sexta-feira, 22 de junho de 2012
A ESCOLA NOVA NO BRASIL
Revista HISTEDBR On-line Artigo
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.22, p.131 –149, jun. 2006 - ISSN: 1676-2584 131
BRASIL, 1930 - 1961: ESCOLA NOVA, LDB E DISPUTA ENTRE
ESCOLA PÚBLICA E ESCOLA PRIVADA.
Irene da Silva Fonseca dos Santos
Reulcinéia Isabel Prestes
Antônio Marques do Vale
Programa de Mestrado em Educação: UEPG-PR
RESUMO:
Esta pesquisa teve o objetivo de investigar a Escola Nova, quanto à crítica que esta exerceu
sobre aquela dualidade escola pública / escola privada, quanto aos graves debates entre 1946 e
1961 em torno à educação e à LDB, mas, sobretudo, quanto à instrumentalidade com que ela é
marcada nas suas ligações com os interesses das classes burguesas. Portanto, o trabalho se
dirigiu à investigação sobre o escolanovismo como instrumento de ideologias funcionalistas. O
referencial teórico da pesquisa foi dialéticocrítico e anti-reprodutivista. Como a Escola Nova se
atrelou, em geral, aos interesses da burguesia industrial, a pesquisa realizou esforço por um
debate interdisciplinar, de modo que aparecesse claro que uma educação crítica não pode
abdicar da sua condição perante interesses de grupo particularista. Sem o debate crítico, não
pode surgir vida histórica, palpável, e para todos. Na primeira parte, são discutidos os
elementos históricos da via burguesa para impor uma teoria que redundasse em prática,
colaboração pacífica, produtividade e lucro em favor dos detentores dos meios de produção; no
campo como na cidade. Na segunda parte, é abordada a LDB, com seu trajeto e tramitação até
1961, longos e descontínuos através de vários substitutivos e, a seguir, e central na pesquisa, a
dualidade de escola pública e escola privada. Resulta que, no processo dialético, o concreto é
complexo.
Palavras-chave: Escola Nova, LDB, Escola Pública, Escola Privada
BRAZIL, 1930 - 1961: NEW SCHOOL MOVEMENT, LDB AND PUBLIC
SCHOOL AGAINST PRIVATE SCHOOL
ABSTRACT:
This research had the objective to investigate the New School Movement, as to the critic
that this exerted on the duality public school/private school, as to the serious debates
within 1946 and 1961 around the education and the LDB, but, above all, to the
instrumental that it is marked in its interests with the bourgeois class. Therefore, the study
was directed to the inquiry on the New School Movement as instrument of functionalists'
ideologies. The theoretical referential of the research was dialectical anti-reroductivist and
critic. As the New School was connected in general, to the interests of the industrial
bourgeoisie, the research made an effort to carry on a interdisciplinary debate, so that
appeared clearly that a critical education cannot abdicate of its condition before the
interests of a particular group. Without the critical debate, historical life cannot appear, true
and for all. In the first part, the historical elements of the bourgeois way are discussed to
impose a theory that resulted in practical, pacific contribution, productivity and profit in
favor of the means of production holders; in the country as in the city. In the second part,
the LDB is boarded, with its passage and transaction up to 1961, long and discontinuous
through many substitutive and, to follow, and central part in the research, the duality of
public and private school. It results that, in the dialectical process, the concrete is complex.
Key-words: New School Movement, LDB, public school, private school
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INTRODUÇÃO
Esta pesquisa visou a analisar a Escola Nova no Brasil e o seu influxo na LDB de
1961, culminância da disputa entre ensino público e privado. Era período de
industrialização e de urbanização acelerada, representadas pela hegemonia de interesses
elitistas. O escolanovismo, de tendência funcionalista e positivista apoiava uma burguesia
vitoriosa, com a qual muitos faziam aliança esperando o rápido progresso do País. As
análises mostram uma complexidade da questão com muita evidência. Análises originadas
das teorias anti-reprodutivistas da sociologia crítica da educação, do pensamento de matriz
marxista ou de uma fenomenologia libertária. Num País com altos índices de
analfabetismo, o planejamento educacional tinha de ser levado a sério por quem quer que
fosse, mas a problemática envolvia grande complexidade, como se poderá ver. O
referencial, dialético, não aceita simplificações. Superação do tradicionalismo, como
apareceria na explicitação do dualismo escola tradicional / escola renovada (terceira parte)
não significaria submissão dócil aos planos elitistas burgueses. Os Manifestos
escolanovistas também não explicaram bem qual era a revolução burguesa planejada que
iria redundar em justiça para com as maiorias trabalhadoras (segunda parte). O
reprodutivismo dos jogos ideológicos e da corrida ao lucro, que historicamente revela a
face ambígua da Escola Nova (primeira parte) também não podia convencer as massas
populares, a menos que, era claro, o jogo de sedução emergisse com força total, força que
teria de ser a de uma escola muito bem assistida ou a dos planos de propaganda
sofisticados. Sobretudo no primeiro desses casos, não caberia esperar de planos burgueses,
pois para os conservadores de elite estaria significando desperdício e irracionalidade.
O final do século XIX e o início do século XX constituem um período marcado por
inovações tecnológicas várias, com avanços da Medicina e de outras ciências. Prometia-se
vida mais longa para um maior número de pessoas. Mas os avanços da indústria de guerra
chocavam o mundo, perplexo diante de marchas e contramarchas: ora era a ciência para a
vida, ora para a morte. Educadores também procuraram introduzir idéias e técnicas que
tornassem o processo educativo mais eficiente e mais realizador para o ser humano.
O movimento educacional conhecido como Escola Nova surgiu para propor novos
caminhos a uma educação que a muitos parecia em descompasso com o mundo das
ciências e das tecnologias.
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Em um mundo de transformações, muitos sentiam que precisavam inovar,
“aprender a aprender”.
Para alguns, a Escola Nova, pois pretendeu promover a pedagogia da existência,
superação da pedagogia da essência. Tratava-se de não mais submeter o homem a valores e
dogmas tradicionais e eternos, não mais educá-lo para a realização de sua “essência
verdadeira”. A pedagogia da existência se voltaria para o individuo: único, diferenciado,
interagindo com um mundo dinâmico. O caráter psicológico da pedagogia da existência faz
apresentar o educando, ou a criança, como o verdadeiro sujeito da educação. Desse modo,
a Escola Nova se recusa a considerar a criança uma miniatura do adulto, um adulto
inacabado. Ela vai atender a criança a partir das especificidades da sua natureza infantil.
1. O CONTEXTO DA IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA NOVA
1. 1 - História da educação, uma história econômica.
A Escola Nova chegou a afirmar-se como um movimento mundial pelas últimas
décadas do século XIX, quando também se consolidou a democracia liberal, entendida
esta, afinal, como “vitória dos países democráticos sobre as monarquias autoritárias e
conservadoras” (Arruda, 1988: p. 286). Dessa consolidação se pôde falar a partir da
Grande Guerra (1914-1918), sobretudo.
O brasileiro Anísio Teixeira elaborou comentários sobre mudanças nos países onde
essa democracia liberal já se instalara de longa data. Por exemplo, Inglaterra e França. Ali,
os sistemas de ensino foram unificados a fim de favorecerem os alunos carentes. Contudo,
os alunos que desejassem freqüentar escolas particulares recebiam o apoio de bolsa de
estudos, numa flexibilidade que facilitava a livre transferência do sistema público ao
sistema particular. Era um movimento educacional que se inseria no processo de
industrialização e de desenvolvimento que os países centrais já viviam: abertos a estímulos
ideológicos, buscavam orientação e meios, em vista de cobrir as necessidades de mão-deobra
produtiva e rendosa nas fábricas. À escola caberia equipar-se para atender ao
contingente de trabalhadores, ao setor operário, e os países mais desenvolvidos
incentivaram, portanto, a expansão da escola pública (1976).
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1. 2 - John Dewey: educação experimentalista
O escolanovismo norte-americano, como também o brasileiro, está ligado a certas
concepções de John Dewey, que acreditava ser a educação o único meio efetivo para a
construção de uma sociedade democrática. Na concepção de John Dewey (1959, p. 93), há
dois elementos que se põem como critérios de orientação para a democracia. O primeiro:
mais numerosos e variados pontos de participação no interesse comum, como também
maior confiança para reconhecer que os interesses são fatores da regulação e direção
social. E o segundo: uma cooperação mais livre entre os grupos sociais, antes isolados
tanto quanto voluntariamente o podiam ser, e também a mudança de hábitos sociais e
contínua readaptação e ajuste dos grupos às novas situações criadas pelos vários
intercâmbios. Para Dewey, são precisamente esses dois pontos que caracterizam a
sociedade democraticamente constituída.
Quanto ao aspecto educativo, Dewey observa: a realização de uma forma de vida
social, em que os interesses se interpenetram, e o progresso, ou readaptação, é de
importante consideração, torna a comunhão democrática mais interessada que outras
comunhões numa educação deliberada e sistemática. O amor da democracia pela educação
é um fato “cediço”. Dewey explica de dois modos. Primeiro, uma explicação superficial:
‘que um governo que se funda no sufrágio popular não pode ser eficiente se aqueles que o
elegem e que lhe obedecem não forem convenientemente educados. Segundo, acrescenta:
uma vez repudiado o princípio da autoridade externa, à sociedade democrática se deve dar
a aceitação e o interesse voluntários como substitutos, e unicamente a educação pode criálos.
Continua-se lendo Dewey (1959, p.93): uma democracia é mais do que uma forma
de governo; é, principalmente, uma forma de vida associada, de experiência conjunta e
mutuamente comunicada.
A filosofia de Dewey – ver o Prefácio curtíssimo dele mesmo, na obra que aqui
vem sendo discutida – revela sua relação com o método experimental nas ciências, com as
idéias de evolução nas ciências biológicas, bem como sua relação com a reorganização
industrial. Dewey passou a interessar-se, pois, pelas mudanças de matéria e método na
educação, que esses desenvolvimentos determinavam. E foi nesse espírito que a Escola
Nova ingressa no Brasil também. Havia aqui uma burguesia industrial disposta a abraçar o
seu ideário.
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Cada um dos ideários escolanovistas tem de ser compreendido a partir da situação
social e econômica em que foi gerado. No Brasil havia vontade, fazia tempo, de acelerar a
industrialização. E já corriam rápidas as transformações que exigiam uma escola preparada
para o “novo”, para a vida industrial. Passou-se a esta justificação: as desigualdades sociais
poderiam ser superadas se houvesse escolarização adequada a promover a mobilidade
social. Era a escola como representante da pedagogia liberal, pedagogia estreitamente
ligada à teoria política e econômica da burguesia.
Portanto, a corrente da Escola Nova já nascia convencida de que a verdadeira
democracia poderia ser instaurada a partir da “escola redentora”. Expressão da “ilusão
liberal”, segundo a qual todos garantiriam seu “lugar ao sol” se houvesse esforços e não
faltasse o talento.
Anísio Teixeira foi o mais importante seguidor das idéias deweyanas no Brasil,
grato que pelas aulas recebidas do mestre nos Estados Unidos na década de 1920. Ante a
sociedade moderna em transformação, Teixeira entendia a escola como chamada a inserir
na sociedade indivíduos aptos a agir segundo os princípios da própria liberdade e da
responsabilidade diante do coletivo. Considerado um expoente da educação brasileira,
participou realmente dos movimentos pela educação entre os anos 20 e 70. Suas obras
tanto mereceram enaltecimento como foram alvo de críticas. Ele defendia, com a laicidade
na educação, outros princípios que assimilou das teorias de John Dewey, William
Kilpatrick e William James, entre outros.
O pragmatismo norte-americano de Dewey recusava os sistemas fechados, com
pretensões ao absoluto, e se voltava para o concreto, para os fatos, para a ação. Tendo
conhecido tais teses, Teixeira se deixou absorver especialmente pelas idéias de ciência e de
democracia. Com estas idéias, ele, como Dewey, apontava a educação como o canal capaz
de provocar as transformações necessárias à modernização do Brasil.
Queria-se adotar o novo modelo de escola e de educação. Creu-se no ideário do
movimento de Dewey, na sua proposta de uma escola centrada na atividade, na
produtividade e na democracia, tudo associado, a seu jeito, com liberdade do indivíduo e
direito de escolha que levariam a dar contribuições para a comunidade. Aportes
pragmáticos que permitiriam instaurar a solidariedade social, a inteligente e perfeita
comunicação entre os membros que ansiavam transformar a ‘Grande Sociedade’ na
‘Grande Comunidade’.
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Anísio Teixeira traduziu, com Godofredo Rangel, a obra maior de Dewey,
Democracia e Educação (1959). À época da publicar a tradução, escreveu:
Reputo a versão em língua portuguesa deste grande livro de John Dewey – o seu
melhor livro sobre educação, na opinião do próprio autor – como uma
inestimável contribuição à cultura popular brasileira. (...) – (...) não sei de livro
mais salutar e mais promissor. Com efeito, o leitor encontrará nas suas páginas a
revelação – e nada menos é preciso para o Brasil, hoje – do que é a democracia
e dos meios de realizá-la.
No Brasil dos anos 30, pois, o escolanovismo se desenvolveu em meio a
importantes mudanças. Acelerava-se o processo de urbanização, mas também a expansão
da cultura cafeeira. Prometia-se o progresso para o País, sobretudo industrial, mas também
os conflitos de ordem política e social acarretavam uma transformação significativa da
mentalidade brasileira. Muitos deixavam o campo em direção aos centros urbanos,
tentando encontrar melhores condições de trabalho e de sobrevivência. O capital passava a
ditar as regras a uma sociedade que devia ser ativamente produtora e conseqüentemente
consumidora. Não obstante fosse restrito o poder aquisitivo dos salários, abriam-se muitas
frentes de trabalho, como também novas perspectivas educacionais. Educar a população,
urbana e também rural, pareceu condição primeira para que se consolidasse a economia
capitalista industrial e fosse garantido o desenvolvimento do País. O ensino seria exigência
a todo trabalhador, que deveria adquirir um mínimo de instrução. Educação, assim
concebida, ainda não era reputada um direito do cidadão. Era, sim, um instrumento em
mãos das duas burguesias. Divulgada uma ideologia desenvolvimentista liberal, o Estado
era colocado como o responsável pela educação de todo o povo.
Anteriormente, a educação escolar estivera especialmente associada à posição
social do indivíduo, favorecendo somente alguns poucos privilegiados da elite, e servira
para ajudar as pessoas a conservarem o próprio status ou a manterem o status quo.
NAGLE (1974, p.241) reconhece contributo social no liberalismo: junto com a
instrumentação institucional de remodelação da ordem político-social, Nagle falou da
quebra dos velhos quadros opressores do desenvolvimento da personalidade humana. O
enraizamento da Escola Nova se processou conforme as idéias liberais, e então se pôde
dizer que o escolanovismo representou, ortodoxamente, o liberalismo no setor da
escolarização.
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1. 3 – O Manifesto dos Pioneiros de 1932, defesa da Escola Nova.
Em 1932, foi publicado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: A
reconstrução educacional no Brasil. Escrito por Fernando de Azevedo e assinado por
vários intelectuais da época, como Carneiro Leão, Hermes Lima, e o grande amigo de
Azevedo, que não podia faltar, Anísio Teixeira. Neste documento, foram propostas e
definidas várias soluções que, a partir de então, foram sendo aplicadas à educação
brasileira (em ROMANELLI, 1991). Aqui, alguns dos princípios enunciados:
1 - A educação deve ser essencialmente pública, obrigatória, gratuita, leiga e sem
qualquer segregação de cor, sexo ou tipo de estudo, e desenvolver-se em estreita
vinculação com as comunidades.
2 - A educação deve ser uma só, com os vários graus articulados para atender às
diversas fases do crescimento humano. Mas, unidade não quer dizer uniformidade;
antes, pressupõe multiplicidade. Daí, embora única, sobre as bases e os princípios
estabelecidos pelo Governo Federal, a escola deve adaptar-se às características
regionais.
3 - A educação deve ser funcional e ativa, e os currículos devem adaptar-se aos
interesses naturais dos alunos, que são o eixo da escola e o centro de gravidade da
educação.
4 - Todos os professores, mesmo os de ensino primário, devem ter formação
universitária.
No Manifesto, que representou “um divisor de águas entre educadores progressistas
e conservadores” 1, fizeram-se presentes as idéias de Anísio Teixeira, cujo nome foi sendo
vinculado ao campo da filosofia da educação. Embora tenha atuado, quase sempre, como
administrador público em vários setores da educação brasileira, de sua obra pode ser
extraída uma concepção de educação, de homem, de sociedade e de conhecimento que
marcaram o campo educacional nos anos 20 e 60. No contacto com J. Dewey e as teses do
pragmatismo norte-americano – o pragmatismo recusa os sistemas fechados com
pretensões ao absoluto, voltando-se para o concreto, para os fatos, para a ação –, Teixeira
foi absorvido pelas idéias de ciência e de democracia, as quais apontavam a educação
como o canal capaz de provocar as transformações necessárias para o Brasil, país em busca
de modernizar-se.
1 Anita Adas GALLO. http://www.anped.org.br/24/po251803934623.rtf
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Como filósofo da educação e subscritor do Manifesto, Anísio fez esforços por
compreender o contexto sócio-econômico e cultural de seu tempo. Referia-se às
transformações materiais que estavam ocorrendo no Brasil e às que ainda viriam a ocorrer,
às mudanças de valores e às novas perspectivas que se colocavam para a sociedade
brasileira. Mas o seu otimismo perante a realidade da ciência, o método científico e as suas
aplicações técnicas foram que o conduziram também ao otimismo em relação a uma nova
escola. Anísio Teixeira pôde ser o promotor de uma nova mentalidade baseada no
experimentalismo, a qual o levou também a enfatizar os valores morais e a conduta
humana. Para Teixeira, a democracia era uma “´expressão ética de vida` que as crianças e
jovens experimentariam, de modo que ‘combatessem em suas vidas’ toda forma de
autoritarismo” (PAGNI, 2005, p.3).
No momento de busca, esses princípios tiveram sua aceitação, evidentemente. Com
o avançar das práticas, algumas características da Escola Nova no Brasil se foram
afirmando.
1. 4 - Características gerais da Escola Nova
Segundo os escolanovistas, a educação tradicional se achava centrada no professor
e na transmissão do conhecimento. O mestre detinha o saber e a autoridade, dirigia o
processo, e, ainda mais, se apresentava como um modelo a seguir.
Na escola renovada, porém, o aluno é o centro. Há uma preocupação muito grande
com a sua natureza psicológica. Dessa maneira, os conteúdos giram em torno dos
interesses infantis e, como ressalta SILVA (1986), a criança é o centro gravitacional do
processo educativo. Enquanto facilitador da aprendizagem, o professor deve esforçar-se
por despertar o interesse e provocar a curiosidade. As noções não podem ser dadas, pois a
abstração é um processo a ser atingido pelo próprio aluno a partir de sua experiência.
Metodologicamente, a iniciativa e a espontaneidade são valorizadas, e se fomenta o
respeito pelo ritmo de cada aluno nas suas atividades. Em programas e horários maleáveis,
são estimuladas as pesquisas e experiências. Como é importante partir do concreto para o
abstrato, se torna pertinente o que NAGLE (p. 245) ressalta: “um dos meios práticos para
ensinar geografia é levar a criança para observar os centros de atividades humanas, os
cenários da natureza”. Privilegiar a pedagogia da ação é, portanto, aparelhar laboratórios,
oficinas, etc.
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Compreendida a avaliação como um processo válido para o aluno e não para o
professor, entende-se que ela constitui apenas uma das etapas da aprendizagem. Perde a
centralidade. A avaliação não pode visar só aos aspectos intelectuais, mas especialmente às
atitudes e à aquisição de habilidades. A disciplina, por seu lado, educa para o improvável,
para o novo; daí ser necessário preparar para a autonomia, a iniciativa pessoal e a atividade
livre (SILVA, 1986).
2. ESCOLA NOVA E DISPUTA ENTRE O ENSINO PÚBLICO E O ENSINO
PRIVADO NOS ANTECEDENTES À LDB 4024/61
2. 1 – Conceituação
Assim definiu Anísio Teixeira a Lei de Diretrizes e Bases:
“lei federal sui generis, à maneira do Código Civil, do Código Comercial, etc.
destinada a regular a ação dos Estados, dos Municípios, da União e da atividade
particular no campo do ensino (...); a autoridade implícita na lei sujeita a todos
quanto a seu cumprimento, sua interpretação e sua execução” (1976: p. 227).
ROMANELLI (1991) analisou o debate sobre o processo de organização da 1ª Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961, processo iniciado por determinação
da Constituição de 1946. De acordo com a autora, esta Constituição se assemelhava à de
1937, no sentido das concessões à escola privada, mas priorizava outros aspectos por sua
inclinação democrática. Por exemplo, no que dizia respeito à exigência de concurso de
títulos e provas para o preenchimento de cargo no magistério. Trazia a proposição de
descentralizar a administração e a orientação pedagógica, mas não deixava de atribuir à
União o papel de ditar as linhas gerais para a organização da educação nacional. Uma
questão resolvida a contento foi a da definição de verbas a serem aplicadas à educação:
para este fim, não menos de dez por cento da arrecadação da União, e vinte por cento da
renda resultante dos impostos dos Estados e Municípios. Essas determinações criavam as
condições, ainda que mínimas, para assegurar a educação.
A Constituição de 1946 se inspirou nas doutrinas sociais do século XX. Com a
preocupação pela formulação de uma Lei que amparasse os vários segmentos da Educação,
o então Ministro da Educação Clemente Mariani convocou uma comissão de educadores,
que coube ao Professor Lourenço Filho presidir. O objetivo foi o de montar um projeto de
reforma geral da educação nacional. Elaborado por três subcomissões, do Ensino Primário,
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do Ensino Secundário e do Ensino Superior, o projeto foi apresentado à Câmara Federal,
em 1948, para apreciação e discussão.
Duas ordens de discussão sobre o projeto podem ser ressaltadas. A primeira, em
torno à interpretação do texto constitucional, pois se encontravam ali duas concepções:
uma centralizadora, conforme os moldes da Constituição de 1937, e outra federativa,
descentralizadora, no espírito da Constituição de 1946. Os estudos, que iriam perdurar de
1948 até 1961, versavam sobre centralização e descentralização da educação, o ensino
primário gratuito e obrigatório, gratuidade e escolas públicas nos demais níveis de ensino,
bem como normatização e regulamentação desta obrigatoriedade. Esses estudos
determinavam os fins, estipulando as condições que a escola deveria criar para que os
princípios de liberdade e solidariedade humana fossem respeitados.
A segunda ordem de discussões se referia à administração. Era proposta a criação
de um Conselho Nacional de Educação com a função de apoiar o Ministro da Educação, ao
qual caberia fazer que se desse cumprimento às responsabilidades da União. Propunha-se
também a criação de um sistema federal de educação para organizar e administrar
supletivamente a educação e os sistemas estaduais de educação, pois que administração e
organização se tornavam encargo especialmente dos Estados. As discussões sobre
centralização e descentralização foram dirimidas por emendas e substitutivos. Previam-se
exames oficiais do Estado, para conclusão dos cursos; eram garantidos autonomia
administrativa, didática e financeira das Universidades e concursos e provas de títulos para
provisão de cargos no magistério; as escolas privadas deveriam estar sob a supervisão dos
poderes públicos e do Colégio Universitário, que visava a preparar os candidatos aos
cursos superiores; era sistematizado e uniformizado o ensino profissional, embora com
elasticidade e flexibilidade.
2. 2 - Polêmicas entre o público e o privado provocadas pelos Substitutivos
O Deputado Carlos Lacerda apresentou um substitutivo que assinalava a intenção
de promover a escola privada. A proposta destacava os seguintes elementos:
“Art. 3° - A educação da prole é direito inalienável e imprescindível da família”.
“Art. 4° - A escola, fundamentalmente, é prolongamento e delegação da
família”.
“Art. 5° - Para que a família, por si ou por seus mandatários, possa desobrigar-se
do encargo de educar a prole, compete ao Estado oferecer-lhe os suprimentos de
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recursos técnicos e financeiros indispensáveis, seja estimulando a iniciativa
particular, seja proporcionando ensino oficial gratuito ou de contribuição
reduzida”.
ROMANELLI fez observar a intencionalidade velada de angariar recursos do
governo em forma de apoio à família. Neste substitutivo, foi possível observar o claro
propósito de favorecer a iniciativa privada. Isso ficou mais visível ainda no
“Art. 7° - O Estado outorgará igualdade de condições às escolas oficiais e às
particulares:
a) pela representação adequada das instituições educacionais nos órgãos de
direção de ensino;
b) pela distribuição das verbas consignadas para a educação entre as escolas
oficiais e as escolas particulares, proporcionalmente ao número de alunos
atendidos;
c) pelo conhecimento, para todos os fins, dos estudos realizados nos
estabelecimentos particulares (1978, p. 174).”
Essas questões causaram polêmicas entre os analistas do projeto e provocaram a
insurgência de um grupo que lançou a Campanha em Defesa da Escola Pública, liderada
pelos educadores da velha geração dos Pioneiros. Do grupo, podem-se destacar: Fernando
de Azevedo, Almeida Junior, Carlos Mascaro, João Villa Lobos, Fernando Henrique
Cardoso, Laerte Ramos de Carvalho, Roque Spencer Maciel de Barros, Wilson Cantoni,
Moisés Brejon, Maria José G. Werebe, Luiz Carranca, Anísio Teixeira, Jayme Abreu,
Lourenço Filho, Raul Bittencourt, Carneiro Leão, Abgar Renault. Esse grupo apresentou
um substitutivo, através do Deputado Celso Brant, semelhante ao anteprojeto primitivo.
De acordo com Romanelli, as forças conservadoras se mostravam contrárias ao
ensino público e gratuito. Este, seguindo o princípio da democracia, possibilitaria à
população o acesso à participação na vida econômica e política do País; já bastava para
assustar os conservadores. As lutas do grupo “pró-Defesa”, contra a implantação do projeto
e para apoio à escola privada, foram evidenciadas. Fernando de Azevedo, relator do
primeiro Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), também redigiu o segundo
Manifesto dos Educadores (1959). Assinado por 189 pessoas – educadores, intelectuais e
estudantes –, este reafirmava os princípios da Escola Nova, mas tratando principalmente do
aspecto social da educação, dos deveres do Estado Democrático e do direito à escola para
todos.
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Embora Anísio Teixeira tivesse sido convidado para participar do grupo de debate
sobre o anteprojeto, acabou não nomeando os autores dos substitutivos. Para efeitos de
análise, ele dividiu em três segmentos o anteprojeto:
a) Os títulos I e II definem o direito à educação e os fins da educação. São
dispositivos gerais, mais ou menos felizes, na sua redação, e decorrentes do
texto constitucional;
b) O título III distribuía competência de assegurar o direito à educação – nos
termos também da Constituição – aos poderes públicos, e previa, em linhas
gerais, a administração federal do ensino;
c) O título IV – que era a chave da lei – dispunha sobre os sistemas de ensino.
Estes seriam: o sistema federal de ensino de caráter supletivo, os estaduais, o do
Distrito Federal. Nem sequer se cogitava em sistemas municipais (1976, p. 181).
Menciona-se aqui apenas a história de um projeto. Exorbita das intenções deste
trabalho tratar da questão da multiplicidade ou não dos projetos de Lei.
2. 3 – Finalmente, a Lei.
Em 20 de dezembro, o projeto foi transformado em Lei, Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – n°. 4024 –, pelo Presidente João Goulart, com veto a 25
dispositivos, que foram posteriormente aprovados pelo Congresso Nacional. A partir de
1961, com base na “velha” Lei, assim chamada por ter permanecido em discussão tão
longo tempo, as escolas brasileiras passaram a ter maior liberdade na elaboração de
programas e no desenvolvimento de conteúdos de ensino. Foi propiciada a criação de
setores especializados nas escolas para coordenar suas atividades.
3. DUALISMOS EM DEBATE: ESCOLA PÚBLICA E ESCOLA PRIVADA
NA LDB DE 1961 E NO PERÍODO SUBSEQÜENTE
3 . 1 – Dualismo e dualismos segundo uma educação crítica
No Brasil – do Império, da República Velha, da Era Vargas, e até 1961 –, persistiu
a dualidade no Ensino Secundário de Segundo Ciclo, hoje Ensino Médio. De um lado,
ensino de caráter propedêutico, voltado para as minorias da elite; de outro lado, ensino
profissional, pois o Brasil se preparava para acompanhar os rumos da revolução industrial.
Foram definidas as “Leis Orgânicas do Ensino Profissional”, propiciando grandes eventos
como a criação do SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (1942) –, e a
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criação do SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (1946). A partir de
1942, de acordo com ROMANELLI, o ensino profissional se consolidou no Brasil,
promovido por Lei Orgânica. Nessa Lei, ficava claro que o objetivo do ensino secundário e
do ensino normal seria o de formar as elites condutoras do País; e o objetivo do ensino
profissional seria a formação adequada dos filhos dos operários, dos desvalidos da sorte e
dos menos afortunados. Mas, o ensino se voltava a dar conteúdos mínimos para as classes
populares, sem lhes permitir acesso ao Ensino Superior.
Esta dualidade persistiu até a promulgação da LDB nº. 4024/61. A partir de então,
ficou estabelecida a equivalência entre os cursos propedêutico e profissionalizante,
abrindo-se, também este, para o Ensino Superior. A formação do pensamento estrutural
escolar brasileiro, porém, não se desvinculava do contexto social e prosseguia como
reflexo de uma época que se estabelece como industrial, comercial, exportadora e
desenvolvimentista. Também havia a diversidade cultural, os regionalismos, o processo de
mobilidade do homem do campo para os centros urbanos como elementos que
colaboravam para a implantação do modelo de escola então apresentado. Sem dúvida,
existia uma escola para pobres e outra para a elite. IANNI (1994, p. 91-92) apontou as
causas sociais que definiam tais padrões escolares:
“As crescentes diversidades sociais estão acompanhadas de crescentes
desigualdades sociais. Criam-se e recriam-se as condições de mobilidade social
horizontal e vertical (...). As lutas sociais polarizam-se em torno do acesso à
terra, emprego, salário, condições de trabalho na fábrica e na fazenda, garantias
trabalhistas, saúde, habitação, educação, direitos políticos, cidadania”.
O dualismo ainda comportava melhores análises. Em educação, o dualismo2 entre
elite e grupos populares já esteve presente nas origens do Brasil Colônia, se afirmou no
Brasil Império e veio fortalecer-se na Primeira e na Segunda República. A educação
escolar continuou associada à posição social, favorecendo só alguns privilegiados, que a
ela mantiveram acesso para conservar o próprio status quo. Anísio Teixeira apontou o
Estado como principal mantenedor da educação pública, mas foi um Estado que ofereceu
2 Autores têm usado este termo para distinguir a Educação Intelectual e a Educação Técnica, ou ainda uma
Educação para pobres e uma Educação para ricos. Dentre eles, também citamos JAGUARIBE, Brasil,
Reforma ou Caos (terceira edição em 1989, e que já foi mencionado por IANNI, 1994, p. 91). Podemos
encontrar estudos aprofundados em BAUDELOT E ESTABLET (1971).
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um mínimo de treinamento indispensável para a vida do cidadão comum, e na medida das
necessidades do desenvolvimento industrial.
Anísio Teixeira descrevia essa divisão na escola, de forma que um sistema se
compunha de “escola primária”, “primária superior”, “escolas normais” e “escolas de arte e
ofícios”, conduzindo as classes populares ao trabalho e a um ofício. Para as classes mais
privilegiadas, o ensino previa as classes primárias, o liceu, as escolas profissionais e a
universidade, todas visando à ascensão social do indivíduo. A posição classificatória,
determinada na matrícula, já definia as condições sócio-econômicas do candidato. As
classes menos privilegiadas aprenderiam a trabalhar. Aos alunos das classes sociais mais
elevadas, apenas interessava uma carreira brilhante; logo, nem a escola acadêmica buscava
resultados a partir de eficiência ou conforme critérios de excelência.
O segundo sistema ensino, se inclinava, como se viu, para a escola secundária3.
Como se posicionava o Estado perante cada um dos sistemas? O primeiro promovia a
educação pública para as escolas populares e de trabalho, e o Estado se punha como o
responsável pela legislação e não investia na profissionalização ou no encaminhamento
rumo ao ensino superior. Quanto ao segundo sistema, o Estado legislava e generosamente
lhe atribuía o objetivo de conduzir à Universidade, impingindo-lhe um caráter de
superioridade. Assim, o Estado permitia que os colégios particulares se equiparassem aos
oficiais, com prestação de exames válidos para a assunção de cargos públicos. A esse
propósito, ROMANELLI (1978), discutindo a organização do ensino secundário em dois
ciclos, o primeiro chamado ginasial e o segundo subdividido em clássico e científico,
lembra que, no contexto histórico da implantação da LDB/61, a ênfase recaía sobre o
ensino da ciência como superação da religião.
Pode-se examinar este conflito de que aqui se trata por ângulos diferentes, mas
WANDERLEY (1989, p.33) abordou o conflito gerado pelo dualismo como conflito
necessário, pois
“(...) as exigências de novas qualificações e habilidades (...), o processo
educativo usado como meio dos setores dominantes para a sua dominação
política e controle social, entre outros fatores, desenvolveram as características
fundamentais da educação nas sociedades modernas”.
3 ROMANELLI discorre sobre o ensino secundário, apontando as principais medidas legais e finalidades.
Citam-se: a promulgação de tal ensino pela Lei Orgânica do Ensino Secundário, decreto-lei n°. 4244, com o
objetivo de formar nos adolescentes sólida cultura geral, elevar e acentuar a consciência patriótica e
humanística, e dar preparação intelectual geral para que possa servir de base a estudos mais elevados da
formação, por exemplo, a superior e a formação de lideranças.
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3. 2 – As lutas ideológicas entre escola pública e particular
O debate se articulou em torno do conflito entre os defensores da escola particular e
os defensores da escola pública. Os primeiros, em geral agrupados em torno da Igreja
Católica, defendiam uma concepção religiosa e humanista do ensino, e até reclamavam um
financiamento público para a educação particular, de modo a garantir a "liberdade de
escolha" dos pais. Os outros, em seus movimentos progressistas e laicos, previam que
apenas uma escola pública haveria de assegurar as mesmas chances educativas para todos
os cidadãos brasileiros.
Segundo ROMANELLI, a luta pela escola pública e laica foi elemento importante
das reformas educacionais. Esse tipo de escola foi defendido pelos educadores do
movimento renovador da educação, movimento de caráter político e econômico, ssegundo
o qual o Estado assume a educação. Conforme essa proposta, a Igreja católica perderia
prerrogativas várias. Os intelectuais católicos, portanto, pregavam a religião católica como
suporte para o ensino, no que dizia respeito à ordem e à moral e a princípios sedimentados
nos hábitos. A Igreja Católica oficial questionou a educação renovadora:
“(...) Consistia, sobretudo, no risco de extensão de educação escolarizada a
todas as camadas, com evidente ameaça para os privilégios até então
assegurados às elites. Insurgindo-se contra as reivindicações do movimento
renovador, a Igreja Católica tomou o partido da velha ordem e, com isso, da
educação tradicional" (ROMANELLI, 1978, p. 144).
Cury, analisando algumas bases da oposição entre católicos e reformistas, procurou
explicitar que os que se manifestavam contrários ao pensamento científico empregavam a
justificativa de que esse pensamento afastava de Deus e levava ao ateísmo. Na verdade, os
chamados reformadores estiveram mais preocupados com as seguintes questões
educacionais: expansão da escola pública; ensino gratuito; metodologia de ensinoaprendizagem;
desenvolvimento da ciência, móvel dos avanços tecnológicos propagados
em escala mundial. Tinham uma concepção antropocêntrica, e, tomando o homem pelo
homem, eram pessoas envolvidas com o mundo terreno e social da existência e “com o
quadro científico e social que fundamenta o papel da educação numa sociedade industrial e
democrática” (1984, p.137). Acirrada nos anos 50 e 60, a discussão, ainda se perpetua. O
ensino privado não estava somente vinculado à escola confessional, mas esta foi a que
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definiu o mercado universitário, os cursos de maior ou menor concorrência e o público que
a eles teria acesso.
Esta pesquisa apenas resumiu algumas reflexões acerca do debate sobre ensino
público e privado. Fica aberto, ainda, o desafio a analisar o quadro do magistério,
especificamente, em função de outro dualismo: ensino técnico-profissionalizante e ensino
propedêutico. Sem o que não se conseguirá aprofundar, na escola pública e entre seus
defensores, o significado do domínio do capital econômico que define hegemonias, em
especial de grupos da alta classe média.
CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS FINAIS
Em nossas escolas, se observam propostas e atitudes, bem como metodologias,
calcadas nos princípios da Escola Nova. Ela contribuiu com alguns legados, dentre os
quais foram estes os mais importantes: dar voz ao aluno; desenvolver o pensamento
científico dentro das instituições escolares. Não é possível nem pensá-la
descontextualizada de um momento histórico, nem achar que já esteja completamente
superada. Não foi por acaso que os próprios soviéticos chegaram a ter momentos de
simpatia para com ela, o que se mostrou num convite a John Dewey para que visitasse a
União Soviética. Visita que, entretanto, resultou em pouca coisa. A Escola Nova sofreu e
ainda sofre muitas críticas por aplicar-se a uma minoria privilegiada.
Os seguidores da Escola Nova dizem ser a característica dessa tendência oferecer
um humanismo centrado na existência, na vida e na atividade. A existência precederia a
essência. Mas SAVIANI objeta que, quando essa filosofia sublinha que a educação é
centrada na criança, pode levá-la de volta à essência, uma vez que o homem é considerado
completo desde o seu nascimento e acabado até morrer. Para ele, o escolanovismo admite a
existência de formas descontínuas de educação juntamente com processos contínuos e
obedientes a um esquema pré-definido, uma ordem lógica. Saviani encerra sua crítica ao
movimento da Escola Nova nesta afirmação:
“A escola surge, então, como o grande instrumento de realização dos ideais
liberais. Forja-se, a partir da segunda metade do século XIX a idéia de escola
‘redentora da humanidade’ (...) pretende reformular internamente o aparelho
escolar, inspirada na concepção humanista moderna. (...) a escola nova surge,
pois, como um mecanismo de recomposição da hegemonia da classe dominante,
hegemonia essa ameaçada pela crescente participação política das massas,
viabilizada pela alfabetização através da escola universal e gratuita. Ao enfatizar
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a ‘qualidade do ensino’, a escola nova desloca o eixo de preocupações do
âmbito político (relativo à sociedade em seu conjunto) para o âmbito técnicopedagógico
(relativo ao interior da escola), cumprindo, ao mesmo tempo, uma
dupla função: manter a expansão da escola nos limites suportáveis pelos
interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses
interesses. Com isso, a escola nova, ao mesmo tempo em que aprimorou a
qualidade do ensino destinado às elites, forçou a baixa da qualidade do ensino
destinado às camadas populares, já que sua influência provocou o afrouxamento
da disciplina e das exigências de qualificação nas escolas convencionais” (1989,
p. 21-24).
Anísio Teixeira, desde que entrou no cenário da educação, tentou contrapor-se a um
modelo elitista vigente até então. Discutindo as mudanças, segundo ele necessárias à
educação brasileira, afirmou que as oportunidades seriam ofertadas ao aluno de acordo
com suas capacidades. Aos autores desta pesquisa, a assertiva pareceu reclamar por melhor
análise. Teixeira limitava o sujeito e suas capacidades ao submetê-lo a um ajuizamento de
quem o avaliasse. É preciso discutir o psicológico, o caráter subjetivo intrínseco do
avaliador, seus valores e crenças; portanto, não só as capacidades do indivíduo, mas,
sobretudo, os processos de exclusão que poderiam resultar desse critério classificatório,
desse processo voltado para a sedimentação da classe hegemônica burguesa.
A comparação com a escola tecnicista, que, logo após 64, chegou trazida em carros
de guerra, não projetou luz favorável à Escola Nova. As duas tendências se associavam.
Talvez se deva dizer que a tecnicista é, historicamente, exacerbação burguesa do poder;
mas sempre se mostra taylorista, o que consistia no próprio da Escola Nova. Não obstante
as diferenças entre Escolas Novas, e não obstante os esforços por levar educação às classes
menos privilegiadas, o modelo é o modelo empresarial da racionalidade e da
produtividade. Não há como justificá-la. Existem interesses maiores de grupos minoritários
que, especialmente, trabalham para si.
Oportuno lembrar as escolas particulares. Muitas pertenciam a religiosos.
Acontece, porém, terem sido comunitárias em sentido forte. Ora, vários analistas
conscientes e de fé convicta, e até não crentes de esquerda, assumiram que a crítica não
teria sido dirigida sempre e diretamente à religião, mas àquilo que da religião e dos
religiosos pôde ser feito. Requer-se melhor análise do problema, mesmo em razão da
experiência histórica de lado a lado; na verdade, também existe engajamento histórico
respeitável de grupos educacionais religiosos. O que mais tem podido ressaltar é a autoRevista
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justificação das operosas minorias burguesas, de amor e generosidade somente útil à
manutenção de uma situação social vigente. No debate educacional, é mesmo fundamental
que se explicitem participativamente as diferentes posições; é necessário que, mais do que
uma coordenação do alto, apareça um senso mais vivo de vigilância das camadas
populares.
PALAVRAS-CHAVE: História da Educação, Escola Nova, dualidade, interesses, debate.
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