneos, o desenvolvimento de metodologias
específicas para o estabelecimento dos valores adequados a serem outorgados como vazão
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ecológica, assim como de metodologias que integrem os aspectos quantitativos e
qualitativos da outorga.
No Estado de Minas Gerais, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM é o
responsável pelo planejamento e administração de todas as ações direcionadas à
preservação da quantidade e da qualidade das águas, sendo também responsável pela
gestão dos recursos hídricos do Estado.
O IGAM tem concedido outorgas de direito de uso dos recursos hídricos baseado na
Portaria nº 010/98, que estabelece critérios baseados em “vazões de referência” a serem
utilizadas para cálculo das disponibilidades hídricas em cada seção de interesse (IGAM,
2004).
O parágrafo 1º do artigo 8º da Portaria 010/98 estipula que “até que se estabeleça as
diversas vazões de referência na Bacia Hidrográfica, será adotada a Q7,10 (vazão mínima de
sete dias de duração e dez anos de recorrência), para cada Bacia”; Resolve no parágrafo 2º
do mesmo artigo “fixar em 30% (trinta por cento) da Q7,10 , o limite máximo de derivação
consuntiva a serem outorgadas na porção da bacia hidrográfica limitada por cada seção
considerada, em condições naturais, ficando garantida, a jusante de cada derivação, fluxos
residuais mínimos equivalentes a 70% (setenta por cento) da Q7,10 ".
Analisando-se o critério exposto, observa-se que a preocupação do legislador foi manter
uma descarga residual mínima, a jusante do ponto de captação, de 70% de Q7,10. No
entanto, ao restringir-se o limite de outorga a 30% da Q7,10, reduz-se o uso da água a uma
situação crítica que só ocorrerá durante 7 dias uma vez a cada 10 anos, ou seja, nos outros
9 anos e nos 358 dias restantes desse ano crítico, estar-se-á deixando passar para jusante
vazões superiores a 70% de Q7,10.
Segundo Castro et al. (2004), dentre os critérios de outorga utilizados nos diversos
Estados brasileiros o critério de Minas Gerais é o mais restritivo, podendo dificultar, em
alguns momentos, o deferimento de processos em que ainda há grande disponibilidade
hídrica na bacia.
Em algumas bacias hidrográficas situadas na região nordeste do estado de Minas Gerais,
já existem conflitos instalados entre usuários, irrigantes, em razão da escassez de recursos
hídricos em épocas de estiagem; em outras bacias, como por exemplo a bacia do rio
Paracatu, têm-se problemas de construções irregulares de barramentos que impedem o
fluxo normal das águas para os usuários de jusante. Na maioria destes casos, a outorga de
direito de uso tem sido o instrumento utilizado para dirimir as questões, repartindo os
recursos hídricos disponíveis entre os usuários e regularizando aqueles barramentos
construídos de forma irregular e clandestina.
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De acordo com Schvartzman et al. (2002), nas outorgas emitidas pelo IGAM, não
considera o retorno das águas servidas, utilizadas em uso consumptivo, nos cálculos de
novas vazões outorgáveis, como também não se prevê a eventual sazonalidade das vazões
outorgadas, sendo considerados os fluxos constantes ao longo dos diversos períodos do
ano. O mesmo autor ressalta ainda a necessidade de se evoluir nos critérios de emissão de
outorga, com estudos mais aprofundados e específicos nas diversas bacias hidrográficas do
Estado, com a adoção de novas vazões de referências, estudos sobre vazões residuais e
sobre sazonalidade das vazões a serem outorgadas em função dos diversos usos a que se
destinam os recursos hídricos.
Conforme Castro et al. (2002), existem bacias hidrográficas onde a demanda de água é
elevada, principalmente, em regiões propícias ao desenvolvimento espontâneo ou
provocado por programas governamentais de agricultura irrigada. Nessas situações, a
prática tem demonstrado que a aplicação do limite de 30% da Q7,10 impossibilita a adequada
concessão de outorga aos usuários existentes. Além disso, conforme Medeiros e Naghettini
(2001), o fato desse valor ser calculado com base na análise dos períodos críticos de
estiagem, mantido fixo ao longo de todo o ano, tem restringido um maior uso da água em
meses fora do período de estiagem.
Castro et al. (2004), adverte que esses fatos têm sido observados em algumas regiões do
Estado como nas bacias dos rios Urucuia e Paracatu, importantes afluentes do rio São
Francisco, e nas bacias de afluentes do rio Paranaíba, com destaque para o rio Araguari.
Com isso, pode ser percebida nessas regiões uma tendência à não solicitação de outorgas
e não regularização de usos, levando ao uso indiscriminado dos recursos hídricos e a
situações realmente conflituosas.
Segundo Gama de Santana et al. (2005), as estimativas das disponibilidades hídricas
utilizando como fonte de dados o estudo “Deflúvios Superficiais no Estado de Minas Gerais”
tem apresentado valores bem abaixo dos esperados. Os autores citam o estudo realizado
no ribeirão Tronqueiras, afuente do rio Grande, onde a vazão estimada pelo referido estudo,
foi cerca de 13% do valor estimado com valores reais de vazão (7,8 vezes menor). Ainda
segundo os mesmos autores isto demonstra que os níveis de incertezas e erros envolvidos
no referido estudo são elevados, a ponto de inviabilizar empreendimentos que poderiam
incrementar o desenvolvimento econômico do Estado de Minas Gerais.
Dessa forma, há a necessidade do desenvolvimento de novos estudos, com a finalidade
de buscar alternativas para a gestão de recursos hídricos através de melhores critérios,
adequando as demandas às disponibilidades reais, sem que se ultrapasse a capacidade dos
mananciais e mantendo-se fluxos residuais mínimos nos cursos de água.
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Um exemplo disso é o “Atlas Digital das Águas de Minas”, publicado em 2005.
Apresentado em formato de CD-ROM contém informações sobre as disponibilidades e
potencialidades dos recursos hídricos superficiais em todo territorio mineiro (ATLAS, 2005).
Este trabalho teve como objetivos desenvolver uma metodologia que permita estabelecer
outorga sazonal, com captação a fio d’água, para a agricultura irrigada, utilizando vazões
diferenciadas para os períodos seco e chuvoso do ano; possibilitar o aumento da área
irrigada no período chuvoso, garantindo água na época de plantio, nos períodos do ciclo da
cultura de maior demanda, na ocorrência de veranicos e nas épocas dos tratos culturais; e
desenvolver estudo de caso nas sub-bacias do rio Grande em Minas Gerais.
MATERIAL E MÉTODOS
A bacia hidrográfica do rio Grande, com área nos Estados de Minas Gerais e São Paulo,
abrange uma superfície de 143.000 km2, desde a Serra da Mantiqueira no sul de Minas
Gerais até a região do Triângulo Mineiro a oeste do Estado. Sua área de drenagem no
Estado de Minas é de cerca de 86.800 km2, correspondente a 60,8% da área total da bacia.
A área de estudo do Plano Diretor de Irrigação dos Municípios do Baixo Rio Grande,
abrangem as sub-bacias hidrográficas dos rios Uberaba, São Francisco e Verde e dos
ribeirões Borá, Dourados, Ponte Alta, Conquistinha, Ponte Alta/Toldas, do Buriti, da
Bagagem, do Frutal, Marimbondo, da Moeda, Parafuso, do Bonito, São Mateus, Tronqueira,
Monte Alto e da Mutuca.
A Figura 1 mostra as sub-bacias do rio Grande em Minas Gerais e a localização de
abrangência da área do Plano Diretor de Irrigação dos Municípios do Baixo Rio Grande.
Figura 1. Sub-bacias do rio Grande em Minas Gerais e localização da área de abrangência
do Plano Diretor de Irrigação dos Municípios do Baixo Rio Grande.
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A metodologia de regionalização da vazão mínima anual de sete dias de duração e
período de retorno de 10 anos (Q7,10) e a espacialização das variáveis hidrológicas na rede
hidrográfica das bacias estão apresentadas em (ATLAS, 2005).
Com relação a regionalização da vazão mínima sazonal esta será realizada para dois
períodos determinados do ano: período seco e período chuvoso.
A definição dos intervalos relativos aos dois períodos para serem utilizados na
regionalização das vazões mínimas sazonais foi baseado em dois critérios: a)- estudo de
freqüência das vazões mínimas de sete dias de duração observados nos estudos de
regionalização realizados nas bacias hidrográficas mineiras, no âmbito do programa
HIDROTEC, e b)- época de plantio de culturas anuais de grãos recomendada para a região,
principalmente com relação a variação térmica (HIDROTEC, 2005).
De acordo com a análise de freqüência das vazões mínimas os resultados indicaram uma
maior concentração de valores mínimos nos meses de setembro a novembro, e, na maioria
das vezes após o inicio do período chuvoso. Quanto a época de plantio, os meses de
outubro e novembro são os mais recomendados uma vez que no Estado de Minas ocorrem
duas estações bem definidas, uma chuvosa de outubro a março e outra seca de abril a
setembro. Vale ressaltar que a época de plantio nos meses de outubro/novembro já é
utilizada na prática pela maioria dos agricultores mineiros.
RESULTADOS
Objetivando subsidiar com maior segurança a definição do período chuvoso e seco na
região do rio Grande, em Minas Gerais foi realizado um estudo de freqüência nas 58
estações fluviométricas localizadas nessa região, apresentando um total de 2.681
estações/ano de informações.
A Tabela 1 apresenta a estatística do referido estudo de freqüência mostrando a
distribuição de freqüência e a percentagem dos valores anuais da vazão mínima anual de
sete dias de duração (Q7) encontrados nos intervalos de janeiro a dezembro de cada ano
civil. Conforme pode-se observar, os maiores valores das freqüências das vazões foram
encontrados nos meses de agosto a novembro, e nesse período os maiores valores foram
detectados nos meses de setembro e outubro, na ordem de 33,0% e 31,5%
respectivamente.
A Figura 2 mostra a distribuição de freqüência com intervalos mensais, dos valores das
vazões mínimas anuais de sete dias, na qual pode-se confirmar os resultados observados
na análise anterior.
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Com relação ao critério “b” e considerando que este limita a época de plantio para grãos
até no máximo no mês de novembro (variação térmica), optou-se por considerar no critério
“a”, o valor da freqüência acumulada até o final de outubro (78,7% de freqüência das vazões
mínimas anuais de sete dias de duração). Assim sendo, ficou definido nessa proposta de
critério de outorga sazonal, com captação a fio d’água, para a agricultura irrigada, que o
período seco teria inicio em maio estendendo-se até outubro, e o período chuvoso com
inicio em novembro e término em abril.
Tabela 1. Freqüência e percentagem dos valores da Q7 para cada mês do ano civil das
estações fluviométricas localizadas na região do rio Grande, em Minas Gerais
Mês Frequência Porcentagem (%)
Janeiro 54 2,0
Fevereiro 13 0,5
Março 11 0,4
Abril 8 0,3
Maio 17 0,6
Junho 24 0,9
Julho 24 0,9
Agosto 229 8,5
Setembro 885 33,0
Outubro 845 31,5
Novembro 460 17,2
Dezembro 111 4,1
0
5
10
15
20
25
30
35
Frequência (%)
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro
Meses
Figura 2. Distribuição de freqüência com intervalos mensais dos valores anuais da vazão Q7.
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A regionalização hidrológica foi realizada utilizando-se o programa computacional RH
versão 4.0 (ATLAS, 2005). A primeira etapa compreendeu a análises dos dados descritivos,
hidrológicos e físicos da bacia e seleção das estações.
Esta análise permitiu selecionar nas séries históricas fluvio-pluviométricas um período
comum de observações abrangendo os anos de 1950 a 2002, ou seja 53 anos. Foram
selecionadas 58 estações fluviométricas com área de drenagem variando de 73 a 14.854 km2 e
74 estações pluviométricas. As características físicas das sub-bacias foram determinadas em
cartas geográficas na escala de 1:250.000.
Na regionalização da vazão mínima anual, vazão mínima do período chuvoso e vazão
mínima do período seco foram empregados os valores mínimos anuais de sete dias de
duração, os valores mínimos de sete dias de duração do período chuvoso, e os valores
mínimos de sete dias de duração do período seco, respectivamente.
Para os dados de pluviometria, foram utilizados os valores correspondentes à média do
total anual e a média do semestre mais chuvoso.
A segunda etapa correspondeu ao cálculo da precipitação média nas sub-bacias,
utilizando o módulo do programa computacional RH versão 4.0.
Os resultados da aplicação da metodologia de identificação das regiões hidrologicamente
homogêneas indicaram uma tendência para subdividir a região hidrográfica em duas
regiões homogêneas. Na Figura 3, observa-se a delimitação das duas regiões
hidrologicamente homogêneas identificadas para as vazões mínimas de sete dias de
duração, e a localização das estações/sub-bacias selecionadas na região hidrográfica do rio
Grande, em Minas Gerais.
A quarta etapa compreendeu a aplicação dos métodos de regionalização de vazão nas
duas regiões hidrologicamente homogêneas identificadas neste estudo.
Nas três modalidades de regionalização hidrológica realizadas: a)-período chuvoso, b)-
período seco e c)-anual, os resultados indicaram o método II como o mais representativo
das vazões mínimas de sete dias de duração, por resultar em melhor ajustamento. Também
por apresentar melhor ajustamento às séries históricas de vazões (teste de Kolmogorov-
Smirnov) foi selecionada a distribuição de probabilidade log-normal-3 para representar as
vazões mínimas.
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Figura 3. Regiões hidrologicamente homogêneas para as vazões mínimas de sete dias de
duração, e localização das sub-bacias do rio Grande, em Minas Gerais.
Regionalização da vazão mínima: a) período chuvoso; b) período seco e c) anual
As Tabelas 2, 3 e 4 apresentam os modelos ajustados das vazões específicas mínimas
de sete dias de duração e período de retorno de 10 anos da vazão mínima período chuvoso,
mínima período seco e mínima anual, respectivamente. Conforme pode-se observar, os
ajustamentos dos modelos de regressão múltipla nas duas regiões hidrologicamente
homogêneas identificadas apresentaram resultados que podem ser considerados de bons a
excelentes relativamente aos parâmetros estatísticos R2, R2a, EP, Cv e %F.
È importante ressaltar que a metodologia resultou de uma análise realizada em bacias
hidrográficas cujas áreas de contribuição variaram de 72,8 a 14.854 km² na região I, e de 73
a 1.780 km² na região II. Recomenda-se certa cautela para estimativas em bacias fora deste
intervalo.
Tabela 2. Modelo selecionado de vazão específica mínima (q=L/s.km2) de sete dias de
duração e períodos de retorno de 10 anos, para o período chuvoso
Região I
Potencial R2 R2a Ep Cv %F
q10 = 7,7236. A-0,0380 0,966 0,965 1,248 2,479 0,000
Região II
q10 = 3,7800. A-0,0193 0,999 0,987 1,137 1,583 0,0038
.
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Tabela 3. Modelo selecionado de vazão específica mínima (q=L/s.km2) de sete dias de
duração e períodos de retorno de 10 anos, para o período seco
Região I
Potencial R2 R2a Ep Cv %F
q10 = 8,9656. A-0,0898 0,920 0,918 1,387 3,734 0,000
Região II
q10 = 2,9400. A-0,0409 0,959 0,949 1,290 3,248 0,063
Tabela 4. Modelo selecionado de vazão específica mínima (q=L/s.km2) de sete dias de
duração e períodos de retorno de 10 anos, para o período anual
Região I
Potencial R2 R2a Ep Cv %F
q10 = 6,4462. A-0,0445 0,960 0,955 1,282 2,858 8,55.10-15
Região II
q10 = 2,9997. A-0,0599 0,928 0,910 1,406 4,409 0,199
O sistema de consulta ao banco de dados proposto neste trabalho, está desenvolvido de
forma a permitir o acesso através da consulta espacial georreferenciada, conforme
metodologia apresentada no Atlas ([2005]).
Na Figura 4 estão apresentadas as informações geradas na regionalização hidrológica e
armazenadas diretamente na rede hidrográfica digital das sub-bacias do rio Grande em
Minas Gerais por meio do SIG-ArcView. Observa-se nesta figura em um dos segmentos da
rede hidrográfica um ponto selecionado (após um “clique” com o mouse neste local) e a
tabela dos valores de parâmetros e das variáveis hidrológicas associadas ao referido ponto,
contendo o nome do curso d’água, coordenadas geográficas, área da bacia e vazões
mínimas (Q7,10) referentes ao período seco e chuvoso.
A Figura 5 mostra a vazão de referência e o limite máximo de derivação a fio d’água das
sub-bacias do Baixo Rio Grande e do restante das sub-bacias do rio Grande em Minas
Gerais relativas ao período seco e chuvoso e, os acréscimos dos valores das vazões
outorgadas relativas ao período chuvoso. Observa-se que, na região abrangida pelas subbacias
do Baixo Rio Grande com a utilização do critério da outorga sazonal - período
chuvoso foi possível aumentar a disponibilidade hídrica em até 61,8%, ou seja passando de
35,6 m3/s para 57,6 m3/s. Nas demais sub-bacias do rio Grande estudadas, este acréscimo
foi de 52,4%, ou seja passando de 217,9 m3/s para 332,1 m3/s.
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Figura 4. Rede hidrográfica e tabela de valores dos parâmetros e variáveis hidrológicas do
rio São Francisco.
Figura 5. Vazão mínima de referência (Q7,10) relativa aos períodos seco e chuvoso das subbacias
do rio Grande em Minas Gerais.
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CONCLUSÕES
Os resultados da simulação, realizados na vazão mínima de sete dias de duração e
período de retorno de 10 anos (Q7,10), mostraram que na região hidrográfica do Baixo Rio
Grande utilizando-se o critério da outorga sazonal, com captação a fio d’água, foi possível
aumentar a vazão outorgada em até 61,80% (de 35,60 m3/s no período seco para 57,60
m3/s no período chuvoso). Nas demais sub-bacias do rio Grande estudadas, utilizando o
mesmo procedimento, foi possível um acréscimo na vazão de 52,40% (de 217,90 m3/s no
período seco para 332,10 m3/s no período chuvoso). Assim sendo, considerando o limite
máximo de derivação de 30% da Q7,10, adotado no estado de Minas Gerais, será possível
um aumento na oferta hídrica no período chuvoso de 6,60 m3/s na região do Baixo Rio
Grande e 34,20 m3/s nas demais sub-bacias do rio Grande. Estes últimos números
representariam, numa situação de demanda máxima de água, 0,34% e 1,75% da vazão
média do rio Grande no reservatório de Água Vermelha, respectivamente.
Desta forma, através da aplicação de medidas não estruturais como a modificação do
critério de outorga, pelo órgão gestor, e considerando uma demanda média de uso
consumptivo de 0,95 L/s/ha, será possível incorporar ao processo produtivo, no período
chuvoso, aproximadamente 7.000 ha irrigados na região do Baixo Rio Grande (18,13% da
meta do IRRIGAR MINAS) e 36.000 ha irrigados nas demais sub-bacias do rio Grande,
totalizando assim 43.000 ha irrigados.
Vale ressaltar que a demanda média prevista de 0,95 L/s/ha não será utilizada em todo o
período do ciclo da cultura e sim de forma suplementar nos períodos sem precipitação
pluvial, e que o critério de outorga sazonal proposto, além de permitir um maior uso das
disponibilidades hídricas para a agricultura irrigada, não afeta, em termos quantitativos, o
suprimento às demandas prioritárias, como a de abastecimento público e a proteção dos
ecossistemas, e pode também ser associado a um esquema de cobrança pelo uso da água.
Considerando que 17,20% dos valores das vazões mínimas anuais da Q7,10 foram
encontrados no início do período definido como chuvoso neste estudo, ou seja, em
novembro e 4,10% em dezembro, conforme apresentado no estudo de freqüência (Tabela
1), recomenda-se certa cautela na época de plantio. Caso haja atrazo no início do período
chuvoso na região, é recomendável iniciar o plantio no final do mês de novembro, pois
dessa forma tem-se uma garantia de 92,60% de ocorrência de valores da Q7,10 no período
seco.
Tendo em vista os resultados encontrados, recomenda-se a aplicação desta metodologia
em regiões onde já existem conflitos instalados de uso de água em função da escassez de
recursos hídricos em épocas de estiagens.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATLAS digital das águas de Minas; uma ferramenta para o planejamento e gestão dos
recursos hídricos. Coordenação técnica, direção e roteirização Humberto Paulo Euclydes.
Belo Horizonte: RURALMINAS ; Viçosa : UFV , [2005] . 1 CD-ROM + 1 manual (78p.). ISBN
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