quinta-feira, 30 de setembro de 2010

5692 - LISTA DE ESCRITORES DO PERU

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Entrevista Mario Vargas Llosa




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Abaixo a ditadura
O escritor peruano adverte: a retomada dos
valores democráticos na América Latina
não eliminou a sua tradição autoritária



Carlos Graieb


Oscar Cabral
"Minha obra tem um fio que a atravessa de ponta a ponta: o repúdio visceral a toda forma de repressão"


Aos 64 anos, Mario Vargas Llosa não é apenas um importante escritor peruano: ele é um dos nomes-chave de toda a literatura contemporânea, candidato perpétuo à conquista de um Prêmio Nobel. Seu mais recente romance, A Festa do Bode, está sendo lançado no Brasil nesta semana (veja resenha). Sucesso estrondoso nos países de língua espanhola, o livro oferece um retrato marcante do general Rafael Leónidas Trujillo Molina, que governou a República Dominicana com mão de ferro entre 1930 e 1961. Narra as atrocidades do regime, revela os bastidores da conspiração que acabou por tirar a vida do caudilho e prova que "as toxinas da ditadura" demoram muito a ser eliminadas do corpo de uma nação. Defensor do liberalismo, Vargas Llosa concorreu às eleições presidenciais peruanas em 1990. Foi derrotado por Alberto Fujimori e, desde então, vem fazendo oposição ao seu governo, que se sustenta há dez anos. Nesta entrevista a VEJA, concedida por telefone de Londres, onde Vargas Llosa fixou residência, o escritor fala sobre a situação política da América Latina, sobre sua formação literária e sobre a cultura contemporânea.

Veja – Por que escrever um romance sobre o ditador dominicano Rafael Trujillo, quarenta anos depois de sua morte?
Vargas Llosa – Em primeiro lugar, porque Trujillo é um personagem e tanto do ponto de vista literário. Nenhum ditador latino-americano foi tão longe na violência e na brutalidade. Seu serviço secreto era impiedoso e ele utilizava o sexo como instrumento de dominação. Deitava-se com as mulheres de seus correligionários para provar que era senhor de tudo e de todos. Trujillo tinha, além disso, uma paixão grotesca pelos rituais do poder, o que dava ao seu regime um ar de opereta macabra. Ele também era uma figura emblemática das mazelas latino-americanas. Não há dúvida nenhuma de que nos últimos vinte anos ocorreu uma retomada dos valores democráticos na América Latina. Mas isso não significa que a tradição autoritária que marca tão profundamente a história da região esteja liquidada de uma vez por todas. Basta observar a situação de meu país, o Peru.

Veja – O presidente peruano Alberto Fujimori encaixa-se no figurino de ditador?
Vargas Llosa – Se um bicho tem focinho, quatro patas, balança a cauda e late, só pode ser um cachorro, certo? Pois então. Se um homem permanece no poder durante dez anos graças a eleições fraudadas, se seu principal respaldo são as Forças Armadas, se ele emprega um serviço secreto que lembra a Gestapo, se pratica o assassinato, se controla a imprensa e os meios de comunicação por meio de chantagens e ameaças, então esse homem só pode ser um ditador. Talvez estejamos diante de uma ditadura mais refinada, mais astuta e hipócrita. Mas a violência e a corrupção são as mesmas.

Veja – As últimas eleições presidenciais no Peru foram legitimadas por governos latino-americanos.
Vargas Llosa – A conduta dos governantes latino-americanos foi covarde e cúmplice. Para justificar o respaldo que deram a Fujimori, apesar das advertências feitas não somente por peruanos, mas também pela Organização dos Estados Americanos e por observadores independentes, recorreram a um argumento pífio, o da "solidariedade continental". Que espécie de solidariedade é essa, que consiste em dar apoio a assassinos? Governos que se dizem democráticos deveriam agir de acordo com os princípios da democracia, e não segundo considerações geográficas. Devo dizer, ainda, que quem mais me decepcionou nessa história toda foi o presidente Fernando Henrique Cardoso. A admiração que tinha por ele se esvaiu. É incompreensível que alguém com a sua biografia de intelectual e democrata tenha tomado esse caminho. É incrível que tenha sido o Brasil o país que bloqueou as sanções contra Fujimori e seu governo fraudulento, pedidas pelos Estados Unidos e Canadá.

Veja – Como o senhor viu a recente cúpula de governantes latino-americanos, ocorrida há três semanas em Brasília?
Vargas Llosa – Como farsa, é claro. A ata do evento diz que apenas os países democráticos podem fazer parte da comunidade latino-americana. E, no entanto, lá está o jamegão de Fujimori no final do documento. Como levar essa cúpula a sério? Não gostaria de ofender ninguém, mas também não posso usar meias palavras: estamos diante de politicastros desprovidos de princípios, que falam como papagaios apenas para fazer ruído na mídia. Se a democracia estava em questão, um governante ditatorial não poderia estar presente.

Veja – Há saída para a América Latina?
Vargas Llosa – Sim, claro que há. Há países que vêm se saindo muito bem. É preciso comemorar, por exemplo, o que aconteceu no México. Depois de 75 anos, os mexicanos conseguiram derrubar, pelo voto, com métodos pacíficos, um partido e um governo autoritários que pareciam irremovíveis. O efeito dessa proeza será benéfico para o resto do continente. Pensemos também em nações da América Central. Estive muitas vezes nessa região nas três décadas passadas, quando a política se realizava a ferro e fogo e tudo que existia eram extremismos de direita e esquerda. Pois houve um progresso considerável nos anos recentes. Os antigos guerrilheiros estão nos parlamentos atualmente. Mesmo na República Dominicana, terra de Trujillo, o bem-estar social é hoje consideravelmente maior. Embora haja um ou outro retrocesso, existem muitas razões para ser otimista.

Veja – Que conclusão extrair do episódio da detenção do ex-ditador chileno Augusto Pinochet?
Vargas Llosa – Foi muito positivo. Especialmente para os chilenos, que de outra forma jamais teriam ousado pôr em questão a imunidade que Pinochet havia garantido para si próprio. Além disso, a ação do juiz espanhol Baltasar Garzón criou um precedente internacional muito importante. Os tiranos em exercício e os aspirantes a tirano serão obrigados a pensar duas vezes daqui para a frente. A comunidade internacional poderá cobrar a conta de suas atrocidades, ainda que em seus próprios países eles tenham corrompido as leis para livrar-se de castigos.

Veja – A ex-primeira-ministra inglesa, Margaret Thatcher, deu muito apoio a Pinochet. O senhor, que a admirava, mudou de idéia sobre ela?
Vargas Llosa – Morei na Inglaterra pela primeira vez no final dos anos 70. Naquela época, a situação econômica do país era terrível, por causa das políticas estatizantes do governo trabalhista. Thatcher subiu ao poder e privatizou empresas, abriu fronteiras comerciais e estimulou a entrada de investimentos estrangeiros. Seu governo deu início a mudanças extraordinárias no Ocidente inteiro. Continuo a admirá-la por isso. Mas reconheço que existem aspectos no legado e no modo de ser de Thatcher que é preciso criticar. Ultimamente ela se isolou em posições nacionalistas que são nefastas, como a luta contra a adesão integral da Inglaterra à União Européia. Foi também por nacionalismo que Thatcher apoiou Pinochet. Ela acredita que os ingleses têm uma dívida de gratidão com o Chile, por causa do apoio que o país lhes deu durante a Guerra das Malvinas. É um equívoco. O nacionalismo é uma cegueira – a grande praga de nosso tempo.

Veja – O senhor pensa em voltar a concorrer a uma eleição?
Vargas Llosa – Não. Mas continuarei a participar da política na condição de intelectual. Escrevo artigos e emito opiniões. É o que basta.

Veja – Antes de A Festa do Bode, o senhor já havia escrito um outro romance sobre ditadura, Conversa na Catedral. O que mudou entre o escritor daquela época e o de hoje?
Vargas Llosa – Há um intervalo de 25 anos entre um e outro livro, e é claro que isso faz diferença. Mas diria que minha obra tem um fio que a atravessa de cabo a rabo: o rechaço ao autoritarismo. Minha repugnância visceral aos tipos autoritários vem de casa: meu pai era uma figura rígida, que impunha sua vontade com mão de ferro. Com ele aprendi a ter medo, o que não é exatamente uma lição agradável. Além disso, cresci numa sociedade repressora e intolerante. Quando estava passando da adolescência para a idade adulta, o país era governado pelo general Manuel Odria, outro exemplo perfeito de caudilho. A censura era pesada, os partidos políticos eram ilegais e na Universidade San Marcos, onde estudei, o clima era de enorme desconfiança, já que havia policiais disfarçados matriculados nos cursos e professores e alunos podiam ser delatados e presos. Conversa na Catedral fala desse ambiente político em que cresci.

Veja – O senhor disse certa vez que só lhe interessavam romances que tivessem sexo e violência. Por quê?
Vargas Llosa – Essa frase vem de um ensaio que escrevi sobre o romance Madame Bovary, do francês Gustave Flaubert. Para ser mais exato, a idéia é que histórias desprovidas de sexo e violência me dão uma impressão de irrealidade. Afinal, esses são aspectos incontornáveis da vida humana. Mas não me entenda mal: jamais pensei que sexo e violência são os dois únicos temas dignos de entrar na ficção.

Veja – O senhor também costuma dizer que é um autor "mais extenso que intenso". Que quer dizer com isso?
Vargas Llosa – Quero dizer que me sinto mais próximo dos romancistas "épicos", devotados a descrever a ação, do que dos romancistas "líricos", que preferem esmiuçar a psicologia dos personagens. É claro que o mundo interior é importante. Mas creio que os atos são mais importantes para a ficção. Posso até admirar as obras de Henry James, um autor psicológico por excelência. Mas jamais escreveria como ele.

Veja – O francês Gustave Flaubert e o americano William Faulkner continuam sendo seus gurus literários?
Vargas Llosa – Posso dizer que sim. É claro que há muitos outros que admiro, de Tolstoi a Malraux, mas esses dois me proporcionaram muitas horas de prazer, além de terem servido como "professores". Lendo-os, descobri qual era o tipo de escritor que desejava ser. Graças a Faulkner percebi o valor da forma na literatura – o fato de que a estrutura e a linguagem são tão importantes quanto o enredo. Flaubert ensinou-me a técnica da objetividade, e também a ter disciplina.

Veja – O senhor é mais intuitivo ou disciplinado?
Vargas Llosa – Disciplinado. Para mim, nunca é fácil escrever. Todas as minhas obras são produto de um grande esforço. Dependo de horários estritos, de muita concentração. Vale para mim aquela frase atribuída a Bernard Shaw: "O talento é 10% de inspiração e 90% de transpiração".

Veja – Anos atrás, o senhor escreveu um livro sobre o escritor colombiano Gabriel García Márquez. Por que nunca reeditou essa obra?
Vargas Llosa – Porque o livro perdeu a atualidade. Quando o escrevi, Márquez só havia publicado Cem Anos de Solidão. Como fez muito mais depois disso, atualizar meu estudo requereria muito tempo e trabalho.

Veja – O fato de ele e o senhor ocuparem lados opostos no espectro político não tem nada a ver com isso?
Vargas Llosa – Um pouco, devo admitir. Para refazer o livro, teria de mostrar minhas discrepâncias com relação às opiniões políticas de Márquez, seu apoio a governos ditatoriais de esquerda como o de Fidel Castro. Aliás, esse é um assunto que merece discussão: um grande talento literário que, ao mesmo tempo, exibe uma total cegueira política.

Veja – Num artigo recente, o senhor diz que o sonho de uma cultura democrática e não-elitista deu errado. Por quê?
Vargas Llosa – Porque o nível da cultura de massa é cada vez mais baixo. Todas as semanas, consulto as listas de mais vendidos da Inglaterra e dos Estados Unidos e elas me causam horror. Tudo que as pessoas lêem é lixo.

Veja – O senhor incluiria aí o fenômeno infantil Harry Potter?
Vargas Llosa – Não li os livros, por isso não vou fazer julgamentos. Mas confesso que tenho alguma simpatia pelo fenômeno. Os livros da escritora J.K. Rowling não são produtos artificiais, não saíram da cabeça de um marqueteiro. Além disso, foram as próprias crianças que os leram e converteram em best-seller. É delicioso perceber que a leitura ainda não se extinguiu como forma de entretenimento.

Veja – O senhor freqüentemente é descrito como um homem sedutor e vaidoso. A passagem do tempo o incomoda?
Vargas Llosa – Ninguém fica contente com a passagem do tempo. Mas a vantagem do trabalho intelectual é que pode ser feito mesmo na velhice. Por outro lado, creio que é importante, por respeito a si próprio e ao trato social, lutar contra a deterioração. Sem chegar à coqueteria idiota de dedicar sua vida a isso, devemos cuidar um pouco do corpo, fazer um pouco de esportes. O corpo merece o mesmo respeito que o intelecto. Aliás, se existe algo que admiro nos brasileiros é isso: a consciência de que o corpo é algo respeitável e admirável. É o contrário do que acontece em países como o meu, onde o corpo é somente motivo de vergonha.





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