domingo, 27 de maio de 2012

GEOGRAFIA DA FOME - PARTE iii (JOSUÉ DE CASTRO)

Mordem Carthew115 também incluiu a dieta inadequada como um dos fatores de deteriorização do estado mental dos colonos nas regiões tropicais. Na etiologia de uma das formas mais espetaculares de neurastenia aguda, comum nas terras tropicais do Oriente, principalmente na península de Málaca e nas Índias Orientais Holandesas, nesta loucura violenta acompanhada [pg. 254] de terrível instinto assassino — o amok — deve entrar certamente o fator carencial. Basta pensar que a doença é comum nas zonas de alimentação mais precária, zona da mono-extração da borracha ou da monocultura da cana-de-açúcar, e basta atentar na descrição do mal que arrasta indivíduos, dos estados de depressão melancólica em que estas populações subnutridas vegetam, para os estados de agitação extrema, estados de verdadeira “hidrofobia de fome”, num ímpeto de violência-incontida. Vejamos a descrição, embora um tanto literária, porém fiel; que Stefan Zweig nos dá do amok, e procure-se decompor neste quadro descritivo os vários elementos que exprimem os estados emocionais que apresentamos, como componentes do quadro psíquico da fome extrema: a desagregação mental, a perda dos escrúpulos morais, a monomania aguda, a excitação desmedida e a sinistra explosão de raiva. Assim escreve Zweig: “Sabeis o que é o amok?... É mais do que embriaguez, é loucura. É uma espécie de raiva humana, literalmente falando... Uma crise de monomania assassina e insensata, à qual nenhuma excitação alcoólica se pode comparar... Um nativo de tipo tranqüilo está tomando calmamente uma bebida com ar apático e indiferente, e bruscamente salta, agarra o punhal e precipita-se para a rua... Corre sempre em linha reta, sem saber para onde... Tudo o que encontra no caminho, homem ou animal, abate com a arma, e o cheiro do sangue o vai tornando cada vez mais violento... Enquanto ele corre, a baba lhe vem aos lábios, e. urra como um possesso, corre sempre, sem ver nada nem à direita nem à esquerda, sempre a urrar de maneira cruel e sempre com a arma ensangüentada na mão... As pessoas da aldeia sabem que nenhuma força humana pode conter aquele que está possuído desta crise de loucura sanguinária e quando o vêem gritam de longe o sinistro aviso: amok! amok! E todos fogem... Mas, ele. sem nada ouvir, prossegue na sua louca carreira; corre som nada ver e continua a matar tudo o que encontra, até que seja neuromentais, a neuropsicoses. 115 Carthew, Morden, “The Etiology and Prophylaxis of Mental Irritability in the Tropics”; in Jour. of Trop. Med. and Hyg., vol. III, 1937. abatido como um cão raivoso, ou que caia aniquilado e escumando de fúria...”116 O ímpeto sanguinário que o amok acarreta lembra até certo ponto certas atividades dos cangaceiros que explodem inopinadamente na vida pacata do sertão nordestino. [pg. 255] Além desta ação direta sobre a personalidade do sertanejo, fazendo-os uns desorientados e desajustados, age a fome periódica desorganizando ciclicamente a economia da região e criando um meio social extremamente receptível às atividades do cangaceirismo e do beatismo. Meio social formado de massas humanas predispostas à aceitação e à adoração desses tipos singulares que simbolizam a sua aspiração de fuga à miséria — fuga pela força do fuzil ou pela força da magia. A verdade é que, para o sertanejo, o cangaceiro raramente é um criminoso, um cele-rado, sendo cantado e louvado como um homem valente que joga cavalheirescamente a sua vida para defender os oprimidos e alimentar os famintos, roubando dos ricos para distribuir com os pobres.117 As conexões entre a fome e a adoração mística são tão claras e conhecidas que quase não merecem comentários. Todos sabem que os grandes líderes religiosos, Buda, Moisés, Maomé e Cristo, todos apregoavam os benefícios do jejum, tanto para permitir uma maior elevação do sentimento místico individual como para desenvolver nos crentes uma maior força de adoração mística. Não foi por simples coincidência que a Idade Média, com suas fomes devastadoras, se tornou o grande período místico do mundo, apresentando massas humanas alternativamente atacadas de uma estúpida e desesperada apatia”118 e de um intenso furor místico, atirando-as impunemente em mortíferas guerras religiosas para acalmar a sua sede de fanatismo e seu apetite de esfomeados crônicos. O sertão nordestino viveu até bem pouco a sua Idade Média. Durante a luta de Canudos, o fanático Antônio Conselheiro pregava entre os seus prosélitos, conforme documentou Euclides da Cunha, “os jejuns prolongados, 116 Zweig. Stefan. Amok. Paris. 1932. 117 Veja-se um tipo como Jesuíno Brilhante, célebre cangaceiro que apareceu na seca de 87 varando o sertão em todos os sentidos com suas façanhas heróicas. “Fazendo o diabo com os grandes. Dando ordens. Matando ladrão. Salvando o povo.” José Lins do Rego, Pedra Bonita. 1939. Também Antônio Silvino, outro célebre bandoleiro, foi sempre considerado protetor dos pobres, atacando os grandes comerciantes para distribuir os víveres com os famintos nas épocas de penúria... 118 Cruschmann, F., Hungersnote in Mitelalter, citado por P. Soro-kin in Man and Society in Calamity, 1942. as agonias da fome, a lenta exaustão da vida. Dava o exemplo fazendo constar, pelos fiéis [pg. 256] mais íntimos, que atravessava os dias alimentando-se com um pires de farinha”. E estas pregações encontravam eco no espírito da coletividade já acostumada aos martírios da fome. Certa vez que um padre vindo de fora, em Santa Missões, se referiu em sermão ao fato de que se poderia jejuar sem ir aos extremos da fome, comendo carne ao jantar e tomando pela manhã uma xícara de café, respondeu-lhe um fanático em aparte: “ora! isto não é jejum, é comer a fartar!” Os primeiros povoadores portugueses que aí se embrenharam no século XVI viviam, como demonstrou Sanchez Albornoz,119 ao estudar a empresa colonizadora ibérica na América, saturados de medievalismo. Viviam dentro de um espírito caracteristicamente medieval, ao mesmo tempo religioso e guerreiro, místico e de desenfreada cobiça, contrastando com o espírito burguês e heterodoxo de signo moderno, pós-renascentista e pós-luterano, que presidiu a colonização inglesa na América. Se, como afirma aquele historiador, a luta contra o Islã desviou a rota da Península Ibérica e lhe deu um atraso secular em seu medievalismo, maior ainda foi esse atraso histórico em Portugal, metido “em seu desterro geográfico, separado do grande mundo pela espessa muralha da meseta castelhana deserta e dura”.120 No sertão do Nordeste o forçado isolamento dessa gente, a falta de contatos mais seguidos com o resto do mundo prolongou estas sobrevivências do medievalismo português até quase nossos dias. Djacir Menezes, estudando a alma do sertanejo, escreve: “As atividades mentais das turbas sertanejas recuam no tempo. No seu folclore, nas suas crenças, nas suas tradições e nos seus folkways estão residuariamente as raças primitivas que revivem.”121 [pg. 257] Foge de nossos propósitos estudar a fundo todos os fenômenos sociais que decorrem deste estado de ensinamento da vida no sertão. O nosso intento foi apenas mostrar como, a nosso ver, age, por um mecanismo biológico especial, o fenômeno 119 Albornoz. Cláudio Sanchez. “La Edad Media y la Empresa de América”. Congresso de História de América, Sevilha, 1930, publicado posteriormente in Espana y el Islam. 1934. 120 Figueiredo. Fidelino de. Últimas Aventuras, 1943. 121 Menezes. Djacir. op. cit. Lourenço Filho, referindo-se a este in-sulamento do Nordeste e ao seu recuo no tempo, escreveu, no interessante estudo Joazeiro do Padre Cícero - Cenas e Quadros do Fanatismo no Nordeste: “um filho do sul.... a impressão primeira, quando pelo Nordeste se interne, é a que vai como num sonho recuando pelo tempo a cada passo. A vida parece que desanda e inicia um giro inverso, recuando para trás duas dezenas de anos, em cada dia de viagem...” econômico-social das fomes periódicas. Pondo em equação a influência deste fator, ao lado de muitas outras que trabalham em conexão nesta área, é possível obter-se uma interpretação mais justa do mistério da barbaria sertaneja, da intolerância e da valentia do homem do Nordeste, da sua sobranceria e do seu misticismo medieval. 14. Tivemos diante dos nossos olhos, expostos em seus traços mais marcantes, os retratos dos dois nordestes — o da mata e o das secas — e através desses quadros uma tentativa de interpretação do fenômeno da fome nestas regiões. Interpretação que merece uma análise mais circunstancial dentro do critério geográfico do regional. O estudo do regionalismo veio trazer uma nova e fecunda vitalidade à velha ciência geográfica que permaneceu até o começo do nosso século numa atitude de estéril academicismo. Atitude de desvinculação, quase que completa, com a realidade e a singularidade das diferentes paisagens vivas do mundo. Apenas ligada ao real pelo frágil fio das enumerações de uma superficial corografia, mais descritiva do que interpretativa, mais erudita do que explicativa. Numa palavra, mais morta do que viva. Foi a focalização mais profunda, a análise mais dinâmica dos traços que compõem a fisionomia singular das unidades regionais, que veio dar à geografia o seu grande sentido prático, a sua inserção ativa dentro dos valores de criação da ciência, posta a serviço da vida das coletividades. Tem toda a razão o Prof. E. W. Gilbert122 em afirmar que foi através do estudo do regional que foi possível recobrar, de uma nova carne, os descarnados ossos da geografia clássica. Mais do que descarnados: fossilizados pelos métodos de uma ciência geográfica que Ilin123 chamou, com muita propriedade, de uma geografia de fichários e de gavetas. Com as suas fichas engavetadas, murchando e [pg. 258] amarelando por falta desta seiva que circula na vida das paisagens e que caracteriza, por excelência, o verdadeiro fenômeno geográfico, em permanente transformação. E pagamos bem caro por esta despreocupação da ciência geográfica em face da realidade dinâmica. Daí a validez daquela frase pronunciada por um geógrafo e estadista britânico de que “o custo da ignorância geográfica tem sido 122 Gilbert, E. W. , “Geography and Regionalism” — Geograpky in XX Century — G. Taylor, 1951. 123 Ilin, M., Les Montagnes et les Hommes, 1946. incomensurável”. Grande parte das dilapidações das riquezas naturais, da violentação e do desequilíbrio provocado pelo homem nos quadros ecológicos regionais e mesmo das violentações dos grupos culturais, se deve ao pouco conhecimento das realidades geográficas em sua expressão dinâmica, exercida através do jogo de suas interações e implicações do natural sobre o cultural e vice-versa. Quando nos nossos dias todos os países procuram se equipar técnica e culturalmente para levar a efeito o desenvolvimento econômico e social dentro de planos previamente concebidos, a fim de evitar as distorções e violentações a que o empirismo econômico arrastou o mundo, os estudos de geografia regional crescem de importância e passam a constituir a indispensável base de trabalho para os políticos, os planificadores, os administradores, os estadistas. Sem um bom conhecimento geográfico, que transcenda do geral para o regional e penetre além do mundo das aparências até as raízes dos fatos ocultos, nenhum plano nem ação política ou administrativa poderá alcançar qualquer sucesso duradouro. Ora, este nosso documentário geográfico da fome deve servir como instrumento de informação para todos aqueles que desejem formular uma política econômica para o Nordeste, capaz de libertá-lo dessas taras ancestrais — de sua fome e de sua miséria. Para isto cumpre-nos correlacionar agora os dois nordestes em suas características complementares e suas mútuas influências condicionadoras da sua resultante econômica: da sua realidade estrutural. Pelo Brasil afora se tem a idéia apressada e simplista de que o fenômeno da fome no Nordeste é produto exclusivo da irregularidade e inclemência de seu clima. De que tudo é causado pelas secas que periodicamente desorganizam a economia da região. Nada mais longe da verdade. Nem todo o Nordeste é seco, nem a seca é tudo, mesmo nas áreas do sertão. Há tempos que nos batemos para demonstrar, para incutir na consciência nacional o fato de que a seca não é o principal fator da pobreza [pg. 259] ou da fome nordestinas. Que é apenas um fator de agravamento agudo desta situação cujas causas são outras. São causas mais ligadas ao arcabouço social do que aos acidentes naturais, às condições ou bases físicas da região. Muito mais do que a seca, o que acarreta a fome no Nordeste é o pauperismo generalizado, a proletarização progressiva de suas populações, cuja produtividade é mínima e está longe de permitir a formação de quaisquer reservas com que seja possível enfrentar os períodos de escassez — os anos das vacas magras, mesmo porque no Nordeste já não há anos de vacas gordas. Tudo é pobreza, é magreza, é miséria relativa ou absoluta, segundo chova ou não chova no sertão. Sem reservas alimentares e sem poder aquisitivo para adquirir os alimentos nas épocas de carestia, o sertanejo não tem defesa e cai irremediavelmente nas garras da fome.124 Se a região do Nordeste não fosse uma área subdesenvolvida, de economia tão fraca e rudimentar, poderia resistir perfeitamente aos episódios das secas sem que sua vida econômica fosse ameaçada e as suas populações acossadas pela fome. Poderiam mesmo esses episódios funcionar como um fator de propulsão e de expansão de sua economia. Não há nada de paradoxal nesta nossa assertiva. Ela deriva de observações levadas a efeito em diferentes pontos do mundo por sociólogos e economistas, que, libertos das idéias preconcebidas, são capazes de analisar os fatos em toda sua objetividade. Sobre este aspecto, André Piatier125 nos traz uma preciosa contribuição quando afirma que o nível de desenvolvimento pode ser medido ou aferido pelo grau de resistência de uma estrutura econômica em face de uma catástrofe natural ou social: seca, inundação, revolução, guerra. Enquanto os países subdesenvolvidos se deixam esmagar, os países realmente desenvolvidos reagem às catástrofes de forma positiva, estimulando suas funções de defesa e de conservação, conseguindo rapidamente apagar os efeitos catastróficos. Em sua reação chegam mesmo estes países, em face [pg. 260] do impacto, a ultrapassar o seu ritmo habitual de progresso. Para comprovar esta sua teoria Piatier cita o caso da Trança se reconstruindo dos efeitos da última guerra, no prazo de 5 anos, e alcançando em 10 anos um ritmo de crescimento como o país jamais conhecera. Cita o caso da Holanda diante da catástrofe do rompimento de seus diques há poucos anos e o da Alemanha aparentemente desmantelada por sua derrota militar e, no entanto, em dez anos refeita e economicamente poderosa. De outro lado apresenta o caso da Grécia que não dispõe de forças para se recompor em face dos estragos da guerra ou das inundações que sofreu nos últimos anos. 124 Apresentei na Câmara Federal uma série de discursos sobre o problema e suas verdadeiras origens, dos quais destaco os dois seguintes: — “O Problema das Secas do Nordeste e o Desequilíbrio econômico Nacional”, pronunciado em 11 de julho de 1956, e “Operação Nordeste” — de 21 de maio de 1959. 125 25. Piatier, André, Développement Economique Regionale et Développement Economique O Nordeste subdesenvolvido, como a Grécia, ou a Índia, ou o Ceilão, não resiste ao impacto da catástrofe. A luta contra a fome no Nordeste não deve, pois, ser encarada em termos simplistas de luta contra a seca, muito menos de luta contra os efeitos da seca. Mas de luta contra o subdesenvolvimento em todo o seu complexo regional, expressão da monocultura e do latifúndio, do feudalismo agrário e da subcapitalização na exploração dos recursos naturais da região.126 A meu ver todo o sistema de fatores negativos que entravam as forças produtivas da região são oriundos da arcaica estrutura agrária aí reinante. Todas as medidas e iniciativas não passarão de paliativos para lutar contra a fome, enquanto não se proceder a uma reforma agrária racional que liberte as suas populações da servidão da terra, pondo a terra a serviço de suas necessidades. É preciso não esquecer que no Nordeste 74% de sua população ativa se ocupa nas atividades primárias da agricultura, enquanto no resto do Brasil esta média é de 61% apenas. Daí a maior necessidade do nordestino de dispor de mais terra em condições favoráveis para torná-la produtiva. Condições praticamente inexistentes no atual sistema agrário regional. Para evidenciar esta situação basta uma cifra: 50% da área total do Nordeste são açambarcados por 3 % dos seus proprietários rurais e é por isto que mais de 50% das propriedades contam com mais de 500 hectares de terra. Ao lado deste latifúndio há a pulverização dos pequenos retalhos de terra — os minifúndios improdutivos. [pg. 261] Ao arcaismo da estrutura agrária está intimamente ligado ao problema do desemprego que é sem dúvida um dos fatores condicionantes da alta prevalência da fome no Nordeste. Gabriel Ardant127 afirmou com muita razão, que se é válida a existência de uma “geografia da fome”, também é válido o conceito de uma “geografia da desocupação” — géographie du dhômage — e dentro deste conceito podemos considerar o Nordeste como uma das grandes áreas geográficas de desemprego. Não apenas de desemprego ostensivo e endêmico, mas do desemprego dissimulado, mascarado, parcial ou estacional. Sob estas diversas formas há um grande Nationale, conferência realizada no Cairo em 1957. 126 Campos, Aloísio, Realidade econômica e Planejamento do Nordeste, Banco do Nordeste, 1956. desperdício da mão-de-obra nesta área do país pesando de maneira extremamente negativa na evolução da economia regional. Qualquer plano de desenvolvimento desta região visando à elevação dos seus níveis de vida tem que centralizar seus objetivos ou alvos primeiro no combate ao desemprego: em pôr em ação este fator ocioso na produção — a mão-de-obra regional. Como a reforma das estruturas agrárias, também a eliminação de subocupação é dos fatores essenciais, “um pré-requisito do progresso”, na afirmação categórica de G. Ardant. Nestas áreas do latifúndio, à exceção da cana-de-açúcar, se pratica uma agricultura primária sem assistência técnica, sem adubagem, sem seleção de sementes, obtendo-se um rendimento irrisório da terra e do trabalho consumido. E mesmo na área da cana-de-açúcar não andamos muito longe desta situação, tanto assim que o rendimento médio da cana no Nordeste é apenas de cerca da metade do de São Paulo e um terço do de Porto Rico. No Seminário para o Desenvolvimento do Nordeste, realizado em 1959, em Garanhuns, foram todos estes assuntos ventilados numa série de estudos bem fundamentados entre os quais destacamos os de Pompeu Acioly Borges, J. Arthur Rios e Ignacio Mourão Rangel. Por estas análises bem conduzidas do problema, chega-se ‘à conclusão de como o Nordeste estava a necessitar de um planejamento seguro dos seus problemas que orientasse o seu desenvolvimento econômico insular, marginal ao desenvolvimento brasileiro. Daí a oportunidade da criação da Sudene, encarregada de conduzir e superintender esta ação coordenadora do Governo no processo da evolução econômica regional. [pg. 262] Não estou muito de acordo com alguns dos princípios que orientaram a formulação doutrinária deste órgão, principalmente quando em documento de base os seus criadores afirmam que o subdesenvolvimento do Nordeste é produto da pobreza de sua base física e quando advogam o deslocamento dos supostos excedentes estruturais de sua população,128 mas reconheço com entusiasmo que pela primeira vez os problemas do Nordeste são encarados com certa dose de seriedade. 127 Ardant, Gabriel, Le Monde en Friche, Paris, 1959. 262 128 Uma política de Desenvolvimento econômico para o Nordeste — 1959. Sobre nossas discordâncias com os principais aspectos expostos neste documento, veja-se O Observador econômico e Financeiro. de abril de 1959, no seu artigo intitulado “Operação Nordeste: Dois Nomes e Duas Opiniões”. Ultrapassamos, assim, a fase das lamentações, da ação-lamento,129 das lamúrias e da mão estendida para o Sul, alcançando a fase das reivindicações formuladas em termos de economia e de interesses realmente nacionais. Pouco a pouco este novo organismo tomará corpo e, expurgado de alguns defeitos estruturais e burocráticos mais graves, enveredará pelo caminho das realizações práticas que atendam realmente às necessidades regionais e aos interesses nacionais. [pg. 263] 129 Souza Barros, O Nordeste, 1952. V. AS ÁREAS DE SUBNUTRIÇÃO: CENTRO E SUL 1. Com este capítulo alcançamos o estudo das duas restantes áreas alimentares do Brasil — a Área Central e a Área do Sul — nas quais as deficiências alimentares são mais discretas e menos generalizadas. Como antecipamos na introdução do presente ensaio, não são áreas de fome, no sentido rigoroso da palavra, mas áreas de subnutrição, de desequilíbrio e de carências parciais, restritas a determinados grupos ou classes sociais. Assim sendo, o seu estudo detalhado ultrapassa os limites convencionados no plano deste livro. Considerando, no entanto, que, para obter-se uma visão de conjunto da situação alimentar do país, se faz necessário um conhecimento pelo menos geral dessas áreas, parece-nos de interesse sejam ditas a respeito algumas palavras. Claro que não vamos analisá-las com o mesmo espírito que procuramos manter em face das áreas de fome anteriormente estudadas, limitando-nos a traçar delas não um retrato completo e acabado, mas um simples esboço impressionista, no qual serão destacados os seus traços mais significativos. Assim completaremos a análise do mapa alimentar do Brasil, com suas áreas de fome, estudadas mais a fundo, e as suas áreas de subnutrição, delineadas como zonas de transição entre as nossas e as outras áreas de fome que se apresentam no continente sul-americano — o planalto boliviano, o chaco, o deserto chileno, as terras subandinas da Argentina, a Amazônia peruana, colombiana e venezuelana, cujo estudo abordaremos no nosso livro Geopolítica da Fome. [pg. 265] 2. Abrangendo as terras do Centro-Oeste brasileiro encontramos uma nova área alimentar típica, tendo como alimento básico o milho, diferenciando-se, no entanto, da área do sertão nordestino pelas associações com que este alimento se combina a diferentes outras substâncias alimentares. É a Área Central do Milho, que abrange as regiões montanhosas de Minas Gerais, o sertão do sul de Goiás e os pantanais de Mato Grosso. Zona em parte de clima quase subtropical, com chuvas abundantes e regulares e de temperatura abrandada em seus extremos de calor, pela altitude. Esta é a zona por excelência do cultivo do milho, concentrando aí 25% da produção nacional. Corn-belt brasileiro que, como o norte-americano, possui também os maiores rebanhos de porcos do país: os dois mapas de produção, o do milho e o da carne de porco, superpondo-se rigorosamente, traduzindo deste modo a interdependência absoluta dos dois fatos econômicos. O porco funcionando como o processo mais rendoso de ensacar e exportar o milho. Não se conclua daí que se limitam a esses dois produtos os recursos alimentares da região. Há também a criação abundante de gado bovino e o cultivo de variados produtos agrícolas, como o feijão, o café, o arroz e a cana-de-açúcar, sendo a sua paisagem regional um verdadeiro mosaico de manchas agrícolas e de pastagens. Apesar da criação de gado em grande escala nesta zona, o milho, que é o alimento básico das populações, não se associa preferentemente ao leite,1 no regime local, mas ao feijão e à gordura de porco, num complexo nutritivo cuja expressão típica é o tutu de feijão mineiro, preparado com farinha de milho, feijão, gordura, toucinho e lombo de porco, complexo alimentar de alto valor calórico, mas qualitativamente de valor nutritivo bem inferior ao do angu ou do cuscuz de milho com leite do sertão nordestino, principalmente por seu teor mais baixo em cálcio e vitaminas.2 Inferior mesmo aos pratos de milho e feijão da cozinha do litoral baiano, onde os negros fabricam os seus abarás, acaçás, e acarajés, afogando [pg. 266] bolos de fubá, ou de feijão, num banho de óleo de dendê e de pimenta, verdadeira infusão concentrada de vitaminas A e C. Já a gordura de porco com que é refogado o tutu mineiro é inteiramente desprovida de vitaminas. Esta inferioridade é, no entanto, compensada, e o regime ganha de categoria biológica pelo consumo bem mais liberal que faz nessa zona dos vegetais verdes, principalmente das couves. A couve mineira é componente habitual da dieta 1 Em inquérito realizado nessa zona, sob a orientação de A. de Arruda Câmara, verificou-se que o consumo local de leite é, em geral. baixo, porque os fazendeiros vendem o produto para as indústrias de laticínios. Dessa forma o leite, na região, passa a ser preferentemente um produto de comércio e não de subsistência. 2 Duarte, Lima, Ensaios Sobre a Higiene da Escravatura no Brasil, 1849. regional, servindo de boa fonte de sais e de vitaminas. Outras hortaliças, assim como as frutas, são de consumo mais amplo do que nas outras áreas até agora estudadas; principalmente a laranja, o mamão, a banana e o abacate. Produtos da cana, como o caldo, o melado, a rapadura são abundantemente consumidos em certas áreas mineiras; onde proliferam os pequenos engenhos de açúcar. A análise química deste regime permite-nos verificar que não há déficits calóricos no mesmo; pelo contrário, deve haver até certo excesso quantitativo, por conta do amido do milho e das gorduras do porco, o que resulta numa maior incidência, nesta zona, da obesidade e do diabete, e na formação do tipo biológico dos mineiros lentos e pesados, conservadores e pachorrentos. Quanto aos déficits qualitativos, não são tão intensos a ponto de se exprimirem sob a forma gritante de carências declaradas, manifestas clinicamente, mas apenas sob a forma discreta dos estados frustos. Desvitaminoses A, B e C, representadas por sinais mais apagados, que só o olho bem avisado e experiente do especialista é capaz de apanhar. Há apenas uma carência que, por exceção, se estampa nessa área de maneira espetacular — é a carência em iodo. A pobreza deste metalóide nessas terras montanhosas, no seu solo, na sua água e nos vegetais aí produzidos, é responsável pela enorme incidência do cretinismo endêmico nessa região, cretinismo que se manifesta numa rica gradação de formas clínicas, bociosas ou não. Como se trata de uma carência manifesta, a única grassando em escala social na área, merece que se faça dela uma análise particularizada. As observações e os estudos experimentais, realizados em diferentes zonas bociosas do mundo, levaram os cientistas à conclusão unânime de que o bócio endêmico ou endemia bócio-cretínica é uma doença de carência, resultante da ingestão ou [pg. 267] da utilização deficiente do iodo alimentar, nas regiões em que a doença assola. Youmans3 afirma de maneira categórica esta etiologia da doença, quando diz ser a deficiência em iodo tão específica e indiscutível quanto as deficiências em vitaminas, capazes de determinar avitaminoses típicas. Foi Chatin quem primeiro pôs em destaque a importância desse metalóide no funcionamento da glândula tireóide, atribuindo à sua deficiência um papel decisivo na formação do bócio. 3 J. B. Youmans, Nutritional Deficiencies. 1941. 268 Tendo, em meado do século passado, aperfeiçoado um processo de dosagem de iodo de grande sensibilidade e precisão (capaz de dosar 0,1 de y — gama, ou seja, de um décimo de milésimo de miligrama), o cientista francês determinou o teor em iodo da água, do solo e dos alimentos produzidos em diferentes regiões assoladas pelo bócio, chegando à conclusão de que em todas elas havia alarmante pobreza desse elemento mineral, comparando-se os resultados obtidos com os das regiões indenes de bócios. Com a demonstração dessa absoluta correlação entre bócio endêmico e pobreza regional de iodo estavam lançadas as bases da teoria carencial do bócio. Mesmo ignorando a presença do iodo na tireóide e o seu papel fisiológico como componente químico do produto hormonal da glândula, fatos só ulteriormente fixados, graças aos estudos de Bauman (1896), Oswald (1899) e Kendall (1914), mesmo assim, com uma intuição verdadeiramente genial, Chatin afirma ser a falta de iodo a causa fundamental do bócio endêmico e ser a medicação iodada a única terapêutica específica do mal. Infelizmente, os estudos de Chatin não foram bem aceitos. Atravessava-se a fase de maior esplendor da era pasteuriana e a bacteriologia suplantava todas as demais ciências. Os adeptos da teoria microbiana do bócio criticaram acerbamente as concepções ousadas de Chatin e continuaram a afirmar a natureza contagiante e, portanto, infectuosa do bócio endêmico. Uma série de fatos e observações, bem conduzidos nos tempos atuais, vieram mostrar, no entanto, os fundamentos científicos dos conceitos de Chatin e a absoluta falta de fundamento da teoria microbiana. Destes fatos bastam ser apresentados os mais significativos, para se ter uma demonstração categórica da natureza carencial dessa doença: [pg. 268] 1 — Estudando a distribuição geográfica do bócio endêmico, verifica-se que as áreas de maior incidência são as regiões dos Alpes, Pireneus, Montes Cárpatos, Himalaia, vales centrais da Nova Zelândia, regiões dos grandes lagos norte-americanos e região central do Brasil, regiões essas todas encravadas no centro de massas continentais, distantes da costa e com condições, tanto geológicas como climáticas, desfavoráveis à existência de suficientes reservas de iodo no meio natural. O iodo é largamente distribuído na natureza, encontrando-se as suas maiores reservas não só no mar, como é crença popular, mas em terra.4 Acontece, porém, que a sua distribuição continental é muito irregular, havendo tipos de solos onde os compostos iodados são rapidamente decompostos ou solubilizados e arrastados pelas lavagens da região.5 A natureza química das rochas básicas, o fator continentalismo, os fenômenos lavagem e erosão do solo fazem cair intensamente o teor do iodo regional, traçando nas zonas de deficiência extrema, o mapa da distribuição do bócio. McClendon,6 estudando estas variações regionais através da análise do conteúdo em iodo das águas dos Estados Unidos, verificou a existência de águas com um teor mil vezes mais rico do que o de outras águas, sendo este o limite máximo de variação encontrado. 2 — Os estudos realizados numa dessas áreas de bócio, o Estado de Michigan nos Estados Unidos,7 demonstraram que a incidência da doença em diferentes regiões era inversamente proporcional à riqueza em iodo da água e do solo regionais, sendo tanto mais alta quanto mais baixo o teor desse mineral. [pg. 269] 3 — Analisando a freqüência dos casos de bócio entre os recrutas do exército norte-americano, McClendon8 observou uma incidência muito mais alta da doença nos recrutas originários das regiões abastecidas com águas pobres ou isentas de iodo, que nos das regiões possuidoras de alto teor desse mineral, nas suas águas, nova confirmação da correlação iodo e endemia bócio-cretínica. 4 Orr. J. B. e Leith. J.. “Iodine in Nutrition”. in Medical Research Council, Special Series Depart.. n.° 123. Londres. 1929. 5 Soil and Men. Yearbook of Agricultura, U.S.A., Department of Agriculture. 1938. 6 McClendon. J. F.. “The Distribution of Iodine with Special Referen-ce to Goiter”. in Physiology Review. 7, 1937. 7 Kimball. O. P.. “The Efficiency and Safety of the Prevention of Goiter”. in Michigan Health Report. 21, 1924. 8 McClendon, J. F.. Iodine and the Incidence of Goiter. 1939. 4 — Os trabalhos de Remington e Levine,9 provocando a hiperplasia da tireóide em ratos jovens alimentados durante cinco semanas com um regime carenciado em iodo, constituem argumento excepcional de alta valia em favor da teoria alimentar do bócio. 5 — O fato de até hoje, apesar dos notáveis progressos da microbiologia, não ler sido isolado qualquer germe ou vírus capaz de ser responsabilizado pela doença, constitui também argumento destrutivo da antiga teoria microbiana defendida por McCarridon, Messerli e outros. 6 — Os estudos anatomopatológicos, mostrando que nos casos de bócio endêmico não apresentam os tecidos glandulares um aspecto de reação inflamatória, constituem também forte argumento contra a hipótese de uma tireoidite parasitária. 7 — Finalmente, os surpreendentes resultados obtidos com a profilaxia do mal pelo uso permanente de doses mínimas de iodo, verificadas nas mais diferentes regiões do mundo, constituem o último e definitivo argumento de que o bócio endêmico é produto exclusivo de carência em iodo.10 [pg. 270] O bócio endêmico grassa no Brasil desde os tempos coloniais; abrange grande área do Brasil Central, alcançando os seus mais altos graus de incidência nos listados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro. Paraná, Goiás e Maio Grosso. Em certa zona do Estado de Minas Gerais, no município de Conselheiro Lafaiete, Álvaro Lobo11 registrou, entre os alunos das escolas públicas, incidência de bócio de 9 Remington, R. R. e Levine, H., “Studies on the Relation of Diet Goiter”, in Journal of Nutrition, 11. 1936. 10 Curtis, G. M. e Fertman, M. B., “Iodine in Nutrition”, in Hand-book of Nutrition, American Medical Association, 1943. 11 Lobo Leite, A., “Bócio Endêmico e Doença de Chagas”, O Hospital, junho. 1942. 44% e Arruda Sampaio12 encontrou, num distrito nos arredores da capital de São Paulo, incidência atingindo a 60% dos escolares. Outros estados da União apresentam em escala menos alarmante a endemia bócio-cretínica. As conseqüências de tal endemia carencial são muito graves, tanto para o lado do sistema orgânico como sobre o psiquismo dessa gente. As alterações orgânicas se manifestam pelas deficiências de crescimento, pelas deformações locais e gerais, pelas alterações de todo o metabolismo que se rege sob o influxo da tireóide. Sobre o psiquismo, o bócio-cretínico atua profundamente, constituindo os casos de cretinismo, de imbecilidade, de idiotia hipotireóidicas. É com razão que Álvaro Lobo, estudando esta terrível praga carencial, acentua o fato de que “o mais grave dela não está, como poderia parecer, no bócio propriamente dito, na deformidade cervical mais ou menos pronunciada... o mais grave são as perturbações por vezes profundas e irreparáveis, das demais glândulas de secreção interna e do sistema nervoso que se encontram nas mesmas regiões, produzidas pelos distúrbios da glândula tireóide e que, condicionadas e agravadas por fatores de hereditariedade e consangüinidade, conduzem a estados mórbidos de profunda degeneração do indivíduo... a debilidade mental, o nanismo tireóideo, o cretinismo, a surdo-mudez, a idiotia, etc.”. Embora referida incidentemente desde os tempos coloniais por naturalistas e sábios que visitaram o nosso país, o estudo de semelhante endemia não foi posto em foco, à luz dos conhecimentos médicos, senão depois dos sugestivos estudos de Carlos Chagas. Foi Chagas quem polarizou o interesse dos meios médicos do país sobre o problema do bócio com sua notável [pg. 271] descoberta da tripanossomíase americana. Encontrando entre os infectados de Tripanosoma cruzi grande número de bociosos e comprovando a presença do parasita nos tecidos glandulares alterados, Chagas levantou a hipótese de que o bócio endêmico dessas zonas do sertão brasileiro era causada pela tripanossomíase. A concepção de Chagas parecia bem fundamentada e a teoria infectuosa do bócio endêmico robusteceu-se com as suas observações e afirmações. Estudos posteriores, levados a efeito pelos continuadores da sua obra, principalmente os de Beata Viana, Álvaro Lobo, Eurico Vilela, Arruda Sampaio e 12 Sampaio, Arruda, Aspectos do Bócio Endêmico na Infância e na Adolescência, 1944. outros, vieram mostrar mais uma vez a precariedade da teoria infectuosa e as bases sempre bem comprovadas da teoria da carência alimentar. Álvaro Lobo, principalmente, apresentou uma documentação e argumentação convincentes sobre o assunto no seu magnífico trabalho Bócio endêmico e Doença de Chagas. Inicialmente, baseou a sua argumentação no fato de apresentar a endemia bócio-cretínica no Brasil as mesmas manifestações sintomáticas das de outras áreas conhecidas no mundo, e também no fato de ser a sua área de distribuição muito mais ampla do que a área vegetativa do barbeiro, inseto transmissor da tripanossomíase americana. Em grande área de bócio no Estado de Minas Gerais, verificou esse investigador não existir qualquer caso comprovado de tripanossomíase aguda. Baeta Viana comprovou esses resultados de Lobo, negando a- existência da infecção tripanossomiásica nesta mesma área bociosa, onde foi verificada grande deficiência em iodo nas águas e no solo da região. Na zona paulista de bócio, estudada por Arruda Sampaio, também não se verificou a coexistência da doença de Chagas. A impressão que se tem desses estudos mais recentes é de que a doença de Chagas, grassando numa área de bócio endêmico carencial, atinge indistintamente bociosos e não bociosos, e nos casos de bócio, dado o caráter infectuoso da tripanossomíase, reforça o estado de carência exógena constituindo-se como uma causa endógena de maiores gastos de iodo. É esta a explicação bastante sensata que nos dá Álvaro Lobo para justificar o aparecimento da infiltração mucosa de tipo hipotireóidico e o intumescimento glandular que se nota em muitos casos agudos da tripanossomíase, sinais esses que constituíam os argumentos mais fortes do conceito infectuoso do bócio. Vejamos as suas [pg. 272] próprias palavras: “Chagas trabalhou em região de bócio endêmico muito afastado do litoral, onde provavelmente existe carência iódica do meio. Na fase aguda da tripanossomíase, que se prolonga por tempo considerável, deve-se dar o esgotamento das reservas de iodo da glândula, por maior produção do hormônio tireóideo. Daí uma carência iódica relativa que se vem somar à carência exógena do meio. Assim se explica a insuficiência aguda da glândula nos casos agudos de tripanossomíase no sertão, traduzidos pelo mixedema e pela reação da mesma glândula traduzida pelo bócio.” Deduz-se dessas palavras que a tripanossomíase só pode ser considerada agente de agravamento da carência iódica, mas nunca causa direta do bócio, provocando uma tireoidite infectuosa, como se pensou a princípio e as observações anatomopatológicas vieram a negar depois. O tripanossomo age no metabolismo do iodo de maneira semelhante ao ancilóstomo no metabolismo do ferro, onde o verme acentua a anemia ferropriva, aumentando os gastos de ferro num organismo desfalcado das suas reservas parciais. Além do bócio endêmico, são vítimas estas populações abandonadas em sua indigência de outras endemias, tais como a verminose e o paludismo, em cujo mecanismo não deixa de influir o fator alimentar. Esta área central sofre no momento um grande impacto dos seus hábitos tradicionais de alimentação — do seu tipo de dieta — em face da mudança da capital da República para o Planalto Central. A área do Planalto de Goiás, que viveu até hoje praticamente insulada, por falta de vias de comunicação e de contactos com os grandes centros demográficos do país, começa a ser vitalizada em todos os setores de sua economia e inovada em sua estrutura social pela construção de Brasília e da rede de estradas que daí partindo corta esta região em todas as direções. Ainda é cedo para se prever quais as principais alterações que irão processar-se no padrão alimentar da região. Mas não há dúvida que ele vai mudar, pela influência dos novos grupos alienígenas que aí se vão fixando, pela revisão que aí se processa nos métodos da utilização econômica da terra e pela introdução das novas técnicas até então ignoradas neste meio social menos evoluído. [pg. 273] A curto prazo poderá a nova capital constituir-se como um fator de agravamento das condições alimentares da zona rural, sugando para a nova metrópole não só as disponibilidades alimentares da região, como a própria mão-de-obra agrícola. Mas será, a nosso ver, um fenômeno transitório desta rápida fase de reajustamento ecológico da região. Há contudo quem tema efeitos negativos mais duradouros em face da relativa pobreza do solo na região do cerrado goiano onde se assenta a nova capital, mas este aspecto do problema está a exigir maiores estudos para que se possa chegar a uma conclusão mais objetiva. E tudo está na dependência da planificação a ser estabelecida para ligar a nova capital à zona rural da qual é ela tributária para suas necessidades de abastecimento e a qual ela influencia pela irradiação de sua força política e administrativa. Com a criação de novas frentes de produção agrícola que encontrarão escoadouro para seus produtos através da rede rodoviária que Brasília determinou, poderá ocorrer uma mudança total da situação alimentar desta extensa área, até hoje, de precárias condições de alimentação. É este um dos aspectos mais importantes para o povoamento desta região central onde as populações pioneiras estarão expostas a graves doenças se não forem desta forma protegidas. O sertão goiano onde se assenta a nova capital encerra “focos ou nichos naturais” de várias doenças que poderão tornar-se endêmicas se não forem tomadas as devidas precauções. Mas estamos certos que os estudos da Geografia Médica determinarão a conduta dos orientadores deste povoamento para que não se repita o drama ocorrido no passado nas zonas pioneiras de São Paulo, onde ocorreram cerca de cem mil casos de leishmaniose tegumentar ou o drama da Amazônia com seu meio milhão de beribéricos.13 Os recursos hoje disponíveis, a planificação, a organização sanitária, a colonização dirigida e não de aventura desordenada, tudo isto nos dá a certeza de que esta região só terá a ganhar em matéria de alimentação e de saúde pela implantação da nova capital no meio do sertão agreste. E esta mesmo uma das grandes missões de Brasília. A maior parte dos brasileiros se impressiona diante da construção da nova capital pelo que este ato significa como [pg. 274] arrojo e como epopéia. Por seu impacto material que se exprime pelo ato de vontade criadora que está levantando no Planalto Central, descampado e deserto, uma grande e moderna metrópole: a mais moderna do mundo, por suas concepções arquitetônicas e urbanísticas. A meu ver este impacto, com toda a sua grandiosidade, significa menos para o Brasil do que o impacto político e social que esta mudança provocará sobre a estrutura viva da Nação. Não se muda uma capital pelo simples gosto de deslumbrar o mundo. Muda-se uma capital quando as circunstâncias históricas determinam a necessidade de mudá-la. Com a transferência da capital para Brasília, o que se objetivou antes de tudo foi mudar a posição do Brasil. Foi tirar o país desta posição paradoxal em que se encontrava de, sendo uma espécie de império continental, viver de costas voltadas para sua própria realidade econômica e social. Viver debruçado sobre o Atlântico, 13 Pessoa. Samuel — “Importância da Geografia Médica na Medicina Tropical e no em obediência a esta espécie de vocação oceânica, que fez com que o brasileiro ignorasse durante séculos a realidade do Brasil. É esta mudança de posição que o momento nacional está a impor em atendimento aos anseios populares de progresso e de desenvolvimento autêntico, numa palavra, de integração econômica de todo o corpo da nacionalidade. É esta a grande missão de Brasília: missão de integrar e unificar, cada vez mais, todas as regiões do país num só todo, procurando atenuar os desníveis e desequilíbrios econômicos e sociais que caracterizam por excelência a realidade brasileira. É como um instrumento de ação política, estrategicamente colocado, que Brasília vai in-fluenciar de maneira decisiva nos destinos de cada uma das regiões brasileiras, mesmos as mais remotas, as mais distantes dos grandes centros de atividade do país. E nenhuma região será mais beneficiada do que o Brasil Central. 3. A área do Sul que abrange geograficamente o Estado da Guanabara, o Estado do Rio, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, é caracterizada por uma maior variedade de elementos componentes do seu regime alimentar e pelo consumo mais alto das verduras e das frutas. Sendo a zona mais rica do país, de maior desenvolvimento, tanto agrícola como industrial, compreendendo 80% da capacidade econômica de toda a nação, não é de estranhar que disponha de elementos para tornar um tanto mais elevado o seu padrão alimentar. [pg. 275] O primeiro fator dessa melhoria está na sua base econômica mais sólida, desde que a capacidade de produção per capita, em certos pontos dessa área, como no Rio de janeiro e em São Paulo, é dez vezes mais alta do que a dos estados do Norte. Outro fator decisivo dessa superioridade regional é a própria produção mais abundante, desde que a área do Sul, contendo 31% da população nacional, nela concentra 40% da produção de alimentos de todo o país. Tanto as condições do seu solo e de seu clima como a influência favorável das recentes levas de imigrantes que aí se vêm fixando do século passado até os nossos dias, tudo isto tem trabalhado num sentido de diversificar os recursos alimentares da região e de utilizá-los de maneira mais racional. As altas cotas de italianos, alemães, poloneses, lituanos que vieram colorir o quadro etnológico nacional nessa zona fizeram também dessa área Povoamento das Zonas de Influência de Brasília” — (Aula Inaugural) — 1960. alimentar uma espécie de mosaico, constituído de inúmeras subáreas, nas quais os alimentos básicos variam e os seus arranjos e tipos de preparo variam ainda mais. Assim vamos nela encontrar desde um tipo de alimentação predominantemente vegetariana, caracterizada por um largo uso do trigo, sob a forma de macarrão, ravioli e spaghetti, como na área paulista, traindo a influência do tipo de alimentação italiana, até o tipo oposto de alimentação, de predominância carnívora, da região dos pampas gaúchos, na subárea do Rio Grande do Sul, caracterizada pelo complexo alimentar do churrasco e do mate-chimarrão. As colônias japonesas localizadas nas proximidades dos centros urbanos, como em torno da capital de São Paulo, tendo dado grande incremento às culturas hortícolas, tornaram mais abundante o consumo das verduras nessa área. Nas zonas de maior influência germânica vamos encontrar um consumo mais freqüente de aveia, centeio, lentilhas, hortaliças e frutas; assim como da carne, principalmente de porco, em suas inúmeras variedades de salsichas, bacon, presunto doméstico, carne de fumeiro, comidos com pão preto, chucrute e cerveja. Não se conclua pela enumeração desta apetitosa lista de substâncias alimentares, produtos da ação conjunta de fatores naturais e culturais favoráveis, que a alimentação nessa área seja perfeita, isenta de deficiências e de desequilíbrios. Estamos muito longe disto. Ela é bem superior à das outras áreas brasileiras [pg. 276] estudadas, mas está bem distante daquele tipo de alimentação sadia e considerada perfeita dos habitantes da Califórnia e da Nova Zelândia, por plo.14 Os inquéritos realizados em diferentes pontos da área do Sul têm mostrado que as dietas locais são, sob diferentes aspectos, incompletas e impróprias. No inquérito que em 1937 realizamos em colaboração com outros especialistas na cidade do Rio de Janeiro,15 verificamos que o regime alimentar nessa cidade é deficiente em cálcio, ferro e vitamina A e dos grupos B e C. Deficiências que resultam principalmente do baixo consumo de leite, de verduras, de legumes verdes, de cereais integrais e de frutas entre os elementos das classes proletárias. Os inquéritos 14 Os estudos mais recentes de Nutrição começam a evidenciar que mesmo nestas áreas a dieta alimentar está longe de ser perfeita. Por seus defeitos e erros, principalmente pela escassez de certos princípios alimentares. se explica o alto índice de doenças degenerativas entre estes povos aparentemente tão bem alimentados. 15 Barreto. J. Barros; Castro. Josué de. e Castro. Almir de. Inquérito Sobre as Condições de levados a efeito em São Paulo também revelaram carencias parciais desses elementos, embora um pouco mais discretas do que as do Rio. De fato, São Paulo apresenta o padrão alimentar menos defeituoso de todo o país. Seu regime começa por basear-se mais no trigo, havendo um consumo local de sua farinha duas vezes mais alto do que o consumo m são superiores às dos outros cereais — milho e arroz. Apesar desta maior tendência dos paulistas a consumirem trigo, frutas e verduras, sofrem, contudo, da carência de certos princípios nutritivos, conforme atestam os inquéritos de hábitos alimentares e de nutrição, levados a efeito por Almeida Júnior, Jorge Queiroz Moraes, Pauta Sousa, Francisco Cardoso e Tavares de Almeida.16 Se em Santa Catarina a alimentação popular se mostrou, na indagação de Arruda Câmara, de modo geral suficiente e equilibrada, no Rio Grande do Sul encontrou Cleto [pg. 277] Seabra Veloso,17 na zona de Bajé, um regime insuficiente e nitidamente carenciado em vários princípios fundamentais, o que explica, em grande parte, a no país. Nesta área do Sul, sem dúvida a melhor alimentada do país, verificou-se contudo através das indagações bem conduzidas, toda uma série de carências alimentares, as mais das vezes parciais, discretas ou ocultas. Uma delas se manifesta, no entanto, de forma gritante: é a carência de proteínas entre as crianças pobres dos grandes centros urbanos da região. Em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo os pediatras têm constatado nos últimos anos uma incidência extremamente alta dos edemas de fome das distrofias malignas e mesmo dos síndromes típicos de kwaskiorkor entre as crianças atendidas nos hospitais públicos, nos bairros operários e nos subúrbios. Alguns pediatras chegam a afirmar que estes Alimentação no Distrito Federal. 1938. 16 São as seguintes as publicações que dão conta dos resultados desses inquéritos: Almeida Júnior, “Nosso diário alimentar”, in Arquivos do Instituto de educação. n.º 1. S. Paulo, setembro de 1935: Jorge Queiroz Moraes. “O Problema Alimentar no Estado de S. Paulo”, in Rev. Org. Cient. IDORT. e “Preparemos o Brasil para os Dias Incertos de Amanhã”. S. Paulo, 1939; Paula Souza. Ulhoa Cintra e Pedro Egydio de Carvalho. “Inquérito sobro a Alimentação Popular em um Bairro de S. Paulo”. in Rev. Arq. Municipal. S. Paulo, n.º XVII. 1935: Francisco A. Cardoso — “Avaliação do Estudo Nutritivo de uma Co-letividade pela Dosagem de Vitamina C da Urina”, in Rev. de Medic.e Cirur.. S. Paulo. vol. V. ns. 9-12. 1945: A. Tavares de Almeida. O Oeste Paulista. 1943. 17 Veloso. Cleto Seabra. “Alguns Aspectos da Alimentação no Rio Grande do Sul”, separata do Arq. Bras. Medic, 1942. estados mórbidos que exteriorizam a carência de proteínas, ou melhor, de certos aminoácidos integrantes da molécula protéica, longe de diminuir, têm sua incidência em franca ascensão, com o surto de industrialização e o adensamento do proletariado urbano no Brasil. Voltaremos ao assunto quando no capítulo seguinte analisarmos as condições alimen mentação. Chega-se, através desta rápida análise, à conclusão de que o Sul é realmente uma zona de subnutrição crônica, cujas populações, embora libertadas em sua maioria das formas mais graves da fome, estão no entanto long VI. ESTUDO DO CONJUNTO BRASILEIRO 1. Com a apresentação, sob a forma de grandes manchas impressionistas, das áreas de subnutrição do Centro e do Sul, completa-se a caracterização do mosaico alimentar do país. Através deste panorama verifica-se a veracidade do título e das premissas deste volume: o Brasil é realmente um dos países de fome no mundo atual. Tanto em seus quadros regionais como em seu conjunto unitário, sofre o Brasil as duras conseqüências dessa condição biológica aviltante de sua raça e de sua organização social. Não vamos, para completar o quadro do conjunto brasileiro, enfileirar aqui dados estatísticos comprovantes dessa miséria alimentar. Embora esses números enchessem a vista de certos tipos de leitores, resolvendo as suas dúvidas com uma simples comparação de cifras, e satisfazendo a sua curiosidade estatística, não nos tenta o método. Este ensaio não visa propriamente a uma análise do problema em seus aspectos quantitativos, mas, principalmente, em seus aspectos qualitativos.1 O método estatístico com sua tendência substancial para os grandes agrupamentos e para a homogeneização dos fatos não nos poderia dar em seus painéis genéricos uma noção exata de certas [pg. 279] nuances, das infinitas gradações de cores de que se reveste o fenômeno, nos dois sentidos, no vertical e no horizontal, na ampla superfície de sua área territorial e nas diferentes capas sociais que estruturam a nacionalidade. Esta a razão pela qual os dados estatísticos apenas participam deste ensaio como matéria-prima, a ser sempre que possível manipulada e transformada em argumentos explicativos sem que o seu texto se ressinta de um certo peso das 1 Sobre o panorama alimentar no Brasil, expresso em dados e índices estatísticos, consulte-se o relatório apresentado pelo Deputado Agostinho Monteiro à Comissão de Investigação econômica da Assembleia Legislativa e publicado sob o título Problemas de Alimentação no Brasil. Rio, 1946. notas explicativas, visando penetrar um tanto mais a fundo a essência de fenômeno, tão cambiante e polimorfo, como o da fome em sua expressão social.2 Apesar desta constante fuga do fenômeno em se deixar apanhar em sua totalidade, pode-se, no entanto, tirar da observação de seus aspectos parciais uma noção mais ou menos concisa da sua expressão total. A fome no Brasil, que perdura, apesar dos enormes progressos alcançados em vários setores de nossas atividades, é conseqüência, antes de tudo, de seu passado histórico, com os seus grupos humanos, sempre em luta e quase nunca em harmonia com os quadros naturais. Luta, em certos casos, provocada e por culpa, portanto, da agressividade do meio, que iniciou abertamente as hostilidades, mas, quase sempre, por inabilidade do elemento colonizador, indiferente a tudo que não significasse vantagem direta e imediata para os seus planos de aventura mercantil. [pg. 280] Aventura desdobrada, em ciclos sucessivos de economia destrutiva ou, pelo menos, desequilibrante da saúde econômica da nação: o do pau-brasil, o da cana-de-açúcar, o da caça ao índio, o da mineração, o da “lavoura nômade”, o do café, o da extração da borracha e, finalmente, o de certo tipo de industrialização artificial, baseada rio ficcionismo das barreiras alfandengárias e no regime de inflação. É sempre o mesmo espírito aventureiro se insinuando, impulsionando, mas logo a seguir corrompendo os processos de criação de riqueza no país. É o “fique rico”, tão agudamente estigmatizado por Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro Raízes do Brasil. È a impaciência nacional do lucro turvando a consciência dos empreendedores e levando-os a matar sempre todas as suas “galinhas de ovos de ouro”. Todas as possibilidades de riqueza que a terra trazia em seu bojo. Em última análise, esta situação de desajustamento econômico e social foi 2 Joseph Klatzmann, em conferência realizada na Sorbonne em janeiro de 1958, dá um excelente apanhado do que ele chama as armadilhas da estatística, os enganos onde nos podem conduzir as cifras estatísticas. Vejamos um trecho bem significativo de sua conferência: “Todo mundo sabe como se enganam as pessoas constantemente com as estatísticas. Às vezes de forma premeditada, às vezes sem propósito. Mas por que as estatísticas enganam? Por variadas razões. De logo. porque elas são muitas vezes falsas. Mas não é só com estatísticas falsas que se deforma a realidade. As estatísticas verdadeiras também servem a este objetivo. Com efeito, pode-se apresentar cifras, sem precisar de que se está falando, sem dar definições exatas. Mas também se pode enganar com estatísticas exatas. e precisas. Pois há ainda o delicado problema de interpretação de suas cifras. Ora, uma tendência natural consiste em proceder a generalizações abusivas, partindo de dados parciais. Doutro lado a seleção das informações, falta de conhecimento ou inconscientemente, conduz a não tomar em consideração senão as cifras favoráveis à tese que se quer provar. Finalmente, a causa princi-pal de erros é a comparação dos dados não comparáveis” — Les Cahiers Rationalistes, n.° conseqüência da inaptidão do Estado Político para servir de poder equilibrante entre os interesses privados e o interesse coletivo. Ou mesmo pior, entre os interesses nacionais e os dos monopólios estrangeiros interessados em nossa exploração de tipo colonial. Foram os interesses alienígenas que predominaram, orientando a nossa economia para a exploração primária da terra e para a exportação das matérias-primas assim obtidas. Desenvolveu desta forma o Brasil a sua vocação oceânica, ex-portando toda sua riqueza potencial — a riqueza do seu solo e de sua mão-de-obra — por preços irrisórios. E não sobrando recursos para atender as necessidades internas do país: bens de consumo para o seu povo e equipamentos para o seu progresso. Orientada a princípio pelos colonizadores europeus e depois pelo capital estrangeiro expandiu-se no país uma agricultura extensiva de produtos exportáveis ao invés de uma agricultura intensiva de subsistência, capaz de matar a fome do nosso povo. Os governos se mostraram quase sempre incapazes para impedir esta voraz interferência dos monopólios estrangeiros na marcha da nossa economia. Com uma total incapacidade do seu poder político para dirigir, em moldes sensatos, a aventura da colonização e da organização social da nacionalidade, a princípio por sua tenuidade e fraqueza potencial diante da fortaleza e independência dos senhores de terras, manda-chuvas [pg. 281] em seus domínios de porteiras fechadas,3 indiferentes aos regulamentos e às ordens do Governo que viessem a contrariar seus interesses; e ultimamente, num contrastante exagero noutro sentido, no excesso centralizante do poder, tirando das unidades regionais quase todas as receitas e todos os direitos para depô-los nos braços, um tanto curtos, em espalhar benefícios, do poder central. Sempre, pois, atuando o governo com uma noção inadequada do uso da força política para levar a bom termo a empresa administrativa de tão extenso território. Em face da fraqueza do poder político central, os interesses colonialistas 188, maio de 1960. 3 “Uma das características do regime feudal aristocrático das fazendas desenvolvido no Brasil foi o poder quase absoluto dos senhores de engenho que receberam privilégios do Rei no primeiro século da colonização portuguesa... Vieram a ser também a expressão física de um novo tipo de poder feudal ou patriarcal que pelo isolamento e auto-suficiência originou um forte espírito de independência e mesmo de rebeldia contra a coroa e o republicanismo.” Freyre, Gilberto, Interpretação do Brasil, 1946. manipularam no sentido de que o progresso econômico se limitasse a ampliar os lucros de um pequeno número de proprietários agrícolas, associados em sua aventura colonial, sem atingir entretanto o conjunto da população. Conforme acentuou muito bem o economista Gunnar Myrdal, as grandes potências sempre utilizaram nos países subdesenvolvidos para seu fins de exploração colonial “os próprios grupos oligárquicos, interessados eles próprios na manutenção do statu quo político e social”4 e portanto infensos ao verdadeiro desenvolvimento emancipador. Por outro lado, conseqüência da centralização e da política de fachada da República5 foi o quase abandono do campo e o surto de urbanização que se processou entre nós a partir dos fins do século passado. Urbanização que, não encontrando no país nenhuma civilização rural bem enraizada, com uma exploração racional do solo, veio acentuar de maneira alarmante [pg. 282] a nossa deficiência alimentar. Não é que a urbanização seja um mal em si mesma. Ela representa uma fase de transição obrigatória entre a economia agrária pura e a agro-industrial. Nos Estados Unidos, o fenômeno ocorreu e em volume mais violento de mobilidade social do que entre nós, sem, contudo, desequilibrar a alimentação daquele país. Ao contrário, foi um fator de estímulo da agricultura e da pecuária. Foi o surto de industrialização e concentração urbana do Leste norte-americano que deu lugar à agricultura intensiva de cereais e a pecuária do middle-west e que fez da Califórnia o primeiro estado agrícola da União, com o seu cultivo de frutas e de verduras. Entre nós o desequilíbrio se deu acentuando males sempre existentes desde o dia em que os primeiros aventureiros europeus, financiados em grande parte pelo capital judaico,6 resolveram criar nestas terras da América a indústria do “fique rico depressa” para uns poucos e que foi, ao mesmo tempo, a “indústria da fome” para a maioria. 4 Myrdal, Gunnar, Une Économie Internationale, Paris. 19S58. 5 Rafael Xavier demonstra, em seu estudo sobre A Organização Nacional e o Município, 1946, como esta centralização chegou ao extremo de arrastar para os cofres do Governo central 93% das arrecadações nacionais, deixando para atender, praticamente, às necessidades de 84% das populações dos Municípios brasileiros apenas 7% das mesmas. Sé o Distrito Federal arrecada quase o dobro do quanto percebem os 1.552 Municípios do interior do Brasil. Neste caso os números argumentam sozinhos. 6 Quatro anos antes da descoberta do Brasil, em 1496. decretava D. Manoel. Rei de Portugal, o fumoso Édito de Expulsão dos Judeus, ou melhor, do “sofisma de sua expulsão”, desde que visava antes a sua conversão ao cristianismo, diante do dilema: batismo ou exílio. Dos 2000.000 hebreus que faziam parte das populações do Reino, 195.000 optaram pelo batismo e se fizeram cristãos novos. Um sexto da população de Portugal em 1500. Muitos desses reconvertidos fizeram parte das expedições colonizadoras enviadas ao Brasil. Ver sobre o assunto o trabalho de J. Lúcio de Azevedo. A História dos Cristãos Novos Portugueses. 1922. e É mesmo esta a característica essencial do desenvolvimento econômico do tipo colonialista, bem diferente do desenvolvimento econômico autêntico de tipo nacionalista. O colonialismo promoveu pelo mundo uma certa forma de progressos, mas sempre a serviço dos seus lucros exclusivos, ou quando muito associado a um pequeno número de nacionais privilegiados que se desinteressavam pelo futuro da nacionalidade, pelas aspirações políticas, sociais e culturais da maioria. Daí o desenvolvimento anômalo, setorial, limitado a certos setores mais rendosos, de maior atrativo para o capital especulativo, deixando no abandono outros setores básicos, indispensáveis ao verdadeiro progresso social. Como conseqüência desta visão egoística do progresso econômico se constituiu em vários países de economia dependente o que alguns sociólogos chamaram de uma “estrutura social [pg. 283] dualista”7 com a superposição de um quadro social bem desenvolvido sobre outro quadro de total estagnação econômica. Ainda hoje, perdura em certos meios uma atitude mental fiel às tradições colonialistas inclinada a conceber o progresso econômico em termos de lucros a curto prazo ou de simples injeção de dólares para exploração imediata de certos recursos mais abundantes. A dualidade estrutural da civilização brasileira — os dois Brasis de Jacques Lambert8 — constitui a nossa herança viva, a sobrevivência deste comportamento político que nos impuseram os colonialistas europeus desde o século XVI. E do qual só agora nos estamos libertando. Sob o influxo desta política antinacional cultivaram-se com métodos vampirescos de destruição dos solos os produtos de exportação, monopolizados por meia dúzia de açambarcadores da riqueza do país, construíram-se estradas de ferro exclusivamente para ligar os centros de produção com os portos de embarque destes produtos e instituiu-se uma política cambial a serviço destas manipulações econômicas. Por trás desta estrutura com aparência de progresso — progresso de fachada — permaneceram o latifúndio improdutivo, o sistema da grande plantação escravocrata, o atraso, a ignorância, o pauperismo, a fome. Outro aspecto do nosso desenvolvimento, pouco favorável à melhoria das condições alimentares, tem sido o relativo abandono a que foram relegadas as o de Mário Saa, A Invasão dos Judeus, 1925. 7 Balantier. Georges. “Le Contexto Socio-Culturel et le Côut Social du Progrès”. in Le Tiers Monde. Paris. 1956. regiões mais pobres do país, onde a fome grassa na mais alta proporção. É justo que sendo escassos os recursos de um país que procura desenvolver-se, principalmente com suas próprias poupanças, não se pode espalhar estes recursos limitados, sem um rigoroso critério de prioridades. Este critério se impõe para não diluir as possibilidades dos investimentos ao nível da inoperância e da improdutividade. Mas, este critério não pode ser o de concentrar todos os recursos nas áreas mais adiantadas, onde já existem centros germinativos em expansão, deixando à margem extensas áreas potencialmente capazes de participar do processo econômico. E foi isto o que aconteceu. A filosofia do desenvolvimento brasileiro nos últimos anos foi concebida dentro desta idéia de desenvolver mais o [pg. 284] já desenvolvido e não de integrar no sistema econômico nacional as aluais áreas marginais, tais como o Nordeste e a Amazônia. O caso do Nordeste é o mais alarmante porque aí se concentra um terço da população brasileira, que vive em condições econômicas bem precárias, como tive ocasião de demonstrar. E no entanto toda a política econômica brasileira conspira contra a verdadeira integração econômica desta área do país. Neste capítulo, a política federal se tem limitado a certa proteção à economia açucareira que nunca poderá sozinha emancipar o Nordeste e à política paternalista do “ajuda-o-teu-irmão” nas épocas calamitosas da seca. Ajuda essa que se tem manifestado ineficaz, mesmo como simples procedimento assistencial, beneficiando mais certos grupos apaniguados do que propriamente as vítimas do flagelo. O que o Nordeste necessita é bem diferente. É um tratamento do governo federal que não seja o de uma metrópole em face de uma colônia. André Philip, falando da situação dos países subdesenvolvidos em face das grandes potências, diz que aqueles não precisam de ajuda ou assistência financeira para se desenvolverem, que o que eles estão a exigir é o respeito econômico à sua economia. Mais respeito do que ajuda. Dentro do Brasil se passa a mesma coisa. Faz-se necessário que as áreas mais ricas, de maior poder, tanto econômico como político, tenham mais respeito pelas regiões mais pobres e procurem cooperar para sua emancipação, em benefício da nacionalidade. Não são estas palavras manifestações inconsistentes daquilo que condenamos neste mesmo livro, da chamada ação-lamento ou lamúria. Não. Não desejamos separar o Brasil com muros de lamentações. Desejamos unificá-lo cada 8 Lambert. Jacques. Os Dois Brasis. Rio. 1959. vez mais, cimentando num só sistema a sua economia fragmentada. Para isto temos que derrubar as muralhas de velhos preconceitos, como este de que estas áreas mais pobres do país são áreas irrecuperáveis, quando apenas o que tem faltado ao seu progresso são condições históricas favoráveis, são circunstâncias econômicas que venham ao encontro de suas potencialidades. O Nordeste não está condenado irremediavelmente à pobreza e o seu povo à fome, por qualquer forma de determinismo inexorável, mas, porque no jogo das variáveis econômicas, a política colonial que se afrouxou mais no Sul ainda se mantém bem arroxada na região nordestina, simples produtora de matérias-primas e produtos de base. Chego às vezes a pensar que o que mais tem faltado ultimamente ao Nordeste é um pouco mais de força política — liderança — [pg. 285] para reivindicar em termos dialéticos, e não de súplica, os seus direitos humanos. Se o Nordeste, ou melhor, todo o Norte reunido, advogasse uma política cambial de exportação, de tarifas e de crédito que não lhe fosse tão nociva ou injusta, beneficiando apenas a economia de outras áreas do país, a sua economia se expandiria bem mais depressa do que através de limitados créditos orçamentários que são simples grãos de areia, caindo num mar de miséria e portanto incapazes de cimentar qualquer coisa de realmente sólido. Darei apenas dois exemplos, mas que me parecem bem demonstrativos do tratamento discriminatório que recebe a economia nordestina. O primeiro está ligado ao problema das exportações dos seus produtos de base, tais como o cacau, o açúcar, a carnaúba, o algodão, os óleos e certos minérios, gerando um bom volume de divisas estrangeiras para a nossa economia. Ora, esta parcela de divisas assim geradas não tem beneficiado o Nordeste senão em pequena parcela, porque o seu grosso é drenado pelo estado, para equipar a indústria do Sul e às vezes, ainda pior, para cobrir a importação de produtos de luxo, ostentatórios — cadillacs e perfumes — com que os países subdesenvolvidos pensam cobrir a sua miséria, mas apenas evidenciam de forma mais gritante o seu subdesenvolvimento. Porque subdesenvolvimento é exatamente isto: é desnível econômico, é disparidade entre os índices de produção, de renda e de consumo entre diferentes camadas sociais e diferentes regiões que compõem o espaço sócio-geográfico de uma Nação. Promover o desenvolvimento econômico-social autêntico será antes de tudo procurar atenuar esses desníveis, através de uma melhor distribuição da riqueza e de um mais justo critério de investimentos nas diferentes regiões e nos diferentes setores das atividades econômicas do país. Os planos de desenvolvimento econômico postos em execução pelo atual Governo, embora com o patriótico objetivo de promover em ritmo acelerado o desenvolvimento econômico do país, não tem proporcionado, entretanto, os instrumentos adequados a esse nivelamento reequilibrante do conjunto econômico nacional, e por isto não tem contribuído com a necessária eficácia para eliminar a fome de certas áreas do país. Outro exemplo eloqüente a apresentar é o cotejo das cotas de financiamentos levadas a efeito pelo órgão criado com o fim [pg. 286] precípuo de promover o desenvolvimento econômico do país: o Banco Nacional de Desenvolvimento. Nos últimos cinco anos este Banco que deu atendimento de crédito, numa proporção de 49% para a Região do Leste, e 41% para a Região do Sul, apenas concedeu ao Nordeste cerca de 4% do total de seus financiamentos. É esta economia de dependência, de dependência total do Nordeste e da Amazônia ao sistema econômico de outras áreas do país, que mantém inalteráveis as manchas negras da fome nessas áreas. Depois de quatro séculos de ocupação humana vamos encontrar um país que se dizia agrícola e que apenas dispõe de cerca de 2% de suas terras trabalhadas no cultivo de utilidades e dessa área insignificante só a terça parte se destinando à pro-dução de gêneros alimentícios. Dessa produção insuficiente resultam naturalmente coeficientes de consumo per capita que só podem figurar, quando figuram, no fim das listas de consumo das tábuas internacionais, principalmente no que diz respeito aos alimentos protetores — à carne, ao leite, ao queijo, à manteiga, às frutas e às verduras. O nosso consumo de carne é de 55 kg per capita e por ano, enquanto que esse consumo atinge 136 kg na Argentina, 107 na Nova Zelândia, 62 nos Estados Unidos da América, 64 na Inglaterra e 57 na Dinamarca. O consumo de leite é ridiculamente insignificante: 37 litros por ano, ou seja, cerca de 100 g por dia. Tal consumo atinge as cifras de 164 litros na Dinamarca, 108 nos Estados Unidos, 101 na Austrália e 95 na França. Igual insignificância encontramos no consumo das demais fontes de proteínas: queijo e ovos; 600 g de queijo, quando na Dinamarca se consomem 5,5 kg. A manteiga é consumida entre nós na mesma quantidade que o queijo — 600 g —, enquanto que os Estados Unidos, a Inglaterra e a Dinamarca consomem, respectivamente, 18, 10 e 8 kg. O consumo dos restantes alimentos protetores ocupa idêntica posição nos quadros estatísticos mundiais: são dos mais baixos do mundo. Interpretando estes dados à luz dos conhecimentos já expostos anteriormente, deduz-se da situação global da alimentação do nosso povo. 2. Não é este um quadro histórico de nosso passado, mas um retrato da realidade social vigente. Desta complexa e confusa [pg. 287] realidade social brasileira, que justifica o título dado por Roger Bastide a um seu livro: Brasil, Terra de Contrastes.9 De contrastes atordoantes, como este evidenciado entre o esplendor da vida urbana de algumas de nossas metrópoles e o atoleiro social, o marasmo da vida agrária em torno destas metrópoles. Contrastes como este de possuirmos uma indústria de alto padrão moderno e uma agricultura de índole feudal, apegada à rotina, a mais conservadora. Assim é o Brasil. Assim se explica porque, apesar de todos os nossos surpreendentes sucessos no campo do progresso econômico, de nossa indústria pesada, de nossa indústria de automóveis, de Brasília e de outras metas surpreendentemente alcançadas, ainda somos um país de fome, ainda somos uma das grandes áreas da geografia universal da fome. É verdade que esta larga mancha negra da fome se atenuou um pouco em certos pontos, se retraíram os seus limites noutros, mas o quadro geral perdura mais ou menos idêntico. Ganhou-se nos últimos anos uma melhor consciência da rea-lidade do problema. Governo e povo debatem a matéria. Conhecem-se melhor os princípios essenciais da higiene alimentar. Mas, pouco foi obtido, como resultados concretos, para melhorar de fato a nossa situação alimentar. E em certos períodos e sob certos aspectos, esta situação parece até se agravar em face do surto de desenvolvimento industrial por que atravessa o país. É como se os responsáveis pelos destinos do Brasil não tivessem ainda tomado a peito a solução do problema, atacando-o em suas raízes com coragem e decisão. Mesmo os governos mais empe-nhados em nossa emancipação econômica não tiveram ainda sucesso neste setor 9 Bastide, Roger. Brasil, Terra de Contrastes. 288 vital para o bem-estar social do nosso povo. Vejamos o que se tem passado em nossos dias em termos de desenvolvimento econômico nacional. O desenvolvimento econômico constitui hoje uma idéia-força dinamizando a vontade de nosso povo, desejoso de participar ativamente nesse processo de transformação de nossa economia e atento em controlar de perto os resultados desse esforço coletivo. Essa transformação de nossa economia que a partir de 1930 começou a se integrar num sistema próprio com capacidade [pg. 288] de desenvolvimento autônomo vem acelerando o seu ritmo de expansão depois da última guerra mundial. Pelo cotejo de certos dados de semiologia econômica é possível avaliar-se o impulso de nosso desenvolvimento, o qual se mostra em certos setores bastante promissor. Basta verificar-se que o índice de produção real do país duplicou nos últimos 15 anos, logrando a produção industrial um aumento de cerca de 190%, enquanto que a agricultura apenas cresceu em 40%. O país industrializa-se e cresce, desta forma, a sua capacidade produtiva. Resta saber com que eficiência está sendo utilizada esta capacidade produtiva. É a medida dessa eficiência que melhor revela a adequação ou inadequação de um plano de desenvolvimento econômico, porque depende em larga escala da validez dos critérios que orientam os investimentos, o ritmo de expansão de um sistema econômico. O que está ocorrendo no Brasil: qual a intensidade do nosso crescimento econômico e quais os fatores que estão porventura freando o seu impulso produtivo? O desenvolvimento econômico do Brasil, quando medido através dos índices da renda média per capita, não pode ser contestado. Mas, se procurarmos auferi-lo, através da distribuição real das rendas pelos diferentes grupos sociais, mostra-se ele então bem menos efetivo. E a verdade é que o progresso social não se exprime apenas pelo volume da renda global ou pela renda média per capita, que é uma abstração estatística, e sim por sua distribuição real. E esta distribuição, em lugar de melhorar, de mostrar sua tendência a uma benéfica dispersão, cada vez mais se concentra em certas áreas e nas mãos de certos grupos. Faltou ao Governo a coragem de tocar nas estruturas de base, causadoras deste desequilíbrio, e de promover, com o processo de desenvolvimento, este nivelamento reequilibrante do conjunto econômico do país. Mesmo industrializando-se, a nossa economia seguiu os difames de uma economia de tipo colonial, politicamente desinteressada pela sorte da maioria, apenas ocupada em desenvolver mais o já desenvolvido e em enriquecer mais os já enriquecidos pelo sistema vigente. E é neste aspecto desequilibrante que o nosso desenvolvimento econômico não corresponde a um autêntico desenvolvimento social, que representa a autêntica aspiração das massas brasileiras. [pg. 289] Longe disso. Em certos aspectos, a política de industrialização intensiva concentrada na região Sul do país, onde já existia um sistema econômico integrado por uma economia de exportação à base do café e uma incipiente economia industrial, acentuou e agravou ainda mais os desníveis já existentes. O desnível regional entre a área do Sul e as do Norte e Nordeste e o desnível setorial entre a indústria e a agricultura. Na verdade, o desnível entre as regiões não é senão a projeção em áreas geográficas do desnível setorial entre a economia agrícola e a economia industrial. É esse desnível setorial que merece neste nosso ensaio o maior interesse, porque ele constitui, a nosso ver, a mais grave distorção na dinâmica de nosso desenvolvimento econômico e o principal fator de estrangulamento da industrialização do país, a qual constitui uma meta fundamental do desenvolvimento. Todo o processo de desenvolvimento dirigido, num país subdesenvolvido, cria automaticamente uma série de desequilíbrios que exige a todo o momento a ação de medidas corretivas. O sociólogo Costa Pinto acentua muito bem o fato de que “nas estruturas sociais dos países menos desenvolvidos não é a falta ou ausência de mudanças o traço essencial, mas sim o fato das diversas partes dessas estruturas mudarem em ritmos diferentes, gerando assimetrias e distorções, contradições e resistências”.10 Daí a impossibilidade de importar-se modelos pré-fabricados de desenvolvimento para aplicar-se in loco como transposição válida da experiência de outros povos. Cada sistema econômico em expansão se orienta de maneira original e até certo ponto imprevisível, em face das possibilidades das virtualidades das diferentes áreas geo-econômicas. No caso brasileiro, a distorção mais acentuada tem sido o atraso da agricultura em relação ao progresso do setor industrial. É verdade que alguns contestam este 10 Costa Pinto. L. A., in Resistências a Mudança. Anais do Seminário Internacional. Rio. out. de fenômeno, referindo-se ao fato de que a agricultura tem crescido no Brasil num ritmo mais acentuado que a população, numa relação de 3 para 2. Ora, este argumento é extremamente fraco. É preciso não esquecer que os padrões alimentares do Brasil sempre foram dos mais baixos do mundo, com o subconsumo global de calorias e o subconsumo específico de vários produtos alimentares, principalmente [pg. 290] dos alimentos protetores. A produção de alimentos, no Brasil sempre esteve longe de dar atendimento às necessidades vitais de nossa população, apenas atendendo às necessidades solváveis, limitadas em extremo pela baixa capacidade aquisitiva de nosso povo. E claro que melhorando esta capacidade aquisitiva com a industrialização em marcha, aumenta sobremodo a demanda de alimentos exigindo um crescimento da produção agrícola em índices bem mais altos do que os obtidos até o presente. É bom também lembrar que o setor agropecuário fornece até hoje 60% das matérias-primas duma expansão paralela do volume destas matérias-primas. Mas o atraso da agricultura se revela muito mais nitidamente, não através do volume da produção, e sim através dos seus índices de produtividade, que são dos mais baixos do mundo. De produtividade do trabalhador agrícola e de produtividade da terra cultivada. É o baixo rendimento do homem rural brasileiro que faz com que sejam necessários dez milhões de trabalhadores para cultivar apenas vinte milhões de hectares de terra, enquanto nos Estados Unidos oito milhões de homens cultivam 190 milhões de hectares, ou seja, uma área dez vezes mais extensa. A produtividade da terra em seus produtos tradicionais também se revela comparativamente em situação bem desfavorável; assim a produtividade média por hectare da cana-de-açúcar é de 38 toneladas no Nordeste, contra 70 em Porto Rico: a de algodão em rama é de 0.070 toneladas no Nordeste. 0.214 em S. Paulo e 0.304 nos EUA: a de milho é de 0.676 toneladas no Nordeste, 1.402 em Minas Gerais e 2.271 nos EUA, e assim por diante. A fraqueza e o atraso da economia agrícola no Brasil constituem-se, desta forma, como fatores de amordaçamento de toda a economia nacional, freando o próprio ritmo de industrialização, através de vários mecanismos. Através das matérias-primas escassas e do alto custo de produção, a agricultura se constitui indiscutivelmente como um fator de estrangulamento de um largo setor 1959. das indústrias de transformação. Idêntico efeito ocorre em face da escassez e dos altos preços dos produtos de subsistência, impondo o estabelecimento de salários para os trabalhadores da indústria que oneram, sobremodo, o custo da produção industrial, sem que ao menos permitam ao trabalhador a obtenção de um tipo de dieta racional capaz de melhorar os seus índices de produtividade. [pg. 291] E dificultando ainda em maior escala a formação de grandes parques industriais, cujo abastecimento passa a constituir a maior dor-de-cabeça dos planificadores e dos homens de empresa, em certas áreas do país. O marginalismo econômico a que ficou relegado o homem do campo, com sua capacidade aquisitiva quase nula, não permite a formação de um mercado interno capaz de absorver a crescente produção industrial. As migrações internas, os altos graus de mobilidade social do campo para a cidade, supersaturando os núcleos urbanos com grandes massas humanas improdutivas, células economicamente mortas, infiltradas dentro da textura social, vêm onerar terrivelmente o erário público com os indispensáveis serviços sociais, cujo alto custo absorve necessariamente uma grande parcela de recursos que deveriam ser aplicados em investimentos reprodutivos. É todo um conjunto de forças de contenção, oriundas do atraso da economia rural brasileira, a se constituírem como fatores de limitação do nosso desenvolvimento econômico. Não tenho a menor dúvida de que é por culpa deste lamentável desequilíbrio que se começa a verificar um relativo recesso no ritmo de expansão de nossa indústria nos últimos três anos, exatamente quando maior tem sido o contingente de esforço e recursos concentrados na promoção do nosso desenvolvimento industrial. Já não é segredo, nem produto de pura especulação dos economistas, que vários setores industriais atingiram os limites da saturação do mercado interno, impondo a limitação de sua produção e dando origem ao desemprego que cresce em certos núcleos urbanos. Urge corrigir este desequilíbrio que está a ameaçar todo o esforço de integração de nosso sistema econômico, fazendo-o perder uma boa parte da substância de sua capacidade produtiva. E isto só poderá ser obtido através de um melhor atendimento público às necessidades mais prementes da economia agrícola. Constitui um grave risco contar com as forças do automatismo para corrigir esta distorção, baseando-se na premissa de que o progresso industrial, ao atingir certo nível, provocará automaticamente o progresso rural. Falsa premissa no campo da realidade social que apenas perdura como uma sobrevivência dos princípios da economia liberal, na qual a “mão invisível” invocada por Adam Smith asseguraria sempre, através da livre concorrência, o restabelecimento da “ordem natural”. [pg. 292] Ora, pensar assim é negar a eficiência da planificação econômica, é abdicar das possibilidades que hoje dispomos de dirigir o desenvolvimento econômico para metas definidas e não nos deixarmos ser arrastados aos acasos das aventuras mercantis. Com razão afirma o economista chinês Pei-Kang-Chang11 que o desenvolvimento industrial por si só não é bastante para conduzir a uma reforma da economia agrária. É um ingrediente necessário mas não suficiente para provocar a transformação da vida econômica rural. Mas, mesmo admitindo o fato discutível de que alcançado certo nível de desenvolvimento industrial o impacto econômico viesse a impulsionar o setor da agricultura, resta um ponto importante a esclarecer: qual seria este nível e que garantias teremos de que poderíamos alcançá-lo, quando o nosso desenvolvimento é amordaçado e estrangulado pela subprodutividade e pelo subemprego de dois terços de nossa população ativa, que vegetam no campo da agricultura? Este relativo abandono da agricultura se revela nos índices de crescimento da produção agropecuária que se apresenta ronceiro, de ritmo bem inferior ao desejável, para acompanhar a expansão econômica do país. Se não vejamos: de 1948 a 1958, enquanto o produto nacional bruto per capita cresceu de 29%, a produção agropecuária apenas cresceu em 15%, ou seja, em cerca de 1,5% ao ano, que apenas dá para cobrir o aumento natural da nossa população.12 E devemos ainda referir o fato de que em alguns desses anos, como em 1958, este aumento reflete mais o incremento da produção dos produtos de exportação, principalmente o café, do que dos produtos de subsistência para consumo nacional. É claro que esta distorção econômica vem pesando terrivelmente na situação alimentar de nosso povo, acentuando o fenômeno da inflação, que se exterioriza principalmente na alta dos preços dos gêneros alimentícios. 11 Pei-Kang-Chang, Agriculture and Industrialization, México, 1951. Bastariam algumas cifras para mostrar a marcha avassaladora desse processo inflacionário. Nos anos de 1956 a 1959, o custo de vida aumentou nos seguintes índices 20.8, 16,0, 14.9 e 39.1%.13 Ora, um aumento do custo de vida de cerca de 40%, como este do ano de 1959, consome inteiramente as disponibilidades [pg. 293] das classes assalariadas, que são forçadas a um regime de terríveis restrições pela perda do valor aquisitivo dos seus salários. E aí se encontra a explicação de que seja no proletariado urbano que se evidencia esta verdadeira epidemia de carências proteicas infantis — o kwaskiorkor — porque os alimentos protetores contra esta doença, principalmente o leite, foi se tornando inacessível a este grupo social. E isto apesar dos reajustamentos salariais que chefiam sempre atrasados e em níveis inferiores aos alcançados pela espiral inflacionária. Como interpretar esta situação que perturba seriamente a marcha do nosso desenvolvimento? Como uma crise normal de crescimento da nacionalidade, embora perigosa pelos riscos de um desequilíbrio por demais profundo. O desenvolvimento econômico constitui a única solução real ao problema do subdesenvolvimento, com suas características fundamentais do subemprego, da subprodutividade e do pauperismo generalizado. A tomada de consciência da realidade social brasileira por parte do nosso povo incutiu no espírito das massas esta idéia-força de que só através do nosso desenvolvimento econômico real nos libertaremos da opressão e da escravidão econômica que esmagam a maioria de nossas populações. Ninguém pode ter hoje outra atitude que a de aspirar e cooperar para que se processe, em ritmo acelerado e sem distorções, o desenvolvimento econômico do nosso país. Pensar diferentemente é servir aos interesses antinacionais, é fazer o jogo dos trustes internacionais, interessados em abafar o surto de progresso das regiões de economia primária, fornecedoras das matérias-primas para os grandes empórios industriais que dominam a economia mundial. Representa a política de desenvolvimento, o que se chama necessidade histórica, um imperativo ao qual não podemos fugir. Não devemos, pois, ter nenhuma reserva acerca da necessidade e da oportunidade de uma política desenvolvimentista para o Brasil. As nossas dúvidas e possíveis divergências se encontram no campo de execução desta política, nos 12 Conjuntura econômica, dezembro de 1959. elementos postos em jogo para dinamizar e orientar a nossa emancipação econômica. O atual Governo, desejoso de promover em ritmo acelerado a nossa expansão econômica, e impregnado da idéia de que só através da industrialização intensiva poderemos emancipar-nos economicamente, vem realizando o seu programa de metas, de forma a criar no nosso espírito uma certa apreensão. [pg. 294] Apreensão de que o critério de prioridades para aplicação de nossas escassas disponibilidades econômicas não seja o critério ideal. Somos daqueles que julgam necessário promover o desenvolvimento industrial, sem contudo sacrificar exageradamente os investimentos no setor da economia agrária. Concentrar lodo o esforço apenas num setor é estimular um desenvolvimento desequilibrado, que começará dentro de algum tempo a sofrer o impacto do desequilíbrio e a retardar o seu ritmo de expansão. A economia planificada deve agir sobre todo um sistema econômico integrado a fim de evitar os desequilíbrios que se constituem com o tempo em fatores de estrangulamento. No atual momento da conjuntura econômica brasileira começamos a presenciar o fato inegável de que o atraso da agricultura nacional se constitui como um fator de estrangulamento da própria economia industrial. Só poderemos manter o ritmo de expansão da indústria brasileira e dar-lhe garantia de sobrevivência se cuidarmos melhor de expandir e de consolidar a nossa economia agrícola. Temos que insistir muito neste aspecto porque o consideramos primacial nos nossos planos de desenvolvimento. Arriscamo-nos mesmo em nossa insistência a desafiar a paciência dos nossos leitores, repisando argumentos demonstrativos de quanto pode custar ao bem-estar dos brasileiros este grave marginalismo da nossa economia agrária. Mantendo a estrutura aluai de nossa economia agrícola, cujos índices de produtividade são dos mais baixos do mundo, torna-se bem difícil obter-se as matérias-primas necessárias a uma indústria capaz de concorrer nos mercados mundiais e obter os meios de subsistência para alimentar as massas trabalhadoras dos grandes parques industriais. Além disso, a falta de um mercado interno para absorver a nossa crescente produção industrial exige medidas que venham a integrar no sistema econômico brasileiro a grande massa campesina, cerca de 70% da população brasileira, que vive hoje praticamente sem consumir nem 13 Conjuntura econômica, fevereiro de 1960. mesmo o mínimo necessário à sua subsistência. Este relativo descaso ao setor agrícola, justificável em parte pela escassez de recursos num país subcapitalizado e pela necessidade de concentrá-los ao máximo nos empreendimentos mais produtivos, nos bens de equipamento que venham emancipar o país, começa entretanto a constituir-se como uma grave ameaça ao nosso desejo de emancipação e ao gigantesco esforço de industrialização nacional. Basta verificar-se [pg. 295] que, nos últimos anos, o ritmo de expansão industrial sofreu um certo recesso e que nos grandes centros da indústria, como São Paulo, amplia-se o desemprego em face de uma superprodução relativa pela falta de mercado interno e em face da carestia dos altos cultos de produção impostos pela subida desordenada dos preços dos produtos de subsistência. É pela falta de amparo à economia agrícola que se desloca anualmente enorme massa humana do campo para as cidades, vindo a supersaturar a vida urbana, criando graves embaraços aos problemas de abastecimento e onerando terrivelmente o erário público com serviços assistenciais cujo custo desfalca necessariamente uma grande parcela de recursos que seriam mais bem aplicados numa política de produção agrária. O que alguns sociólogos chamam de “cidades inchadas”, como a do Recife, com 200 mil marginais improdutivos, oriundos do interior, são uma demonstração evidente de que, longe de se atenuar, se vai agravando no Brasil nos últimos tempos o desequilíbrio entre a cidade e o campo. Como se agrava também o desnível entre a região industrializada do Sul e as regiões predominantemente agrícolas do Norte e do Nordeste do país, vindo a situação do Nordeste a constituir-se no mais grave problema nacional, ameaçando não só a nossa economia, mas mesmo a segurança nacional. Ao promover o desenvolvimento econômico do país fica o Governo um tanto perplexo diante do dilema do pão ou do aço, ou seja, de investir suas escassas disponibilidades na obtenção de bens de consumo ou de concentrá-las na industrialização intensiva, sacrificando durante um certo tempo as aspirações de melhoria social da coletividade. A tendência predominante entre os economistas é de que se deve concentrar de início todo o esforço no aço, ou seja, na industrialização, obrigando-se a coletividade a participar com seu sacrifício na obra de recuperação nacional. É o que se chama de pagar o custo do progresso indispensável à emancipação econômica. Devemos entretanto não exagerar este custo, não tender demasiado ao exclusivismo porque a realidade social não se cinge apenas no economismo puro, mais sim na expressão econômico-social de um povo. A solução ao dilema não está no atendimento exclusivo ao pão ou ao aço, mas simultaneamente ao pão e ao aço, em proporções impostas em face dás circunstâncias sociais e das disponibilidades econômicas existentes. Todas as tentativas de exigir de qualquer coletividade um custo de progresso acima do [pg. 296] tolerável acarretam ressentimentos e tensões sociais ameaçadoras. Tenho a impressão de que o povo brasileiro hoje imbuído da idéia do desenvolvimento e do progresso social está disposto a dar sua cota de sacrifício, a fim de que o país se desenvolva e se emancipe economicamente. Mas é preciso que este povo esteja convicto de que o sacrifício está igualmente distribuído por todos os grupos e classes sociais que compõem a nacionalidade. E não estou muito seguro de que isso esteja acontecendo. Para levar a efeito o seu programa de desenvolvimento econômico deverá o Governo não só estar mais atento às necessidades dos grupos humanos que vivem no setor da agricultura, como também procurar promover uma melhor distribuição regional em matéria de crédito e investimentos a fim de que o gigante brasileiro não venha a crescer capenga ou torto. Se visarmos o desenvolvimento apenas de uma parte da Nação, imolando a esse novo Moloch as desvantagens e o desajustamento de outras áreas do país, ainda mais subdesenvolvidas, falsearemos o sentido do verdadeiro desenvolvimento econômico que constitui a aspiração máxima de todo o povo brasileiro. Urge também que sejam tomadas medidas contra o excesso do poder econômico, de forma a distribuir melhor as cotas de sacrifício que hoje pesam quase que exclusivamente nas classes menos favorecidas, assoberbadas e consumidas em face do avassalante aumento do custo de vida. O Governo pode aparentemente desaperceber-se disto, mas o povo sente em sua carne os efeitos funestos da inflação que fez com que o valor aquisitivo de nossa moeda caísse em 1959 a 35 vezes menos do que era em 1914, ao começar a Primeira Guerra Mundial. Diante desta rápida exposição, pode-se concluir que sendo imperioso o desenvolvimento econômico nacional, devem o Governo e o povo se unirem através de um processo de mútua confiança e de mútuo interesse a fim de que esse desenvolvimento não seja sacrificada em sua execução por certas falhas inevitáveis, é bem verdade, mas que devem ser corrigidas a tempo para evitar o desastre econômico do país. Não há dúvida que o Brasil dá no momento atual um grande salto em sua história social. O que precisamos evitar é que seja um salto no abismo, orientando-o de forma que as nossas forças nos permitam alcançar o outro lado do fosso a ser ultrapassado. [pg. 297] E não é possível saltar esse fosso com um povo faminto, um povo que não disponha do mínimo essencial para suas necessidades básicas de vida, um mínimo essencial de alimentação. E é aí que está pegando o carro do progresso nacional. Este mínimo só será obtido através de profundas alterações de nossas estruturas de base que, em seu arcaismo se tornam incapazes de propiciar as condições indispensáveis ao pleno exercício de nossas forças produtivas. Destas estruturas, a mais retrógrada e a mais resistente ao verdadeiro progresso social é, sem nenhuma dúvida, a nossa estrutura agrária, daí a necessidade de atacá-la com decisão para adaptá-la às necessidades sociais do Brasil atual. É a inadequação de nossas estruturas agrárias o fator essencial da má utilização de nossos recursos naturais, da baixa produtividade agrícola e da subocupação do homem do campo. Numa palavra: do atraso geral de nossa agricultura. O arcaísmo desta estrutura agrária se evidencia não só pela inadequada distribuição das propriedades, como pelas relações de produção de tipo feudal, nas quais ainda perduram o regime da meiação, a parceria e outras sobrevivências do feudalismo agrário. Moacyr Paixão14 expressa com muita felicidade o chamado “problema agrário brasileiro” em três características da sociedade rural: “a) o domínio monopolista sobre grandes extensões de terra, por vezes as de melhor qualidade, exercido por uma classe social de fazendeiros capitalistas e latifundiários, que impedem a mais ampla utilização dos solos no processo produtivo; b) a existência de enorme massa de camponeses não proprietários, de 14 Paixão, Moacyr. Reforma Agrária — Um Programa de Desenvolvimento econômico. condição social heterogênea, regra geral pobres, e que, para ter acesso à terra, precisam sujeitar-se aos regimes de parceria, arrendamento, colonato e salariato nas fazendas de café ou criação, nas plantações de algodão, arroz, açúcar, trigo, fumo, cacau, milho; [pg. 298] c) as fricções sociais em torno da terra, que se manifestam sobretudo a partir das posições opostas vividas pelos grandes proprietários fundiários e a massa rural sem terra, atingem outras camadas sociais do campo. Chocam-se, realmente, contra o grande domínio centenas de milhares de proprietários pobres, detentores de pequenas áreas de terra.” A gritante impropriedade desse regime agrário feudal em meados do século XX se pode exteriorizar através de alguns dados estatísticos que são de uma eloqüência impressionante: o Brasil com sua enorme extensão territorial possui o mesmo número de propriedades agrícolas que a França, cuja extensão territorial representa apenas 6% do nosso território. É como se ainda perdurasse no Brasil o regime das capitanias hereditárias estabelecido em 1554 por D. João III de Portugal. É que cerca de 60% das propriedades agrícolas no Brasil são constituídas por glebas de áreas superiores a 50 hectares de terra, das quais 20% possuem mais de 10.000 hectares. No recensea-mento de 1950, ficou evidenciada a existência no Brasil de algumas dezenas de propriedades que são verdadeiras capitanias feudais: propriedades com mais de 100.000 hectares de extensão. Ao lado desta nociva tendência ao latifúndio, irmão siamês do arcaísmo técnico e da improdutividade, encontramos a pulverização antieconômica da propriedade — o minifúndio — expressão da realidade social, de que 500.000 propriedades, ou seja, uma quarta parte dos estabelecimentos agrícolas existentes no Brasil — 2 milhões — apenas ocupam 0,5% da extensão das terras de propriedades agrícolas. Do latifúndio decorrem a ínfima percentagem de área cultivada no país — apenas 2% do território nacional —, as práticas agrícolas primitivas, de baixo rendimento e de alto grau de destruição da fertilidade dos solos, a ausência de técnica agronômica e do esforço de capitalização indispensável ao progresso rural. Do latifúndio decorre também a existência das grandes massas dos sem-terra, dos que trabalham na terra alheia, como assalariados ou como servos explorados por esta engrenagem econômica de tipo feudal. Por sua vez o minifúndio significa a exploração antieconômica da terra, a miséria crônica das culturas de subsistência que não dão para matar a fome da família. Todo esforço de modernização e dinamização de nossa agricultura tropeça neste arcabouço arcaico da infra-estrutura agrária, [pg. 299] verdadeira armadura contra o progresso econômico e social do país. Através desta exposição sucinta da conjuntura econômico-social brasileira, chega-se à evidência de que é indispensável alterar substancialmente os métodos da produção agrícola, o que só é possível reformando as estruturas rurais vigentes. Apresenta-se deste modo a Reforma Agrária como uma necessidade histórica nesta hora de transformação social que atravessamos: como um imperativo nacional. O tipo de reforma que julgamos um imperativo da hora presente não é um simples expediente de desapropriação e redistribuição da terra para atender às aspirações dos sem-terra. Processo simplista que não traz solução real aos problemas da economia agrária. Concebemos a reforma agrária como um processo de revisão das relações jurídicas e econômicas, entre os que detêm a propriedade agrícola e os que trabalham nas atividades rurais. Traduz, pois, a reforma agrária uma aspiração de que se realizem, através de um estatuto legal, as necessárias limitações à exploração da propriedade agrária, de forma a tornar o seu rendimento mais elevado e principalmente melhor distribuído em benefício de toda a coletividade rural. O conjunto de leis englobadas nesse código deve regular inúmeros problemas, tais como o da desapropriação das terras, os arrendamentos rurais, o dos contratos de trabalho e vários outros aspectos complementares da posse da terra. Para levarmos a efeito esta reforma, certamente teremos obstáculos a vencer, produtos da lei natural da inércia ajudada pela reação que sempre criam ao progresso os direitos e os privilégios adquiridos. Mas a verdade é que esses obstáculos diminuem cada dia mais. Avultavam outrora pela incompreensão das elites brasileiras que não viam essa necessidade imprescindível de se promover uma modificação nas estruturas agrárias, paralelamente às modificações que surgiram no campo da economia industrial. O rápido surto industrial dos últimos quinze anos, possibilitado pela conjugação de toda uma série de fatores favoráveis, na sua maioria surgidos em função da guerra, contribuiu para manter uma espécie de obscurantismo em torno dessa verdade. Hoje, porém, quando a indústria começa a sentir dificuldades em escoar a sua produção, o problema agrário avulta de importância e desperta a consciência nacional no sentido de resolvê-lo racionalmente. [pg. 300] Existem em andamento no Parlamento Nacional 178 projetos de lei referentes aos problemas da terra. Quase todos permanecem paralisados em face das forças reacionárias que dominaram até perto dos nossos dias as tendências do pensamento do Parlamento Nacional. Mas sente-se hoje uma mudança sensível deste pensamento. O fato de que não só as classes produtoras, principalmente os industriais, mas expoentes do pensamento das elites brasileiras se manifestem claramente a favor de uma reforma agrária, tende à criação de um clima que permita a aprovação de alguns desses projetos ou de outros que possam progressivamente modificar a estrutura e as relações de trabalho no campo da agricultura. O principal obstáculo a ser superado é sem nenhuma dúvida a rigidez do preceito constitucional (art. 141, § 6.°), que garante o direito de propriedade, só admitindo sua desapropriação mediante o pagamento prévio em dinheiro pelo justo valor. Se esse “justo valor” for entendido como preço de mercado, segundo a tradição privativista de nossos tribunais, torna-se praticamente inviável qualquer reforma agrária, sem prévia reforma constitucional, em face da soma fabulosa de recursos necessários para desapropriar largos tratos de terra. Se “justo valor”, porém, nos casos de desapropriação por interesse social e tendo em vista o novo sentido social que o art. 147 da Constituição Federal empresta ao uso da propriedade for conceituado de outra forma, como, por exemplo, o “custo histórico”, tal qual propõem Seabra Fagundes, Carlos Medeiros da Silva e Hermes Lima, ou como o “valor tributado”, de acordo com a sugestão de Pompeu Acioly Borges, então sim, poderão ser superadas as limitações contidas no aludido art. 141, § 6.° da Constituição. Como um imperativo nacional esta medida exige a participação de todos os brasileiros verdadeiramente patriotas para ser realizada em termos de interesse coletivo. Exige, pois, uma preparação psicológica através de uma campanha de esclarecimento da opinião pública. De esclarecimento de que não se trata de uma medida visando beneficiar um só grupo, o dos párias rurais — os sem-terras — mas que beneficiará a todas as classes e grupos sociais, interessados no desenvolvimento econômico equilibrado do país. Precisamos enfrentar o tabu da reforma agrária — assunto proibido, escabroso, perigoso — com a mesma coragem com que enfrentamos o tabu da fome. Falaremos abertamente do [pg. 301] assunto, esvaziando desta forma o seu conteúdo tabu, mostram do através de uma larga campanha esclarecedora que a reforma agrária não é nenhum bicho-papão ou dragão maléfico que vai engolir toda a riqueza dos proprietários de terra, como pensam os mal-avisados, mas que, ao contrário, será extremamente benéfica para todos os que participam socialmente da exploração agrícola, porque só através desta reforma será possível inocular na economia rural os germes de progresso e desenvolvimento representados pelos instrumentos técnicos de produção, pelos recursos financeiros, e pela garantia de um justo rendimento das atividades agrárias, de forma a libertar a nossa agricultura dos freios do colonialismo agonizante e liberar, indiretamente, o nosso desenvolvimento econômico do principal fator de estrangulamento do seu crescimento, que é o marasmo da agricultura brasileira. E libertar desta forma o povo das marcas infamantes da fome. Ao lado da estrutura agrária, há outros obstáculos estruturais a vencer.15 Não é só a infra-estrutura agrária que está superada, mas também os processos de distribuição da produção agrícola com sua rede interminável dos intermediários e atravessadores. Dos monopolistas e exploradores da fome. Tudo isto tem que ser revisto. Mas isto é um livro e não um programa de governo e por isto nos limitamos a apontar onde estão os pontos fracos de nossa estrutura por onde o problema deve ser atacado. 3. Através desta sondagem das condições de alimentação e nutrição do brasileiro das diferentes zonas do pais, da visão sintética da situação brasileira como um todo, da análise dos fatores que interferem, de maneira mais direta, na sua estruturação e das consequências que daí decorrem, podemos formular as seguintes 15 Accioly Borges, Pompeu, “Obstáculos Estruturais — Demográficos, Econômicos e Sociais — ao Desenvolvimento do Brasil e de Outras Áreas Subdesenvolvidas.” — ín Resistências a Mudança. Rio. 1960. conclusões gerais: I — O Brasil, como país subdesenvolvido, em fase de desenvolvimento autônomo e de acelerado processo de industrialização não conseguiu ainda se libertar da fome e da subnutrição que durante séculos marcaram duramente a sua evolução social, entravando o seu progresso e o bem-estar social do seu povo. [pg. 302] II — A dualidade da civilização brasileira, com a sua estrutura econômica bem integrada e próspera no setor da indústria e sua estrutura agrária arcaica, de tipo semicolonial, com manifesta tendência à monocultura latifundiária, é a principal responsável pela sobrevivência da fome no quadro social brasileiro. III — Nenhum fator é mais negativo para a situação de abastecimento alimentar do país do que a sua estrutura agrária feudal, com um regime inadequado de propriedade, com relações de trabalho socialmente superadas e com a não utilização da riqueza potencial dos solos. IV — Os baixos índices de produtividade agrícola, produto da exploração empírica e desordenada da terra, a produção insuficiente pela exiguidade de terras cultivadas, apesar do enorme potencial de terras virgens do país, os insuficientes meios de transporte e de armazenagem dos produtos se constituíram como fatores de base no condicionamento de um abastecimento alimentar insuficiente e inadequado às necessidades alimentares do nosso povo. V — A inflação provocando uma alta contínua dos preços dos produtos alimentares e a baixa capacidade de compra de largos setores de nossa população, principalmente na zona rural, tem acentuado as dificuldades do abastecimento alimentar adequado de uma grande parcela do povo brasileiro. VI — Apesar dos esforços realizados, dos programas de educação alimentar e de extensão agrícola que procuram disseminar pelo país os conhecimentos fundamentais e práticos da ciência da alimentação, constitui ainda a ignorância destes fundamentos um fator de agravamento da dieta pela má aplicação por parte do povo de suas escassas disponibilidades financeiras. VII — Também fator de agravamento da situação alimentar tem sido o surto de expansão industrial do país, sem o paralelo incremento da produção agrícola, de forma a atender a crescente procura de alimentos de uma população que procura elevar os seus padrões de vida, principalmente nas cidades. [pg. 303] VIII — A alimentação do brasileiro se mostra assim imprópria em toda a extensão do território nacional, apresentando-se em regra insuficiente, incompleta o desarmônica, arrastando o pais a um regime habitual de fome — seja de fome epidêmica, como na área do sertão, exposta às secas periódicas, a do Nordeste açucareiro e a da monocultura do cacau, seja epidêmica, como na área do sertão, exposta às secas periódicas, seja de subnutrição crônica, de carências mais discretas como nas áreas do Centro e do Sul. IX — A fome, tanto global como específica, expressa nas inúmeras carências que o estado de nutrição do nosso povo manifesta, constitui, sem nenhuma dúvida, o fator primacial da lenta integração econômica do país. Por conta dessa condição biológica tremendamente degradante — a desnutrição crônica — decorrem graves deficiências do nosso contingente demográfico. Deficiências que são consequências diretas dos alarmantes índices de mortalidade infantil, de mortalidade global, de mortalidade pelas doenças de massa, como a tuberculose, dos altos coeficientes de morbilidade e de incapacidade para o trabalho e dos baixos índices de longevidade, expressões bio-estatísticas todas essas fundamentalmente condicionadas pelo estado de desnutrição da coletividade. A fome leva mais longe seus efeitos destrutivos, corroendo a alma da raça, a fibra dos pioneiros lutadores que conseguiram de início vencer a hostilidade do meio geográfico desconhecido, tirando-lhes toda iniciativa, levando-os à apatia e ao conformismo ou à explosão desordenada de rebeldias improdutivas, verdadeiras crises de nervos de populações neurastênicas e avitaminadas. X — Nenhum plano de desenvolvimento é válido, se não conduzir em prazo razoável à melhoria das condições de alimentação do povo, para que, livre do peso esmagador da fome, possa este povo produzir em níveis que conduzam ao verdadeiro desenvolvimento econômico equilibrado, daí a importância da meta “Alimentos para o povo”, ou seja, “a libertação da fome”. Esta dramática situação alimentar, expressão do subdesenvolvimento, nacional e das contradições econômicas que esta situação gera no país, apresentada esquematicamente nestes dez itens ou traços mais marcantes do retrato da fome no Brasil, impõe a necessidade inadiável de uma política alimentar mais efetiva, que não seja apenas de paliativos e de correção das falhas [pg. 304] mais gritantes através de programas simplesmente assistenciais. Impõe-se uma política que, acelerando o processo de desenvolvimento, quebrando as mais reacionárias forças de contenção que impedem o acesso à economia do país a grupos e setores enormes da nacionalidade, venham a criar os meios indispensáveis à elevação dos nossos padrões de alimentação. Porque a verdade é que nada existe de especifico contra a fome, nenhuma panacéia que possa curar este mal como se fosse uma doença de causa definida. A fome não é mais do que uma expressão — a mais negra e a mais trágica expressão do subdesenvolvimento econômico. Expressão que só desaparecerá quando for varrido do país o subdesenvolvimento econômico, com o pauperismo generalizado que este condiciona. O que é necessário por parte dos poderes públicos é condicionar o desenvolvimento e orientá-lo para fins bem definidos, dos quais nenhum se sobrepõe ao da emancipação alimentar do povo. É dirigir a nossa economia tendo como meta o bem-estar social da coletividade. Só assim teremos um verdadeiro desenvolvimento econômico que nos emancipe de todas as formas de servidão. Da servidão às forças econômicas externas que durante anos procuraram entorpecer o nosso progresso social e da servidão interna à fome e à miséria que entravaram sempre o crescimento de nossa riqueza. O Brasil, que acaba de construir a capital do futuro, precisa arrancar o resto do pais das brumas do passado, da sobrevivência de sua infra-estrutura econômica de tipo pré-capitalista, na qual vegeta até hoje mais da metade de sua população. A vitória contra a fome constitui um desafio à atual geração — como um símbolo e como um signo da vitória integral contra o subdesenvolvimento. [pg. 305] VII. GLOSSÁRIO ABARÁ* — Massa de feijão fradinho, feita em azeite-de-dendê, de maneira idêntica ao acarajé, e a seguir envolvida em folha de bananeira e cozida em banho-maria. * Na elaboração deste glossário, serviram de fontes informativas básicas as seguintes obras: José Bernardino de Souza. Dicionário da Terra e da Gente do Brasil. 1939: Vicente Chermont de Miranda. Glossário Paraense ou Coleção de Vocábulos Peculiares à Amazônia, e Especialmente à Ilha de Marajó, Belém. 1906: Alfredo Augusto da Mata. Contribuição ao Estudo do Vocabulário Amazonense, 1937: Paul Le Cointe, A Amazônia Brasileira. Árvores e Plantas Úteis. Belém. 1934; idem O Estado do Pará, a Terra, a Água e o Ar. S. Paulo. 1945: Raimundo de Morais. Meu Dicionário das Coisas Amazônicas, 1931: Armando Mendes. Vocabulário Amazonense. 1942: e Manoel Querino, Costumes Africanos no Brasil, 1938. ACAÇÁ. — Massa fina de milho bem cozida, em seguida embebida de óleo de dendê e envolta em folhas de bananeira para assar em fogo brando. AÇAÍ. — Euterpe oleracea, palmeira da várzea alta, esguia e elegante, das mais estimadas pelas populações amazônicas, que nos seus frutos encontram um recurso alimentar certo e grandemente apreciado. Os frutos dão em cachos, têm o tamanho de uma cereja e são, quando maduros, de cor violácea escura. De sua polpa se faz um vinho, que misturado com açúcar e farinha dágua ou de tapioca constitui a bebida mais popular da região e o alimento por excelência da população pobre. Nos pontos de venda, a existência [pg. 307] da bebida é assinalada por uma bandeira vermelha na porta, geralmente depois do meio-dia. Nas casas de melhores recursos, o açaí constitui a merenda da tarde; nas menores, o jantar. De açaí faz-se sorvete e mingau. Também pirão, para comer com pirarucu assado. Na opinião do homem amazônico, o açaí é a bebida mais saborosa do mundo. Nada há que lhe compare. E por isso ele diz, convicto, num verso popular, que corre de boca em boca, com a força de uma verdade: Quem vai ao Pará parou; tomou açaí, ficou. ACARAJÉ. — Massa de feijão fradinho, feita em azeite-de-dendê. Põe-se o feijão de molho, para facilitar a retirada da casca, sendo a seguir ralado na pedra. Com a farinha de feijão temperada com cebola e sal prepara-se a seguir a massa, que vai sendo frita aos bocados num banho de azeite-de-dendê fervente. O produto final, tendo absorvido grande quantidade de azeite, toma a cor amarelada. O acarajé é comido com um molho de pimenta-malagueta, cebolas e camarões moídos e postos em suspensão em azeite-de-dendê em outro vaso de barro (Manoel Querino). AIPIM ou AIPI (Manihot duke ou Manihot palmata). — É a mandioca mansa ou macaxeira, do Norte, cujas raízes são consumidas assadas ou cozidas. ARUÁ. — Gasterópodo do gênero Ampulário, comum nas lagoas do Norte, com feição de caracol, sifão respiratório e quatro antenas. Come-se cozido, no Nordeste. Do tupi aruá, que significa bem cozido. ARUBÉ. — Molho de consistência pastosa, preparado com pimenta-malagueta, massa de mandioca, alho, sal e outros ingredientes bem triturados. É muito usado na Amazônia para temperar o peixe, sendo, na opinião de Raimundo de Morais, mais saboroso do que a própria mostarda. Usa-se também o arubé engrossado com farinha de tanajuras torradas — arubé em massa. AVIÚ. — Espécie de camarão minúsculo com que os nativos das regiões do Tocantins preparam um tipo especial de sopa engrossada com farinha de tapioca. (Nunes Pereira.) [pg. 308] BARREIRO. — Depressão de terrenos salobros ou salgados, na várzea ou na floresta, procurada pelos animais pela riqueza do solo em sal. Os caçadores procuram os barreiros, dada a riqueza em caça de suas vizinhanças. No sertão do Nordeste, chama-se também barreiro a um pequeno açude ou simples fosso, para conservar’ as águas pluviais. BEIJU. — Espécie de panqueca preparada com a farinha de mandioca assada. Há deles uma infinita variedade, sendo comumente usados no café e na ceia. O seu preparo é semelhante ao da tortilla de milho, sendo utilizado para condimentá-la vários ingredientes, como a castanha de caju e o coco ralado. BUCHADA ou PANELADA. — É o nome dado no Nordeste a um tipo de cozido das vísceras, dos miúdos entrouxados no bucho aberto e depois costurado. A buchada pode ser feita com o fato de carneiro, de cabrito ou de boi, sendo a mais famosa e reputada nos sertões nordestinos a de carneiro. As vísceras aferventadas são a seguir temperadas com alho, pimenta, cebola, sal e vinagre e depois ensacadas no bucho do animal. Preparada a iguaria, é em geral consumida com pirão de farinha de mandioca, feito com o próprio caldo. CANJICA. — Pudim de milho verde com leite de coco, açúcar e canela. Muito usado nas duas áreas do Nordeste, principalmente na do sertão. Sobre o seu preparo, deixou-nos Manoel Querino a seguinte receita: “Previamente, ralam-se os cocos, ou seja, cinco para cada vinte e cinco espigas de milho. Debulhados, ou melhor, retirados os grãos da espiga, cortando-os com uma faca e recolhidos em urupema, depois de limpos, são ralados em máquina americana ou na pedra. Depositada a massa em vasilha grande com água, os resíduos que vêm à tona são apanhados à mão, e passa-se na urupema, ou melhor, na estopinha, a massa contida na vasilha, espremendo-a à mão. Reservam-se as sobras, que são novamente raladas na pedra, passadas e espremidas na estopinha. O vaso ou panela que recebe a massa do milho espremida é conservado em repouso, por algum tempo, e, finalmente, escorre-se a água. Em seguida, à massa que ficou aderida ao fundo do vaso adicionam-se o sal e o leite de coco mais fraco; leva-se [pg. 309] ao fogo e mexe-se incessantemente com uma colher grande, de madeira, até que a canjica comece a engrossar, ocasião em que se deita o açúcar para não embolar, e quando a canjica estiver em efervescência, tempera-se com manteiga fina, leite grosso de coco, água de flor de laranjeira e água de erva-doce e cravo fervidos à parte. Finalmente, deixa-se cozer bastante até tomar ponto grosso. Nesta ocasião, retira-se a canjica do fogo e é depositada em pratos grandes. Convém lembrar que a canjica, depois de levada ao fogo, nunca se deixa de revolver com a colher. Quando a canjica estiver fria é polvilhada com canela-em-pó, antes de ser servida.” CARÁ. — Nome dado a um largo grupo de tubérculos comestíveis de várias espécies de Dioscorea. Há o cará branco, o cará roxo e o cará mimoso. Em certos estados do Brasil chama-se também de cará ao inhame, tubérculo da Dioscorea piperifolia, W. e da Dioscorea lixifoles, Mat. Tanto o cará como o inhame são alimentos altamente energéticos por seu elevado teor em hidrocarbonados. CARURU. — Em seu preparo empregam-se quiabos, mostarda ou taioba, que devem ser cozidos com pouca água. Depois adicionam-se peixe assado, azeite-de-dendê e pimenta-malagueta. O cozimento é engrossado com farinha de mandioca. CHARQUE. — Carne de boi conservada com sal, chamada também carne-seca ou jabá. Com a secagem do produto ao vento e ao sol, reduz-se em mais de 50% o teor de água, concentrando a sua matéria seca. É o tipo de carne que se consome na zona açucareira e na Amazônia, importada das áreas do Sul. Naquela área é o produto conhecido sob a denominação de carne-do-ceará, onde se iniciou este tipo de industrialização da carne. CHIBÉ. — Bebida preparada pela adição à água da farinha de mandioca e rapadura. Na Bahia, chama-se jacuba e em Pernambuco conguinha. O vocábulo chibé limita-se à área amazônica. COCADA. — Doce seco de coco ralado, preparado com açúcar, rapadura ou mel de engenho. Sobremesa típica das casa pobres das praias. É dos doces de rua mais disputados pela meninada das escolas. [pg. 310] CUSCUZ. — Bolo de massa cozida no vapor dágua que penetra através de um depósito com crivos colocado sobre uma panela em fervura. Segundo as regiões, usa-se como matéria-prima do cuscuz o milho, a tapioca ou o arroz. O cozimento sempre idêntico, revelando a sua origem árabe. ENVIRA (Xilopia brasiliense, Spr.) — Anonácea cujos frutos pequenos, muito aromáticos, substituem como tempero a pimenta-do-reino. Também a envira branca (Xilopia Grandiflora. St. Hil.), chamada pimenta-do-sertão, de sabor picante, serve para o mesmo fim. ÉPOCAS DO VERDE. — O sertanejo chama “épocas do verde” o período que se segue às chuvas e durante o qual a paisagem cinzenta da caatinga se recobre de um manto clorofilado. É a época da fartura. Do pasto verde. Do milho verde. Do feijão verde. FARINHA DÁGUA. — Farinha da mandioca preparada pela maceração, durante vários dias, das raízes da planta, num depósito contendo água, ou num poço. As raízes assim maceradas amolecem, facilitando a retirada das cascas. É a mandioca puba que, amassada e triturada, é a seguir espremida e torrada ao forno. FRUTA-PÃO (Artocarpus incisa, L.) — Planta originária da Polinésta, cujos frutos constituem um alimento básico de várias ilhas do arquipélago, sendo consumidos principalmente sob a forma de pasta, obtida do fruto fermentado: popoi. A fruta-pão se aclimatou muito bem no Nordeste brasileiro, produzindo com relativa abundância. GERGELIM (Sesamum indicum, D. C.) — Planta originária da Índia, cujas sementes encerram alto teor de óleo comestível e de ótima conservação: Óleo de Sésamo. IGARAPÉ. — Caminho de canoa, segundo a língua tupi. É um braço do rio que penetra no interior das terras ou se origina de veios nascentes em determinados pontos. É um ribeiro, um riacho — na denominação amazônica —, um curso em miniatura que apresenta todas as características dos grandes. Não entra e sai no mesmo rio, como o “paraná”. A “boca” — foz — do igarapé é reservatório habitual de jacarés, cobras sucurijus, piraíbas, puraqués e outros animais que ali aguardam e devoram os peixes miúdos, trazidos [pg. 311] pelas enchentes dos rios. O caboclo teme a “boca” do igarapé e tem horror a nela pernoitar. IPADU (Erithroxylon-Coca, Lamk). — Arbusto do qual é extraído o alcalóide, a cocaína. Com as folhas da planta secas ao sol, depois de torradas e reduzidas a pó, preparam os índios da Amazônia a farinha de ipadu. — Misturando esta farinha com um pouco de amido de mandioca e com as cinzas dos brotos de imaúba, formam uma pasta que é usada nas longas viagens, para ser mascada. A pasta de ipadu anestesia a mucosa do estômago fazendo passar a sensação de fome. JAMBU (Wulffia stenoglossa (DC) Hub.). — Arbusto muito utilizado, depois de cozido, na culinária amazônica, especialmente nos pratos onde entra o tucupi. Tem sabor sui-generis, é sialagogo e adstringente, motivo porque, segundo observação popular, “faz o beiço tremer”. MANGABA. — Fruto da árvore gomífera Hancorna speciosa, verde-ferruginoso por fora e branco por dentro, do tamanho de uma ameixa fresca. Depois de caído da árvore conserva-se o fruto dentro dágua por algum tempo, para perder a resina e ficar em condições de ser comido. O sorvete de mangaba goza, merecidamente, do melhor conceito: é saboroso. MANIÇOBA. — Panelada preparada com as folhas da mandioca mansa ou aipim, socadas ao pilão e cozidas com carne ou peixe. Por este processo culinário enriquece-se a dieta amazônica dos princípios vitamínicos contidos nas folhas verdes da maniva. Os negros e mestiços do Nordeste açucareiro faziam uso idêntico dessas folhas. MANIPUEIRA. — Caldo de mandioca prensada, obtido numa das fases de preparação da farinha d’água. É de alta toxidez. MAROMBAS. — Grandes armações de madeira construídas em forma de jirau sobre estacaria grossa, servindo para abrigar o gado durante as enchentes dos rios. MIXIRA. — Conserva de carne de peixe ou mais raramente de carne de gado preparada em calor lento e brando, em azeite ou gordura animal. Em geral, a carne é embebida no seu próprio óleo, sendo depois preparada, mergulhada em banha liquefeita, a qual, depois de endurecida pelo [pg. 312] resfriamento, forma uma espécie de envoltura, que a protege e a conserva por longo tempo. As mixiras mais usuais são as de peixe-boi, de tartaruga, de tucunaré e de tambaqui. MOQUÉM. — Processo de assar ou grelhar carnes e peixes, colocados a alguma distância de um braseiro. Alimento sobre labareda, diz Alfredo da Mata. Segundo I. de Sampaio, o moquém, como designação indígena, significa o assador, grelha ou armação de varas, sobre o qual se mantêm, a alguma distância de um braseiro, as carnes a assar. Para Artur Neiva, moquém quer dizer, em língua tupi, assar mal. PAÇOCA. — Mistura de carne fresca ou seca, socada ao pilão com farinha de mandioca torrada. No sertão do Nordeste usa-se a carne de bode salgada, a carne-de-sol e o charque. Na Amazônia prepara-se uma paçoca com a castanha de caju assada e pulverizada e, principalmente, com a castanha-do-pará (Raimundo de Morais). Segundo Alfredo Augusto da Mata, tempera-se a paçoca com pimenta, mas nunca com sal, porque, com o excesso de umidade atmosférica, o sal umedece a paçoca, inutilizando-a. Na cidade de Belém, vende-se paçoca de castanha-do-pará, preparada com a castanha socada ao pilão, farinha, açúcar e sal, em cartuchos. A palavra paçoca deriva, segundo Vicente Chermont Miranda, de passoc — em tupi, moer em pilão. PAMONHA. — Massa de milho verde, leite de coco e açúcar, envolta em palha de milho e cozida com vagar. No sertão do Nordeste substitui-se muitas vezes o leite de coco pelo de vaca. PANELADA. — (Ver buchada.) PARACARI. — Planta que tem cheiro de hortelã e de erva-cidreira, usada como tempero na Amazônia. PARANÁ. — Curso dágua de pouco volume, cujo leito, zigue-zagueante, é sempre coberto de espessa floresta hileiana, formando pequenas ou grandes ilhas não perenes. PEIXE-BOI. — Grande cetáceo da ordem dos Sirêneos, que vive nos lagos e rios amazônicos. É mamífero e herbívoro, de cor pardacenta, de cabeça achatada, disforme, tronco fusiforme, pode medir mais de cinco metros de comprimento. É precioso pela carne e pelo azeite que produz. A [pg. 313] carne é gordurosa, indigesta, mas muito apreciada, sobretudo quando frita na própria gordura e misturada com farinha dágua. O caboclo a considera altamente nociva às pessoas que tem feridas ou doença venéreas e às mulheres grávidas e lactantes e às crianças. Existe na Amazônia um lago de peixe-boi, e quem por ele transita devo deixar qualquer lembrança para o cetáceo, sob pena de ter a canoa virada ou outra qualquer atrapalhação na viagem. Também refere uma lenda que quem possui a xandaraua, mãe do peixe-boi. não volta da pescaria sem trazer um desses mamíferos. Deve, porém, contentar-se com um exemplar somente, que não seja o primeiro que apareça, para não perder o alto privilégio que possui. Com a gordura do peixe-boi, que é uma banha branca, compacta, faz-se a mixira, cuja explicação vai noutra parte deste glossário. PIQUIÁ. — Conhecido também por piqui, é o fruto de uma das maiores árvores das terras altas da Amazônia, Curyocar villosum, cujo tronco atinge, por vezes, uma circunferência de cinco metros. O fruto é amarelo intenso, do tamanho de uma laranja comum, de polpa oleosa que recobre um caroço crivado de espinhos. O fruto isento de casca é cozido com água e sal é comido puro ou com farinha dágua. Depois do açaí e da pupunha, é certamente o fruto oleoso mais apreciado na Amazônia. É abundante nas chapadas do Nordeste ocidental. PIRACEMA. — Cardume de peixes saltando contra a correnteza do rio. O fenômeno se manifesta de preferência na época das enchentes e dá a impressão de uma maior riqueza piscícola das águas, levando o vulgo a dar à palavra a significação de grande quantidade, mas em tupi significa peixe aos saltos (A. A. da Mata). PIRACUÍ. — Farinha de peixe preparada com o peixe moqueado e depois reduzido a pó. A técnica de preparação indígena consiste em moquear o peixe para uma primeira secagem, retirando-lhe depois as espinhas e cortando-o em pequenos pedaços, que são novamente submetidos ao moquém, para completa torração. Depois de torrada, é a carne de peixe pulverizada e guardada ao abrigo da umidade, sendo o produto utilizado principalmente durante as grandes viagens. O piracuí tem um alto valor nutritivo. Produto alimentar [pg. 314] rico, tanto em proteína como sais minerais, principalmente em cálcio, fósforo e iodo. PIRARUCU. — Um dos maiores peixes da Amazônia, chegando alguns de seus exemplares a alcançar cem quilos e dois a três metros de comprimento. Tem escamas vermelhas, de onde lhe vem o nome, e prefere as águas baixas dos lagos. É arcófago e a borbulha que produz quando vem à tona dágua para respirar serve de pista para o pescador, que o arpoa de longe. A sua língua seca, grossa e áspera serve para ralar guaraná, madeira e tubérculos. As escamas são utilizadas como lixa. Fresco ou salgado, tem grande consumo. A cabeça moqueada é muito elogiada. Mas a parte mais apreciada é a porção ventral, denominada ventrecha. Os ovos são também muito procurador; o peixe choca os ovos nas guelras e as ovas chegam a ter dois a três palmos de comprimento. Os filhotes, denominados bodecos. no Baixo Amazonas, são criados sob os opérculos quando pequenos. O pirarucu salgado é cortado em postas e mantas que ficam expostas ao sol por algum tempo. A salga do pirarucu nos lagos obedece a verdadeiro ritual e revela todo um complexo cultural do caboclo amazônico. O pirarucu é o bacalhau da Amazônia. A sua culinária contem dezenas de preparações, saborosíssimas todas. PUPUNHA. — É a palmeira Guilielma, de grande altura, alguns exemplares com mais de quinze metros de comprimento, crivados de espinhos. Os frutos, agrupados em cachos, são arredondados, de tamanho comparável a uma ameixa fresca e contêm a polpa comestível bastante oleosa que recebe um pequeno caroço escuro. Muito apreciados depois de cozidos, os frutos são comidos puros, com farinha, açúcar ou melado. Comem-se, também, com manteiga, acompanhando o café. Existem várias espécies de pupunhas. diferenciáveis pela cor da casca e pelo tamanho. QUIBEBE. — Mistura de abóbora (jerimum) cozida e machucada com leite. Prato típico do Nordeste. RAIZEIRO. — Retirante que. chegando à penúria completa, se dedica a escavar no solo esturricado do sertão as raízes de algumas plantas silvestres que lhe possam servir de alimento, tais como as raízes de mucunã, da mandioca brava, do umbuzeiro, etc. [pg. 315] RAPADURA. — Tijolos de açúcar mascavo endurecido e de variadas formas. Sob o ponto de vista nutritivo, a rapadura é bem superior ao açúcar refinado, por sua maior riqueza em princípios minerais, principalmente em ferro. TACACA. — Papa de tapioca, ou seja, do amido da mandioca diluído em água, à qual e adicionada certa dose de tucupi apimentado, jambu, alho e sal. Bebida muito apreciada e privativa da área amazônica. TIPITI. — Aparelho de compressão usado para espremer a massa de mandioca no preparo da farinha. Tem a forma de um longo cilindro e é fabricado com talas de vegetais da região, trançadas de maneira especial. É a prensa primitiva do indígena para extrair da massa de mandioca a manipueira tóxica. Segundo Vicente Chermont Miranda, há três maneiras diferentes de tecer o engradado do tipiti, conhecidas pelos nomes de cutirana, escama de tamuatá e miriti ou surucucu. Do tupi tipi, espremer, e ti, suco (A. A. da Mata). TRACAJÁ. — Quelônio muito comum nos rios da Amazônia, semelhante à tartaruga, porem de menor parte. VATAPÁ. — A mais famosa iguaria da cozinha baiana, com inúmeras variedades: vatapá de carne, de galinha e de peixe assado e salgado O mais famoso é o vatapá de garoupa, preparado com este peixe, camarões secos, leite de coco, azeite-de-dendê, fubá de arroz, angu de maisena e pimenta-malagueta. Do vatapá de galinha, dá-nos Manoel Querino a seguinte receita: “Morta a galinha, depenada, lavada com limão e água, é partida em pequenos pedaços que são depositados na panela e temperados com vinagre, alho, cebola e sal, tudo moído com o machado de madeira, em prato fundo. Põe-se a panela ao fogo e. quando o conteúdo estiver seco, adiciona-se pouca água, a fim de continuar o cozimento. Enquanto a galinha está a cozer, rala-se o coco, retira-se o leite grosso com muito pouca água e reserva-se. Novamente deita-se mais água no coco para se ter o leite mais delgado, que é bom misturado com o pó de arroz, principalmente, e, derramada essa mistura na panela, revolve-se ou mexe-se constantemente com uma colher grande de madeira. Ato contínuo, moem-se os camarões em porção, cebola, pimenta-malagueta em pequeno pilão ou [pg. 316] por outro qualquer processo, junta-se diminuta quantidade de água, enquanto se dissolvem essas substâncias e despejam-se na panela, continuando a mexê-la com a colher. Quando a panela estiver a ferver deitam-se o azeite- de-cheiro e o leite grosso, que ficou de reserva. Tem-se pronto o vatapá de galinha, privativo das mesas elegantes.” VIRAÇÃO. — Processo de apanhar as tartarugas nas praias amazônicas, consistindo em revirar o quelônio, deixando-o com as costas sobre a areia. Realiza-se a caça à tartaruga principalmente na fase em que estes animais saem das águas e sobem nos bancos de areia para desovar — é a época da viração. [pg. 317] APÊNDICE À OITAVA EDIÇÃO A CONTRIBUIÇÃO DA CRÍTICA BRASILEIRA Fala-se muito da sensibilidade exaltada dos escritores. Da sua intolerância, do seu desagrado às críticas que possam fazer à sua obra, reagindo às vezes com veemência aos ataques da crítica como se ela estivesse ferindo sua própria carne — a carne de suas entranhas. Felizmente não sou desses. A crítica honesta me dá mais satisfações do que dissabores. E as satisfações me são trazidas, às vezes, mais pelos que discordam de mim com sabedoria, do que dos que concordam com largueza d’alma. Vejo no critico um colaborador inestimá-vel e. no seu trabalho, uma contribuição a ser aceita de coração liberto. Ao publicar esta 8ª edição da Geografia da Fome, que marca 15 anos de vida desde nosso trabalho, tomei a deliberação de incluir neste volume, como um preito de gratidão à critica brasileira, este apêndice contendo as primeira reações que me provocaram os comentários críticos à 1ª edição do nosso ensaio. Já o havíamos publicado na 2.ª edição aparecida em 1947, mas nas edições seguintes, tendo incorporado ao resto as mais interessantes sugestões da crítica, suprimi este apêndice. Hoje achamos que ele deve voltar a figurar no nosso livro como um elemento explicativo de como e por que evoluíram as nossas idéias e principalmente a quem mais devo como artífices desta evolução. Segue-se, pois, o apêndice, tal qual foi publicado em 1947. A primeira edição deste livro aparecida nos últimos dias de dezembro último (1946) foi recebida pela crítica nacional com um interesse e com uma abundância de comentários que [pg. 319] excederam de muito a nossa expectativa. É que tínhamos em mente a idéia corrente de que os críticos brasileiros nunca se mostraram muito inclinados à análise dos trabalhos desta categoria — de ensaios ou estudos dando conta de pesquisas mais ou menos aprofundadas de campo e de laboratório — evidenciando muito maior interesse e disposição crítica em comentarem obras de ficção. A causa dessa predileção, ou melhor, desta quase que limitação da crítica nacional a este setor da criação intelectual, foi há pouco atribuída por um dos mestres destas atividades — Tristão de Athayde — à falta de especialização dentro de um campo de atuação, na verdade excessivamente amplo e, portanto, difícil de ser abarcado com segurança em sua totalidade. Até hoje, quase não existem entre nós, os especialistas da crítica — o crítico das ciências biológicas, o crítico dos trabalhos sociais, o crítico da obra filosófica —, como ocorre em outros centros de cultura mais amadurecidos da Europa e mesmo dos Estados Unidos. Mas, se dentro de um extremo rigorismo profissional não se pode apontar no país essas distintas categorias de críticos especializados, o que não se pode negar é que já atuam no nosso meio vocações nítidas orientadas nas várias direções das atividades críticas e, mais ainda, que a crítica nacional se torna cada dia mais séria e mais objetiva em suas análises. Já vai passando o tempo da crítica de água de flor de laranja, dos simples jogos de palavras, para efeitos puramente literários, atingindo-se a etapa, muito mais fecunda, da crítica de idéias. Da crítica que colabora com o autor na difusão de sua obra, no melhor desempenho de suas finalidades, captando o interesse coletivo, debatendo conceitos, explicando e justificando atitudes mentais, sintetizando, enfim, a obra focalizada, dentro do panorama cultural do país. O jornalista Homero Homem, em comentário feito a esta Geografia da Fome, escreveu que “a atuação, a simpatia e os aplausos que este livro recebeu da crítica revelam um sinal de novos tempos”. A verdade é que a crítica nacional, ao inte-ressar-se tão generosa e simpaticamente por nosso trabalho, trouxe às possibilidades de aprimoramento do mesmo uma contribuição inestimável. Contribuição representada por uma integral compreensão de seus objetivos, por estimulantes comentários ao prosseguimento da obra iniciada, por fecundas sugestões a [pg. 320] serem tomadas e ampliadas dentro do plano geral do trabalho, e, finalmente, por úteis retificações de alguns dos seus detalhes. A exceção de um ou outro artigo de exaltado patriota, indignado com a feia pecha, que com este livro eu lançava sobre o Brasil, de ser um país de famintos, quando o ufanismo nacional nos impunha esconder esta mancha tão degradante, talvez mais degradante aos olhos de certos patriotas do que as manchas da mestiçagem com o negro, toda a crítica brasileira foi generosamente compreensiva e altamente colaboradora na análise deste nosso trabalho. Em artigos como os publicados por Olívio Montenegro, Rachel de Queiroz, Alceu Marinho Rêgo, Nelson Werneck Sodré, J. Fernando Carneiro, Djacir Menezes, Paul W. Shaw, Sérgio Milliet, Brasil Gerson, Ascendino Leite, Yvonne Jean, Artur Ferreira Reis, Homero Homem, Orlando Parahim, Thales de Azevedo, Luiz da Câmara Cascudo, Ademar Vidal, Maurício de Medeiros, Antônio Constantino, Paulo Filho, Ary da Matta, Nunes Pereira, Abelardo Montenegro, Elói Pontes, Álvaro Maia, Raul Gomes, Omer Mont’Alegre, Ernâni de Carvalho, Geraldo de Freitas, José Honório Rodrigues, José Bezerra Gomes, Alcides Siqueira e outros, encontrou o autor um mundo de sugestões que lhe estão sendo extremamente úteis na elaboração dos volumes seguintes de sua obra e na retificação e ampliação de pontos de vista expostos neste primeiro volume. Dentro do conceito em que empreendemos um trabalho desta envergadura, cuja realização só é possível, como já acentuamos no Prefácio, pela colaboração e ajuda de muitos e não pelo esforço isolado de uma só pessoa, só podemos receber com regozijo e com entusiasmo essas preciosas contribuições da crítica, procurando, sempre que possível, incorporá-las ao conteúdo do nosso trabalho. Era mesmo nossa intenção desenvolver nesta segunda edição certos capítulos do livro e acrescentar uma série de novas notas elucidativas ao texto de acordo com as novas imagens formadas no nosso espírito sob a fecunda sugestão da crítica construtiva. Mas o fato de que a primeira edição deste livro se tenha esgotado em tempo mais curto do que previam o autor e o editor, não permitiu que esta nova edição fosse feita à base de um texto mais ampliado, tendo-se aproveitado a mesma composição inicial apenas expurgada numa melhor revisão dos seus descuidos tipográficos mais gritantes. Não podendo, pois, desenvolver no próprio texto as idéias que [pg. 321] a crítica nos sugeriu, resolvemos aproveitar de logo algumas delas, concentrando-as neste apêndice a esta 2.a edição. Nele não desenvolveremos todas as idéias e sugestões trazidas pela Crítica, mas apenas aquelas que representam um enriquecimento definitivo para o livro, aquelas por cuja falta ele perde substancialmente em cumprir os seus objetivos. As outras sugestões — as de caráter mais bem erudito ou ilustrativo — serão oportunamente aproveitadas, caso ocorra o advento de uma nova edição, elaborada com mais vagar, em notas de pé de página, esclarecedoras de vários pontos debatidos pela Crítica. Das contribuições fundamentais da Crítica, dessas que não devem permanecer sem uma imediata aplicação, utilizaremos de início as que nos trouxe J. Fernando Carneiro, em artigo publicado no Diário de Notícias, estudando com grande penetração e equilibrado senso crítico o nosso trabalho. Foram duas as sugestões que mais nos impressionaram: a de estudarmos mais a fundo a área do sururu de Alagoas e a de atentarmos com mais vagar para a riqueza de expressões idiomáticas, ligadas ao problema alimentar, na gíria nacional. Quanto à primeira sugestão, é ela bastante procedente, desde que estudamos com certo destaque, dentro da mesma Zona da Mata Nordestina, outra subárea — a do cacau. O estudo mais aprofundado da subárea do sururu, obedecendo à mesma orientação metodológica, só poderá enriquecer, com certas singularidades locais, o panorama alimentar do Nordeste. Meditando um pouco sobre o assunto, chegamos mesmo à conclusão de que merece uma indagação sistemática o problema das possíveis correlações existentes entre a dieta daquelas populações que vivem nas margens das lagoas salgadas, infestadas de sururu, e o seu biótipo constitucional. Nada mais conhecemos acerca do valor nutritivo desse molusco que constitui o alimento básico daquelas populações, mas levando em conta as mais recentes análises realizadas em outros países, que demonstraram a extraordinária riqueza vitamínica da fauna aquática, é de se presumir que seja ele uma fonte de vitaminas de valor inestimável. A sugestão de J. Fernando Carneiro tomou ainda maior consistência, quando há poucos dias procedemos a leitura de um interessante trabalho de Mr. Maurice Fontaine — “Les Océans et les Mers, Sources de Vitamine”1 — publicado em 1945, mas que as dificuldades de comunicação com a Europa [pg. 322] não nos permitiram conseguir senão recentemente. Nesse trabalho, demonstra o naturalista francês que, em teores iguais de vitaminas, os alimentos de origem marinha beneficiam muito mais do que os de origem terrestre. Esse trabalho, 1 Bul. de la Soc. Scient. de Hyg. Alim. n.ºs 7. 8. 9 — 1945. um outro de Billings e colaboradores2 sobre o conteúdo de vitaminas de complexo B de certos peixes e os recentes estudos acerca das antivitaminas nos levaram a pensar numa revisão do problema de abastecimento em vitaminas das populações das praias e das margens das lagoas nordestinas. Quanto ao problema da gíria, ele é tão rico em sugestões abrindo tão amplos horizontes à psicologia social de um povo em estado permanente de fome, que todo o trecho do artigo tratando deste aspecto merece sua transcrição neste apêndice: “Não encontro também no livro uma referência à gíria nacional. Nós sabemos quantas coisas se podem descobrir através das expressões populares, assim como da linguagem interna dos grupos sociais. Estados d’alma, vícios do coração, ciúmes de classes, ânsias, revoltas. Há tempos venho prestando atenção nesse assunto e vendo como a gíria do povo brasileiro traduz com insistência a representação mental das nossas privações alimentares. O espectro da fome parcial e crônica na mente do povo humilde do Brasil. É impressionante como a maior parte das expressões populares da gente subnutrida do Brasil gira em torno de imagens alimentares. De uma coisa fácil, se diz que ‘é canja’ ou que ‘é sopa’. De coisa sem importância se diz que é ‘café pequeno’. Uma coisa de fácil e barata aquisição, outrora se dizia que era uma pechincha ou um negócio da China: hoje se diz que é uma ‘galinha morta’. Em compensação, uma situação difícil será um ‘abacaxi’. Se uma imagem feminina agrada aos nossos olhos gulosos e a nosso instinto insatisfeito, logo dizemos que ela é um ‘chuchu’ ou uma ‘uva’. E mesmo que a beldade em questão não se digne retribuir aos olhares dos seus admiradores, haverá sempre ‘farofeiros’ que pretenderão convencer-nos que a conquista foi fácil, enfim que tudo foi ‘de colher’. As expressões e interjeições fornecidas pela imagística alimentar se sucedem: ‘está no papo!’ ‘pão-pão, queijo-queijo’; ‘é na batata’; ‘uma ova!’, ‘uns tomates’, etc., etc... Nenhuma fonte fornece imagens com maior abundância. Verdadeira gíria de compensação [pg. 323] dietética, atestando a extensão das nossas privações, a fome crônica de que sofre a maioria do povo brasileiro. É essa fome de grande parte de nossa população que uma pequena maioria dominante não quer ver. A pequena maioria que come bem, até demais, e para quem o uso das imagens alimentares da gíria nacional não tem provavelmente sabor nem sentido.” 2 Billings Riely, Fischer e Hedreen — “The Riboflavin Contente on Fish Products” — Journ. of Outra contribuição valiosa foi a que nos trouxe Rachel de Queiroz, com seu depoimento de testemunha da tremenda mortalidade infantil no Nordeste, mostrando com que profundeza este fenômeno habitual imprime uma certa marca na alma coletiva da gente nordestina. São de seu artigo, também publicado no Diário de Notícias, as seguintes palavras: “Quando, em simples números, nos dá conta do índice de mortalidade infantil nas capitais do Brasil, e assinala aquelas em que esse índice é mais alto (Aracaju, com 457 por mil; Maceió, com 443; Natal, com 352), a gente vê logo o morticínio desadorado das criancinhas pobres que se acabam como pinto quando dá um ar na criadeira. A frutificação inútil das mulheres, os penosos meses de gestação sofridos à-toa, as dores do parto, as noites de insônia com o menino doente que chora, a caminhada sem fim para os raros ambulatórios de socorro — e tudo isso só para dar de comer à terra do cemitério. Há dessas cidades em que as meninas já têm um vestido branco separado para acompanharem enterro de anjinho. E uma senhora conheci — também numa cidade dessas — que fizera promessa aos Santos Inocentes de só usar flores do seu grande jardim para enfeitar caixão de anjo. Não havia rosa Paul-Néron — ou antes Palmeron — que chegasse, nem rosa-jasmim, nem margarida, nem crisálida arrepiada. Contou-me a dama que era raro o dia em que não batia uma pessoa à porta (porque toda a cidade já sabia da promessa) pedindo flor para um anjo. E tinha dia de virem duas e três.” A este trecho de dramática simplicidade, evocado pela romancista de O Quinze, sobre a mortalidade infantil, segue-se outro, sobre os estragos da tuberculose, que também merece transcrição: “Quando nos fala nos dois fatores correlatos: desnutrição e tuberculinização — é como se evocasse aquelas famílias nossas conhecidas que ficaram tabus no meio das outras, porque são compostas de gente ‘fraca do peito’. Quando comem na nossa mesa os pratos são depois escaldados e certas donas-de-casa, [pg. 324] mais exageradas no escrúpulo, chegam a quebrar toda a louça usada pela visita suspeita. Se beijam as crianças, a gente esfrega álcool na cara do menino beijado, até quase arrancar a pele. E se algum membro desse clã marcado quiser casar com parente nosso — seja embora o pretendente rico, bonito e prendado — a família inteira faz uma oposição terrível, Nutrition — 1941 — F. 22. porque ninguém deve misturar-se com ‘raça de tísico’. Na verdade, vêem-se moças morrendo da peste branca quando ainda amamentam o primeiro filho, vinte anos depois aquele filho, por sua vez, também vai sofrer do peito. Se é praga, é praga medonha, porque não tem reza forte que a abrande.” De Olívio Montenegro, devemos destacar o poder sugestivo de suas palavras ao referir-se a uma das qualidades, a seu ver, positiva do nosso livro: a de sua unidade de expressão, desde que “todo seu material, nada maleável, de números estatísticos, de fórmulas químico-biológicas, de súmulas de pesquisa, funde-se tão organicamente com a matéria mais vivamente humana do livro, que não o endurece em nenhuma de suas partes. Não o torna ossudamente anguloso. Os números estatísticos não fazem muitas vezes senão dar um relevo mais patético aos fatos e idéias por ele sublinhados”. Meditando sobre essas palavras, chegamos à conclusão de que se na maioria dos casos obtivemos este resultado, esta fusão do científico com o humano, num certo capítulo não alcançamos esse objetivo, gritando os dados técnicos de maneira um tanto rebarbativa. Refiro-me ao capítulo onde é estudado o problema do bócio e da carência em iodo. É este um trecho do livro que se ressente de uma certa dureza na exposição, merecendo ser mais humanizado, ter o seu esqueleto de ciências mais bem recoberto de carne social. Tomamos o compromisso de procurar melhorar no futuro este aspecto, pela sugestão velada que nos despertou o autor de O Romance Brasileiro. O economista Djacir Menezes, estudando com especial carinho a área do sertão nordestino, nos sugeriu uma análise circunstanciada do Vale do Cariri e recomendou-nos a leitura de um ensaio que merece realmente ser incluído na bibliografia do nosso livro: o ensaio de Joaquim Alves, intitulado O Vale do Cariri. A leitura desse trabalho traz, na verdade, muita luz a certos fenômenos sociais do sertão. Sobre essa área do sertão, trouxe-nos uma contribuição opulenta, pela variedade de aspectos [pg. 325] encarados, Ademar Vidal, numa série de artigos que escreveu para os Diários Associados, sob o título de “O Nordeste na Geografia da Fome”. Dos inúmeros pontos abordados por Ademar Vidal. há um que merece uma especial referência, pois fora esquecido inteiramente em nosso ensaio. É aquele onde alude e crítico ao fato por ele observado do terrível mau cheiro que exalam os campos de concentração dos flagelados da seca — a catinga horrorosa que enche os ares de toda a redondeza desses imundos amontoados de famintos. Ele atribui principalmente o mau cheiro à falta de higiene, ao fato de ninguém tomar banho nessas épocas da seca, mas a nosso ver o fator principal da fedentina é a própria fome. É a autofagia. As exalações fétidas que os corpos famintos desprendem traduzem um estado de decomposição da proteína viva e de adiantada acidose. É o cheiro terrível da fome, conhecido dos aviadores da última guerra, quando sobrevoavam, às escuras, os campos de concentração da Alemanha: cheiro de carne humana em decomposição. Sobre essa mesma área do sertão, trouxeram preciosos ensinamentos J. Bezerra Gomes e Alcides Siqueira. O primeiro, procurando retificar alguns dos aspectos peculiares da flora e da fauna do sertão que ele conhece a fundo. Destas retificações. merece especial acatamento o da raridade da abelha urucu, quando o autor julgava ser esta a espécie mais comum naquela área. Alcides Siqueira também refere-se à raridade do mel de uruçu no sertão e também julga exagerada a informação, que apoiamos, de Loefgren, de que o gado caprino seja um fator de devastação das matas, de capoeiramento da paisagem. É possível que Loefgren tenha exagerado e que Alcides Siqueira tenha, até certo ponto, razão. De todas as áreas estudadas em nosso livro fui a amazônica a que mereceu maior número de análises críticas. Os estudiosos da Amazônia trouxeram para o debate e o estudo da fome no imenso vale equatorial os seus conhecimentos regionais de filhos ou de amantes fascinados da terra. Análises detalhadas fizeram Arthur Ferreira Reis, Nunes Pereira, Álvaro Maia e Paul V. Shaw. O historiador A. Ferreira Reis, em crítica publicada no O mês econômico e financeiro, depois de afirmar que a realidade atual da Amazônia é exatamente aquela que pintamos em nosso livro, discorda que a evolução econômico-social da mesma se [pg. 326] tenha realizado nas duas fases que estabelecemos didaticamente: a fase de penetração e de domínio do lusitano e a fase de ocupação do nordestino no rush da borracha. Julga o historiógrafo necessário incluir uma terceira fase intermediária — a fase agro-pecuária do consulado pombalino, insistindo que durante essa fase intermediária o homem da Amazônia cuidou um pouco mais da obtenção de recursos de subsistências, relegando para um segundo plano a obtenção das especiarias: “O processo sócio-econômico da Amazônia apresenta-se aos nossos olhos em três etapas, ao invés de duas. A primeira é a da penetração do lusitano, militar, colono, religioso. Era o primeiro contato do europeu com o ambiente. Fase de aventura, estendendo-se até meados do século XVIII, mesmo nessa fase, quando se operou em grande escala e em grande estilo o desbravamento do hinterland, verificou-se a preocupação de criar bases alimentares com as espécies indígenas e as alienígenas. Assim, foi nessa fase que se fez a experiência da adaptação de tipos vegetais e animais trazidos do Oriente, da Europa portuguesa, das ilhas atlânticas. Os missionários, em suas propriedades do Marajó, intensificaram a criação do gado. Quando ocorreu a ação drástica de Pombal, as autoridades encontraram, nas fazendas da ilha, montadas pelos Jesuítas, Carmelitas e Mercedários, cerca de 200.000 cabeças de gado vacum!” (...) “Aos incentivos e à nova orientação colonial do consulado pombalino, que marca o início da segunda fase, o panorama da Amazônia alterou-se profundamente. E ao invés de simples coleta de especiaria, que jamais abandonaria como estilo de atividade econômica, o colono, que começou a chegar em grandes lotes, atirou-se aos empreendimentos agropecuários em grande escala. No alto Rio Negro, por exemplo, plantou-se até a fruta européia com algum sucesso. Os colonos açorianos, desembarcados às centenas, no Pará, trabalharam intensamente. As autoridades régias animaram-lhes a atividade agropecuária, concedendo prêmios, fornecendo terras, instrumentos, sementes, exemplares bovinos.” [...] “Esse período de ação, em que o amazônico ora era o lusitano do Reino ou das ilhas, ora era o tapuio sempre volumoso, teve seu termo com o ‘rush da borracha’, em 1870. Então, tudo regressou àqueles dias do desbravamento.” Fizemos esta transcrição para mostrarmos bem que, se historicamente, Arthur Ferreira tem razão, sociologicamente nada se alterou da sua chamada fase agropecuária, desde que ela não [pg. 327] ganhou consistência econômica nem realidade social suficiente para imprimir no quadro regional da Amazônia traços significativos. É preciso não esquecer que, apesar de serem disciplinas complementares, a História e a Geografia possuem métodos próprios e princípios básicos autónomos, que, sob certos aspectos, a História e a Geografia se opõem mesmo em seus princípios. Enquanto a História preocupa-se pelo fato excepcional engrandecido em sua singularidade de categoria histórica, a Sociologia ocupa-se muito mais do fato típico, do característico, do não-excepcional. A História e a ciência do singular, enquanto que a Sociologia, do típico. Ora, o fato referido, por exemplo, pelo embaixador Ferreira Reis, de que, no Alto Rio Negro, durante o Consulado de Pombal, fora tentado até o cultivo de frutas européias, embora represente uma curiosidade histórica, não tem qualquer significação sociológica, desde que esse plantio nada pôde significar além de uma malograda tentativa, sem base ecológica, sem a mínima possibilidade de sucesso econômico. Esta a razão por que não sobrecarregamos a nossa documentação com singularidades históricas, com detalhes pitorescos, sem significação na dinâmica social daquela região. Já noutro ponto de sua crítica, o historiador tem razão, porque desta vez as suas observações históricas coincidem com a realidade social. É quando ele insiste na contribuição da banana na dieta do amazonense: “É de notar-se, todavia, que Josué de Castro ignorou, na arrumação de seu quadro tão impressionante e tão exato, alguma coisa que entra na alimentação do amazônico, e nos parece de uma importância especial para explicar por que. desnutridos como são, os amazônicos ainda não foram de todo destruídos: a banana. Não há, em toda a Amazônia, sítio, seringal, povoado que não tenha o seu bananal. E tanto o caboclo como o nordestino, os dois tipos humanos que dão cor à sociedade amazônica. servem-se intensamente da banana, como se valem do peixe, da farinha, do açaí, da caça.” E que não encontrávamos, nos trabalhos consultados, referências a essa tão constante presença daquela fruta na economia amazônica. Nem em Araújo Lima. nem em Nunes Pereira, nem noutros estudiosos da dieta regional. Estranhamos o fato, marcamos mesmo o contraste com a Bacia do Congo, onde a banana é um ingrediente obrigatório da cozinha regional, mas não quisemos nos aventurar a afirmar, sem uma base sólida, idêntica situação para a Bacia Amazônica. Agora, Ferreira Reis nos fornece com suas observações essa base, para [pg. 328] que possamos afirmar que a banana entra cotidianamente na dieta do homem amazônico, valorizando sobremodo a sua com posição. Outro ensaio rico de sugestões fui o escrito no Jornal do Comercio de Manaus, por Nunes Pereira, trazendo o apoio de sua larga e aguçada experiência às nossas ideias. Discorda o etnólogo Nunes Pereira dos pontos de vista de Ferreira Reis. admitindo que embora o colonizador português tivesse tentado no nosso meio equatorial criar as bases de subsistência para sua tarefa colonizadora, procurando vencer a hostilidade do meio, a verdade é que “por força desse imperativo o de outros, decorrentes da situação do próprio Reino de Portugal — tal como a revolução comercial que tanto aqui como na América se iniciara, vindo suas raízes, na opinião de Shannon, da Idade Média — data daquela época o ciclo de destruição das riquezas naturais da. Amazônia, do aviltamento da organização econômica e social do índio e da introdução de outro tipo de trabalhador escravo — o Negro. Daí a Amazônia faminta que nos legaram, cujas lendas e cujos mistérios se chocam, paradoxalmente, com a realidade, que é essa Amazônia com populações escassas e inertes, cuja vida medeia entre os gráficos da tuberculose, do paludismo. da lepra e da mortalidade infantil, cujas reservas precárias de animais silvestres e aquáticos, ano a ano, se reduzem, cuja pecuária e cuja agricultura ainda são das mais primitivas do país, cujos rios e canais, se não estão entulhados, estão praticamente abandonados e inexplorados, cujas cachoeiras captáveis estão por explorar, cujos caminhos e comunicações estão por abrir no rumo de zonas mais ricas e de populações mais laboriosas, cujo parque industrial só aproveita quatro ou cinco matérias-primas das suas florestas”. A fome na Amazônia tem, pois, para Nunes Pereira, suas raízes históricas fincadas profundamente, desde os tempos coloniais. Noutro ponto de seu magnífico artigo, chama o etnólogo atenção para o possível exagero de Agassiz, orçando em cerca de 2.000 o número de espécies de peixes da Bacia Amazônica. Exagero ou fantasia, supõe o articulista, por nós aceito como realidade e ao qual ele antepõe a experiência e a análise meticulosa de Goeldi. É um ponto a rever. O melhor da contribuição de Álvaro Maia concentra-se na inteligente apresentação que faz do quadro de ininterrupta [pg. 329] destruição das riquezas naturais da Amazônia. Destruição levada a efeito através de diferentes variedades da aventura extrativa vivida nas sucessivas fases da economia amazônica. Tipo de economia que representou sempre, a seu ver, “uma preparação inconsciente para a fome”. O historiador norte-americano Paul V. Shaw tomou como pretexto o nosso ensaio, para revelar, num bem fundamentado artigo de O Jornal, a sua experiência da Amazônia, adquirida como soldado durante a última guerra mundial. As suas revelações resumindo a experiência dos médicos militares e navais que dirigiram o Serviço da Saúde da Base Militar de Belém do Pará, demonstram, de maneira insofismável, a aclimatabili-dade do homem branco na Amazônia. São revelações de uma alta significação, como um documento de observação direta, que merecem ser transcritas em alguns de seus parágrafos: “A terceira razão que justifica as minhas observações sobre o livro de Josué de Castro é que durante a última guerra servi 20 meses com as tropas americanas no Norte e Nordeste e por causa da natureza dos meus serviços estive em intimo contato com os médicos militares e navais, especialmente nos 11 meses em que servi em Belém do Pará, a principal cidade da primeira região que Josué de Castro descreve no seu livro. Parte da minha obrigação era justamente a de fiscalizar a alimentação fornecida aos sobrinhos de Tio Sam quando saíam das bases e iam às cidades nos seus dias de lazer. Os médicos militares e navais americanos tinham que velar pela saúde dos soldados e marinheiros e eu os observei precisamente nessas zonas que Josué de Castro estuda tão detalhadamente. Devo dizer, antes de chegar às conclusões que desejo apresentar, que esses médicos, a maioria peritos em questões tropicais, dispunham de hospitais, laboratórios e auxiliares, de fundos aparentemente inesgotáveis, para cumprir a sua missão e de milhares de “pacientes” para realizar as suas experiências. Soldado ou marinheiro doente não ganha a guerra. A nossa obrigação era, pois, mantê-los com saúde. Isto ou entregar os pontos de vez ao inimigo. E para manter a sua eficiência e a sua saúde, a primeira grande batalha era contra essa natureza que Josué de Castro retrata tão fielmente. Pois podemos afirmar que as conclusões a que chegaram praticamente os médicos militares e navais norte-americanos naquelas regiões foram, tintim por tintim, as mesmas de Josué de Castro no que se refere às carências vitamínicas, ao clima [pg. 330] e à umidade, às aguas infectadas e às doenças do meio e dos perigos que constituem para a saúde física e mental do soldado. Era uma luta insana, de dia e de noite, nos hospitais, nas barracas, nos ranchos e nas cozinhas da Base, e implicava numa supervisão meticulosa dos lugares fora da Base onde a rapaziada de farda comia ou bebia. Tomavam medidas heróicas para conquistar a natureza hostil.” E, depois de mostrar uma lista desta» medidas, conclui o sociólogo com as seguintes palavras: “Resultado: apesar de a Base de Val de Cans, em Belém, ter sido a única classificada como unsanitary pelas forças americanas que passaram algum tempo no Brasil e de ser essa a região mais inóspita e insalubre, na descrição de Josué de Castro; apesar de tudo isso, os médicos militares americanos da Base de Val de Cans mostravam, com bem justificado ufanismo, os gráficos que demonstravam que os coeficientes de saúde e eficiência no seu campo eram os melhores de todas as bases do Nordeste e do Norte do Brasil. Se o que acabamos de relatar tem algum valor, demonstra cabalmente que toda a tese de Josué de Castro foi confirmada pela experiência norte-americana que durou mais de três anos naquela região amazônica.” É este um documento de primeira ordem, demonstrando que é possível vencer tecnicamente os obstáculos do meio natural e evidenciando o fato de que o ponto nevrálgico dessa luta é o problema da alimentação. Na análise dos aspectos regionais do problema, merece também um comentário destacado a crítica formulada por Sérgio Milliet. Reclamou o crítico paulista faltar ao nosso trabalho unidade de concepção por se ter alongado em minúcias no estudo de certas áreas, passando por outras um tanto superficialmente. Sendo “extremamente minucioso” em relação ao Amazonas e ao Nordeste e passando um tanto por alto nas zonas do Centro e do Sul. Realmente o trabalho foi construído desta forma, mas não vejo onde atribuir-lhe, diante desse fato, falta de unidade. Este livro pretende ser uma geografia da fome, procurando estudar as diferentes áreas de fome no mundo e, portanto, tendo que concentrar-se, forçosamente, no estudo exaustivo de todas as áreas geográficas do planeta. No caso do volume dedicado à geografia da fome no Brasil, a matéria a ser analisada concentra-se naturalmente nas três áreas de fome já apontadas. Se nos alongássemos no estudo de todas as áreas geográficas do país, não estaríamos fazendo uma geografia da fome mas sim uma geografia [pg. 331] econômica do Brasil. Coisa bem diferente do nosso objetivo. Se tivéssemos planejado uma geografia alimentar do país, um balanço dos seus recursos de subsistência e dos hábitos de nutrição dos seus grupos humanos, ainda compreenderíamos o ponto de vista de Sérgio Milliet. Mas, numa geografia da fome, seria falsear o sentido da obra, dando ao leitor uma impressão falsa, no caso concreto de São Paulo, a que o crítico alude, a idéia de tratar-se de uma área de fome, o que não é verdade. Diante disso, pensamos que o que Sérgio Milliet julga uma grave falha de construção do livro seja mesmo um dos esteios fundamentais de sua estrutura. Como expressão da influência da fome e da subnutrição na vida de outras regiões brasileiras, são dignas de destaque as referências de Abelardo Montenegro e Raul Gomes, o primeiro chamando atenção para o fato de que o romance cearense de todos os tempos tem sido predominantemente um romance de fome, e o segundo, mostrando que a subnutrição assola um dos estados mais férteis do país, o Estado do Paraná. Para terminar esse apêndice, onde procuramos incorporar ao nosso trabalho as sugestões mais fortes que nos foram feitas pela crítica, queremos nos referir a uma de caráter geral, formulada por Ary da Matta, quando, referindo-se aos objetivos de nosso ensaio, diz que ele se concentra em estudar universalmente “o complexo geográfico da fome”. Esta formulação não tem apenas o valor de uma bela expressão verbal, mas contém em sua essência um rico filão a ser explorado pela análise científica. É bem possível que este achado verbal de Ary da Matta influa no sentido de alargar de muito as perspectivas do nosso projeto, levando-nos a indagar acerca da influência tragicamente marcante dos complexos regionais da fome em diferentes grupos’ humanos. E a ligação que se estabelece de maneira indissolúvel entre a Geografia e a Sociologia da fome — ligação que ressaltará com maior nitidez no segundo volume desta obra, quando estudarmos o fenômeno da fome e as revoluções hispano-ame-ricanas, capítulo que estamos investigando com especial carinho, por sugestão que nos foi trazida pelo sociólogo francês Roger Bastide. Francês, digo mal, franco-brasileiro, porque poucos brasileiros se identificaram tanto e se compenetraram tanto do espírito de brasilidade como Roger Bastide. [pg. 332] BIOGRAFIA Nasceu Josué Apolônio de Castro em 5 de setembro de 1908, na cidade do Recife, e faleceu em Paris, no exílio a que fora condenado pelo regime militar brasileiro, ao completar 65 anos, em 1973. Fez seu curso de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro onde colou grau aos 21 anos de idade. Mas foi em Recife que começou a exercer a medicina, nessa mesma cidade que havia despertado no menino pobre que nela nascera e crescera a atenção para a realidade social de uma região marcada por profundos contrastes econômicos e humanos. O seu interesse pela sorte dos deserdados numa sociedade desigual levou-o, ainda recém-formado, a promover o primeiro inquérito sobre as condições de vida da classe operária em Recife, estudo pioneiro no país e que serviria de modelo para investigações semelhantes, nos anos 30 e 40, em outros Estados da Federação, no bojo do movimento que se desenvolvia pela fixação do salário mínimo e pelo reconhecimento dos direitos dos trabalhadores. Em 1935, transferia-se para o Rio de Janeiro onde se vinculou à equipe de educadores e cientistas que pugnavam pela transformação do ensino universitário. Assim, integrou-se à experiência renovadora que era representada pela Universidade do Distrito Federal, na qualidade de professor de Antropologia Física. Interessava-lhe, sobretudo, por sua formação científica e inquietação intelectual de acentuada sensibilidade humanística, buscar na Medicina respostas concretas para o problema da fome e da subnutrição que [pg. 333] afligia milhões de brasileiros. Da sua primeira docência em Fisiologia e da sua experiência clínica nos bairros operários de Recife, passou a realizar, no Rio de Janeiro, pesquisas bioquímicas que constituiriam o embrião do futuro Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil, por ele idealizado e concretizado. Tais estudos levaram-no, ainda, ao seu primeiro contato com a Europa, tendo estagiado, em 1938, no Instituto Bioquímico de Roma e dado cursos nas Universidades de Roma, Nápoles e Gênova. Dessa experiência resultou a publicação, em 1939, do estudo Alimentazione e Acclimatazione Umana nei Tropici. De volta ao Brasil, em 1939, integrou o corpo docente da recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo conquistado, por concurso, a Cátedra de Geografia Humana, em 1947. com a tese “A Cidade do Recife, Ensaio de Geografia Urbana”. Entre 1939 e 1945, promoveu cursos sobre Alimentação e Nutrição no Departamento Nacional de Saúde Pública e na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil; foi eleito, em 1942, Presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição; criou o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS); foi chefe do Departamento Técnico de Alimentação da Coordenação da Mobilização econômica e membro, entre outras atividades não menos profícuas, da Comissão Organizadora da Comissão do Bem-Estar Social. Distinguiu-se nos anos que se situaram entre a sua formação em Medicina e o final da Segunda Guerra Mundial pela publicação de numerosos livros, destacando-se, além dos já mencionados estudos sobre condições de vida da classe operária no Recife, salário mínimo e alimentação dos trópicos, os seguintes: O Problema da Alimentação no Brasil, Alimentação e Raça, Documentário do Nordeste, A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Fisiologia dos Tabus. Tais trabalhos constituíram a fase preparatória das duas obras que o lançariam como um autor mundialmente lido e admirado, a Geografia da Fome (1946) e a Geopolitica da Fome (1951), livros esses que produziram um grande impacto praticamente em todos os países do mundo, daí terem sido traduzidos, em edições sucessivas, em 24 idiomas. Pela primeira vez, era a opinião pública internacional [pg. 334] alertada sobre o problema da fome, estigma do subdesenvolvimento e resíduo das estruturas sócio-econômicas herdadas do colonialismo. Além de sua extraordinária produção científica e editorial. Josué de Castro, professor, administrador, trabalhador incansável, dinamizador de ideias, insubmisso aos dogmas e a qualquer ortodoxia, manteve, até 1955, no Rio de Janeiro, seu consultório médico, como clínico e especialista em doenças de nutrição. Já internacionalmente conhecido por sua obra e sua luta implacável contra as desigualdades econômicas e a miséria dos povos que sofreram a exploração colonial do mundo capitalista, denunciando a fome e a subnutrição como os males sociais do subdesenvolvimento e do colonialismo, foi eleito Presidente do Conselho da Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas (FAO). Roma (1952-1956). Em 1960. presidiu a Campanha de Defesa contra a Fome promovida pelas Nações Unidas, advogando como primeiro direito do Homem o de não passar fome. De 1955 a 1963, exerceu, pelo Partido Trabalhista Brasileiro, o mandato de Deputado Federal por Pernambuco, ao qual renunciou para assumir o posto de Embaixador brasileiro junto aos organismos internacionais das Nações Unidas em Genebra (1963-1964); demitiu-se em virtude do golpe militar de 31 de março de 1964 que lhe cassaria os direitos políticos no dia 9 de abril do mesmo ano. Criou e dinamizou a Associação Internacional de Luta contra a Fome, ao lado do Abbé Pierre e do Padre Joseph Lebret e dirigiu, até sua morte, a Associação Internacional das Condições de Vida e Saúde. Foi membro participante de inúmeras associações científicas na Europa, nos Estados Unidos e na União Soviética. Recebeu, em 1952, a menção anual da “American Library Association”; em 1953, o “Prêmio Franklin D. Roosevelt” da Academia Americana de Ciência Política; em 1954, o “Prêmio Internacional da Paz” do Conselho Mundial da Paz e, ainda, a Grande Medalha da Cidade de Paris, o grau de Oficial da Legião’ de Honra da França, o título de Professor Honoris Causa das Universidades de San Marcos (Peru) e Santo Domingo, a medalha do Mérito Médico do Brasil, o Prêmio da Associação Brasileira de Escritores, o Prêmio da Academia Brasileira de Letras. [pg. 335] Nos últimos anos de vida, em Paris, deu continuidade à sua obra, criando o Centro Internacional de Desenvolvimento, participando ativamente do movimento intelectual europeu em defesa dos povos do Terceiro Mundo, realizando conferências em vários países da América, da Europa, da Ásia e da África, orga-nizando congressos e simpósios internacionais, lecionando na qualidade de professeur associé a cadeira de Geografia Humana na Universidade de Paris-Vincennes. No primeiro ano de exílio, sua sensibilidade diversificada levou-o a repensar a infância passada em Recife, inspirando-lhe uma incursão na área da literatura de que resultou um romance escrito com paixão, Homens e Caranguejos. Traduzido em várias línguas, foi, ainda, adaptado para o teatro por Gabriele Cousin com o título Le Cycle du Crabe ou Les Aventures de Zé Luís, Maria et Leurs fils João (Galli-mard, 1969). Nesse mesmo período, elaborou reedições atualiza-das de seus principais trabalhos e publicou, além de numerosos artigos na imprensa especializada européia e americana, Sete Palmos de Terra e Um Caixão (Brasiliense, 1965) cuja tradução inglesa recebeu o título Death in the Northeast (Random House, 1966). Participou também da edição de Ou en Est la Révolution en Amérique Latine?”, debate público que travou com Claude Julien, Juan Arrocha e Mario Vargas Llosa (1965) com John Gerassi e Irving Louis Horowitz, escreveu Latin American Ra-dicalism: a Documentary Report on Left and Nationalist Move-ments (Random House, 1968); com vários colaboradores, publicou os seguintes livros: El Hambre, Problema Universal (Editorial La Pleyade, 1969), O Drama do Terceiro Mundo (Publicações Dom Quixote, 1970), O Brasil na Encruzilhada (Publicações Dom Quixote, 1970), A China e o Ocidente (Cadernos do Século XXI, 1971), América Latina y los Problemas del Desarrollo (Monte Avila Editores, 1974). Ao falecer em Paris, dele escreveu Le Figaro de 25 de setembro de 1973: “Cheio de flama e de paixão pela grande causa a que ele servia, ajudando, por suas fórmulas marcantes, a tocar de perto as realidades do subdesenvolvimento, a tomar consciência do círculo vicioso no qual se encerrou o mundo, exerceu ele uma influência profunda e duradoura.” Mais do que no Brasil, a imprensa mundial rendeu uma sentida homenagem ao brasileiro [pg. 336] e pernambucano que dedicou sua vida, sua inteligência inquieta e extraordinária capacidade de trabalho a denunciar a pobreza como criação dos sistemas sociais historicamente gerados e a alertar á opinião pública brasileira e do Terceiro Mundo contra as falácias das políticas de desenvolvimento econômico que enfatizavam o crescimento industrial e ignoravam a agricultura voltada para a produção de alimentos, bem como os angustiantes problemas do homem do campo — o agricultor expropriado da terra e de seus instrumentos de trabalho. O dilema Pão ou Aço, a que aludia no final da década dos 50, e o aniquilamento progressivo dos recursos naturais, sem atentar para o equilíbrio ecológico, levariam, não ao extermínio da pobreza e, sim, à ampliação da miséria e da desigualdade social. A atualidade de sua obra aí está, mais viva do que antes: o desnudamento, nos últimos anos, do mito da industrialização e da urbanização a qualquer preço. Josué de Castro deixou viúva Glauce Pinto de Castro, com quem se casara em 1934, e três filhos, Josué Fernando de Castro, economista, Anna Maria de Castro, socióloga, e Sônia de Castro Duval, geógrafa. Maria Yedda Leite Linhares [pg. 337] BIBLIOGRAFIA 01. ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial, 1500-1800. Rio de Janeiro, Edições da Sociedade Capistrano de Abreu. Tipografias Leuzinger. 1928. 02. ________. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. Rio de Janeiro, Edições da Sociedade Capistrano de Abreu, Liv. Briguiet, 1930. 03. ABREU, Sílvio Froes. “O Solo da Amazônia”. In: BRASIL. Conselho Nacional de Geografia. Amazônia Brasileira. Rio de Janeiro, IBGE, 1944. 04. ________. Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro, Papelaria Mello, 1929. 05. AGASSIZ, Louis. A Journey in Brazil. Boston. Ticknor and Fields, 1868. 06. AGUILLAR, Rigoberto. Estudios sobre las Avitaminosis y las Perturbaciones del Crecimiento en los Niños Avita-minósicos. México, 1944. 07. AGUILLAR NIETTO. El Raquitismo en Venezuela. México, 1944. 08. ALBANO, Ildefonso. O Secular Problema do Nordeste: discurso pronunciado na Câmara dos Deputados em 15 de outubro de 1917. 2. ed. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1918. 09. ALBORNOZ, Claudio Sánchez. España y el Islam. 1943. [pg. 339] 10. ________. La Edad Media y la Empresa de América. La Planta, 1934. 11. ALLENDE, Salvador. La Realidad Médico-Social Chilena. Santiago, 1939. 12. ALMEIDA, Antonio Tavares de. O Oeste Paulista, a Experiência Etnográfica e Cultural. Rio de Janeiro, Alba, 1943. 13. ALMEIDA, José Américo de. A Bagaceira. 6. ed. Rio de Janeiro, 1936. 14. ________. A Paraíba e Seus Problemas. 1937. 15. ALMEIDA JUNIOR. “Nosso Diário Alimentar.” Arquivos do Instituto de Educação, São Paulo, (l)set. 1935. 16. ALVES, Joaquim. O Vale do Cariri. Fortaleza, 1946. 17. AMADO, Jorge. Cacau. 3.ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1936. 18. ________. Terras do Sem Fim. 4. ed. São Paulo, Martins, 1946. 19. AMARAL, Luiz. A História Geral da Agricultura Brasileira, no Tríplice Aspecto Político-Social-Econômico... São Paulo, Ed. Nacional, 1939-40. 3v. 20. ANDRADE, Geraldo de. “A Higiene do Trabalho em Pernambuco.” Separata da Revista Médica de Pernambuco, Recife, (7), jul. 1931. 21. ANGULO, Alfredo Diaz. Formas Edematosas en los Niños Sometidos a Regimens Insuficientes. México, 1936. 22. ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas, com um estudo biobibliográfico. São Paulo, Melhoramentos, 1923. 23. ARAUJO, César de. “A Tuberculose Rural e nos Pequenos Centros Urbanos.” In: CONGRESSO NACIONAL DE TUBERCULOSE, 2, 1941. 24. ARDANT, Gabriel. Le Monde en Friche. Paris, 1959. 25. AYKROYD, W. R. Human Nutrition and Diet. 1937. 26. AZEVEDO, João Lucio de. A História dos Cristãos Novos Portugueses. Lisboa, 1922. 27. ________. Épocas de Portugal econômico: Esboços de História. 2. ed. Lisboa, Liv. Clássica, 1947. [pg. 340] 28. AZEVEDO, Reinaldo. Pelagra; Contribuição ao Seu Estudo. 1935. 29. AZEVEDO, Thales de. “O Vegetal como Alimento e Medicina do Índio.” Separata da Revista do Arquivo do Departamento de Cultura de S. Paulo. São Paulo, (76), 1941. 30. ________. “Padrão Alimentar da População da Cidade do Salvador.” In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PROBLEMAS MÉDICO-SOCIAIS, 1, Salvador, Ed. Era Nova, 1947. 31. ________ & GALVÃO, Alfredo. “Uma Pesquisa sobre a Suplementação Nutritiva em Escolares”. In: CONGRESSO MÉDICO-SOCIAL BRASILEIRO, 1. Salvador. 1945. 32. BALANTIER, Georges. “Le Contexte Socio-Culturel et le Coût Social du Progrès”. In: Le Tiers Monde. Paris. 1956. 33. BALFOUR, H. The Living Soil. 7. ed. Londres, Faber and Faber, 1947. 34. BARRETO, Adolfo Castro. Estudos Brasileiros de População. Rio de Janeiro, Liv. Ed. Z. Valverde, 1944. 35. BARRETO, João de Barros et alii. Inquérito sobre as Condições de Alimentação no Distrito Federal. 1938. 36. BARROS. Manoel de Souza. O Nordeste. 1952. 37. BARROSO, Gustavo. Heróis e Bandidos. 2.ed. Rio de Janeiro. F. Alves, 1931. 38. BASTIDE. Roger. Eléments de Sociologie Religieuse. Paris. A. Colin, 1935. 39. ________. “O Messianismo e a Fome”. In: ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DA LUTA CONTRA A FOME. O Drama Universal da Fome, Rio de Janeiro, ASCOFAM. 1958. 40. ________. “O Outro Nordeste”. In: Brasil. Terra de Contrastes. São Paulo. Dif. Européia do Livro, 1959. 41. BEESON, Kennetlh Grees. The Mineral Compusition of Crops with Particular References to Soils in which they Were Grown. 1941. 42. BEJARANO, Jorge Alfonso. Alimentación y Nutrición en Colombia. Bogotá, 1941. [pg. 341] 43. BIGW00D, E. & TROLLI, G. “Alimentation au Congo Belge”. In: La Science de l’Alimentation en 1937. Paris, 1937. 44. BLUNDI, Edmundo. Uma Cidadela de Ciência no Brasil Central. 1946. 45. BONDAR, Gregório. A Cultura de Cacau na Bahia. Salvador, Instituto do Cacau da Bahia, 1938. 46. BORGES, Pompeu Accioly. “Obstáculos Estruturais, Demográficos, econômicos e Sociais ao Desenvolvimento do Brasil e de Outras Áreas Subdesenvolvidas”. In: Resistências a Mudança. Rio de Janeiro, 1960. 47. BOTTAZZI, Filippo. Il Metabolismo di Base nei Climi Tropicale Africani. Roma, 1938. 48. ________. Alimentazioni dell’Uomo. 49. BOWMAN, Karl & WORTIS, Herman. Psychiatric Syn-dromes Caused by Nutrition Deficiencies. 1943. 50. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Brasil, 1939-1940: an Economic, Social and Geographic Survey. Rio de Janeiro, 1940. 51. BRENCHLEY, Winifred E. “The Essencial Nature of Cer-tain Minor Elements for Plant Nutrition.” Botanic Rev., 2(173), 1936. 52. ________. “Some Deficiency Diseases of Crop Plants.” Min. Agr. and Fischeries Jour. 44, 1932. 53. BRUNHES, Jean. La Géographie Humaine. 4. cd. Paris. Presses Universitaires de France, 1947. 54. BULNES, Francisco. El Porvenir de las Naciones Hispano-americanas ante las Conquistas de Europa y listados Unidos. México, 1889. 55. CALMON, Pedro. História da Casa da Torre, uma dinastia de pioneiros. Rio de Janeiro, ). Olympio, 1939. 56. CAMIS, Mário. Metabolismo Basale e Alimentazione in Somalia. Roma. 1936. 57. CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas, poema épico. Nova cd. Lisboa, Tipografia Rollandiana, 1857. 58. CAMPOS, Aloísio. Realidade Económica e Planejamento do Nordeste. Banco do Nordeste, 1956. [pg. 342] 59. CAMPOS, F. A. Moura. “Metabolismo Basal nos Climas Tropicais e Subtropicais.” A Folha Médica. 1939. 60. ________. “Valor da Proteína da Castanha do Caju”, Rev. Méd. Brasileira, 4 t.l(I), 1941. 61. ________. “Valor Nutritivo da Castanha do Caju.” Rev. Méd. Cir. São Paulo, (1/2). 1941. 62. ________. “Vitaminas do Apetite.” Rev. Terapêutica, (2), jun. 1942. 63. ________. & ORSINI, Demóstenes. “Influência de Temperatura, Grau de Umidade e Nutrição sobre o Metabolismo Basal de Ratos Brancos”. Arquivo da Faculdade de Medicina da Un. de São Paulo, 16(1), 1941. 64. ________ et alii. Vitaminas A e B em Óleo de Piqui. 1942. 65. CANDIA, Silvio de. Alimentazione e Constituzione. 1931. 66. ________. “Les Aliments et le Système Regulateur Endocrinosympathique.” Nutrition. Paris. 5(3), 1935. 67. CANNON. Walter Bradford. The Wisdom of lhe Body. Nova Iorque, W. W. Norton, c.1939. 68. CARDOSO, Francisco A. “Avaliação do Estado Nutritivo de uma Coletividade pela Dosagem de Vitamina C na Urina.” Rev. de Med. e Cirurgia, São Paulo, 5(9-12), 1945. 69. CARDIM, Fernão, padre. Clima e Terra do Brasil. 70. ________. Tratados de Terra e Gente do Brasil. 1939. 71. CARLI, Gileno de. Aspectos Açucareiros de Pernambuco. 1940. 72. CARNEIRO, Edson. La República de Palmares. México, Fondo de Cultura econômica, 1946. 73. CARNEIRO, J. Fernando. “Uma Nova Política Imigratória”. O Observador econômico e Financeiro, (109), fev. 1945. 74. CARTHEW, Morden. “The Etiology and Prophylaxis of Mental Irritability in the Tropics.” Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 3, 1937. 75. CARVALHO, Daniel de. Discursos e Conferências. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1941. 76. CASCUDO, Luiz da Camara. Vaqueiros e Cantadores, folclore poético do sertão de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará... Porto Alegre. Globo, 1939. [pg. 343] 77. ________. Viajando pelo Sertão. 78. ________. A Cozinha Sertaneja. 79. CASSINELLI, Alberto. Alimentación de Tiempo y Lugar. Montevidéu. 1941. 80. CASTELLAN1, A. Clima e Acclimazione. Milão, Ed. U. Hoepli, 1933. 81. CASTRO. José Luiz de. Contribuição para o Dicionário da Flora do Nordeste Brasileiro. 82. CASTRO, Josué de. Alimentação e Raça. 1936. 83. ________. La Alimentación en los Trópicos. México, Fondo de Cultura econômica, 1946. 84. ________ et alii. “Os Alimentos Bárbaros dos Sertões do Nordeste”. Trabalhos e Pesquisas do Instituto de Nutrição, 1, 1948. 85. ________. “As Áreas Alimentares do Brasil.” América Indígena. México, 5(3), jun. 1945. 86. ________. ________. Resenha Clínico-Científica. São Paulo. abr. 1945. 87. ________. “Basal Metabolism in Tropical Climates.” A. Med. Legal, 16, 1938. 88. ________. Condições de Vida das Classes Operárias em Recife. Rio de Janeiro, Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Dep. de Estatística e Publicidade, 1935. 89. ________. Documento do Nordeste. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1937. 90. ________. Fisiologia dos Tabus. Rio de Janeiro, Nestlé, 1938. 91. ________. “The Food Problems in Brazil.” Nutrition Review, 2(3), mar. 1944. 92. ________. “Metabolismo Basal e Clima.” Rev. Med. Pernambuco, 11. 93. ________ et alii. “Novas Pesquisas sobre a Mucunã.” Separata de Trabalhos e Pesquisas, 2, Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil, 1949. 94. ________. “Operação Nordeste; Dois Nomes e Duas Opiniões.” Observador econômico e Financeiro, maio, 1959. 95. ________. O Problema da Alimentação no Brasil. 3. ed. aum. São Paulo, Ed. Nacional, 1939. [pg. 344] 96. ________. “O Problema das Secas do Nordeste e o Desequilíbrio econômico Nacional”. Discurso pronunciado na Câmara Federal em 11 de julho de 1956. 97. ________ & PECHNIK, Emilia. “Valor Nutritivo de la Mescla del Maiz con la Leche”. Archivos Venezolanos de Nutrición, 2(2), 1951. 98. ________. “O Uso Obrigatório do Sal Iodetado como Profilaxia do Bócio Endêmico.” Arquivos Brasileiros de Nutrição, t.l(3) jun., 1944. 99. ________ & MATTOSO, Italo V. “A Iodetação do Sal na Profilaxia do Bócio Endêmico.” Resenha Médico-Científica. São Paulo, ago., 1946. 100. ________ et alii. Proteínas para a América Latina. Rio de Janeiro, ASCOFAM. 1960. 101. CASTRO, Mendes de et alii. Contribuição ao Estudo da Pelagra. 1941. 102. CENTENNIAL SYMPOSIUM OF M1CHIGAN STATE UNIVERSITY, fev. 1955. Nutrition of Plants. Animais, Man. East Lansing, 1955. 103. CERECEDA, Dantin. La Alimentación Española. 1934. 104. CHAVES, Nelson. “A Proteína na Alimentação do Povo.” Revista Brasileira de Medicina Pública. 4, nov./dez. 1945. 105. CLAVIJERO, Francisco Javier. História Antigua de México. 1944. 106. CONDE, Hermínio de Brito. “Evolução da Oculística no Brasil”. Hora Médica, jul. 1939. 107. CONJUNTURA econômica, dez. 1959. 108. ________. fev. 1960. 109. CONSELHO COORDENADOR DO ABASTECIMENTO. Análise da Conjuntura do Abastecimento. Rio de Janeiro. 1959. Mimeografado. 110. CONSELHO NACIONAL DE ESTATÍSTICA. Contribuições para o Estudo da Demografia do Nordeste. IBGE. 1955. 111. THE CONSERVATION FOUNDATION AND F.A.O. Soil Erosion Survey. 1954. 112. COSTA, Osvaldo Lopes da. Bio-estatística nas Capitais Brasileiras. [pg. 345] 113. COUGNET. A. Il Ventre del Popoli. 1905. 114. COUTINHO. Nelson. Aspectos Históricos. Técnicos e econômicos da Economia Agro-industrial Canavieira. Recife, 1958. 115. COUTINHO. Ruy. “Alimentação e Estado Nutricional do Escravo no Brasil”. Rio de Janeiro, Ariel. 1935-37. v.l. 116. ________. Valor Social da Alimentação. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1937. 117. COUTO. Costa. “Panorama da Alimentação Brasileira.” Cultura Médica, 5-6, 1943. 118. COUTO, Domingos de Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco... Rio de Janeiro. Off. Typ. da Biblioteca Nacional, 1904. 119. COX. R. La Alimentación en Chile; estudios del Consejo Nacional de Alimentación. Santiago. 1942. 120. CRESSEY, George Babcock. China’s Geographic Founda-tions. Nova Iorque, 1934. 121. CULPIN. Millais. “An Examination of Tropical Neurasthe-nia”. Proc. Roy. Soc. of Med., 26, 1933. 122. CUNDALL. F. Historie Jamaica. Londres, 1915. 123. CUNHA, Euclides da. Contrastes e Confrontos. 124. ________. Os Sertões. Rio de Janeiro. Laemmert. 1902. 125. CURTIS. G. M. & FERTMAN. M. B.. “Jodine in Nutri-tion”. In: AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION. Handbook of Nutrition. 1943. 126. DARBY. William G “The Oral Manifestation of lron De-ficiency.” The Journal of the American Medical Associa-tion. 130(13). mar. 1946. 127. DEIFONTAINES. Pierre. L’Homme et la Fôret. 4.ed. Paris, Gallimard. c.1933. 128. ________. “Ou’est-ce que la Géographie Humaine?” In: HARDY. Georges. Géographic et Colonisation. 7.ed. Paris. Gallimard, 1933. 129. DÉNIS. Pierre. “Amerique du Sud.” In: Géographie Uni-verselle. 1927. 130. DENNERY. Etienne. Foules d’Asie. Paris. 1930. 131. DESCOLA. Jean. Les Conquistadors. 3. ed. Paris, A. Fay-ard, 1954. [pg. 346] 132. DESSOLIERS. Hippolyte. Refoulement du Sahara. 2.ed. Alger. Imp. Algérienne. 1930. 133. DORNAS FILHO, João. A Escravidão no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1939. 134. DUARTE, José Rodrigues de Lima. Ensaio sobre a Higiene da Escravatura no Brasil. Rio de Janeiro, Typ. Universal de Laemmert, 1849. 135. DUARTE FILHO, João. O Sertão e o Centro. 2.ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1939. 136. DUQUE, José Guimarães. “O Fomento da Produção Agrícola.” Boletim da IFOCS. 11(2), 1939. 137. ________. “Solos e Água no Polígono das Secas.” 138. DUTRA, Firmo. “Borracha.” In: BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Brasil, 1939-1940. Rio de Janeiro, 1940. 139. EAST. William Gordon. A Historical Geography of Eu-rope. 3.ed. Londres, Methew & Co., 1948. 140. ELVEHJJEM, A. & GOLDBERGER, Joseph. “Conocimien-tos Actuales sobre el Complexo B en la Nutrición Humana.” Nutrición, México, maio 4(5), 1946. 141. ESCOBAR, Guillermo Tovar. La Vitamina C en los Niños de Caracas. Tese: Universidad Central de Venezuela, 1943. 142. ESCUDERO, Pedro. Alimentación. Buenos Aires, Flores & Mano, 1934. 143. ESPINOSA, Alfredo Ramos. La Alimentación en México. México, 1939. 144. FEBVRE, Lucien Paul Victor. La Terre et l’Évolution Humaine. Paris, E. A. Michel, 1938. 145. FERENCZI, Imre. L’Optimum Synthétique du Peuplement. Paris, Institui International de Coopération Intelectuelle, Société des Nations, 1938. 146. FERRAZ, Álvaro & LIMA JUNIOR, Andrade. A Morfologia do Homem do Nordeste. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1939. 147. FIALHO, Amadeu. Relatório sobre a Seca de 1932. Relatório da Comissão Médica de Assistência e Profilaxia aos Flagelados do Nordeste, Rio de Janeiro, 1936. [pg. 347] 148. FIGUEIREDO. Fidelino de. Últimas Aventuras. Rio de Janeiro, Ed. A Noite, 1943. 149. FLEIUSS. Max. História Administrativa do Brasil. 150. FONTAINE, Maurice. “Les Océans et les Mers, Sources de Vitamine.” Bull. Soc. Sci. Hyg. Alim., Paris, 7/9, 1946. 151. FORTES, A. Borges. “Doenças por Falta de Vitamina B1.” A Folha Médica, (11), abr. 1939. 152. FRANK, B. & NETHOY, A. Water, Land and People. 1950. 153. FREIRE, Antônio & GONÇALVES, A. Carolino. Sondagem sobre o Custo de Vida nas Classes Trabalhadoras do Recife. Recife, Diretoria Geral de Estatística do Estado de Pernambuco, 1938. 154. FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro, Maia & Schmit, 1933. 155. ________. Interpretación del Brasil. México, Fondo de Cultura econômica. 1946. 156. ________. Nordeste; aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1937. 157. FREISE. Friedrich. “The Drought Region of Northeastern Brazil.” Geogr. Review. jul. 1938. 158. FRONTALI, G. “Studi Sperimentali Sulla Pelagra Uma-na.” Arch. Ita. di Med. Esp., 3(8), ago. 1939. 159. FURTADO. Celso. Uma Política de Desenvolvimento para o Nordeste. 1956. 160. GANDAVO. Pero de Magalhães. Tratado da Terra e Gente do Brasil. Rio de Janeiro. Academia Brasileira de Letras. 1924. 161. GAUSE. G. F. The Struggle for Existence. 1934. 162. GAUTHIER. E. F. l.e Sahara. Paris. 1928. 163. ________. L’Afrique Blanche. Paris. 1932. 164. GERBAULT. Alain A la Poursuile du Soleil. 1929. 165. ________. Sur la Route du Retour. 1932. 166. ________. L’Évangile du Soleil 1932. 167. GILBERT. E. W. “Geopraphy and Regionalism.” In: Geography in XX Century. G. Taylor, 1951. 168. GOFFIN. Robert. Le Roman des Rats. Paris, 1937. [pg. 348] 169. GONZAGA, A. Gavião. Climatologia e Nosologia do Ceará. 1925. 170. GOUROU, Pierre. Les Pays Tropicaux. 1947. 171. GUERRA, Felipe & GUERRA, Teófilo. Secas Contra a Seca. 2.ed. Rio de Janeiro, Cruz Coutinho, 1909. 172. GUERRA, Paulo Brito. “A Tamareira no Nordeste.” In: Boletim da IFOCS. 11(2), 1939. 173. GUERRA Y SANCHEZ, Ramiro. Azúcar y Población en las Antillas. 3.ed. 1944. 174. GUEVARA, Arturo. El Poliedro de la Nutrición: aspectos econômico y social del problema de la alimentación en Venezuela. Caracas, Ed. Grafolit, 1946. 175. HAMSUN, Knut. Fome. São Paulo, Martins, 1948. 176. HANSON, Earl Parker. “Social Regressions in the Orinoco and Amazon Basins.” Ceogr. Rev., 23, 1933. 177. ________. “Are the Tropics Unhealthy?”. Harper’s Maz. 187, 1933. 178. HARDY, Georges. Géographie et Colonisation. 7.ed. Paris, Gallimard. 1933. 179. HARLOW, Vincent T. History of Barbados. Oxford, 1926. 180. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1936. 181. HOMES, M. V. L’Alimentation Minérale des Plantes et le Problème des Engrais Chimiques. Paris, Masson, 1953. 182. HUNTINGTON, Ellworth. Principies of Economic Geo-graphy. Nova Iorque, 1940. 183. HUXLEY, Julian Sorell. On Living in a Revolution... 3.ed. Nova Iorque, Harper & Brothers, c.1944. 184. HYAMS, Edward S. Soil and Civilization. 1952. 185. ILIN, M. Les Montagnes et les Hommes. 1946. 186. JACKS, G. V. “Soil.” 1954. 187. JAMES, Preston. Latin America. 3.ed. Nova Iorque, Odys-sey Press, 1959. 188. ________. An Outline of Geography. Boston, Ginn, c.1943. 189. KAZ, David. “La Faim et l’Apetit en Psychologie Géné-rale et Biotypologie.” Biotypologie, Paris, 4, dez. 1938. 190. KEYSERLING, Herman Alexander von. Le Journal de Voyage d’un Philosophe. Paris, 1935. [pg. 349] 191. KELLOG, Charles. The Soils that Support Us. Nova Iorque, 1943. 192. ________. “Soil and Society, Soils and Man.” Yearbook of Agriculture. 1938. 193. ---------. “Soils and Nutrition.” The Annals of the Academy of Pol. and Soc. Science, jan. 1943. 194. KIMBALL, O. P. “The Efficiency and Safety of the Pre-vention of Goiter.” Michigan Health Report, 21, 1924. 195. KLATZMANN, Joseph. Conferência realizada na Sorbonne em 1958. In: Les Cahiers Rationalistes, (188), maio 1960. 196. KLEEREKOPER, Herman. Introdução ao Estudo da Limnologia. Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, Serviço de Informação Agrícola, 1944. 197. KOSTER, Henry. Travels in Brazil. Londres, Longman, 1816. 198. KRETSCHMER, Ernst. Manuel Théorique et Pratique de Psychologie Medicale. Paris, Payot, 1927. 199. LABBÉ, Marcel & STÉVENIN, Henri. Le Metabolisme Basal. Paris, Masson, 1929. 200. LA BLANCHE, Vidal De & JOSEPH, Paul Marie. Principes de Géographie Humaine. 4.ed. Paris, Lib. A. Colin, 1948. 201. LAGE, Ari. O Primeiro Recenseamento Tuberculino-torá-cico por Via Fluvial. Serviço Nacional de Tuberculose, 1940. 202. LAMBERT, Jacques. Os Dois Brasis. Rio de Janeiro, INEP, 1959. 203. LATIF, Miran. As Minas Gerais. Rio de Janeiro, Ed. A Noite, 1939. 204. LEÃO, Antonio Carneiro. Fundamentos de Sociologia. 3.ed. São Paulo, Melhoramentos, 1956. 205. ________. A Sociedade Rural: seus problemas e sua educação. Rio de Janeiro, Ed. A Noite, 1939. 206. LE COINTE, Paul. A Amazônia Brasileira; árvores e plantas úteis. Belém, 1934. 207. ________. O Estado do Pará; a terra, a água e o ar, a fauna e a flora minerais. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1945. [pg. 350] 208. LECOQ. Raoul. Avitaminoses et Déséquilibres. Paris, 1939. 209. ________. Déséquilibres Alimentaires, Nutritives et Humoraux. Paris, 1938. 210. LEITCH, I. Dietetics in Warm Climates. Londres, 1930. 211. LEITH. I. “Diet and Tuberculosis.” Proceedings of the Nutrition Society, 3, 1945. 212. LERY. Jean de. Viagem à Terra do Brasil. São Paulo, Martins. 1941. 213. LILLE, José de & RAMIREZ, Elyseu. “Contribución al Estudio de la Acción Farmaco-Dinámica de los Princípios Activos del Chile.” In: An. Inst. Biol., t. 6, 1935. 214. LIMA, José Francisco Araújo. Amazônia, a Terra e o Homem. 2.ed. São Paulo, Ed. Nacional, 1937. 215. ________. “A Exploração Amazônica.” In: Amazônia Brasileira. 1944. 216. ________. O Problema Alimentar na Amazônia. 1939. 217. LIMA, Luiz Inácio de Andrade. Um Aspecto Regional de Antropologia Escolar. Recife, edição do autor, 1941. 218. LIPPMAN, Edmund Oskar von. História do Açúcar. Rio de Janeiro, Ed. do Instituto do Açúcar e do Álcool, 1941-2. 2v. 219. LIPSCHÜTZ, Alexander. El Indoamericanismo y el Problema Racial en las Américas. 2.ed. Santiago, Chile, Ed. Nascimento, 1944. 220. LOBO, Alvaro Leite. “Bócio Endêmico e Doença de Chagas.” O Hospital, jun. 1942. 221. LOBO, Jorge. “Da Pelagra.” Correio Médico, Recife, jun. 1935. 222. LOBO, Manoel da Gama. “Da Oftalmia Brasiliana.” Ann. Bras. de Medicina (1), jun. 1865. 223. LOEFGREN, Alberto. Noto Botânicas. 2.ed. Rio de Janeiro, IFOCS, 1923. 224. LONG, E. The History of Jamaica. Londres, 1774. 3v. 225. LOPES, .Renato Souza. A Ciência de Comer e de Beber. Rio de Janeiro, Ed. A Noite, 1939. 226. LOURENÇO FILHO, Manuel Bergström. Joazeiro do Padre Cícero. São Paulo, Melhoramentos, s.d. [pg. 351] 227. LUTZELBURG. Philipp von. Estudo Botânico do Nordeste. Riu de Janeiro, IFOCS, 1922-23. 228. LUSK. G. The Elements of Science of Nutrition. 1928. 229. MC CARTHY, Harold. The Geographic Basis of the American Economic Life. 1940. 230. MC CLEDON, J. F. “The Distribution of Iodine with Special Reference to Goiter.” Physiology Review, 7, 1937. 231. ________. Iodine and lhe Incidente of Goiter. 1939. 232. MC COLLUM & SIMMONDS. The Newer Knowledge of Nutrition. 1929. 233. MADONES, G. & COX, R. La Alimentación en Chile. Santiago, Consejo Nacional de Alimentación, 1942. 234. MAGALHÃES, Eduardo Fernandes de. Higiene Alimentar. Rio de Janeiro, Imp. Nacional, 1908. 235. MALLORY, Walter. China: Land of Famine. 1928. 236. MASSAYEFF, René. La Faim. 1956. 237. MARAÑON, Gregorio. “La Regulación Hormonal del Hambre.” In: Estudios de Endocrinología. Buenos Aires, 1938. 238. MARBUT, C. F. “The Soils of the Amazon Basin in Re-lation to Agricultural Possibilities.” Geogr. Rev., 16, 1926. 239. MARCHI, Luigi de. Climatologia. 1932. 240. MARION. Las Maravillas de la Vegetación. 1873. 241. MARTIUS, Carl Friedrich von. Natureza, Doenças, Medicina e Remédios dos Índios Brasileiros. São Paulo, Ed. Nacional, 1939. 242. MATA, Alfredo Augusto da. Contribuição ao Estudo do Vocabulário Amazonense. 1937. 243. MATHIESON, Law. British Slavery and Its Abolition. Londres, 1926. 244. MELLO FRANCO, Afonso Arinos de. Conceito de Civilização Brasileira. 1936. 245. MELO, Mário Lacerda de. “Pernambuco: traços de sua Geografia Humana.” Recife, Of. Gráf. do Jornal do Comércio, 1940. 246. MENDES, Armando. Vocabulário Amazonense. 1942. 247. MENDONÇA. Sálvio de Sousa. Noções Práticas de Alimentação. 1938. [pg. 352] 248. MENEZES. Djacir. O Outro Nordeste. Rio de Janeiro, J. Olympio. 1937. 249. MENEZES. Hildebrando. Condições do Trabalhador Rural nas Zonas do Sertão Agreste. Terceira Semana de Ação Social. Recife. 1939. 250. MIKELSEN. E. Lost in the Artic. 1913. 251. MILLIET, Sergio. Roteiro do Café e Outros Ensaios. São Paulo, edição do autor, 1941. 252. MINNEMAN. P. G. “The Agriculture of Cuba.” For. Agr. Bull., (2), 1942. 253. MIRANDA, Bertino de. A Cidade de Manaus. Sua História e Seus Motins Políticos. 254. MIRANDA, Vicente Chermont de. Glossário Paraense ou Coleção de Vocábulos Peculiares à Amazônia, e Especialmente à Ilha de Marajó. Belém, 1906. 255. MISSENARD, André. L’Homme et le Climat. Paris. Lib. Plon, 1937. 256. MONBEIG. Pierre. “Colonisation, Peuplement et Planta-tion de Cacao dans le Sud de L’État de Bahia.” Annales de Géographie, jan. 1936. 257. MONTALTO, Francisco A. La Nutrición en el Paraguay. 1956. 258. MONTEIRO, Agostinho. Problemas de Alimentação no Brasil. Rio de Janeiro, Imp. Nacional, 1946. 259. MONTENEGRO, Olívio. O Romance Brasileiro. Rio de Janeiro. J. Olympio, 1953. 260. MOOG. Viana. O Ciclo do Ouro Negro. Porto Alegre, Globo, 1936. 261. MORAIS, Jorge Queiroz. Preparemos o Brasil para os Dias Incertos de Amanhã. São Paulo, 1939. 262. ________. “O Problema Alimentar no Estado de São Paulo.” Rev. Org. Cient. IDORT. 263. MORAIS, Luciano. Serras e Montanhas do Nordeste. Rio de Janeiro, IFOCS, 1924. 2v. 264. MORAIS, Raimundo de. Meu Dicionário das Coisas Ama-zônicas. Rio de Janeiro. Alba Oficinas Gráficas, 1931. 265. ________. Na Planície Amazônica. 4.ed. São Paulo, Ed. Nacional, 1936. [pg. 353] 266. MOREL, Edmar. Padre Cícero. Rio de Janeiro, Emp. Gráf. O Cruzeiro, 1946. 267. MORGULIUS, Sergius. Fasting and Under-Nutrition. Nova Iorque, 1923. 268. MOTA, Mauro. O Cajueiro Nordestino: contribuição ao seu estudo biográfico, Recife, Imp. Oficial, 1954. 269. ________. Paisagem das Secas. Recife, Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1958. 270. MUKERJJEE, Radhakamal. Sociologia Regional. 1926. 271. MYRDAL, Gunnar. Une Économie Internationale. Paris, 1958. 272. NANSEN. Fridtjf. Farthest North. 1897. 273. NASH, Roy. A Conquista do Brasil. São Paulo, Ed. Nacional, 1939. 274. NASSER. David & MANZON, Jean. “A Marcha para a Morte.” O Cruzeiro, jul. 1946. 275. NEVEROV, Alexandre. “Fome.” In: Contos Soviéticos. Rio de Janeiro. 1944. 276. NEVES, Carlos Alves das. “A Batateira Doce e Sua Cultura no Sertão e nas Bacias de Irrigação dos Açudes do Nordeste.” Boletim da IFOCS. 16 (2), 1941. 277. NEWHOLME, H. P. The Elements of Vital Statistics. 1924. 278. NIEUHOF. Joan. Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil. São Paulo, Martins, 1942. 279. NIVALDO, José. “Aspectos da Alimentação no Agreste de Pernambuco, durante a Seca de 1932-1953.” Rev. Bras. de Medicina, 7(9). 280. NÓBREGA. Trajano Pires da. “Ensino Social-Econômico de um Setor do Vale do Rio São Francisco.” Boletim da IFOCS. /6(1). 1941. 281. NOGUEIRA. Carvalho. “Valor Biológico da Proteína da Castanha do Caju.” O Hospital. (1). 1941. 282. NORMANDO. João Frederico. Evolução econômica do Brasil. São Paulo, Ed. Nacional. 1939. 283. NOYONS. A. La Signification Générale des Recherches Comparativos du Metabolisme de Base. Roma. 1937. 284. OHM AN. Fia. Sons de Ciel de Flande. Paris. [pg. 354] 285. OLIVEIRA. Carlos Américo Barbosa de. L’homme et la Sécheresse. Rio de Janeiro, Imp. do Jornal do Comércio, 1938. 286. OLIVEIRA. Xavier de. Beatos e Cangaceiros. Rio de Janeiro, edição do autor, 1920. 287. ORR. J. B. et alii. “Investigations in the Mineral Content of Pasture Grass and its Effect on Herbivora.” Jour. Agr. Frcº, 16, 1936. 288. ORR. John B. & LEITH, J. “lodine in Nutrition.” Medical Research Council. Special Series Depart., Londres, (123), 1929. 289. ________ & SCHERBATOFF. “Mineral in Pastures and their Relations to Animal.” Nutrition. 1929. 290. ORTEGA Y GASSET. José. Dos Prólogos: a un Tratado de Manteria, a una Historia de la Filosofia. Madri, 1944. 291. PAIXÃO, Moacyr. “Reforma Agrária: um Programa de Desenvolvimento econômico.” 292. PANAIT. Istrati. Kyra-Kiralina. 1930. 293. PARAIM, Orlando. A Alimentação do Operário Sertanejo durante a Seca. 1945. 294. ________. “O Desenvolvimento Físico dos Escolares Salgueirenses em face da Alimentação do Operário Sertanejo durante a Seca.” Rev. Médica Pan-americana, Recife, /(4). 1945. 295. ________. O Problema Alimentar no Sertão. Recife. Imp. Industrial. 1940. 296. ________. A Vitamina C na Alimentação Sertaneja. 1941. 297. PARDAL. Ramón. Medicina Aborigen el Americana. Buenos Aires, J. Anesi, 1937. 298. PEARY. R. Northward Over lhe Great Ice. 1898. 299. PECHNIK. Emilia & CHAVES. José Maria. “Composição Química e Valor Alimentício do Buriti.” Rev. Quim. Ind.. 4. 1946. 300. ________. “O Açaí, um dos Elementos Básicos da Amazônia.” Anais da Ass. Quim. Bras., 169(4). 1945. 301. PECKOLT. Theodoro. Chácaras e Quintais. 1939. 302. PEDRO-PONS, Agustin. Enfermidades por Insuficiência Alimentícia. 1940. [pg. 355] 303. PEIXOTO, Afrânio. Clima e Saúde. 1938. 304. PEl-KANG, Chang. Agriculture and Industrialization. México, 1951. 305. PENDE, Nicola. “Alimentation et Biotype Habituel.” Nu-trition, Paris, 5(3), 1935. 306. PEREIRA, Nunes. “Panorama da Alimentação Indígena.” Espelho, Rio de Janeiro, jun. 1945. 307. PESSOA, Samuel Barnsley. Importância da Geografia Médica na Medicina Tropical e no Povoamento das Zonas de Influência de Brasília. Aula inaugural, 1960. 308. PLATIER, André. Dévéloppement Économique Regional et Dévéloppement Économique National. Cairo, 1957. 309. PICARD. François. Les Phenomènes Sociaux chez les Ani-maux. Paris, Lib. A. Colin, 1933. 310. PIES. Wilhelm. De Medicina Brasiliensi. Holanda. 1948. 311. PIMENTA. João Augusto de Mattos. A Situação do Brasil no Momento Internacional. Rio de Janeiro. 1939. 312. PINHEIRO. Aurélio. A Margem do Amazonas. São Paulo. Ed. Nacional. 1937. 313. PINTO. Almeida. Dicionário de Botânica. 314. PINTO. Edgard Roquette. Rondônia. 3.ed. São Paulo, Ed. Nacional. 1935. 315. PINTO, L. A. Costa. “Lutas de Família no Brasil.” Rev. do Arq. Municipal de São Paulo, (88). 1943. 316. ________. In: Resistências a Mudança. Rio de Janeiro, out. 1959. 317. PITA. Rocha. A História da América Portuguesa. 318. PRADO. Paulo. Retrato do Brasil. 2.ed. São Paulo. Duprat-Mayença. 1928. 319. PRADO JÚNIOR. Caio. História econômica do Brasil. São Paulo. Ed. Brasiliense. 1945. 320. PRENTICE. Parmalle. Hunger and History. Nova Iorque. 1939. 321. PRICE. A. Grenfell. “White Soilers in the Trópico.” American Geog. Society. special publication. Nova Iorque. (23). 1939. 322. PRICE. Weston A. Nutrition and Physical Degeneration. 1939. [pg. 356] 323. PROVENÇAL. Levy. Histoire de l’Espagne Musulmane. Paris, Ed. G. P. Maisonneuve, 1950. 3v. 324. QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 2.ed. São Paulo, Ed. Nacional, 1931. 325. QUINTANA, Epaminondas. “Et Problema Dietético del Caribe.” América Indígena, México, 2(11), abr. 1942. 326. QUIRINO, Manoel. Costumes Africanos no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1938. 327. RABELO, Silvio. “Euclides da Cunha e o Mistério da Amazônia.” Dom Casmurro, maio 1946. Número especial. 328. RADOIN, Lucie & SIMONET, Henri. Les Données et les Inconnues du Problème Alimentaire. Paris, 1924. 329. RAGATZ, Lowell Joseph. The Fall of the Planter Class in the British Caribbean. Nova Iorque, 1938. 330. RAMOS, Artur. Introdução à Psicologia Social. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1936. 331. ________. As Culturas Negras no Novo Mundo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1937. 332. RECLUS, Elisée. Nouvelle Géographie Universelle. 1875-94. 333. REDFIELD, Robert. Levels of Integration in Biological and Social Systems. 334. REGO, José Lins do. Pedra Bonita. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1939. 335. REIS, Arthur Ferreira. Política de Portugal no Vale Ama-zônico. Belém, Of. Gráf. da Rev. Novidade, 1940. 336. REMINGTON. R. R. & LEVINE, H. “Studies on the Relation of Diet to Goiter.” Journal of Nutrition, 11, 1936 337. RENNER, H. D. The Origin of Food Habits. 1945. 338. RIELY. Billings et alii. “The Riboflavin Contents on Fish Products.” Journ. of Nutrition. 1941. 339. RIOS, José Manoel de los. Lecciones Orales sobre Enfer-medades de la Infancia. Caracas, 1900. 340. RIPPLEY. Races of Europe. 341. ROBERTS, Lydia J. “Nutrition in Puerto Rico.” Journ. Amer. Diet Ass., 20(5), maio 1944. 342. ROCCA, Juan & LLAMAS, Roberto. “Consideraciones sobre [pg. 357] el Valor Alimentício del Pulque.” An. Inst. Biol, 4, 1935. 343 ________. “Contribución al Estudio Chímico del Chile.” Anates del Instituto de Biologia, 1, México, 1935. 344. ________. “Estudio del Frijol como Alimento.” Arquivos do Instituto de Biologia do México. 345. RUGENDAS, Johann Moritz. Voyage Pitoresque dans le Brésil. 1838. 346. RUSSELL, Bertrand. Essais Sceptiques. Paris. 347. SAA. Mário. A Invasão dos Judeus. Lisboa, Imp. L. da Silva. 1925. 348. SAMPAIO. A. Arruda. Aspectos do Bócio Endêmico na Infância e na Adolescência. 1944. 349. SANTOS, Paula et alii. “Ferro em Nossos Alimentos.” O Hospital. 13(16), 1938. 350. SENNA. Nelson de. “A Influência do índio em Linguagem Brasileira.” 1946. 351. SHEPARD, Ward. “Food or Famine.” In: The Challenge of Erosion, 1945. 352. SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil. 1937. 353. SIOL1, Haroldo. “Alguns Problemas da Limnologia Ama-zônica.” Boletim do Inst. Agronômico do Norte, Belém, 1954. 354. SIQUEIRA, R. de et alii. “Pesquisas sobre o Sururu Alagoano.” Arquivos Brasileiros de Nutrição, 10(4), 1954. 355. SMILLIE. Wilson G. Preventive Medicine and Public Health. Nova Iorque, Macmillan, 1946. 356. SMITH. Herbert Huntington. Brazil, the Amazon and the Coast. Nova Iorque, C. Scribner’s, 1879. 357. SMITH, Lynn. Brazil: People and Institutions. 1946. 358. ________. The Crowth and the Distribution of Population in Brazil. 1944. 359. SMITH. Herbert Huntington. Brazil, the Amazonas and the Coast. Nova Iorque, C. Scribner’s, 1879. 360. SODRÉ. Nelson Werneck. Formação da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro,). Olympio, 1944. 361. ________. O Oeste. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1941. [pg. 358] 362. SOROKIN. Pitirim A. The Crisis of our Age. Nova Iorque. E. P. Dution, 1941. 363. ________. Man and Society in Calamity. Nova Iorque, E. P. Dutton. 1942. 364. ________. Rural Sociology. 365. ________. Social Mobility. 1937. 366. SOULE, George Henri et alii. Latin America in lhe Future World. Nova Iorque, Farrar and Rinehart. c.1945. 367. SOUZA. José Bernardino de. Dicionário da Terra e da Gente do Brasil. 1939. 368. SOUZA. Paula et alii. “Inquérito sobre a Alimentação Popular em um Bairro de São Paulo.” Rev. Arquivo Municipal, São Paulo. (17). 1935. 369. ________ & WANCOLLE. A. “Sobre o Teor em Pró-vitamina A em Alguns Óleos Brasileiros.” Rev. da Ass. Paul. de Medicina. 4(3). 1939. 370. SPENGLER. Oswald. El Hombre y Ia Técnica. Madri. Espasa-Calpe. 1932. 371. SPIES. Tom et alii. “Emotional Disturbances in Persons with Pellagra. Beriberi and Associated Deficiency States.” 1943. 372. STEGGAERDA. Morris. “Statures on South American Indians.” Amer. Jour. of Physical Anthropology. 1(1), mar. 1943. 373. STEINBECK. John. Vinhas da Ira. Porto Alegre. Globo. 1940. 374. SUAREZ, Pablo A. “La Situación Real del Indio en Equador.” América Indígena. México, jan. 1942. 375. SUNDSTROEM. E. S. A Summary of Some Studies in Tropical Acclimatization. 1926. 376. TALBERG. G. A. In: American Journ. Physiology. 25-350. 1922. 377. TAYLOR. Griffith. Environment and Race. 1927. 378. TEIXEIRA. A. da Silva. “Contribuição ao Estudo do Solo Pernambucano.” Arquivos do Instituto de Pesquisas Agronômicas de Pernambuco. (1). mar. 1938. 379. TEÓFILO. Rodolfo Marcos. A fome: cenas da seca do Ceará, Fortaleza. G. R. Silva. 1890. [pg. 359] 380. ________. História da Seca. do Ceará (1877 a 1880). Fortaleza, Tip. do Libertador, 1883. 381. ________. Monografia sobre a Mucunã. 1888. 382. THOMSON, James Claude. “The Food Problem of Free China.” Nutrition Review. /(9), jul. 1943. 383. TORRES, Vasconcelos. Condições de Vida do Trabalhador na Agro-indústria do Açúcar. 1945. 384. TORRES FILHO. Artur. Expansão Econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Calvino Filho. 1935. 385. TRINDADE. José Augusto. “Os Serviços Agrícolas da Ins-petoria de Secas.” Boletim da IFOCS. /7(1). 1937. 386. TURRÓ, R. La Base Trófica de la Inteligencia. 1918. 387. TWILCHELL. K. S. “Water Resources of Saudi Arabia.” Geographical Review. jul. 1944. 388. USIN, Maurice. “Géographie.” In: La Medicine chez Lui. 1938. 389. VASCONCELOS SOBRINHO. Ensaio de Fitigeografia de Pernambuco. Recife. 1936. 390. VELOSO. Cleto Seabra. Alimentação. 1940. 391. ________. “Alguns Aspectos da Alimentação no Rio Grande do Sul.” Separada do Arq. Bras, de Medicina, 1942. 392. VIANA. J. Baeta. “Bócio Endêmico em Minas Gerais.” Brasil Médico. (48). 1935. 393. ________. Alimentação. 1940. 394. VIANA. A. C. de Sampaio. “Qual a Causa da Frequência da Ascite na Bahia.” 1850. 395. VIANA, Victor. Formação Econômica do Brasil. 396. VIDAL. Ademar. Terra de Homens. Rio de Janeiro. Empresa Gráf. O Cruzeiro. 1944. 397. VIEIRA. Luiz Augusto da Silva. “A Rodovia e o Combate à Seca no Nordeste.” Boletim da IFOCS. 10( 12). 1938. 398. VISCO. Sabato. Alimentation dans les Colonies Italiennes. 399. VON SPIIX & VON MARTIUS. Através da Bahia. 5.ed. São Paulo. Ed. Nacional. 1938. 400. XAVIIER. Rafael. A Organização Nacional e o Município. 1946. 401. WAI.DORF. Cornelius. The Fammines of the World. 1878 [pg. 360] 402. WALLACE. Alfred Russel. Travels in the Amazon and Rio Negro. Londres, 1853. 403. WODBURY. Food Consumption and Dietary Surveys in the Americas. 1942. 404. WRIGHT, Stillman. “Da Física e da Química das Águas do Nordeste do Brasil.” Separata do Boletim da IFOCS, 1938. 405. YOUMANS, J. B. Nutritional Deficiencies. 1941. 406. ZAVATTARI, Edoardo. “Un Problema de Biologia Saariana: l’Ipertrofia delle Belle Timpaniche del Mammiferi.” Atti della Accademia Gioenia de Scienze Naturali in Catania. 6(3). 1938. 407. ZOLLINGER. J. P. À la Conquéte de la Californie. Paris, 1939. 408. ZWEIG. Stefan. Amok Paris. 1432. [pg. 361] SINTRA GRÁFIGA E EDITORA LTDA. Rua Sargento Silvo Nunes, 154 — CEP. 21040 Tel. 270-3946 — Bonsucesso — Rio de Janeiro — RJ COPYRIGHT JOSUÉ DE CASTRO

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contador de visitas