quarta-feira, 29 de setembro de 2010

5527 - LITERATURA DA COLÔMBIA

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15/04/10
Da Literatura na América # 5. Colômbia
Sob o signo de Borges, Somos o Esquecimento que Seremos, é um livro belíssimo, sincero e comovente escrito por um grande nome da literatura colombiana, Héctor Abad Faciolince. Para ilustrar a beleza desta maravilhosa "carta ao pai", ficam fotos que nos fazem viajar até à Colômbia.

“ (…) Quando o meu pai regressava das suas viagens à Indonésia ou às Filipinas, que para mim duravam anos (depois soube que, ao todo, terão sido quinze ou vinte meses de orfandade, distribuída por várias etapas), lembro-me da profunda comoção que sentia no aeroporto antes de ele chegar. Era uma sensação de medo misturada com euforia, semelhante à agitação que sentimos antes de ver o mar, quando cheiramos a sua proximidade no ar e até ouvimos os rugidos das ondas ao longe, mas não o vislumbramos ainda, apenas o intuímos pressentimos e imaginamos. Vejo-me na varanda do aeroporto Olaya Herrera, uma grande varanda que dava para a pista, os meus joelhos metidos entre barrotes, os braços quase a tocarem as asas dos aviões, alguém anuncia nos altifalantes «O avião HK-2142 proveniente do Panamá está prestes a aterrar», os motores rugem ao longe e de repente, a visão do alumínio iluminado, a aproximar-se entre cintilações solares, denso, pesado, majestoso, surgindo por um dos lados do cerro Nutibara, roçando o cume com uma proximidade de tragédia e de vertigem.
Finalmente, o Supercontellation que trazia o meu pai aterrava, uma baleia formidável que precisava de toda a pista para travar nos últimos metros, e girava lentamente para se aproximar da plataforma, pesadão, como um transatlântico prestes a atracar, demasiado devagar para as minhas ânsias (eu tinha de desatar aos saltos para me conter) desligava os seus quatro motores de hélice que quase não deixavam de girar, as aspas invisíveis formando uma névoa de ar liquidificado, enquanto não paravam não se abria a porta, e os empregados empurravam e ajustavam as escadas com letras azuis.
A respiração agitava-se, as minhas irmãs estavam todas vestidas de festa, de sainha de renda, e lá começavam a aparecer corpos, saindo em fila indiana do ventre do avião pela porta da frente. Não é aquele, não é aquele, aquele também não, até que, finalmente, no ponto mais alto da escada, aparecia ele, inconfundível com o seu fato escuro, de gravata, a careca brilhante, os óculos grossos de armação quadrada e o olhar feliz, acenando-nos com a mão ao longe, sorrindo das alturas, um herói para nós, um pai que regressava de uma missão na Ásia mais profunda carregado de presentes (pérolas e sedas chinesas, pequenas esculturas de marfim e de ébano, baús de teca carregados de toalhas e talheres, bailarinas do Bali, leques de pavão, tecidos indianos com espelhinhos e conchas marinhas, pastilhas de incensos aromáticos), de gargalhadas, de histórias, de alegrias para me arrastar daquele mundo sórdido de terços, doenças, pecados, saias esotainas, rezas, espíritos, fantasmas e superstição. Acho que poucas vezes senti , nem voltarei a senti, um descanso e uma felicidade iguais, pois era o meu salvador que chegava, o meu verdadeiro salvador.”
Héctor Abad Faciolince, Somos o Esquecimento que Seremos, tradução de Margarida Amado da Costa, Quetzal, pág 133-134
Fotos: João Friezas
Publicada por persona em 22:47
Etiquetas: Da Literatura na América
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