quinta-feira, 26 de abril de 2012

EMPRENDEDORISMO

DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES Comissão para o Setor Privado& Desenvolvimento RELATÓRIO PARA O SECRETÁRIO GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS 1° de março de 2004 As análises e recomendações de políticas deste Relatório não refletem necessariamente as opiniões do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, de sua Diretoria Executiva ou dos Países Membros das Nações Unidas.O Relatório é uma publicação independente, feita pelo PNUD, e reflete o pensamento dos membros da Comissão para o Setor Privado e Desenvolvimento. Direitos reservados (2004): Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento One United Nations Plaza, New York, NY 10017, USA Todos os direitos reservados.Nenhuma parte desta publicação será reproduzida, armazenada ou transmitida, para qualquer finalidade e de qualquer forma, eletrônica, mecânica, fotocópia ou outro meio, sem a permissão prévia do PNUD. MEMBROS DA COMISSÃO CO-PRESIDÊNCIAS Honorável Senhor Paul Martin Primeiro Ministro, Canadá Ernesto Zedillo Diretor, Centro Universitário de Yale para Estudos da Globalização Ex-Presidente, México MEMBROS MEMBROS EX-OFFICIO Maurice Strong (Canadá) Conselheiro Especial da Comissão Mark Malloch Brown (Reino Unido) Administrador, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento SUPLENTES Debra Dunn, para Carleton Fiorina (Estados Unidos) Vice-Presidente Sênior de Assuntos Corporativos, Companhia Hewlett-Packard Michael Froman, para Robert Rubin (Estados Unidos) Presidente e CEO, CitiInsurance SECRETARIADO DA COMISSÃO Diretor Executivo: Nissim Ezekiel Equipe Principal: Jan Krutzinna, Naheed Nenshi,Yann Risz e Sahba Sobhani Eduardo Aninat (Chile) Ex-Diretor Administrativo Adjunto Fundo Monetário Internacional Jorge Castañeda (México) Ex-Ministro das Relações Exteriores, México Professor Emérito de Políticas e Estudos da América Latina, Universidade de Nova Iorque Luisa Diogo (Moçambique) Ministra do Planejamento e Finanças, Moçambique Carleton Fiorina (Estados Unidos) Presidente e CEO, Companhia Hewlett-Packard Rajat Gupta (Índia) Sócio Sênior - Global McKinsey & Company Anne Lauvergeon (França) Presidente do Conselho Executivo, Areva Group Presidente e CEO, Cogema Jannik Lindbaek (Noruega) Presidente, Statoil ASA Peter McPherson (Estados Unidos) Presidente,Michigan State University Alan Patricof (Estados Unidos) Vice-Presidente do Conselho de Administração e Fundador, Apax Partners Kwame Pianim (Ghana) CEO,Novo Mundo Investimentos C.K. Prahalad (Estados Unidos) Professor de Administração de Empresas Titular da Cadeira Harvey C. Fruehauf Faculdade de Administração, Universidade de Michigan Robert Rubin (Estados Unidos) Diretor e Presidente do Conselho Comitê Executivo, Citigroup Ex-Secretário do Tesouro, Estados Unidos Miko Rwayitare (África do Sul) Presidente e Diretor Executivo, Telecel International Proprietário da Vinícola Mont Rochelle Juan Somavia (Chile) Diretor Geral, Organização Internacional do Trabalho Hernando de Soto (Peru) Presidente, Instituto para Liberdade e Democracia, Peru liminar a pobreza, aspiração primordial dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, é maior prioridade de desenvolvimento do século 21. Apesar do enorme progresso feito nos últimos 50 anos, 1,2 bilhões de pessoas (a quinta parte da população mundial) subsistem com menos de um dólar por dia, sem acesso a muitos dos serviços sociais considerados básicos para uma vida digna. Esta situação penosa requer uma resposta global, que utilize todos os recursos financeiros, intelectuais e organizacionais que possamos reunir. Diante deste quadro desolador, o Secretário Geral Kofi Annan desafiou a Comissão para Setor Privado e Desenvolvimento a responder duas perguntas: Como podemos desencadear o potencial do setor privado e do empreendedorismo, nos países em desenvolvimento? Como o setor privado pode ser engajado no combate à pobreza? O presente relatório é a nossa resposta a essas interrogações. O Relatório oferece recomendações sobre como os atores principais – governos, instituições públicas de desenvolvimento, o setor privado e as organizações da sociedade civil (ONGs) – podem alterar abordagens e estratégias para reforçar significativamente a capacidade do setor privado de promover o desenvolvimento. PRÓLOGO E DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES i Foto: Sonya Laurence Green/PNUD Somália O objetivo de combater a pobreza nos leva a focar no desenvolvimento de negócios que criam empregos e riqueza na economia nacional, potencializando a capacidade dos empreendedores locais. Traçamos um plano ambicioso para nossa tarefa, que se completou em pouco mais de um semestre desde nosso primeiro encontro em junho de 2003. Nossa intenção não foi a de realizar pesquisa básica: já se encontram em andamento muitas iniciativas de pesquisa, e as principais agências de desenvolvimento, fundações privadas e instituições acadêmicas vêm direcionando sua energia para analisar as contribuições do setor privado ao desenvolvimento. Ao invés disso, nossa abordagem consistiu em compreender e assimilar o trabalho já feito por todas as partes da coalizão para o desenvolvimento – incluindo empresas, sindicatos e organizações da sociedade civil – e integrar nossas conclusões ao marco aqui apresentado. A voz do empresariado se fez muito presente nos trabalhos da Comissão, expressa através de suas ações e respostas às ambiciosas consultas realizadas para entender o que mais afeta sua capacidade de produzir e crescer. É a capacidade, o ímpeto e a inovação dos empreendedores que, conjuntamente, ampliam o impacto do setor privado amplamente constituído. As ações do empresariado abrangem as diretivas de gestores de multinacionais e de grandes empresas nacionais, mas também as de indivíduos que operam informalmente em pequenas comunidades. Demos a suas vozes nossa maior atenção. A Comissão procurou destacar uma ampla gama de exemplos e boas práticas, que mostram como as estratégias do setor privado podem ser direcionadas para a causa do desenvolvimento e da redução da pobreza. Dentre tais experiências, incluem-se iniciativas de sucesso originadas a partir de atores tradicionais de desenvolvimento, como os organismos multilaterais de desenvolvimento e as agências de cooperação bilateral. Porém, freqüentemente, destacamos abordagens menos conhecidas, porém inovadoras, desenvolvidas e implementadas pelo setor privado, tanto por empresas quanto por organizações da sociedade civil. Estes métodos baseiam-se em mecanismos de mercado e em incentivos do setor privado, tornando-os mais facilmente replicáveis e ampliáveis, como acreditamos ser necessário fazer. Uma de nossas principais constatações é a escassez de conhecimento sobre boas práticas, gerando a necessidade de melhores pesquisas e análises sobre o que funciona e o que não funciona. Nossa conclusão preliminar foi de que não bastaria que esta Comissão produzisse um relatório tradicional, do tipo em que se declaram opiniões e conclama-se outros para a ação. Pelo contrário, consideramos fundamental elaborar uma série de iniciativas e ações piloto, que testassem nossas principais observações e conclusões, de tal forma que sua correspondência com o universo real do desenvolvimento pudesse ser demonstrada. Essa é a razão pela qual o relatório se encerra apresentando um repertório ilustrativo de ações, que serão detalhadas nos próximos meses, para serem brevemente implementadas como projetos piloto. Algumas destas ações poderiam ser impulsionadas pelo Sistema das Nações Unidas, outras por seus parceiros e partes interessadas. As iniciativas propostas não são suficientes. Nós as apresentamos como orientação acerca dos tipos de ações que consideramos que podem e devem ser replicadas, para que haja o maior impacto possível. Tampouco cremos que cada uma destas ações constitua-se num modelo perfeito. As peculiaridades de cada país nos exigirão modificações nas iniciativas, assim como em algumas de nossas recomendações gerais, para adaptá-las a cada situação concreta. Nossas idéias e conclusões são apresentadas como diretrizes que propiciam um diálogo construtivo. O intuito é catalisar uma coalizão renovada entre os principais atores envolvidos, centrada nos desafios aqui apresentados. Tal coalizão é essencial para desencadear o potencial do setor privado, atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e combater a pobreza. ii DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES Paul Martin Ernesto Zedillo Co-Presidente Co-Presidente Foto: Luc Anh/PNUD trabalho da Comissão não teria sido possível sem a participação e a contribuição de muitas pessoas e organizações.Desejamos expressar nossa sincera gratidão a todos aqui mencionados. AGRADECIMENTO ESPECIAL... À McKinsey & Company, que ofereceu informações e assessorament à Comissão e seu Secretariado durante todo o projeto. A equipe de Maria Blair,Michael Monson e Mark Templeton, que foi conduzida por Tilman Ehrbeck, Diana Farrell, Jeremy Oppenheim e Les Silverman. A Jennifer Barsky, Prabal Chakrabarti e Irene Philippi que também deram contribuições vitais para o trabalho do Secretariado. LEITORES E ESPECIALISTAS Nosso trabalho recebeu contribuições de muitos que nos precederam, e outros muitos que nos brindaram generosamente com seu tempo e conhecimento para ajudar-nos a consolidar nossas idéias. Dentre eles: AGRADECIMENTOS DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES iii O Adrian Hodges, Fórum Internacional de Líderes Empresariais; Lalita Gupte,Mahdav Kalyan e K. V. Kamath, Banco ICICI; Nandan Nilekani e Sanjay Purohit, Infosys Ltd.; Percy S. Mistry, Oxford International Group; Richard Frank, Bob Graffam, Julio Lastres e Alexander Schwedelheim, Darby Overseas Investments Ltd; Michael Barth, Companhia Holandesa de Financiamento ao Desenvolvimento; Nancy Bearg, Enterprise Works; Gary Bond, Noreen Doyle e Michael McCullough, Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento; Cameron Rennie, Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável; Enrique Ferraro, Jim Kaddaras e Maria Otero, Accion; Jide Zeitlin, Goldman Sachs; Masood Ahmed, David Stanton e Adrian Wood, Departamento Internacional para o Desenvolvimento, Reino Unido; Professores Michael Chu, Calestous Juma, Tarun Khanna, George Lodge, Michael E. Porter, Iqbal Quadir e Deborah Spar, Universidade de Harvard; Michael Fairbanks, On the Frontier; Craig Wilson, DeltaPearl; Elli Kaplan; Benjamin Krutzinna; Neysan Rassekh; Alex Shakow; George Ivanov; Eleonore Kopera, Fórum Humanitário de Negócios; Barbara Samuels, Samuels Associates; Donald Snodgrass, Development Alternatives, Inc.; Elizabeth Littlefield, CGAP; Bill Kramer, Instituto de Pesquisa da Água; Hugh Locke, Locke Associados; Bill Draper, DraperRichards; Joaquim Boborquez; Maria Cattaui Livanos e William Stibravy, da Câmara Internacional de Comércio; Robert Litan, Robert Chernow, Fundação Ewing Marion Kauffman; Professores John McMillan e Paul Milgrom, Universidade de Stanford; Christopher Woodruff, Universidade da Califórnia, San Diego; Professor Jonathan Morduch, Universidade de Nova Iorque; Jeb Brugman e Craig Cohon, GlobalLegacy; Bob Fitch, Enterplan; Daniel Zelikow, JP Morgan; Kenny Pegram e Ray Smilor, Fundação para o Desenvolvimento de Empresas; Sunil Sinha, Emerging Market Economics; Roland Dominicé e Jean-Philippe de Schrevel, BlueOrchard; Professor Roger Leeds, Universidade Johns Hopkins; Professor Ted London, Laboratório de Estudos sobre a Base da Pirâmide da Universidade da Carolina do Norte; John Richardson e Sevdalina Rukanova, Centro das Fundações Européias; Kenneth Borghese, John E.Wasielewski, Agência Internacional de Desenvolvimento dos Estados Unidos; S. Aftab Ahmed, Sabine Durier,Mariann Kurtz, Guy Pfeffermann, Harold Rosen, Thomas Schipani, Bernard Sheahan e Udayan Wagle, Corporação Financeira Internacional; Gerard Byam, Cesare Calari, Gerard Caprio, Arvind Gupta, Jemal-ud-din Kassum, Michael Klein, Khalid Mirza, Francois Nankobogo, Neil Roger, Marilou Uy and Dileep Wagle, Banco Mundial; Gerald T.West, Fundo Multilateral para Garantia de Investimentos; Jonathan Fiechter and Prakash Loungani, Fundo Monetário International; Karen Decker and Arvind Mathur, Banco de Desenvolvimento da Ásia; Nancy Boswell, Transparência Internacional; Antonio Vives, Banco Inter- Americano de Desenvolvimento; e Ric Cameron e Arthur Saper, Agência de Desenvolvimento Internacional do Canadá. CONSULTAS O Secretariado da Comissão efetuou quatro consultas formais com representantes internacionaos do trabalho; fundações européias, acadêmicos, organizações canadenses da sociedade civil. Nosso agradecimento aos anfitriões dessas consultas, incluindo a Organização Internacional do Trabalho e o Centro Europeu de Fundações, assim como aos participantes das consultas, dentre os quais encontram-se: Bob Kyloh, da delegacia sindical da Organização Internacional do Trabalho; Raul Requena, Rede Internacional de Sindicatos;Wendy Caird, Internacional de Serviços Públicos; Carla Coletti, Federação Internacional dos Metalúrgicos; Esther Busser, Confederação Internacional dos Sindicatos Livres; Sándor Köles, Fundação Carpathian; Matthieu Vanhove, Cera Holding; William White, Charles Fundação Stewart Mott; Dario Disegni, Compagnia di San Paolo; Charles iv DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES Buchanan, Fundação Luso- Americana; Michael Brophy, Help for All Trust; Luc Tayart de Borms, Fundação King Baudouin; Michel Bourges Maunaury, Madariaga Fundação Européia; Raymond Georis e Alexandre Kirchberger, Rede das Fundações Européias para Cooperação em Inovação; Ineke Derkzen, Fundação Rabobank; John Mroz, Instituto Leste-Oeste; Charles Maynes, Fundação Eurásia; John Wyn Owen, Nuffield Trust; David Dollar, Banco Mundial; Michael Klein, Grupo Banco Mundial; Raymond Fisman, Universidade de Columbia; Florencio Lopez-de- Silanes, Universidade de Yale; Nazeer Aziz Ladhani, Fundação Aga Khan; Gerry Barr, Conselho Canadense para a Cooperação Internacional; John Watson, CARE Canadá; Patricia McCullagh, Ric Cameron e Arthur Saper, Agência de Desenvolvimento Internacional do Canadá; Michel Chaurette, Centro Canadense para Estudos Internacionais e Cooperação; Pam Foster, Iniciativa Halifax; Molly Kane, Inter Pares; Robert Letendre, Organização Católica Canadense para o Desenvolvimento e a Paz; Mark Fried e Rieky Stuart, OXFAM Canadá; Roy Culpeper, Instituto Norte-Sul; e Kathy Vandergrift, Visão Mundial do Canadá. NAÇÕES UNIDAS Muitos dentro da grande família das Nações Unidas generosamente nos concederam seu tempo e seu conhecimento, incluindo: Michael Henriques e Stephen Pursey da Organização Internacional do Trabalho;Wilfried Luetkenhorst e sua equipe na Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial; Georg Kell e sua equipe, do Global Compact; e Antti Piispanen, Lorraine Ruffing, Karl Sauvant e a equipe da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento. Nosso agradecimento também a John McArthur e sua equipe do Projeto Milênio; e aos colegas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD): Zéphirin Diabré, Administrador Adjunto; Bruce Jenks, do Departamento de Recursos e Parcerias Estratégicas, e quem forneceu a orientação geral do PNUD ao projeto; Sanjay Gandhi, Connie Gratil, Sirkka Korpela e Casper Sonesson, também do Departamento de Recursos e Parcerias Estratégicas; Kalman Mizsei do Departamento para a Europa e CIS; Shoji Nishimoto do Departamento de Políticas de Desenvolvimento; Hafiz Pasha do Departamento para a Ásia e o Pacífico; a equipe do Escritório do Administrador, em especial Gilbert Houngbo, Lauren Canning, Alan J. Lee e Mark Suzman; Djibril Diallo, Victor Arango, Carmen Higa, Hyacinth Morgan e William Orme do Departamento de Comunicação do Administrador; Christina Barrineau, Normand Lauzon e Peter Kooi do Fundo de Desenvolvimento de Capitais das Nações Unidas; e Bibi Amina Khan e Golda Kruss, que deram suporte ao Secretariado da Comissão. EDIÇÃO, DESIGN E PRODUÇÃO Por fim, agradecemos profundamente àqueles que nos ajudaram com a edição, a produção e a tradução, sempre trabalhando com prazos reduzidos: Bruce Ross-Larson e Meta de Coquereaumont, Elizabeth McCrocklin, Thomas Roncoli e Christopher Trott, da Cia. de Desenvolvimento de Comunicações.; Julia Dudnik-Ptasznik da Colonial Comunicações; Michel Coclet; Edward Ranney Carta, da EurOz Tecnologias; Thomas Barbush e a equipe da Gráfica Moore Wallace- Hoechstetter; Kaika Clubwala da A.K. Suprimentos para Escritórios; e Elizabeth Scott Andrews, Naeem Arastu, Sokhna Diouf, Françoise Gerber, Rajeswary Iruthayanathan, Maureen Lynch e Jeremy Owens, do PNUD. Finalmente, gostaríamos de agradecer o Escritório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, em especial ao seu Representante Residente Carlos Lopes, e à equipe que nos prestou inestimável suporte para a produção, lançamento e distribuição no Brasil e nos demais países de língua portuguesa, da versão em português do relatório: Marielza Oliveira, Karla Parra, Denise Kipmann, Narue Shiki e Wilson Soares. AGRADECIMENTOS v ÍNDICE MEMBROS DA COMISSÃO PRÓLOGO i AGRADECIMENTOS i i i DESTAQ U E S 1 CAPÍTULO 1 . POR QUE O SETOR PRIVADO É TÃO IMPORTANTE PARA A REDUÇÃO DA POBREZA 5 A extrema pobreza persiste 6 O setor privado é importante para os pobres...e, muitas vezes, é constituído pelos pobres 7 Quem são os empresários? 8 O foco no setor privado nacional 9 CAPÍTULO 2 . RESTRIÇÕES AO S E TOR PRIVADO NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO 11 Informalidade generalizada entre as microempresas 12 Poucas empresas pequenas e médias são competitivas 13 A ausëncia de pressão competitiva sobre as grandes empresas 14 Bases para o empreendedorismo—ainda por construir 14 Os três pilares do empreendedorismo—normalmente inexistentes 17 CAPÍTULO 3 . COMO DESENCADEAR O PODER DO SETOR PRIVADO 21 Construindo as bases 23 Erguendo os pilares 24 CAPÍTULO 4 . ENGAJANDO O SETOR PRIVADO NO DESENVOLVIMENTO 29 Servindo os mercados na base da pirâmide 30 Formando um ambiente favorável e construindo redes 30 Fomentando parcerias público-privadas para o desenvolvimento sustentável 33 Aprimorando a governança corporativa 34 Avançando as práticas empresariais responsáveis e os padrões de responsabilidade social corporativa 34 CAPÍTULO 5 . AÇÕES RECOMENDADAS 37 Ações na esfera pública: criando um ambiente favorável 38 Ações na esfera público-privada: associações e inovação 40 Ações na esfera privada: mobilizando capacidades e recursos 41 Olhando para o futuro 42 NOTA BIBLIOGRÁFICA 43 BIBLIOGRAFIA 45 QUADROS Quadro 1.1 Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio 7 Quadro 3.1 O setor privado da Costa Rica — um bom exemplo 27 Quadro 4.1 Recursos inexplorados, para o desenvolvimento do setor privado 30 Quadro 4.2 O potencial da base da pirâmide 32 FIGURAS Figura 1.1 Mais investimentos — maior crescimento 7 Figura 1.2 Quatro bilhões de pessoas forman a base da pirâmide 8 Figura 2.1 A informalidade cresce nos países mais pobres 12 Figura 2.2 Na medida em que os países enriquecem, pequenas e médias empresas tornam-se mais importantes e a informalidade menos importante 13 Figura 2.3 Bases para o setor privado e pilares do empreendedorismo 15 Figura 2.4 Empresas de países de baixa renda suportam maiores encargos para se formalizarem 17 Figura 3.1 Fortalecendo a eficácia das ações de desenvolvimento do setor privado tradicional 22 Figura 4.1 Contribuições do setor privado para o seu próprio desenvolvimento 30 Figura 5.1 Ações em três áreas centrais 38 Foto: Pedro Cote/PNUD Comissão acredita que qualquer programa de desenvolvimento do setor privado – assim como recomendações de ações e políticas que o acompanham – deve estar embasado na consciência de que a poupança, os investimentos e a inovação que conduzem ao desenvolvimento são efetuados majoritariamente por indivíduos, corporações e comunidades. O setor privado pode reduzir a pobreza ao contribuir para o crescimento econômico, a criação de empregos e a geração de renda para a população pobre. Também pode empoderar a população pobre, ao oferecer um vasto espectro de produtos e serviços a preços mais baixos. Pequenas e médias empresas são criadoras de emprego, representando sementes para a inovação e o empreendedorismo. No entanto, em muitos países pobres, pequenas e médias empresas têm relevância marginal no ecoistema nacional. Um número significativo delas opera de forma ilegal, contribuindo para a ampliar a informalidade e reduzir a produtividade, e lhes falta financiamento e capital de longo prazos, bases necessárias à construção de empresas viáveis. DESTAQUES DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES 1 A A Comissão acredita que a responsabilidade principal para atingir o crescimento e o desenvolvimento eqüitativos é dos países em desenvolvimento, e consiste em criar as condições que possibilitem a obtenção dos recursos financeiros necessários para efetuar investimentos. Essas condições – a governabilidade, as políticas macro e microeconômicas, as finanças públicas, o sistema financeiro e outros elementos fundamentais do ambiente econômico de um país – são, em grande parte, determinadas pelas ações dos responsáveis pela formulação de políticas. Seu desafio consiste em capitalizar os avanços da estabilidade macroeconômica e da democracia, e assim iniciar reformas que produzam mais mudanças nos marcos institucionais e que, por sua vez, potencializam e estimulam o setor privado. A maior parte das ações recomendadas implica em colaboração entre os atores sociais. Quando os governos implementam mudanças nas políticas, normalmente o fazem com o apoio e participação direta das instituições multilaterais de desenvolvimento. Quando o setor privado adota uma postura mais ativa no processo de desenvolvimento sustentável, muitas vezes o faz em resposta a posicionamento da sociedade civil, que chama a atenção para o tema. Quando os governos implementam reformas regulatórias, podem efetuá-las em consulta direta a representantes do setor privado. As ações específicas identificadas neste relatório devem ser entendidas no contexto desta ampla cooperação – cada vez mais necessária para combater a pobreza. Existem três áreas de grande interesse para nós, quais sejam: 1.Na esfera pública, promover reformas na legislação, na regulação e em outras barreiras ao crescimento. 2.Na esfera público-privada, facilitar a cooperação e as parceiras entre atores públicos e privados, de forma a ampliar o acesso a fatores determinantes, tais como financiamento, capacitação e serviços básicos. 3.Na esfera privada, estimular o desenvolvimento de modelos de negócios que podem ser expandidos e reproduzidos, e que sejam comercialmente sustentáveis. AÇÕES NA ESFERA PÚBLICA: CRIANDO UM AMBIENTE PROPÍCIO A criação de um ambiente propício ao desenvolvimento inclui medidas para reduzir participação do setor informal na economia, através de reforma do ambiente geral favorável à economia formal. Para os governos dos países em desenvolvimento Reforma dos marcos regulatórios e fortalecimento do estado de direito. Os governos dos países em desenvolvimento devem externar um compromisso forte e definitivo para com o desenvolvimento sustentável do setor privado, combinando este compromisso com um esforço genuíno para reformar o ambiente regulatório e eliminar as barreiras artificiais, oriundas de políticas que restringem o crescimento econômico. Formalizar a economia. Os governos dos países em desenvolvimento precisam enfocar a criação de condições para reduzir a informalidade e assim, no longo prazo, alterar a composição do ecosistema do setor privado. Engajar o setor privado nas políticas. Os governos precisam criar uma parceria verdadeira com os representantes do setor privado nacional, de forma a por em prática as mudanças e assegurar que a voz do setor privado inclua as vozes das micro, pequenas e médias empresas. Para os governos dos países desenvolvidos Fomentar um ambiente macroeconômico internacional e um regime de comércio favoráveis. Com o objetivo de promover o rápido crescimento do investimento privado nacional, é essencial aumentar o fluxo da cooperação para o desenvolvimento e reformar o sistema de comércio global, a fim de oferecer oportunidades econômicas justas aos produtores dos países em desenvolvimento. Redirecionar as estratégias operacionais das instituições e agências multilaterais e bilaterais de desenvolvimento. Ao encorajar o desenvolvimento sustentável do setor privado, os países desenvolvidos precisam assegurar que as ações coletivas dessas agências serão melhor coordenadas, de forma a auamentar sua eficiência e reduzir a pressão exercida sobre a capacidade administrativa dos governos dos países em desenvolvimento. 2 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES Desatar os nós do financiamento. São desejáveis certas mudanças nas regras administrativas que regem fundos vinculados, para que um uso e uma prestação de assistência técnica mais efetivos estimulem o desenvolvimento do setor privado. Para as instituições multilaterais de desenvolvimento Aplicar a recomendação de Monterrei sobre especialização e associação, para as atividades de desenvolvimento do setor privado. A significativa sobreposição de atividades é contraproducente e precisa urgentemente ser abordada. Tratar o problema da informalidade nos países em desenvolvimento. Há um trabalho pioneiro em marcha, para descrever a estrutura do setor informal, e um esforço global para expandir a cobertura deste trabalho poderia alcançar benefícios significativos. AÇÕES NA ESFERA PÚBLICO-PRIVADA: ASSOCIAÇÕES E INOVAÇÃO A Comissão considera necessário que todas as partes façam esforços coordenados nos âmbitos financeiro, de capacitação e de parcerias públicoprivadas para a prestação de serviços essenciais. Facilitar o acesso a maiores opções de financiamento. Visualizamos o desenvolvimento contínuo dos mercados financeiros nacionais, acoplado à capacitação de reguladores e de instituições financeiras privadas. Contribuir para o desenvolvimento de capacidades e conhecimentos. Ações de construção de capacidades poderiam abranger desde programas para lideranças públicas e privadas, passando pelo treinamento de microempreendedores, até colaboração com autoridades públicas e sindicatos para melhorar a capacitação de trabalhadores. Facilitar o fornecimento sustentável de serviços básicos, principalmente energia e água.Neste campo, a Comissão observa a necessidade de que se desenvolvam modelos inovadores que fomentem parcerias entre provedores de serviços governamentais, multinacionais e empresas locais. AÇÕES NA ESFERA PRIVADA: MOBILIZANDO CAPACIDADES E RECURSOS A Comissão acredita que o setor privado – e, em especial, grandes empresas nacionais e multinacionais - precisa estar consciente de que pode contribuir para acelerar o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza. Para o setor privado Canalizar a iniciativa privada para os esforços de desenvolvimento. Acreditamos que o setor privado tem um potencial imenso para contribuir com o desenvolvimento, por meio do seu conhecimento, especialização, recursos e relacionamentos. Desenvolver vínculos entre multinacionais e grandes empresas nacionais, para fortalecer pequenas empresas. Os elos estabelecidos entre os diferentes tipos de empresas, em países em desenvolvimento, oferecem um canal efetivo para proporcionar às empresas locais o acesso a mercados, financiamento e conhecimentos técnicos. Fomentar oportunidades de negócios em mercados localizados na base da pirâmide. Outra ação vital que pode ser feita pelo setor privado, tanto nacional quanto internacional, consiste em reconhecer as necessidades dos mercados da base da pirâmide (os 4 bilhões de pessoas que ganham menos de US$1.500/ano), criando soluções inovadoras para atender essas necessidades. Estabelecer padrões. O setor privado precisa ter um compromisso real com o desenvolvimento sustentável, prestando especial atenção à governabilidade e à transparência das empresas. Para as organizações do trabalho e da sociedade civil. A Comissão considera que as organizações do trabalho e da sociedade civil devem continuar exercendo seu papel de observadores críticos da agenda de desenvolvimento – e de facilitadores e apoiadores de abordagens inovadoras para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e melhorar as condições de vida das pessoas pobres. Aumentar a responsabilidade no sistema. Este é um elemento fundamental do trabalho das organizações da sociedade civil, assim como de sua liderança em disseminar o conceito de desenvolvimento sustentável. Esse trabalho deve ser fortalecido. DESTAQUES 3 Desenvolver novas parcerias e relações para atingir objetivos comuns. As organizações da sociedade civil são as que se encontram mais próximas da base da pirâmide. Elas também são, por muitas vezes, instrumentos de experimentação de novas tecnologias para solução de problemas. OLHANDO PARA O FUTURO Para fomentar o progresso, a Comissão recomenda que as Nações Unidas promovam o acompanhamento do desenvolvimento do setor privado. Um relatório anual de progresso manteria a proeminência das recomendações gerais da Comissão e asseguraria o compromisso em tratar os diversos problemas a aqui identificados. A Comissão está preparando uma primeira série de iniciativas viáveis, que propiciam as transformações em países específicos, e provêem as ferramentas para que governos e setor privado complementem os recursos disponíveis e iniciem rapidamente a implementação de um programa de mudanças. Essas primeiras ações têm o intuito de estimular respostas colaborativas de potenciais parceiros que venham a ler este relatório. Nossa mensagem a todos vocês é: juntem-se a nós. 2 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES Foto: Boris Missirkov Este relatório nos leva a percorrer um vilarejo humilde num dia qualquer, e nos permite enxergar os empreendedores em sua labuta diária. Nos conscientiza de que o pequeno empreendedor é um elemento tão importante do setor privado quanto uma corporação multinacional, fazendo-nos reconhecer que o setor privado já ocupa uma posição central na rotina das pessoas pobres, e que detém o poder de melhorar suas vidas. Nos orienta a fazer uso das inovações tecnológicas, organizacionais e gerenciais do setor privado, para melhorar as condições de vida dos pobres. Portanto, o tema central deste relatório é como desencadear o poder dos empreendedores locais para reduzir a pobreza em suas comunidades e nações. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, ambiciosos em magnitude e alcance, só podem ser atingidos se estabelecermos o compromisso de aplicar as melhores práticas e conhecimentos. O problema é gigantesco, com um quinto da população mundial subsistindo com menos de um dólar por dia, porém exemplos CAPÍTULO 1 POR QUE O SETOR PRIVADO É TÃO IMPORTANTE PARA A REDUÇÃO DA POBREZA E DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES 5 de empresas privadas que contribuem para reduzir a pobreza nos encorajam a ser otimistas. Considere as exportações de roupas por Bangladesh, de tecnologia da informação pela Costa Rica, e de flores pelo Quênia – novas indústrias gerando empregos, aumentando a renda, fazendo a esperança crescer. Considere, ainda, as seguintes experiências de sucesso, abrangendo desde modernas multinacionais até empreendedores nacionais, que demonstram o potencial do retorno privado para fomentar o desenvolvimento: ■ A Cemex, uma empresa cimenteira mexicana, tornou-se uma das principais produtoras e inovadoras mundiais do seu setor, empregando milhares de pessoas. ■ As Casas Bahia, no Brasil, desenvolveram um modelo de negócios único, através do qual ofertam serviços de varejo eficientes a consumidores pobres. ■ A Infosys, uma empresa indiana de serviços de tecnologia da informação, cresceu, de um faturamento inferior a US$ 10 milhões no início de 1990, até se tornar uma líder mundial, com faturamento atual de quase US$ 800 milhões, ao mesmo tempo que estabeleceu padrões internacionais de governança corporativa e criou uma nova parceria para o desenvolvimento com os governos local e central. ■ O Banco ICICI, também da Índia, emprega tecnologia e uma abordagem integrada de toda a sua variada carteira de clientes – particularmente em mercados rurais, micro, pequenas e médias empresas. ■ No Camboja, centenas de pequenos fornecedores privados oferecem serviços que vão desde a recarga de baterias até a provisão de energia elétrica a comunidades inteiras. Esses fornecedores atendem, hoje, um total estimado de 115 mil consumidores, mais de um terço dos consumidores de energia elétrica do País. ■ A forte competição entre empresas privadas de telefonia na Somália contribuiu para reduzir o custo das ligações internacionais a menos de um dólar por minuto, cerca de um sexto do que custa em muitos outros países africanos. Isso ocorre em um país onde não há sistema postal ou bancário oficial, e onde muitos não têm acesso à água encanada ou eletricidade. ■ Na Guatemala, a Confederação de Cooperativas Agrícolas formou uma joint venture com uma empresa canadense, que hoje exporta mais de três milhões de dólares/ano em vegetais para o Canadá, gerando uma renda estável para 100 mulheres indígenas e sustento para mais de mil produtores rurais. ■ Em Moçambique, um produtor rural comprou, financiada, uma prensa para extração de óleo de semente. Hoje em dia, dono de quatro prensas para extração de óleo, ele se uniu a nove outros operadores de prensas numa cooperativa que negocia em grupo com bancos e compradores locais. ■ Na Índia, pequenos produtores de soja usam um pequeno quiosque de acesso à Internet para conferir os preços de seu produto no website da Bolsa de Chicago, eliminando intermediários locais e obtendo preços melhores. Esses exemplos não são apenas histórias de sucesso, são histórias sobre o sucesso do setor privado nacional, e o tema central deste relatório. Porém, sair do “caso de sucesso” para chegar a resultados significativos requer uma nova forma de pensar o desenvolvimento, que não seja limitada pelas ideologias ou viciada por debates exaustivos. A EXTREMA POBREZA PERSISTE Apesar dos progressos em alguns países e regiões, a extrema pobreza persiste como um problema de difícil solução na maior parte do mundo. Ganhos substanciais em alguns países são acompanhados por grandes perdas em outros, e o número de pessoas que continua a ganhar menos de um dólar por dia, e a sofrer com a fome e a falta de água, saneamento e energia, ainda é enorme. O último Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) informa que o percentual de pessoas vivendo na extrema pobreza caiu de 29,6% em 1990 para 23,2% em 1999. Porém, o número de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia diminuiu somente de 1,29 bilhões para 1,17 bilhões, em uma década. Ademais, se a fantástica melhoria nos indicadores de pobreza da China forem excluídos, verificamos que o número de pessoas vivendo em condições de extrema pobreza na realidade cresceu. Nos anos recentes, a redução da pobreza tornou-se o tema central do diálogo mundial, ocupando o lugar de 6 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES principal objetivo do desenvolvimento, ao invés de resultado deste processo. A Declaração do Milênio constituiu-se numa expressão de solidariedade e determinação sem precedentes, comprometendo países ricos e pobres a erradicar do mundo a pobreza, promover a dignidade e a igualdade humanas e alcançar a paz e a sustentabilidade ambiental. A declaração resultou no consenso acerca dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (Quadro 1.1). O progresso é possível, e ocorre regularmente quando existem condições adequadas. O crescimento econômico permitiu que milhões de pessoas deixassem a economia de subsistência, inserindo-se nos setores industrial e de prestação de serviços, o que contribuiu para aumentar a riqueza e reduzir a pobreza. Basta ver o progresso dramático , em termos de qualidade de vida, alcançado pelo conjunto de países do leste asiático que inclui Indonésia, Coréia, Malásia e Tailândia e a redução considerável no número de pessoas pobres na China. O impacto geral que o crescimento econômico exerce sobre a pobreza depende de uma gama de fatores que influenciam a natureza do próprio crescimento, mas as evidências empíricas são convincentes. No leste da Ásia e no Pacífico, a região com as maiores taxas de crescimento dos anos 90, um crescimento de 6,4% ao ano do PIB per capita resultou numa redução de 15% na taxa de pobreza (medida pelo critério de US$ 2 diários). No sul da Ásia, um crescimento anual de 3,3% produziu um declínio de 8,4% na pobreza. Em contraste, o baixo crescimento da América Latina e do Caribe, de 1,6%, e de 1,0% no Oriente Médio e Norte da África, levou a uma redução apenas marginal das taxas de pobreza. Como exemplo mais grave, as taxas negativas de crescimento da África subsaariana e dos países da Europa e Ásia Central resultaram em aumentos na pobreza de 1,6% e de 13,5%, respectivamente. A mensagem é clara: o crescimento sustentado reduz a pobreza. A conexão entre o crescimento econômico e o forte investimento privado, é igualmente clara. Um estudo de 50 países em desenvolvimento, de 1970 a 1998, examinou a relação entre investimentos privados e públicos, de um lado, e crescimento e renda, de outro. Países com maior crescimento eram os que desfrutavam de maiores investimentos privados (Figura 1.1). Porém, para que o crescimento da produção contribua para combater a pobreza, o mesmo precisa resultar em renda para os pobres. A quantidade de empregos e o valor dos salários são elementos cruciais para trabalhadores CAPÍTULO 1: POR QUE O SETOR PRIVADO É TÃO IMPORTANTE PARA A REDUÇÃO DA POBREZA 7 1. A erradicação da extrema pobreza e da fome: reduzir pela metade a proporção das pessoas vivendo com menos de um dólar por dia; reduzir à metade a proporção de pessoas sofrendo com a fome. 2. O alcance da educação primária: assegurar que todos os meninos e meninas completem o curso primário. 3. A promoção da igualdade de gênero e o fortalecimento da mulher: eliminar a disparidade de gênero na educação primária e secundária até 2005, e em todos os níveis de educação até 2015. 4. A redução da mortalidade infantil: reduzir em dois terços os índices de mortalidade das crianças abaixo de cinco anos. 5. Aprimoramento da saúde maternal: reduzir em três quartos o índice de mortalidade materna. 6. Combate ao HIV/AIDS, malária e outras doenças: conter e reverter a disseminação do HIV/AIDS; conter e reverter a disseminação da malária e outras grandes doenças. 7. Assegurar a sustentabilidade ambiental: integrar os princípios do desenvolvimento sustentado nas políticas e programas nacionais; reverter a perda de recursos naturais; reduzir pela metade a proporção de pessoas sem acesso sustentável a água potável e saneamento básico; atingir melhora significativa nas vidas de pelo menos 100 milhões de habitantes de bairros degradados até 2020. 8.Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento. QUADRO 1.1 OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO FIGURA 1 . 1 MAIS INVESTIMENTOS—MAIS CRESCIMENTO 16 14 12 10 8 6 4 2 0 < 3% 3–5% > 5% Taxas de Crescimento, 1970–98 ■ Privado ■ Público Investimentos em Percentual do PIB, 1970–98 Fonte: Bouton and Sumilinski (2000) assalariados e contratados. Para os autônomos, produtividade e retorno, fatores influenciados pela tecnologia, pelos insumos e pelos preços, são fundamentais. Assim, o emprego é o vínculo principal entre o crescimento da produção e a redução da pobreza. O SETOR PRIVADO É IMPORTANTE PARA OS POBRES... E, MUITAS VEZES, É CONSTITUÍDO PELOS POBRES O setor privado é crucial na vida das pessoas pobres. Em primeiro lugar, todos os pobres são consumidores. A história se repete em todo o mundo: os consumidores pobres pagam mais que os consumidores ricos por serviços básicos. Em Mumbai, habitantes das favelas de Dharavi pagam 1,2 vezes mais pelo arroz, 10 vezes mais por remédios e 3,5 vezes mais por água do que os moradores da Avenida Bhulabhai Desai, bairro de classe média localizado no outro extremo da cidade. Cerca de quatro bilhões de pessoas - aquelas que ganham menos de US$ 1.500 por ano -formam os mercados da base da pirâmide (Figura 1.2). A qualidade dos bens que as pessoas pobres adquirem - seja comida, água ou serviços financeiros – é, quase sempre, inferior. Em geral, um setor privado que opera na informalidade é que se encarrega de preencher as lacunas, com produtos de preços mais altos e qualidade duvidosa. E atende necessidades importantes, pois é a economia informal que sustenta a maioria das famílias pobres em muitos países. Porém, as vantagens das economias de escala e de escopo estão presentes nas vidas de quem se encontra na base da pirâmide. Algumas das barreiras são processos deficientes de marketing e distribuição. O setor privado já atende as necessidades dos pobres onde o governo não chega. Em certos países, por exemplo, o governo tem pouco impacto sobre os pobres. As favelas não possuem serviços de saúde, educação pública ou infra-estrutura. Esta história se repete por todo o mundo em desenvolvimento. Em muitos casos, quando os serviços existem, são oferecidos pela iniciativa privada. De 15% a 90% da educação primária é fornecida por escolas privadas. Aproximadamente 63% dos gastos com saúde efetuados nos países mais pobres ocorre no âmbito privado, quase o dobro dos 33% que este gasto representa nos países ricos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Com as devidas atenção e regulamentação, os serviços oferecidos pelo setor privado podem contribuir para atender as demandas da população pobre. Dados recentes sobre novas ligações de água, em três países da América Latina, mostram que entre 25 e 30% da expansão da rede se destina ao atendimento do quintil mais pobre da população. Em resumo, um setor privado inovador pode encontrar formas de ofertar bens e serviços de custo baixo (mesmo os mais sofisticados) a consumidores de todos os níveis de renda. Ele pode atender tanto áreas urbanas deprimidas quanto vilarejos e comunidades rurais humildes. Empresas podem desenvolver canais de distribuição para consumidores em vilarejos e, assim, ampliar seu conhecimento sobre as reais necessidades deste segmento de mercado. Para reduzir custos, pode utilizar a terceirização, que propicia 8 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES F I G U R A 1 . 2 QUATRO BILHÕES DE PESSOAS NA BASE DA PIRÂMIDE > $20,000 $1,500–20,000 < $1,500 Camada 1 Camada 2–3 Camada 4 75–100 1,500–1,750 4,000 Paridade de poder de compra em dólares População em milhões Fonte: Prahalad and Hammond (2002) maior flexibilidade. Assim, o setor privado pode aliviar a pobreza via: ■ Contribuição para o crescimento econômico, contribuindo para gerar emprego e renda. ■ O poder que atribui aos pobres ao oferecer serviços e bens de consumo, ao aumentar sua gama de opções, e ao reduzir preços, melhorando a qualidade de vida das pessoas pobres. A maior interação entre os que estão na base da pirâmide e o setor privado cria oportunidades para o envolvimento direto na economia de mercado. QUEM SÃO OS EMPREENDEDORES? A Comissão adota uma visão expansiva do setor privado. As grandes empresas constituem uma parte indispensável da economia privada, mas os próprios pobres são igualmente importanted. Muitas vezes, eles mesmos são os empreendedores, frequentemente por necessidade, exercendo uma atividade informal e amarrados a negócios precários. Nós compartilhamos a visão de que ambientes empresariais orientados para o mercado abrangem diversas formas de empresas privadas, que coexistem em relações simbióticas. O ecosistema geralmente inclui corporações multinacionais, grandes empresas nacionais, micro, pequenas e médias empresas, com atores formais e informais. Portanto, encompassa tanto os pequenos agricultores quanto as multinacionais. A agricultura suscita um interesse especial, pois 75% das pessoas que vivem com menos de um dólar por dia estão na zona rural, e sua produção é majoritariamente de subsistência. Na África, a agricultura sustenta mais de 70% da população, contribuindo com 30% do PIB. O fornecimento de insumos para o setor agrícola, e a agregação de valor a produtos agrários, através de processamento e marketing, são mecanismos importantes de desenvolvimento do setor privado. A relevância crítica do setor agrícola para o combate à pobreza reforça a necessidade de progresso urgente na eliminação dos subsídios auferidos por produtores de mercados desenvolvidos, e na reforma das regras comerciais. Em muitos países em desenvolvimento, as mulheres constituem a maioria dos microempreendedores da economia informal, e um percentual significativo do setor formal. Muitas delas são analfabetas e vivem em comunidades rurais pobres. Constituir suas próprias empresas - geralmente microempresas - é geralmente a única possibilidade de obterem trabalho e auferirem renda. Na América Latina e no Caribe, de 25% a 35% das micro, pequenas e médias empresas formais pertencem e são conduzidas por mulheres. Nas Filipinas, 44% das microempresas pertencem a mulheres, mais de 80% das quais estão em zonas rurais. No Zimbábue, as mulheres dirigem a maioria das micro e pequenas empresas (67%), ao passo que as empresas conduzidas por homens tendem a proporcionar a maior parte da renda familiar e a ter mais empregados. Também são empreendedores os executivos de grandes empresas, que toman a iniciativa de inovar e expandir os negócios. Este relatório ressalta muitos exemplos de grandes empresas que buscaram os mercados da base da pirâmide, e desenvolveram produtos e processos para atender os pobres de forma lucrativa ou operar de forma sustentável em ambientes desafiadores. Iniciativas individuais de engenheiros e executivos estão, muitas vezes, na raiz destes movimentos por parte das grandes corporações, que podem ter grande impacto positivo sobre o desenvolvimento. O empreendedorismo também é força motriz em muitas organizações da sociedade civil, além de existir no governo e nas administrações públicas. Alguns indivíduos nestas organizações sentem o ímpeto de inovar e aproveitar as oportunidades que se apresentam, com a mesma paixão e dedicação de um empreendedor, apesar do pouco ou nenhum retorno financeiro. Talvez onde o empreendedorismo mais prospere seja nas pequenas e médias empresas com alto potencial de crescimento e inovação. Esse segmento dinâmico é tipicamente a incubadora do empreendedorismo e da inovação, dirigindo o crescimento econômico, criando empregos e fomentando a competitividade, a inovação e a produtividade. O FOCO NO SETOR PRIVADO NACIONAL Nos centramos aqui no setor privado nacional por 3 razões principais. Primeiro, os recursos nacionais são muito maiores que os externos, sejam reais ou potenciais. Investimentos privados nacionais alcançaram médias entre 10 e 12% do PIB nos anos 90, ao passo que os investimentos públicos nacionais mantiveram-se em 7% e os investimentos estrangeiros diretos (IED), entre 2 e 5%. Segundo, quando examinamos os recursos CAPÍTULO 1: POR QUE O SETOR PRIVADO É TÃO IMPORTANTE PARA A REDUÇÃO DA POBREZA 9 10 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES informais, como o valor potencial da terra, a riqueza nacional que pode ser alavancada é significativamente maior que os IED acumulados, ou das carteiras de investimentos privados. Terceiro, o impulso dado aos recursos nacionais de uma economia -tanto financeiros quanto empresariais – normalmente cria condições para um crescimento mais estável e sustentável. Estimativas dos ativos nacionais nos países em desenvolvimento alcançam $ 9,4 trilhões, valor que representa muitas vezes o valor dos fluxos de carteiras de investimento, ou de IED para os países em desenvolvimento, nos últimos 15 anos. Essas comparações, de fluxos com ativos, são apenas ilustrativas. Converter os ativos informais em recursos financeiros requer um programa amplo de reformas que possibilitem o uso destes ativos como garantias ao sistema bancário. Não obstante, deve-se ter em mente o gigantesco valor destes ativos. Por exemplo, estudos recentes efetuados no Egito concluiram que o país dispõe de uma economia informal vibrante e imensa, que emprega mais de 8 milhões de pessoas (cerca de 40% da força de trabalho) e que possui ativos no valor de quase $ 250 bilhões, montante este que representa 30 vezes a soma do valor de mercado de todas as empresas listadas na Bolsa de Valores do Cairo. Esse interesse no setor privado nacional não significa atribuir pouca importância ao IED. Além dos recursos financeiros que o IED aporta, a penetração da cultura empresarial contribui para modificar a maneira pela qual os negócios são feitos, transmite conhecimentos e melhores práticas gerenciais, oferece acesso a mercados internacionais, transfere tecnologia e inovações, introduz pressão competitiva em mercados antes protegidos, e constitui um impulso ao crescimento das empresas locais. Nessas circunstâncias, o IED pode melhorar todo o ambiente de investimento. Os países em desenvolvimento possuem energia e riquezas em abundânica, e todos os segmentos do setor privado demostraram que podem responder quando se ampliam suas capacidades. Porém, segundo as investigações da Comissão, o setor privado enfrenta três desafios estruturais fundamentais em todos os países em desenvolvimento, mesmo que em diferentes medidas: ■ Microempresas, e muitas pequenas e médias empresas, operam informalmente. ■ Muitas pequenas e médias empresas encontram barreiras para crescer. ■ A ausência de pressão competitiva protege as grandes empresas das forças de mercado e da necessidade de inovar e aumentar sua produtividade. CAPÍTULO 2 RESTRIÇÕES AO SETOR PRIVADO NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO O DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES 11 Foto: PNUD Cuba INFORMALIDADE GENERALIZADA ENTRE AS MICROEMPRESAS O microempreendedorismo é uma forma comum de emprego em muitos países em desenvolvimento (Figura 2.1). Quase todas as microempresas trabalham fora do sistema legal, contribuindo para difundir a informalidade. A informalidade oferece alguns benefícios, em determinadas circunstâncias. Pode servir como um substituto do emprego, para trabalhadores que encontram dificuldades em conseguir um posto de trabalho. Por exemplo, os tailandeses urbanos que perderam seus empregos durante a crise econômica do final dos anos 90, passaram a se sustentar por meio de oportunidades no comércio ambulante informal. Nas sociedades que limitam a participação das mulheres na economia, empresas familiares oferecem oportunidades às mulheres de auferir renda. Se as regras formais, sistemas de controle e condições culturais são tão restritivas que a maior parte dos empreendedores ficam impossibilitados de usar seus talentos, a economia pode se beneficiar se passam a operar informalmente. As dificuldades de acesso a financiamentos também obrigam os empresários dos países em desenvolvimento a trabalhar operações de pequena escala. Empreendedores e empresas que operam informalmente não conseguem empréstimos a custos razoáveis porque não possuem registros legais nem títulos de propriedade dos imóveis que ocupam. Freqüentemente, a única opção de acesso ao capital é por meio de agiotas, que cobram juros altos e só podem emprestar pequenas quantias, insuficientes para impulsionar o crescimento de uma empresa . O acesso das empresas informais ao sistema legal e a seus benefícios é limitado. Em geral, o sistema formal deveria respeitar contratos e proteger direitos de propriedade de forma mais justa do que ocorre em sistemas informais. Regras previsíveis e mecanismos de resolução de controvérsias são essenciais para que os empreendedores se engajem em negócios de longo prazo, que possibilite a eles inovar, ganhar experiência e difundir conhecimentos e benefícios. Propina paga a agentes públicos, que contribui para reduzir a incerteza no mundo incerto em que estes empreendedores operam, diminui a renda que poderia, de outra forma, ser investida em aumentar a produtividade das operações. Sistemas informais de controle, cruéis e arbitrários, também limitam a capacidade produtiva dos empreendedores. As prisões por dívidas e punições ao estilo da máfia prejudicam o pleno acesso do empreendedor a recursos humanos essenciais. De acordo com Hernando de Soto, um terço dos devedores egípcios que obtiveram crédito informalmente, passaram algum tempo em cárcere privado, por não terem quitado o que deviam. Os empreendedores que operam formalmente se vêem prejudicados pelos subsídios implícitos que as empresas informais recebem por meio das desigualdades na aplicação das leis e por mecanismos precários de proteção à propriedades e aos contratos, os quais geram distorções competitivas. Ambos os aspectos criam um ambiente desigual e reduzem o acesso de empreendedores formais a insumos e mercados, o que os desencoraja a investir para aumentar a produtividade. Empresas informais podem cobrar preços menores pois não pagam impostos nem cumprem outras obrigações regulamentares. Aquelas empresas formais que são mais produtivas têm dificuldades em aumentar sua participação no mercado na disputa com empresas informais, já que as primeiras pagam impostos e outras contribuições que aumentam significativamente seus custos. Empresas mais produtivas estão menos aptas a tirar empresas informais menos produtivas do mercado. Assim, mecanismos ineficientes de controle permitem que empresas informais continuem existindo, impedindo que 12 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES F I G U R A 2 . 1 A INFORMALIDADE CRESCE NOS PAÍSES POBRES Portugal Chile Mexico Tailândia,Turquia, Brasil Índia, Indonésia, Paquistão, Filipinas África subsaariana Estimativa de trabalhadores não agrários do setor informal 30 38 40 50 70 80 Fonte: Banco Mundial e Organização Internacional do Trabalho empresas produtivas atinjam escala máxima. Ainda assim, dada a significativa vantagem em produtividade de empresas formais, sua inabilidade em competir pode simplesmente estar refletindo a mávontade em atender certos segmentos de mercado, ao invés de demonstrar as vantagens de custo oferecidas pela informalidade. Além disso, os direitos e a proteção dos trabalhadores do setor informal deixam muito a desejar em comparação com o que ocorre no setor formal, e os consumidores - que só podem adquirir bens de qualidade e segurança duvidosas - carecem de acesso à maior variedade e aos menores preços existentes em mercados realmente competitivos. Há muitas restrições à entrada no setor formal. A principal questão é a relação entre custos e benefícios para o empreendedor, que precisa escolher entre conduzir operações formais e informais. Na maior parte dos países em desenvolvimento, a formalidade custa caro. Agentes formais são frequentemente sobretaxados (um círculo vicioso, uma vez que eles são sobretaxados porque poucas empresas formais carregam a maior parte do peso dos impostos). O registro de uma empresa pode ser um processo longo e caro (na Angola, por exemplo, essa operação leva 146 dias e custa mais de oito vezes a renda per capita). A regulação e as exigências do governo são complexas - e o custo de atendêlas, alto. As oportunidades de suborno crescem com a complexidade da regulação, deixand indefesos aqueles agentes econômicos menores, que não possuem acesso a recursos jurídicos. Além disso, os empreendedores vêem poucos benefícios em se formalizarem. Enquanto as empresas formais nos países desenvolvidos podem levantar capital ao hipotecar seus ativos, isso não é possível em muitos países em desenvolvimento, onde as leis hipotecárias são fracas e os bancos relutam em financiar pequenos agentes econômicos. Em teoria, a formalidade facilitaria vender em mercados além das fronteiras nacionais, mas a precária infra-estrutura local e a corrupção nas alfândegas limitam as oportunidades. E a legislação de falências, que protege as empresas formais em países desenvolvidos é, muitas vezes, ineficiente nos países em desenvolvimento, expondo os empreendedores formais a riscos maiores (devido à visibilidade maior) do que aqueles que eles enfrentariam se permanecessem no setor informal. POUCAS EMPRESAS PEQUENAS E MÉDIAS SÃO COMPETITIVAS Pequenas e médias empresas tendem a ser grandes geradoras de empregos, pois representam o embrião da inovação e empreendedorismo. Ao entrarem no mercado e aumentarem a competição, PME impulsionam a eficiência e o cresciment, e promoverm o desenvolvimento. De fato, algumas pesquisas recentes indicam que o crescimento econômico em países pobres é acompanhado por um crescimento mais do que proporcional na parcela do setor formal representada pelas pequenas e médias empresas. Nos países de menor renda, as pequenas e médias empresas formais respondem por cerca de 30% dos empregos e 17% do PIB, ao passo que em países com renda elevada esses percentuais são de 60% e 50%, respectivamente. Ou seja, os países mais ricos apresentam menos atividade informal e muito mais atividade de pequenas e médias empresas (Figura 2.2). A realidade em muitos países pobres, especialmente na África Subsaariana, é que o setor das pequenas e médias empresas é relativamente marginal no ambiente nacional. Por que as pequenas e médias empresas não conseguem “ascender” ao nível de empresas maiores? Para que essa evolução seja possível, é essencial que as condições sejam razoavelmente justas, e que existam estruturas institucionais de suporte entre os atores já estabelecidos (normalmente maiores) e os recémchegados (quase sempre menores). As regras que restringem a entrada a expansão no mercado têm um efeito contracionista para as pequenas e CAPÍTULO 2 : RESTRIÇÕES AO S E TOR PRIVADO NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO 13 Países de baixa renda Países de renda intermediária Países de alta renda ■ Atividade Informal ■ Atividade das pequenas e médias empresas ■ Atividade remanescente Fonte: Ayyagari, Beck, and Demirguc-Kunt (2003) Percentual do PIB FIGURA 2.2 PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS TORNAM-SE MAIS IMPORTANTES E A INFORMALIDADE MENOS IMPORTANTE À MEDIDA QUE OS PAÍSES ENRIQUESSEM 47 16 37 31 39 30 13 51 36 médias empresas, favorecendo as grandes corporações já estabelecidas. Pequenas e médias empresas poderiam competir efetivamente em nichos de mercados, mas as vantagens desfrutadas pelos grandes atores estabelecidos impedem a competição advinda do setor das pequenas e médias empresas. Sem os custos razoáveis derivados de sistemas competitivos justos, pequenas e médias empresas não podem crescer e se tornar mais produtivas. São ainda penalizado por legislações tributárias arbitrárias ou ineficientes, regulamentações onerosas aos negócios e outras restrições. A informalidade generalizada e a ausência de capacitação e financiamento também são fatores que afetam a capacidade dos empreendedores de fazerem seus negócios crescer. As pequenas e médias empresas, apesar de normalmente animadas por idéias inovadoras ou pelas oportunidades representadas por mercados inexplorados, sofrem com a menor produtividade dos fatores de produção, seja o uso de tecnologias ultrapassadas ou a utilização de recursos humanos menos qualificados. O custo dos serviços de suporte empresarial é normalmente mais alto do que as pequenas e médias empresas são capazes de custear, ou não estão em sintonia com suas necessidades. As exportações mais baixas das pequenas e médias empresas decorrem, em grande parte, da falta de acesso ao conhecimento dos padrões internacionais de qualidade. O mais importante é que pequenas e médias empresas carecem de acesso a financiamento e capital de longo prazos, bases sobre as quais as companhias são erguidas. O alto risco associado a pequenas e médias empresas, seja real ou percebido, existe pela ausência de instrumentos de financiamento que permitem administrar e diversificar este risco. Os bancos também enfrentam altos custos, ou não conseguem obter informações confiáveis, mesmo quando as pequenas e médias empresas sejam merecedoras de crédito. Esses fatos elevam as taxas de juros e reduzem os volumes emprestados, estabelecendo barreiras de preço e quantidade para o crescimento das pequenas e médias empresas. Tais empresas acabam sendo obrigadas a recorrer a empréstimos de familiares ou de amigos, a utilizar lucros retidos ou crédito de curto prazo oferecido por outros pequenos compradores ou fornecedores, ao invés de poder contar com linhas de crédito de longo prazo, oferecidas por grandes instituições, voltadas para usos específicos. A AUSÊNCIA DE PRESSÃO COMPETITIVA SOBRE AS GRANDES EMPRESAS As grandes empresas formam o nódulo central das redes e dos arranjos produtivos locais e, em razão de seu tamanho e da amplitude de atividades empresariais em que se envolvem, fornecem a centelha que energiza o ambiente competitivo. Mas em muitos países em desenvolvimento, as grandes empresas podem também sufocar os esforços e a iniciativa empreendedora. Muitas vezes, elas se aproveitam de ambientes institucionais fracos para levantar barreiras anticompetitivas e assim proteger sua posição de vantagem. Enquanto mercados informais locais podem funcionar normalmente sem muita regulamentação, mercados mais maduros e complexos precisam de regras apropriadas para um funcionamento eficaz. Um setor financeiro dinâmico, no qual as novas empresas podem obter financiamento em termos competitivos, é também importante para criar pressão competitiva no mercado. Entretanto, empresas com posição protegida nesses mercados normalmente têm fortes incentivos para usar seus instrumentos de pressão e atrasar o progresso das iniciativas de governo destinadas a melhorar a infraestrutura institucional dos mercados. Práticas desse tipo prejudicam diretamente as pessoas pobres, pois resultam em preços mais altos e produtos de qualidade inferior. As pessoas pobres se beneficiaram enormemente da abertura de mercados competitivos, na Índia, no início dos anos 90. Antes disso, a população estava subsidiando a maior parte do setor privado, que vendia produtos de baixa qualidade por altos preços, graças ao controle da entrada de competidores no mercado doméstico, e a severas quotas e tarifas de importação. Políticas anticompetitivas como essas são normalmente perpetuadas por estranhas alianças entre as grandes empresas protegidas e as pessoas pobres, que temem perder seus empregos em um mercado competitivo. A corrupção, aliada a um sistema legal fraco e arbitrário, sustenta as empresas protegidas em prejuízo das potencialmente mais competitivas. As protegidas recebem subsídios, licenças especiais ou privilégios que preservam sua posição e reduzem o incentivo à inovação e redução de preços. Essas firmas são responsáveis por incentivos perversos a fornecedores sem competitividade, mesmo quando existem fornecedores mais competitivos. Um ambiente macroeconômico precário encoraja gastos desnecessários e retarda o 14 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES crescimento da produtividade das empresas competitivas. Essas empresas podem, também indiretamente, impedir que competidores tenham acesso a capital, ao contribuir para um ambiente que mantém o financiamento pouco desenvolvido. As grandes empresas, portanto, controlam a maior parcela dos recursos existentes em um sistema financeiro pouco desenvolvido. BASES PARA O EMPREENDEDORISMO — AINDA POR CONSTRUIR A construção de um setor privado forte requer uma base sólida nos macroambientes globais e nacionais, na infra-estrutura física e social e no estado de direito (Figura 2.3). Macroambiente global As bases para o crescimento no setor privado começam por um ambiente macroeconômico que funcione bem, envolva uma economia global dinâmica, abasteça os mercados e promova regras adequadas de comércio que permitam acesso competitivo às oportunidades do mercado. A livre circulação de mercadorias, capital e informação - além da transferência de tecnologia e idéias - estimula o desenvolvimento do setor privado. Isso ocorre por meio de diversos mecanismos: mercados abertos, investimento estrangeiro de qualidade, ajuda efetiva ao desenvolvimento, transferência eficiente de tecnologia e conhecimento, e requer a implementação de reformas voltadas para o desmantelamento dos subsídios agrícolas e de outras formas de protecionismo que tão evidentemente impedem o desenvolvimento do setor privado exportador nas áreas rurais dos países em desenvolvimento. Há amplo consenso de que a abertura de mercados tem impulsionado o crescimento econômico. Cabe reiterar as vantagens, ainda que conhecidas. Uma política comercial aberta estimula o crescimento da produtividade ao abrir o setor privado à concorrência. O livre comércio ajuda os países a alocarem seus recursos nas suas áreas mais produtivas de vantagem comparativa. As importações mais baratas elevam a qualidade de vida e permitem o uso de insumos mais baratos, já que o setor privado produz tanto para os consumidores nacionais quanto para os externos. Um regime como esse oferece acesso livre a mercados por meio de redução das tarifas e das barreiras não-tarifárias. O macroambiente nacional Os elementos centrais de um macroambiente doméstico sólido, do ponto de vista das empresas, incluiem paz e estabilidade política, boa governança com previsibilidade das políticas públicas, transparência e responsabilização, e políticas macroeconômicas relevantes. Para as empresas, conflitos internos ou externos aumentam os custos e a incerteza, desencorajando os investimentos domésticos e estrangeiros. Mais grave ainda, os conflitos impedem o desenvolvimento do setor privado, pois eles geralmente levam à trágica destruição do capital humano, à má alocação dos escassos recursos públicos, à devastação das terras, ao ataque aos recursos naturais e à eliminação do acesso a mercados. Infra-estrutura física e social A infra-estrutura física e social de um país inclui estradas, energia, portos, saneamento e telecomunicações, assim como educação básica e saúde. A construção desses serviços básicos tem duplo benefício: melhora a vida das pessoas pobres diretamente e possibilita o crescimento dos negócios. CAPÍTULO 2 : RESTRIÇÕES AO S E TOR PRIVADO NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO 15 Pilares do empreendedorismo Bases para o setor privado Ambiente elevado de negócios Acesso ao financiamento Acesso a técnicas e conhecimento Estado de direito Infra-estrutura física e social Macroambiente doméstico Macroambiente global Crescimento do setor privado FIGURA 2 . 3 BASES PARA O S E TOR PRIVADO E P I LARES DO EMPREENDEDORISMO Ineficiências técnicas nas rodovias, linhas férreas, energia e água, sozinhas, causaram um prejuízo estimado de US$ 55 bilhões/ano em perdas no início dos anos 90, uma quantidade equivalente a 1% do PIB dos países em desenvolvimento, ou a duas vezes o orçamento anual do financiamento da infra-estrutura no mundo em desenvolvimento. Essas perdas recaem sobre grandes e pequenas empresas, e sobre as pessoas, especialmente as mais pobres. Rodovias de baixa qualidade podem retirar pequenos produtores dos mercados regionais, e causam a interrupção do fornecimento de insumos essenciais aos grandes produtores. Uma infra-estrutura bem conservada melhora o comércio ao acelerar o transporte de produtos e matériasprimas, sustentando a produção intensiva em energia e tornando a informação e a comunicação rapidamente acessíveis. Infraestruturas precárias normalmente impedem a atividade empresarial. Garantias de conectividade através de telecomunicações e tecnologia da informação têm se tornado especialmente importantes, pois contribuem para que algumas barreiras, criadas pela infra-estrutura física inadequada, sejam sobrepujadas. O acesso eficiente à informação é claramente uma parte vital das necessidades de infra-estrutura básica nas economias modernas. A manutenção de uma infra-estrutura de alta qualidade é, em grande parte, uma questão de investimentos de capital. Contratos eficientes, leilões, credibilidade regulatória e capacidade de gestão pública e privada também são muito importantes. Os estudos que demonstram os retornos sociais e econômicos dos investimentos em educação e saúde ressaltam sua eficácia. Altos níveis de investimento em capital humano, em educação e saúde, estabelecem as condições básicas para o crescimento do setor privado. Uma força de trabalho capacitada e saudável é uma força de trabalho produtiva. Basta que alguém observe os países devastados por problemas de saúde, ou por doenças, para verificar os estragos que uma infra-estrutura de saúde inadequada ou subfinanciada podem causar em economias produtivas. As empresas privadas auferem retornos dos investimentos feitos em educação, do ensino fundamental até o superior, da educação universal até a específica. Garantir que esta educação seja apropriada para a futura força de trabalho é uma tarefa crucial da boa infra-estrutura educacional. A educação das mulheres tem efeitos particularmente positivos na sua renda futura – e na renda da sociedade como um todo. Os investimentos em saúde e educação envolvem tanto o setor público quanto o privado, e, indo na contra mão da crença tradicional, muitos serviços educacionais e de saúde em países em desenvolvimento são fornecidos pela iniciativa privada, incluindo cooperativas e organizações mutuárias de previdência. Em alguns sistemas, entre 70 e 80% dos gastos com saúde ocorrem no âmbito do setor privado. Muitas vezes, mas nem sempre, o envolvimento privado é conseqüência dos parcos investimentos públicos. O desenvolvimento do setor privado se baseia em dois elementos fundamentais: a melhoria da infraestrutura social e a garantia de que as pessoas que vivem com rendas mais baixas terão acesso a serviços de saúde e educação de alta qualidade. O Estado de Direito O “estado de direito” significa que as decisões governamentais são tomadas de acordo com leis e regras estabelecidas, e que são seguidas por todos os cidadãos. As regras são aplicadas de forma consistente por uma burocracia profissional, e julgadas por um Judiciário justo e transparente, que é adequadamente recompensado. Em quase todos os casos, as cortes apresentam justificativas legais para suas decisões, seguindo o devido processo legal. Países podem estar sujeitos a sistemas legais diferentes, provenientes de sistemas políticos e culturais diferentes, mas a administração honesta e a manutenção da ordem por meio de um sistema legal justo são princípios centrais. Ambos - a lei e a sua gestão - são importantes. As leis formam uma camada intrínseca às bases de um setor privado robusto. Sem um sistema legal transparente e honesto, os sistemas judicial e administrativo, e outros esforços para impulsionar o desenvolvimento do setor privado, não conseguem funcionar conforme planejado, e podem até mesmo ser prejudiciais. Governos locais precisam estabelecer as “regras do jogo”, montando um sistema que reduz os custos transacionais ao torná-los previsíveis e operativos. Os sistemas legal e administrativo influenciam quando e como as transações acontecem. O estado de direito se manifesta no setor privado pela legislação comercial, leis sobre consumo e contratos, entre outras. O reconhecimento e a proteção dos direitos de propriedade circunscrevem o comportamento do setor privado. Sistemas legais contraditórios e confusos tornam as práticas de negócio complexas, e pressionam as empresas a se tornarem ou permanecerem informais. A má legislação apóia empresas oligárquicas e corruptas ante as forças competitivas, 16 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES normalmente em prejuízo das pequenas e médias empresas. Relações promíscuas entre empresas e reguladores impedem o desenvolvimento da competição do mercado aberto e livre. Os pobres são as primeiras vítimas das falhas legais. Embora possa existir um conjunto de leis estabelecidas, o sistema legal, em muitos países em desenvolvimento, funciona de maneira informal. Na mudança do sistema informal para o formal, muitos países possuem sistemas novos e antigos coexistindo, e que muitas vezes estão em conflito. O perdedor é, normalmente o novo sistema mais formal, que acaba por ser implementado de forma superficial e ineficiente. Uma estimativa sugere que 80% dos assuntos legais envolvendo os pobres são direcionados para sistemas informais ou são julgados com base em usos e costumes. Corrupção e confusão sobre o cumprimento das leis são geralmente as culpadas pelos altos custos de conformidade legal. A rotina burocrática, a acumulação de processos, as decisões arbitrárias e outras condições e práticas onerosas e ineficientes, impedem a atividade privada. Arbitrariedades ou corrupção no cumprimento das leis subverte aquelas leis criadas como formas benevolentes de proteção, tais como leis de segurança do trabalho, proteção ambiental e segurança do consumidor. Práticas corruptas distorcem preços e mercados, e impedem a competição livre e justa. O Banco Mundial estima que a corrupção pode reduzir o crescimento de um país em cerca de 0,5 a 1% ao ano. O Índice de Percepção da Corrupção, publicado pela Transparência Internacional, é quase perfeitamente correlacionado com o nível de renda de um país, com pouquíssimas exceções. Geralmente, os países mais pobres são classificados como mais corruptos, apesar de haver muitas evidências recentes de que a corrupção não está limitada às categorias de menor renda. OS TRÊS PILARES DO EMPREENDEDORISMO - NORMALMENTE INEXISTENTES Mesmo tendo bases macroeconômicas e institucionais sólidas, três fatores adicionais são indispensáveis para que o empreendedorismo e o setor privado floresçam em uma economia: um ambiente de negócios nivelado, acesso a financiamento, e conhecimentos e habilidades. Um ambiente de negócios nivelado — com regras justas, impostas com justiça Talvez o requisito mais imprescindível, para que o empreendedorismo e o setor privado floresçam, seja um ambiente de negócios equânime para a competição no mercado nacional. Este ambiente só pode existir em virtude de regras e de mecanismos que permitam seu cumprimento em condições justas, confiáveis e efetivas. Regras previsíveis asseguram o acesso livre dos empreendedores a mercados, e uma atividade empresarial eficiente. A confiança no sistema encoraja o empreendedorismo e atrai o tipo de talento (nacionais, estrangeiros) que embarca na aventura empreendedora. Boas regras são um elemento crítico para a criação de um ambiente nivelado de negócios, e regulação efetiva é essencial para a economia de mercado. Se as regras forem excessivamente complexas e aplicadas incorretamente, podem se tornar barreiras significativas e atrasar o crescimento das empresas. Isso se aplica às regras para a entrada, operação, distribuição e saída do mercado. Regras de entrada. Licenças e requerimentos processuais excessivos, para o registro de novas empresas, CAPÍTULO 2 : RESTRIÇÕES AO S E TOR PRIVADO NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO 17 FIGURA 2.4 EMPRESAS EM PA Í S E S D E B A I XA RENDA ENFRENTAM MUITO MAIS DIFICULDADES QUANDO SE REGISTRAM Número de processos Duração (dias) Nota: Países de baixa renda têm PIB per capita (paridade de poder de compra) menor que US$2,976 in 2001, Países de renda intermediária estão entre US$2,976 e US$9,205 e os países de alta renda estão acima de US$9,205. Fonte: Banco Mundial (2003a) Renda Baixa Média Alta 11 11 8 70 58 42 115 29 17 Custo (% da RNB per capita) ■ Empresas em países de baixa renda levam mais tempo e têm maiores custos (em percentual da RNB per capita). elevam os custos de entrada no setor formal e atrapalham o ambiente de negócios em muitos países em desenvolvimento (Figura 2.4). Por exemplo, o estudo Custos de se Fazer Negócios, do Banco Mundial, estima que o início de um negócio requer US$ 5,531 na Angola (mais do que oito vezes a renda per capita) e cerca de US$ 28 na Nova Zelândia (muito menos de 1% da renda per capita). Regulamentações de entrada muito complexas estão diretamente ligadas à queda na produtividade. Quando os países são classificados pelo grau de facilidade com que permitem iniciar um negócio, vemos que os 25% colocados no topo da lista possuem uma produtividade do trabalho de US$ 40 por trabalhador, quase o dobro dos 25% últimos. Processos de registro mais longos estão diretamente relacionados a níveis mais altos de corrupção. Regras de operação. As regras de demonstração de informações podem ter impacto positivo nos ambientes industrial e de negócios, ao permitir que os consumidores e investidores tenham acesso à informação de que necessitam para escolher que produtos comprar, e como alocar seu capital. Regras trabalhistas são importantes para evitar que os trabalhadores sejam explorados. Porém, diversos países em desenvolvimento possuem regras trabalhistas excessivamente complexas, mais que as dos países desenvolvidos. Para demitir empregados, as empresas de países de renda baixa ou média enfrentam barreiras mais altas, em média, do que suas contrapartes nas economias desenvolvidas. Os mecanismos para que o diálogo social permita encontrar formas de mitigar os efeitos das demissões, e para que as redes de seguridade possam proteger os pobres, são normalmente fracos ou não existem, na maioria dos países em desenvolvimento. Além disso, regulações trabalhistas rígidas são associadas ao alto desemprego de mulheres. Note-se, porém, que poucas dessas regras são de fato cumpridas, justificando a simplificação e melhor acompanhamento. Regras tributárias e estruturas complexas também impõem custos mais altos, que recaem mais sobre pequenas e médias empresas do que sobre empresas grandes, que podem contratar especialistas em planejamento tributário. Regras creditícias. Muitos países carecem de regras para compartilhar informação sobre crédito, tornando virtualmente impossível aos credores checar o quão endividado um potencial cliente se encontra. Além disso, os credores têm proteção limitada em caso de não liquidação do débito, reduzindo bastante sua disposição em assumir os riscos de emprestar as pequenas e médias empresas. Regras tributárias. Impostos altos e administração tributária complexa representam restrições para pequenas e médias empresas, e podem levá-las à informalidade se a carga tributária se tornar excessiva. Uma economia informal representativa pode significar menor arrecadação de impostos pelo governo, elevando a carga tributária das empresas formais e criando incentivos para que passem a funcionar de maneira informal. No Brasil, por exemplo, a economia informal cresceu ao mesmo tempo que a arrecadação tributária, de 24% do PIB em 1991 para 29% em 1999. Regras de mercado. Barreiras no mercado imobiliário são altas em muitas nações. Nas Filipinas, por exemplo, a obtenção do título formal de propriedade de um terreno “informal” requer 168 etapas, envolvendo 53 agências públicas e privadas, e levando 13-25 anos. Esse árduo processo desencoraja as pessoas a comprar terras formalmente, fazendo com que seja impossível o uso da propriedade como garantia na obtenção de crédito, uma das maiores fontes de capital nos países desenvolvidos. Barreiras de mercado a produtos também impedem o crescimento. As barreiras comerciais e os subsídios, oferecidos pelo mundo desenvolvido, são os maiores culpados. Mas muitos países em desenvolvimento também levantam barreiras protecionistas - por exemplo, proibindo pequenas empresas de distribuir energia em áreas rurais, mesmo quando os monopólios estatais não atendem essas áreas. Restrições a preços também podem conturbar o ambiente de negócios. Muitos governos, por exemplo, cobram preços excessivamente altos para ligações domésticas e internacionais no setor de serviços de telecomunicações. Como resultado, os monopólios que operam nessas condições são altamente lucrativos, mas seu capital e sua produtividade são baixos. Os preços altos conferem poucos incentivos às empresas de telecomunicações para que usem seus recursos de forma mais efetiva. Regras de saída. Regras e proteções inadequadas de falência podem criar obstáculos adicionais para o 18 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES financiamento das empresas. Países com melhores regulações de insolvência tendem a ter empréstimos em maior volume e a custos mais baixos. A atuação precária das instituições formais permite que empresas se livrem de algumas ou de todas essas regras, gerando vantagens de algumas delas sobre as demais. O colapso de instituições formais acontece quando os agentes públicos não têm conhecimento ou vontade de executar suas funções regulatórias. Os agentes públicos às vezes não têm a intenção de implementar as regras, pois as instituições para as quais trabalham não lhes oferecem os incentivos adequados. As instituições talvez não recompensem seus agentes por aplicarem a lei de forma justa e equânime. Talvez elas careçam de transparência e muitas não supervisionem seus agentes de maneira suficiente. Além disso, os agentes governamentais podem também não ter os conhecimentos e recursos de que precisam para fazer valer a lei. Eles normalmente carecem de ferramentas e capacitação. Acesso ao financiamento Mesmo que o investimento estrangeiro direto exerça um papel essencial no processo de desenvolvimento, é impossível que um país progrida sem que haja investimento doméstico, oriundo da poupança interna. Isso requer instituições financeiras nacionais que administrem eficientemente o risco e aloquem o capital em investimentos produtivos. Muitos países em desenvolvimento dispõem de setores financeiros estatais fracos e incapazes de agir como catalisadores do desenvolvimento. Porém quando reformas são realmente implementadas, os benefícios são rápidos e evidentes, mesmo considerando que a criação e a reestruturação no setor financeiro seja uma tarefa de longo prazo. Grandes empresas são bem servidas pelos sistemas bancários existentes, e tem havido progresso considerável em microfinanças nos últimos dez anos - com 41 milhões de pessoas pobres atendidas em mais de 65 países. Mas, na melhor das hipóteses, o progresso no financiamento das pequenas e médias empresas tem sido lento. Então, a questão não é apenas de falta de dinheiro. Pequenas e médias empresas são empreendimentos arriscados. Elas requerem capital de risco, mas as fontes desse tipo de capital são difíceis de acessar. Assim, as pequenas e médias empresas acabam utilizando o mecanismo clássico de financiamento através do endividamento. Este método pode se revelar difícil para os empreendedores de países em desenvolvimento, pois poucos deles conseguem alavancar ativos de garantia, da forma como empreendedores de países desenvolvidos conseguem. Por quê? Principalmente, devido à informalidade dos direitos de propriedade, e à ausência de mercados hipotecários. O requerimento de garantias atua como um funil pelo qual passam os tomadores de empréstimos ricos, e exclui empreendedores com alto potencial de crescimento. A maioria dos mercados emergentes financia até 90% de seus investimentos localmente, ainda que na África Subsaariana esse número fique em torno de 65% (sendo que a maioria das empresas produtivas gera lucros em moeda local, o que torna o financiamento local sustentável). O crédito privado, em percentual do PIB, cresce de 12% em países de baixa renda para 25% nos países de renda média-baixa, continua crescendo para 30% nos países de renda média-alta, até atingier 85% nos países de alta renda. Uma teia de fatores está envolvida, além da mera falta de capital. ■ A lei e sua implementação geralmente estão no cerne da questão. A maioria dos países têm direitos de propriedade fracos, fazendo com que o uso de bens, como forma de garantia, seja dificultado. Mesmo quando os direitos de propriedade são bem definidos, a implementação de contratos hipotecários é normalmente impossível, por razões políticas e judiciais. Além disso, as leis de falência são tipicamente inexistentes, aumentando o risco dos credores e gerando desincentivos para que invistam em pequenas e médias empresas. ■ Instituições financeiras precárias também são um problema. Instituições financeiras nacionais operam em condições de oligopólio ou monopólio, com pouca pressão dos acionistas para que entrem em novos mercados, por exemplo, emprestando para pequenas e médias empresas. ■ Mesmo quando as instituições financeiras querem atuar, muitas vezes elas carecem da capacidade de emprestar a pequenas e médias empresas. Os bancos estão acostumados a efetuar análises de risco muito completas, dado que operam com grandes clientes – tais análises são caras demais para pequenas e médias empresas. No extremo oposto do espectro, as instituições de microcrédito emprestam a partir de análises muito limitadas, apoiando-se, na CAPÍTULO 2 : RESTRIÇÕES AO S E TOR PRIVADO NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO 19 maioria das vezes, na rede comunitária para obter reembolso. Isso não funciona muito bem para os volumes maiores, dos quais as pequenas e médias empresas precisam. ■ A falta de informação confiável também atrasa o crescimento dos empréstimos as pequenas e médias empresas – geralmente por não existirem agências de informação creditícia, e porque os requerimentos de demonstração de informações são fracos ou não implementados. ■ Os investidores carecem de oportunidades para se retirar da operação. Os mercados de capitais de países pobres são inexistentes ou têm pouca liquidez, fazendo com que seja impossível efetuar ofertas públicas. Ofertas privadas podem funcionar, mas muitos mercados estão longe de terem liquidez, com poucas oportunidades de transação. ■ Os empreendedores, comumente, carecem de conhecimento e vontade de receber capital de risco. Quanto ao conhecimento, o talento gerencial é limitado. Quanto à vontade, investidores privados informam a relutância de pequenas e médias empresas em abrir seus livros publicamente, em países onde o caixa dois é comum. Acesso a técnicas e conhecimento As inovações tecnológicas e a mudança das economias em direção ao conhecimento fazem do investimento em capital humano uma prerrogativa para o crescimento econômico sustentável, e torna estes investimentos cruciais para a criação, o crescimento e a produtividade das empresas. O capital humano pode determinar o potencial de crescimento e de sobrevivência de uma empresa, contribuindo diretamente para sua produtividade ao facilitar a adoção de inovações em tecnologias e processos. A vantagem competitiva de uma empresa nasce de sua capacidade de empreendedorismo; de seu conhecimento técnico e gerencial; e das habilidades, educação e adaptabilidade de seus funcionários. O nível educacional é importante, e as habilidades dos empregados precisam ser continuamente melhoradas por meio de treinamentos no ambiente de trabalho, que aumentam a produtividade empresarial e sua capacidade de absorver novas tecnologias. Na Costa Rica, Ilhas Maurício e Singapura, o setor privado tem se beneficiado de um círculo virtuoso de educação formal, reforçado pela aprendizagem e treinamento dentro das empresas. A Costa Rica tem a maior exportação de software per capita da América Latina, fazendo com que o país seja um eixo tecnológico na região, graças a seus investimentos no ensino fundamental (produzindo um dos mais altos índices de alfabetização) e no ensino técnico. Muitos países em desenvolvimento sofrem de baixos níveis de investimentos em capital humano, o que é agravado pela emigração de profissionais altamente qualificados. A fuga de cérebros ocorrida desde 1990 tem sido estimada em 15% para América Central, 6% para África, 5% para Ásia e 3% para a América do Sul. A Organização Internacional para Migração estima que cerca de 300 mil profissionais do continente africano vivem e trabalham na Europa e na América do Norte. Segundo algumas estimativas, até um terço dos 20 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES profissionais de P&D do mundo em desenvolvimento residem nos países da OCDE. Essa persistente fuga de cérebros retira dos países em desenvolvimento o know how de milhares de talentos de sua população, reduzindo o estoque de capital humano qualificado existente, erodindo a base tributária doméstica, e pressionando a classe média educada, que é um fator de estabilidade na maioria das sociedades. A migração de empreendedores talentosos e não avessos ao risco do mundo em desenvolvimento, que buscam oportunidades em sociedades mais favoráveis ao empreendedorismo, evidencia os obstáculos para iniciar e ampliar negócios em seus países de origem. A maior causa disso é o ambiente social deteriorado, que limita o número de possíveis empreendedores e restringe seu potencial. ■ ■ ■ Esse diagnóstico, da estrutura do setor privado e das restrições ao seu crescimento rápido, aplica-se em diferentes graus a um amplo conjunto de países em desenvolvimento. O equilíbrio entre diferentes fatores varia de acordo com a renda, desenvolvimento institucional e a composição do setor privado. Resolver as restrições, de forma a desencadear o poder do setor privado, demandará programas customizados para as necessidades individuais de cada país, mas as abordagens serão, de maneira geral, similares. Passaremos a elas agora. Foto: Evan Schneider/PNUD Comissão reconhece que as restrições para o desenvolvimento de um setor privado sustentável são bem conhecidas – e geralmente aceitas como tal. O mesmo ocorre com os elementos principais das políticas formuladas para minorá-las. O grande desafio consiste em passar do estágio da compreensão dessas principais limitações, para o estágio em que se desenham “pacotes” de soluções específicas, aplicáveis pelos países. O foco da atenção, nesse momento, deve passar de mera determinação de “quais” são as limitações, para centrar-se em “como” elas podem ser superadas e “quem” irá superá-las. Aqui examinaremos os passos políticos e administrativos que podem diminuir essas restrições e contribuir na criação da capacidade necessária para governar transações, capacidade esta que é vital para o desenvolvimento do setor privado e para o funcionamento eficiente de uma economia de mercado. A Comissão tem enfatizado que o setor privado é importante para os pobres, de várias maneiras. Se os benefícios das reformas são claramente articulados e seus resultados rapidamente vistos, iniciativas construtivas para o desenvolvimento do setor privado podem traduzir-se em maior apoio político. E o ímpeto e o CAPÍTULO 3 COMO DESENCADEAR O PODER DO SETOR PRIVADO DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES 21 A consenso para a mudança, assim produzidos, podem proporcionar a plataforma para um programa global de reforma e de mudança. Algumas lições gerais, frutos da experiência: ■ Reformas bem-sucedidas geralmente são aquelas nas quais os governos e tomadores de decisão envolvidos assumem voluntariamente compromissos de mudança claros. ■ Reformas recheadas de condicionantes raramente são bem sucedidas, quando os governos que as implementam não estão comprometidos. ■ Mudanças significativas freqüentemente ocorrem quando os países enfrentam graves crises econômicas (Índia em 1991, Leste Asiático no final da década de 90), e a resposta a essas mudanças pode ser rápida. Obviamente, é melhor não esperar por uma crise para iniciar as reformas. ■ Mudanças podem também resultar de alterações profundas na filosofia econômica básica (China, Vietnã e Leste Europeu). ■ Novos governos que substituem antigos regimes com histórico de governança deficiente (Quênia, Nigéria nos últimos anos) podem muitas vezes utilizar o ímpeto da mudança para implementar reformas. ■ Mudanças quase sempre implicam em novos papéis para o setor privado local e para organizações da sociedade civil, incluindo organizações de empregados e de empregadores. ■ Tecnologia é o agente de muitas das mudanças necessárias, e novas tecnologias permitem que mudanças sejam implementadas muito mais rapidamente do que normalmente se pode esperar. Apoio ao desenvolvimento do setor privado – nacional e mundial – pode envolver pesquisa econômica, assessoramento à formulação de políticas macroeconômicas e setoriais, assistência técnica e apoio financeiro direto a projetos específicos do setor privado. Salvo este último caso, a maioria dessas intervenções envolve governos e instituições públicas em países em desenvolvimento (Figura 3.1). Os principais atores públicos nessa área são o Grupo Banco Mundial (incluindo a Corporação Financeira Internacional e a Agência Garantidora de Investimento Multilateral) e o Fundo Monetário Internacional. Os bancos de desenvolvimento regional, incluindo o Banco Asiático de Desenvolvimento, o Banco Africano de Desenvolvimento, o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, também concentram esforços no suporte à criação de um ambiente propício para o desenvolvimento empreendedor nas suas respectivas regiões. Importantes funções também são desempenhadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em pesquisa e formulação de políticas, e pelas principais organizações especializadas da ONU, como a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, a Conferência das Nações Unidas em Comércio e Desenvolvimento, a Organização Internacional do Trabalho e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Agências bilaterais e instituições (como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, a Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional e a Companhia Financeira de Desenvolvimento da Holanda) também se dedicam a pontos 22 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES F I G U R A 3 . 1 FORTALECENDO A EFETIVIDADE DAS ATIVIDADES TRADICIONAIS DE DESENVOLVIMENTO DO SETOR PRIVADO Dirigidas por atores do setor privado ■ Empresas ■ Organizações da sociedade civil ■ Fundações Dirigidas por atores do setor público ■ Governos locais ■ Colaboradores governamentais ■ Agências de desenvolvimento Direcionadas aos atores do setor público ■ estabelecer padrões mais amplos (normas industriais, sustentabilidade, controle corporativo) ■ Pressionar por mudanças nas políticas ■ Promover o processo participativo através do diálogo com a sociedade ■ Reforma nas políticas ■ Assessoramento para formulação de políticas ■ Financiamento e suporte técnico às reformas do setor público ■ Tranferências financeiras (assistência, empréstimos) Direcionadas aos atores do setor privado ■ Vínculos negociais e parcerias ■ Investimento, incluindo investimento estrangeiro direto ■ Mentoria para empreendedores ■ Parcerias público-privadas, por exemplo, para provisão de serviços essenciais ■ Órgãos consultivos público-privados ■ Privatização ou tercerização ■ Promoção de investimentos ■ Diretamente prover serviços de desenvolvimento de negócios ■ Financiamento direto importantes da tarefa, incluindo melhorias no acesso ao capital e suporte ao desenvolvimento de microempreendedores e pequenas e médias empresas. A Comissão acredita que qualquer abordagem ao desenvolvimento do setor privado – e as políticas e recomendações que a acompanham - precisa ser baseada no entendimento de que a poupança, os investimentos e as inovações que conduzem ao desenvolvimento são efetuados principalmente por indivíduos privados, corporações e comunidades. Portanto, os governos devem agir como facilitadores do desenvolvimento do setor privado, evitando ações que o impeçam. Governos e agências intergovernamentais só conseguem facilitar o desenvolvimento do setor privado através de estímulos aos mercados que funcionam de forma competitiva. Para tal, devem: ■ Oferecer ambientes conducivos a operações e investimentos, nos quais todas as empresas privadas (nacionais, estrangeiras, politicamente associadas ou não) possam prosperar sem temores ou favores, o qual passa por um contexto social geral politicamente estável e previsível, que conta com regras adequadas ao favorecimento da competição, velando de forma adequada à sua efetiva aplicação, e que conta ainda com princípios macroeconômicos sensatos, incluindo uma política fiscal que permita o desenvolvimento do setor privado formal e que seja adequada ao financiamento da infra-estrutura física e humana necessárias. ■ Estabelecer sistemas legais e judiciais que funcionem adequadamente, protejam direitos de propriedade e promovam a resolução de disputas contratuais – sistemas percebidos como capazes de operar com credibilidade e eficiência, quando comparados a padrões internacionais. ■ Facilitar a movimentação do capital privado de todos os tipos, e não apenas do investimento estrangeiro direto, através do fomento à progressiva evolução dos mercados de capital nacionais e de seus vínculos com mercados de capital regionais e globais. No entanto, a liberalização dos fluxos de capital financeiro exige muita prudência. É necessário que exista um sistema financeiro sólido, com boa regulamentação e cumprimento das normas, antes que se proceda à total liberalização. ■ Influenciar favoravelmente as percepções de risco global, nacional e regional, através de melhoras na disseminação da informação em tempo real (e não simplesmente através de marketing promocional das oportunidades de investimento) e estimular comportamentos, por parte do governo, que excitem e estimulem os investidores nacionais ou estrangeiros, ao invés de desencorajá-los. ■ Criar subsídios e incentivos tributários onde isto for claramente necessário para corrigir as imperfeições do mercado, e evitar o uso excessivo de medidas que podem ser politicamente atrativas no curto prazo, mas contraproducentes para o sólido desenvolvimento do setor privado no longo prazo. ■ Prover ou facilitar o fornecimento privado de infra-estrutura básica (energia, água, comunicações, transporte) através de parcerias público-privadas, modelos inovadores de regulação e outros meios para garantir que empresas privadas não sejam levadas a desvantagens competitivas. CONSTRUINDO AS BASES O capítulo 2 discutiu o macroambiente nacional e internacional e a disponibilidade da infra-estrutura física e social. Neste capítulo, nos concentraremos em ações mais específicas para a promoção do estado de direito e a criação de condições competitivas justas para os empreendedores. Nós também tocaremos nos princípios gerais que precisam ser adotados para ampliar o acesso ao financiamento e a disponibilidade de capacidades e conhecimento. A implementação efetiva dessas políticas pode ajudar os empreendedores privados a realizar transações, com a confiança de que as bases contratuais dessas transações serão cumpridas. Em qualquer economia, é preciso que exista uma sólida governabilidade das transações, para liberar a energia do empreendedorismo nacional. Fortalecendo o estado de direito Para empresas privadas, o estado de direito constitui a base de um marco regulatório previsível e da governabilidade das transações entre atores privados. Para assegurar o estado de direito, não basta ter ou criar um conjunto apropriado de normas – é preciso garantir que as leis serão cumpridas de maneira justa. Existe uma necessidade imperiosa de assegurar a integridade do serviço público, e portanto o governo deve: ■ Estabelecer e aplicar procedimentos públicos transparentes, abertos e nãoexcludentes, para as contratações e aquisições públicas. CAPÍTULO 3 : COMO DESENCADEAR O PODER DO SETOR PRIVADO 23 ■ Estabelecer sistemas abertos, transparentes, eficientes e justos para a contratação de servidores públicos, de modo a garantir eficiência e a qualidade dos serviços públicos e a evitar o tráfico de influência, o nepotismo e o favorecimento. ■ Oferecer mecanismos para incentivar a educação, a formação e a supervisão, assim como códigos de conduta, que fomentem e recompensem a integridade e o profissionalismo. ■ Estabelecer um sistema para evitar conflitos de interesse e influência indevida sobre servidores públicos, oferecendo também mecanismos através dos quais um funcionário público possa denunciar tais condutas sem colocar em risco a sua segurança e sua posição profissional. Assegurar a integridade no serviço público é assegurar a responsabilidade e a transparência nas ações dos servidores públicos. Isso requer dos governos: ■ A mobilização de uma ampla base de apoio, mediante campanhas participativas anti-corrupção, dirigidas aos setores público e privado. ■ O estabelecimento de procedimentos de controle adequados para a administração e o setor públicos, assim como métodos e sistemas que disponibilizem, pública e tempestivamente, relatórios sobre as decisões tomadas e os resultados obtidos no setor público. ■ A garantia de transparência nos procedimentos públicos para aquisições, privatizações, adjudicação de projetos e permissões estatais, assim como para empréstimos de bancos nacionais e outros empréstimos garantidos pelo governo, para alocações orçamentárias e para isenções fiscais. Tais procedimentos devem estimular a livre concorrência e prevenir a corrupção, bem como proporcionar ambientes regulatórios descomplicados, através da eliminação das regras conflitantes, ambíguas ou excessivas que sobrecarregam as empresas. ■ A criação de sistemas de acesso à informação sobre gastos públicos. ■ O fortalecimento de medidas para combater o suborno e promover a integridade das operações negociais. Proteção aos direitos de propriedade Há evidência abundante de que os governos fazem muito pouco para salvaguardar os direitos de propriedade. Os países em que se registram as melhores práticas dispõem de tribunais eficientes, e leis e instituições que os respaldam, para definir os direitos de propriedade dos cidadãos e das empresas. No entanto, em muitos países em desenvolvimento, as instituições que definem e fazem valer os direitos de propriedade – o sistema judiciário, cartórios e os órgãos responsáveis por efetivar o cumprimento da lei– são muitas vezes as instituições públicas menos modernas e aquelas que contam com os menores volumes de recursos, dentre as instituições públicas. Os direitos de propriedade das empresas podem muitas vezes ser protegidos através da criação de meios alternativos de solução de controvérsias com outras empresas, clientes, fornecedores e funcionários de governo. ■ Sistemas alternativos para solução de controvérsias oferecem um substituto aos morosos e caros tribunais formais, pois conseguem prover proteção legal previsível aos contratos e propriedades dos pequenos empreendedores. A Argentina estabeleceu um sistema alternativo piloto, e o resultado foi que 66% de 32 mil conflitos comerciais foram resolvidos em um prazo médio de dois meses (bem melhor que a média de 3-4 anos, obtida no sistema formal). ■ Distribuição automática e aleatória de processos aos juízes, utilizando sistemas computadorizados, aumentam a eficácia do Judiciário e reduzem a corrupção. Em uma experiência piloto da Eslováquia, o tempo transcorrido entre o protocolo da ação e a primeira audiência foi reduzido de 73 para 28 dias, e o número de fases do processo diminuiu de 23 para 6 passos. ■ Tribunais especializados em cobranças de dívidas resolvem as reclamações com maior celeridade, pois quem os preside tem maiores competências para aplicar a legislação responsabilidade sobre todo o processo de cobrança, desde o embargo até o leilão da propriedade, se isto for necessário. Na Colômbia, um tribunal especializado em cobrança de dívidas conseguiu que o número de processos tramitados passasse de 4 mil para 11 mil por ano (1996- 2000), resolvendo 75% dos casos em um ano, e reduzindo o estoque de processos pendentes em 5 mil casos. ERGUENDO OS PILARES O Capítulo 2 também descreveu os três pilares indispensáveis para o empreendedorismo e para o 24 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES crescimento do setor privado: condições justas, acesso a financiamento, e conhecimentos e capacitação. Criando condições justas Criar e preservar condições justas para as empresas requer um sistema de regras e de mecanismos de controle que inspire confiança e limite razoavelmente os custos e encargos dos empreendimentos. Nos últimos anos, esta área tem recebido mais atenção dos atores públicos e privados de desenvolvimento. Um dos principais focos de atenção tem sido o aperfeiçoamento da legislação e da regulação. No Vietnã, uma nova lei de sociedades contribuiu para a criar um milhão de novos postos de trabalho. Um ambiente justo implica ainda em fortalecer as instituições responsáveis por colocar em prática a regulamentação e zelar pelo seu cumprimento. A receita parece não deixar dúvidas – antes de mais nada, é preciso extirpar o comportamento habitual que gera a regulação deficiente. Sempre há alguém que se beneficia de cada regra, e encontrar formas de vencer sua resistência é o primeiro passo para uma reforma efetiva. Simplificando regras. Um elemento importante para o ambiente empresarial justo consiste em simplificar as regras que afetam o registro, a operação e a extinção de empresas privadas. A experiência demonstra que a maneira de abordar essas questões é muito simples – necessita-se apenas de vontade real de implementar mudanças. Os passos fundamentais implicam em adotar as melhores práticas no que se refere ao registro de empresas, às mudanças de titularidade, ao encerramento das operações e à governança das transações. Exemplos de programas de ação incluem: ■ Quiosques e postos de atendimento que simplificam o registro comercial e da propriedade s„o eficientes, e sua maior transparÍncia contribui para minimizar a corrupção em todos os níveis. Na Tanzânia, a Agência de Registro e Licenciamento de Negócios reduziu o tempo de registro de novas empresas, de 90 para 3 dias. Na Índia, o processo eletrônico para registro de propriedades, implantado no estado de Andhra Pradesh, reduziu o tempo dispendido de 7-15 dias para poucas horas. ■ Licenças unificadas para empresas permitem aos governos consolidar os registros de empresas, de modo que os empreendedores necessitam obter apenas uma licença para tornarem-se proprietários de uma empresa e poder exercer suas atividades, em vez de uma variedade de licenças em cada nível governamental. No Quênia, as licenças únicas para empresas permitiram reduzir os custos para as pequenas empresas e aumentar em 30-40% a arrecadação do governo. ■ A responsabilidade pelo recolhimento de impostos (incluindo taxas alfandegárias) e pela fiscalização passa a ser exercida por autoridades tributárias unificadas, para todos os níveis de governo. Em Zâmbia, um sistema com estas características eliminou duplicidades nas inspeções e fiscalizações, ao mesmo tempo em que melhorou os serviços ao consumidor e o cumprimento da normativa vigente. Muitas dessas mudanças podem reduzir substancialmente a informalidade na maioria das economias, sobretudo quando vêm acompanhadas de esforços de cada país para melhorar sua compreensão das características das empresas informais. Porém, a informalidade é tão difundida e difícil de erradicar que requer um enfoque especial. Buscar maneiras de aumentar os benefícios da formalização é uma das estratégias possíveis. Este resultado pode ser obtido, em parte, abrindo-se as licitações públicas à participação de atores informais que cumpririam os trâmites de formalização caso viessem a ser declarados vencedores, e melhorando-se o acesso ao mercado através da organização de feiras comerciais e do estabelecimento de contatos com compradores internacionais. Oferecer serviços de desenvolvimento empresarial a preços acessíveis, para aprimorar a capacidade gerencial, a produtividade e a qualidade, são estratégias comprovadas de apoio a pequenas e médias empresas formais. Boa parte do êxito dessas iniciativas reside numa crescente tomada de consciência sobre os custos da informalidade – e a uma mudança de mentalidade. Pode-se fomentar o debate público através de campanhas de conscientização, e pode-se fortalecer as organizações da sociedade que representam os interesses de pequenas empresas. Criando mercados competitivos. A criação de mercados competitivos e a redução da influência das empresas já estabelecidas são cruciais para nivelar as condições vigentes. Quando já existem empresas estabelecidas dominantes, pode-se contribuir para a abertura de mercados através de três ferramentas: inovação tecnológica, desenvolvimento de mecanismos de CAPÍTULO 3 : COMO DESENCADEAR O PODER DO SETOR PRIVADO 25 financiamento, comércio e fluxos de capital mais livres. Mudanças tecnológicas incentivam a competição e aliviam as restrições de entrada. Ao trazer pressão de fora, a tecnologia ajuda a derrubar barreiras de entrada e a criar as bases para futuras intervenções para eliminação de restrições à entrada nos mercados. Um mercado financeiro desenvolvido promove a competição pois facilita o acesso a recursos de empréstimo e de financiamento para aquelas empresas que não dispões de contatos ou de acesso a subsídios. Os fluxos comerciais e de capital também reduzem a capacidade das empresas já estabelecidas de influenciar a governabilidade das transações, ao fomentar a concorrência entre empresas nacionais e estrangeiras. A competição gera vencedores e perdedores, o que se supõe uma fonte de tensão entre os mercados e a democracia. Quem trabalha em empresas ineficientes pode acabar sofrendo as desvantagens das mudanças, sobretudo quando não existem redes de proteção social adequadas. Dessa maneira, é ideal que a abertura de mercados para a concorrência ocorra de forma escalonada, de maneira que a abertura completa tenha lugar apenas quando já se conte com um conjunto sólido de instituições que possam velar pelo adequado funcionamento do mercado. É preciso ainda que se articule um rede de proteção social voltada para as pessoas e não para as empresas, que possa prestar assistência socioeconômica àqueles indivíduos que tenham sido prejudicados. Para que o processo de mudanças continue apesar dessas tensões, é preciso que os custos de mercados não-competitivos se tornem transparentes. A sociedade deve ser conscientizada, e um modo de fazê-lo consiste em evidenciar as diferenças de preços e qualidade existentes entre produtos produzidos em economias protegidas e aqueles oriundos de economias mais abertas. Outra forma de demonstrar estes custos seria disponibilizar informações sobre o valor dos subsídios que acabam destinados a empresas protegidas. A reforma fiscal – simplicidade, clareza e estabilidade. A criação de uma ambiente favorável às pequenas e médias empresas requer uma política fiscal que responda às suas necessidades, incentive a implementação de novas iniciativas e ajude a expansão das empresas que já existem. Os governos precisam desenvolver políticas fiscais em colaboração com pequenas e médias empresas, simplificando as regras que lhes dizem respeito, reduzindo suas cargas tributárias e fomentado a transparência e a estabilidade. Os governos também necessitam de mecanismos formais para organizar regularmente reuniões e consultas, que assegurem que os órgãos representantes das pequenas empresas estejam informados sobre as últimas mudanças na regulamentação fiscal e tenham ocasião de apresentar suas opiniões e propostas. Para auxiliar as pequenas e médias empresas a cumprir as regras e garantir interpretações comuns em todas as regiões do país, os funcionários fiscais devem poder contar com uma formação básica em matéria de regulamentação e procedimentos tributários. Reforma financeira e acesso ao capital. A criação de mercados financeiros domésticos eficientes e de acesso ao crédito para empresas locais têm sido os maiores objetivos dos bancos multilaterais e das agências bilaterais de desenvolvimento, cujas atividades são, na maioria das vezes, direcionadas para a estabilização do ambiente de negócios e para o fortalecimento das instituições financeiras. Um dos grandes problemas das intervenções que atualmente se realizam, quando se trabalha com muitos intermediários de eficácia desigual, é que estes nem sempre são motivados pela demanda. Modelos de sucesso têm implementado uma abordagem que envolve múltiplos atores para o desenvolvimento de mercados eficientes. Considere-se os esforços da Corporação Financeira Internacional (CFI) para desenvolver o setor de arrendamento mercantil (leasing) em muitos países, um modelo que também é aplicável a microcréditos e financiamento habitacional. Este modelo se baseia na formação de uma coalizão de atores do mercado integrada por governos e reguladores, instituições internacionais de arrendamento mercantil, instituições financeiras locais e especialistas em aspectos legais, regulatórios e tributários do leasing. Os governos devem desempenhar um papel chave na criação e construção de infra-estrutura e instituições financeiras de longo prazos, para fortalecer o sistema bancário e tornálo mais competitivo. Neste processo, os governos devem garantir que os programas públicos de ajuda financeira sejam complementares – ao invés de competir com o financiamento privado disponível em condições comerciais normais. Os formuladores de políticas devem concentrar-se em reduzir as barreiras de acesso ao financiamento, reconhecendo que o acesso é geralmente mais importante que o custo desse financiamento. Eles devem reconhecer que programas de crédito subsidiado são insustentáveis e desnecessários, e que é mais importante reduzir os custos transacionais e aumentar a 26 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES produtividade e a inovação entre os provedores de serviços financeiros. Eles devem também reformular as regras dos mercados financeiros, introduzindo novas estruturas legais e eliminando qualquer tipo de obstáculo ou limite restritivo. É preciso contar com condições legais e sistemas de implementação eficientes, para abordar temas tais como falências, registros, garantias e regulamentação de empréstimos. Tais medidas podem gerar benefícios muito mais importantes do que programas de crédito específicos. Para atender melhor as necessidades de empresas menores, é preciso reforçar o alcance e a capacidade operativa das instituições financeiras. Sempre que estão sujeitas à regulamentação apropriada, as instituições financeiras não bancárias desempenham um papel mais relevante, pois são mais capazes de se ajustarem de forma efetiva às necessidades de pequenas e médias empresas via a oferta de produtos financeiros inovadores e de instrumentos que fomentem a liquidez e coloquem à sua disposição uma gama de produtos personalizados de seguros, empréstimos e poupança. Em certos casos, o financiamento público permite preencher lacunas existentes nos mecanismos de financiamento. Mas os governos precisam garantir que os programas públicos sejam complementares, ao invés de competir com o financiamento privado que poderia estar disponível em termos comerciais. Os esforços devem orientar-se para utilizar os sistemas bancário e financeiro existentes de forma a distribuir os recursos, e não para criar agências estatais específicas, que durante muito tempo têm demonstrado sua incapacidade em canalizar fundos. Os Estados Unidos adotaram o conceito de Gestão da Pequena Empresa, que é útil como modelo. O objetivo é fazer com que o sistema financeiro possa catalisar o crescimento das pequenas e médias empresas e aliviar os risco extrínsecos aos negócios, dos quais os empresários podem prescindir. Os pequenos empresários devem dispor das mesmas ferramentas de administração de risco que as grandes empresas possuem, dentre as quais se encontram produtos de seguro e proteção, assim como produtos sofisticados que permitem minimizar, por exemplo, riscos cambiais ou inflacionários. Porém, redes e parcerias podem chegar a ser ainda mais importantes. Os recursos podem vir de emigrantes, novos ofertantes de capital de risco, participações societárias, ou de outros tipos de empresas ou grupos de particulares, mais conhecidos como “anjos”, pessoas que progrediram no sistema e agora desejam ajudar outros a progredir também. O acesso a esses fundos pode introduzir o empreendedor em redes profissionais que compartilham padrões para a avaliação de novas empresas. À medida que o acesso a essas redes é formalizado pelas instituições, mesmo os empreendedores pobres podem desfrutar de financiamentos e de serviços de gestão de riscos. CAPÍTULO 3 : COMO DESENCADEAR O PODER DO SETOR PRIVADO 27 A Costa Rica tem atraído algumas das principais empresas de tecnologia da informação. Hoje, a fábrica de montagem e produção de chips da Intel, avaliada em 0,5 bilhão de dólares, é responsável por 25% dos produtos da empresa em todo o mundo e responde por 40% das exportações do país. Isso fez do país um dos 30 maiores exportadores de software no mundo e o maior exportador per capita de tecnologia da informação na América Latina. Entre 1985 e 2002 as exportações do país quintuplicaram, passando de 1,1 bilhão de dólares para 5,1 bilhões.O fluxo de investimentos estrangeiros diretos cresceu mais de dez vezes, de 59 milhões em 1989 para 661 milhões em 2002. A taxa de alfabetização na Costa Rica é de 95,5%, e 18,5% da força de trabalho em atividade possui ensino superior ou técnico completos. Políticas governamentais aprimoraram o sistema educacional, incorporando ensino técnico e treinamento em eletrônica, informática e engenharia. O país possui 85 escolas vocacionais (que ensinam a mais de 85.000 estudantes por ano), 4 universidades públicas e 46 privadas, incluindo uma das mais reconhecidas instituições de ensino de negócios da América Latina, a INCAE. O governo também fundou um Instituto de Ensino Nacional, que oferece treinamento técnico gratuito, já tendo treinado mais de 127.000 pessoas. O setor privado lidera a atração de investimentos e a criação de um ambiente favorável aos negócios através de uma organização sem fins políticos e lucrativos, a Organização para Investimentos e Desenvolvimento da Costa Rica (CINDE). Criada em 1983, é financiada por doadores internacionais e fortemente apoiada pelos altos escalões do governo. Nos anos 90, a CINDE começou a atrair corporações multinacionais, tendo exercido papel fundamental na decisão da Intel de instalar na Costa Rica sua primeira fábrica de chips na América Latina, o que não estava nos planos iniciais. A empresa foi influenciada pelo ambiente, aberto e favorável aos negócios, conjugado a um sistema político estável, respeito pelo domínio da lei, baixos índices de corrupção e boa infra-estrutura. Mais de 30 multinacionais se mudaram para a Costa Rica, gerando mais de 10.000 empregos na indústria eletrônica. Corporações multinacionais, como a Intel, também contribuíram diretamente para o desenvolvimento de uma força de trabalho capacitada, através de treinamento no local de trabalho e instituições formais de ensino, além de aumentar o conhecimento sobre oportunidades de carreira na engenharia e em outras áreas técnicas. Fonte: PNUD (2001) QUA D R O 3 . 1 O SETOR PRIVADO DA COSTA R I CA – UM BOM EXEMPLO O objetivo de longo prazo deve ser dispor de instituições financeiras que apóiem as pequenas e médias empresas e encorajar os mercados financeiros a operarem de maneira efetiva. Isso requer que se ponha em marcha e se desenvolvam agências de crédito e outros mecanismos que proporcionem uma referência creditícia, um método eficaz para fortalecer os sistemas financeiros. Desenvolvendo capacidades e conhecimentos Mais investimentos são necessários na capacitação de empresas locais, incluindo línguas estrangeiras, tecnologia da informação e planejamento gerencial, incluindo noções de economia, finanças e gestão de projetos. Parcerias público-privadas que combinem formação prática no local de trabalho com o ensino básico podem ser pontos de partida de modelos viáveis de aprendizagem. Também são eficazes os esforços recentes no sentido de propiciar treinamento em liderança para tomadores de decisão de países em desenvolvimento, fornecido por instituições educacionais proeminentes no tema. É de especial importância a capacitação local de formadores, “ensinando a quem ensina”, por ser a única maneira de responder à enorme demanda por capacitação existente nos países em desenvolvimento. Também existem oportunidades para acelerar a capacitação e para incentivar o empreendedorismo, aproveitando-se os vínculos sociais no setor privado de países em desenvolvimento. Os emigrantes que residem em economias avançadas estão em excelente posição para incentivar empreendedores locais, ou para tornarem-se investidores ou empresários. Expatriados nos países em desenvolvimento também podem contar com uma capacitação que lhes permita treinar e motivar empreendedores locais. Adicionalmente, os governos devem fazer o possível para: ■ Construir redes de empreendedores e associaÁıes para a aprendizagem entre pares. As redes podem criar um clima empreendedor para treinamento, capacitação e aprendizado, além de reforçar as conexões existentes entre empresas. Nelas se apóiam sistemas privados e nativos de aprendizado, que encoraja os empreendedores a aprender com seus pares. ■ Aproveitar o potencial do setor privado para oferecer formaÁ„o e treinamento no local de trabalho, como uma parte vital do desenvolvimento do capital humano. ■ Estabelecer um sistema nacional efetivo para treinamento e desenvolvimento de capacidades, envolvendo organizações de empregados e trabalhadores como atores principais. ■ Desenvolver instituiÁıes de formaÁ„o em gest„o empresarial, incluindo escolas de negÛcios, para formar talento empresarial local. ■ Conduzir pesquisas adicionais sobre empreendedorismo nos paÌses em desenvolvimento, visando melhor compreender as interaÁıes entre as características empreendedoras e o ambiente de negócios. ■ Desenvolver polÌticas públicas para incentivar emigrantes capacitados a retornar a seus países. O verdadeiro envolvimento dos principais atores no processo de mudança somente é útil se vem 28 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES acompanhado do comprometimento, nos níveis mais altos, e da percepção de que as mudanças estão acontecendo. Especialmente no início do processo, demonstrações de sucesso e mudanças são vitais para dissipar o sentimento de ceticismo e descrença que geralmente acompanham anúncios governamentais de mudança. As autoridades já possuem o poder de implementar novas abordagens de forma rápida, particularmente nos casos em que as mudanças abarcam as regras administrativas. Divulgar o sucesso de modelos de reforma em outros países em desenvolvimento ou vizinhos pode ser uma ferramenta útil para garantir apoio, uma vez que é provável que sejam vistos como aplicáveis, dadas as condições locais semelhantes. Assim, a liberação da capacidade intelectual e de implementação do setor privado doméstico será muito importante, sendo completada pela experiência internacional ou entre países em desenvolvimento. Constantemente, as pessoas pobres têm demonstrado habilidade no uso da tecnologia, o que deveria ser utilizado como elemento central de qualquer programa de reforma, permitindo o salto essencial para que o progresso seja rápido. O trabalho com organizações da sociedade civil para examinar e monitorar impactos e extrair lições será responsável pelo processo de construção da coalizão que deixará as bases para futuros processos de mudanças. maioria dos esforços para abordar as limitações ao desenvolvimento do setor privado tem origem nos governos e instituições de desenvolvimento público. Mas a Comissão acredita que para alcançar o nível necessário de mudança, é preciso ir mais longe e pensar como melhor envolver o setor privado no desafio do desenvolvimento. Muitos recursos importantes para a promoção do setor privado ainda permanecem latentes ao desenvolvimento, uma vez que sua materialização nãofica a cargo dos atores tradicionais e não ocorrem sob o rótulo explícito de desenvolvimento (Quadro 4.1). Ações privadas e parcerias público-privadas se dividem em duas categorias. Elas são transações comerciais conduzidas por incentivos do mercado, desenvolvidas como parte de uma corporação de negócios em formação e de uma estratégia comercial, e que, apesar de tudo, tem fortes implicações para o desenvolvimento. Ou elas são especificamente estruturadas como tentativas inovadoras de adotar princípios e abordagens do setor privado para os problemas do desenvolvimento (Figura 4.1). De uma perspectiva diferente, essas atividades inovadoras do setor privado são também puramente interações entre entes privados ou elas caem mais obviamente na área das parcerias público-privadas. A Foto: Sonya Laurence Green/PNUD Somália CAPÍTULO 4 ENGAJANDO O SETOR PRIVADO NO DESENVOLVIMENTO DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES 29 SERVINDO OS MERCADOS NA BASE DA PIRÂMIDE ECONÔMICA O vasto mercado consumidor emergente na base da pirâmide – integrado por 4 bilhões de pessoas com renda per capita inferior a US$1,500 anuais – oferece às multinacionais e grandes empresas locais um mercado atrativo para seus bens e serviços (Quadro 4.2). Tal é o caso da Índia, que possui 700 milhões de pessoas no mercado rural. A China conta com um bilhão. Á medida que as economias avançadas passam a representar uma parte cada vez menor da economia mundial, as mudanças nos hábitos de consumo que a acompanham podem gerar oportunidades nada desprezíveis para corporações globais. Investir e participar de mercados adequados, especialmente ospujantes – particularmente os mercados emergentes – pode adequados – e particular os pujantes – pode-se constituir numa opção estratégica muito mais importante. De fato, muitas empresas já estão servindo o “mundo dos pobres” por meios que geram altos retornos, levando a uma maior eficiência operacional e descobrindo novas formas de inovação. Para essas empresas, e para aquelas que seguem essa tendência – promover negócios voltados para a base da pirâmide promete oferecer vantagens competitivas no desenrolar do século 21. Ao mesmo tempo, proporciona vínculos importantes com o mercado, disponibilizando recursos para os consumidores da base da pirâmide. FORMANDO UM AMBIENTE FAVORÁVEL E CONSTRUINDO REDES Uma das maneiras mais certeiras de contribuir para o êxito das empresas é reforçando o poder das conexões e redes de que fazem parte. Muitos ecosistemas empresariais evitam ambientes regulatórios frágeis, através da criação de capacidade privada, dentro da própria rede, para a autoregulação e para que as regras sejam de fato aplicadas. Deste modo, pode-se reduzir assimetrias dentro das redes e aumentar sua capacidade para fazer cumprir os contratos, ampliando assim a confiança no sistema. As redes podem trazer muitos benefícios, como: 30 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES Muitos atores privados, de fora da comunidade de desenvolvimento tradicional, estão focando os desafios do desenvolvimento. Companhias ■ Grandes corporações (multinacionais e locais) estão liderando ambientes privados que desenvolvam e fortaleçam as habilidades de micro, pequenas e médias empresas locais. ■ Instituições financeiras globais e instituições financeiras locais estão desenvolvendo abordagens inovadoras e tecnologias para melhorar o acesso ao crédito para os pobres e para pequenas e médias empresas. ■ Empresas individuais, geralmente corporações multinacionais, mas também algumas grandes corporações locais, estão lançando programas de responsabilidade social corporativa para direcionar as necessidades específicas de desenvolvimento. ■ Importantes empresas locais – sozinhas ou com associações do setor privado doméstico – estão ampliando os instrumentos para o alcance das estratégias de pressão específicas para ações benéficas ao setor privado, instruindo e influenciando o processo de desenvolvimento. Associações e fundações ■ Associações internacionais do setor privado, como o Conselho de Desenvolvimento Sustentável, Câmara Internacional de Comércio, Fórum Internacional de Líderes Empresariais, Fórum Econômico Mundial, Organização Internacional de Empregadores e outras em nível regional, como Rede de Negócios do Oeste da África e o Fórum de Negócios da Commonwealth, estão centradas em vários aspectos do desenvolvimento. Associações empresariais nacionais, como a Confederação das Indústrias da Índia e a Federação dos Manufatureiros da Malásia, têm desempenhado um importante papel no planejamento econômico nacional. ■ Fundações privadas estão comprometidas num processo de desenvolvimento mais amplo, com o foco na responsabilidade e resultados. Instituições acadêmicas ■ Instituições acadêmicas (incluindo cursos de administração) – nos países que são membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico e em alguns países em desenvolvimento – estão se concentrando mais no desenvolvimento do setor privado e em temas mais amplos do desenvolvimento. ■ Escolas de negócio importantes estão trabalhando com colegas africanos para um treinamento gerencial comum de funcionários públicos locais e líderes do setor privado. Redes de pessoas ■ As pessoas estão participando ou querendo participar mais na resolução dos temas globais, através da contribuição com seu conhecimento e serviços para várias organizações do tipo “grupos de desenvolvimento da paz” (experientes executivos aposentados, estudantes de administração e negócios, especialistas do setor financeiro). ■ Executivos estrangeiros de corporações multinacionais estão orientando os empreendedores locais ou lecionando sobre negócios em cursos onde estão alocados. ■ Imigrantes na América do Norte e Europa estão apoiando empreendedores na sua terra natal com remessa de fundos, financiamento informal de pequenos empreendimentos, e consultoria e orientação em negócios. Eles são o reflexo da fuga de cérebros abordada no capítulo 2, e representam a massa crítica (banco de cérebros) que poderia desempenhar um papel mais ativo se as mudanças nas políticas do país, discutidas no capítulo 3, começassem a acontecer. QUADRO 4.1 OS RECURSOS DISPONÍVEIS PARA O DESENVOLVIMENTO DO SETOR PRIVADO ■ Permitir a transferência de capacidades, tecnologias e padrões de qualidade. ■ Garantir que o investimento estrangeiro direto tenha efeitos indiretos positivos. ■ Atrair empresas para o setor formal. ■ Criar a capacidade para regular as transações através de contratos comerciais. ■ Abrir mercados e suprir com insumos as empresas menores através de redes de parceiros maiores. ■ Melhorar a capacidade das pequenas e médias empresas, nessas redes, de obter financiamento em condições comerciais. ■ Aumentar os salários, níveis de emprego e produtividade das empresas locais. ■ Ampliar a oferta e baixar os preços para consumidores pobres, introduzindo no mercado uma maior variedade de bens. O potencial dessas redes – que incluiem relações verticais de cadeias de fornecimento e agrupamentos horizontais – é enorme. Mas até agora seu impacto tem sido limitado, e concentrado em uns poucos países em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia e Malásia. Nos países da África Subsaariana existem poucas transações comerciais entre grandes multinacionais e pequenas empresas nacionais. Um estudo de 5 companhias estrangeiras e 36 empresas locais, no Quênia, revelou que nenhuma das multinacionais lá instaladas utilizou o fornecimento nacional. Um bom exemplo das possibilidades de um ecosistema privado é a Hindustan Lever Ltda., a maior fabricante de produtos alimentícios e de higiene pessoal da Índia. Seu ecosistema se compõe de 80 instalações industriais, 150 pequenas e médias empresas fornecedoras que empregam cerca de 40.000 pessoas, 7.250 distribuidores exclusivos, 12.000 atacadistas e pequenos varejistas, 300.000 lojistas e 150.000 empreendedores individuais que vendem seus produtos em vilas distantes, um número que deve aumentar para 1 milhão segundo as expectativas recentes. Trabalhando com mulheres empresárias, a Hindustan Lever está aproveitando o ecosistema na intenção de atingir os mais de 200 milhões de consumidores em zonas rurais. Essas empresas aprendem tudo sobre os produtos, preços e lucros, de forma a poder assessorar os clientes, nas próprias vilas, sobre os produtos que vendem. A Hindustan Lever tem a capacidade de alcançar clientes que normalmente não alcançaria, se utilizasse os canais normais de distribuição. Esse ecosistema de mercado constitui um meio de demonstrar aos pobres os benefícios da transparência nas transações e a necessidade do respeito aos contratos – sejam eles explícitos ou tácitos em relação às empresas. Esse acordo entre empresas nacionais e sistemas de negócios globais reduz a dependência em relação a agiotas e exploradores locais. Outro exemplo é a exportação de 2 bilhões de dólares da indústria do vestuário, em Bangladesh, baseada na capacidade de disseminação da inovação. Em função da limitada exportação de têxteis e vestuários coreanos aos Estados Unidos, a Daewoo iniciou uma parceria com CAPÍTULO 4 : ENGAJANDO O SETOR PRIVADO NO DESENVOLVIMENTO 31 F I G U R A 4 . 1 CONTRIBUIÇÕES DO SETOR PRIVADO AO DESENVOLVIMENTO DO SETOR PRIVADO Dirigidas por atores do setor privado ■ Empresas ■ Organizações da sociedade civil ■ Fundações Dirigidas por atores do setor público ■ Governos locais ■ Doações governamentais ■ Agências de desenvolvimento Direcionadas aos atores do setor público ■ estabelecer padrões mais amplos (normas industriais, sustentabilidade, controle corporativo) ■ realizar articulações para mudanças políticas ■ promover o processo participativo através de amplo debate com a sociedade ■ Reforma política ■ Consultoria política ■ Financiamento e apoio técnico às reformas no setor público ■ Transferências financeiras (assistenciais, empréstimos) Direcionadas aos atores do setor privado ■ Vínculos comerciais e parcerias ■ Investimento, incluindo investimento estrangeiro direto ■ Aconselhamento para empreendedores ■ Parcerias públicoprivadas, por exemplo, para a prestação de serviços básicos ■ Órgãos consultivos público-privados ■ Privatização ou terceirização ■ Promoção de investimentos ■ Serviços de desenvolvimento de negócios diretos ■ Financiamento direto 32 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES QUADRO 4.2 MOSTRANDO O QUE É POSSÍVEL NA BASE DA PIRÂMIDE No setor financeiro O Banco ICICI da Índia está apresentando formas inovadoras de disponibilizar serviços financeiros aos carentes. Foram desenvolvidos dois modelos: ■ O modelo “acesso direto ao banco” promove e mantém grupos de auto-ajuda, para criar uma poupança em comum. Uma vez que esse fundo alcança um certo tamanho (poucas centenas de dólares americanos), o Banco ICICI poderá conceder empréstimos de US$5.000 com a distribuição de US$ 250 por pessoa. A pressão do grupo é a melhor garantia, e as taxas de adimplemento são de 99.9%. ■ De forma indireta, o Banco ICICI estabelece parcerias com instituições de microcrédito e obtém vantagens delas. A instituição de microcrédito faz uso de suas aptidões para contribuir nos aspectos de intermediação social, ao passo que o banco realiza a intermediação financeira e arca com o risco do crédito. Isso pode efetivamente alavancar o capital de risco existente nos bancos, e pode ser a solução possível para as restrições de capital nas instituições de microcrédito. Esse modelo reduz o custo de intermediação sem afetar a qualidade da carteira. A estratégia faz sentido comercial e teve impacto importante no desenvolvimento. Por exemplo, o número de grupos de autoajuda aumentou para mais de 10 mil, permitindo ao Banco ICICI ampliar substancialmente sua participação no mercado nas áreas rurais.Moradores dos vilarejos tem tido muitas oportunidades de financiamento.De maneira interessante, um estudo independente mostrou uma forte onda de autoconfiança nos membros dos grupos de auto-ajuda. No setor de varejo As Casas Bahia, a maior rede varejista do Brasil, tem o foco quase que inteiramente em consumidores de baixa renda. Ela usa o carnê, ou caderneta, sistema de financiamento que permite aos consumidores de baixa renda comprarem a crédito. As Casas Bahia usa um sistema próprio de verificação de crédito e aplica regras baseadas no senso comum para oferecer ou não financiamento àqueles sem histórico creditício. As Casas Bahia tem receita de 4,2 bilhões de reais, 330 lojas, 10 milhões de clientes e 20 mil empregados. Cerca de 70% de seus clientes não possui renda fixa ou formal, e são basicamente faxineiros, cozinheiros, vendedores ambulantes e trabalhadores da construção civil cuja renda mensal é o dobro do salário mínimo. Os carentes agora têm acesso a uma linha de produtos e benefícios muito mais ampla, e com melhores condições de crédito, do que tinham antes. No setorde cimento A CEMEX, maior companhia de cimento do México e terceira do mundo, criou dois programas básicos para abranger a população carente do México, onde 60% das pessoas sobrevivem com menos de US$5 por dia. ■ A Patrimonio Hoy visa atender os segmentos da população de baixa renda e construtores autônomos. É como um sistema de microcrédito, com pequenos grupos que emprestam recursos, que são usados para comprar cimento e outros materiais de construção. ■ Construmex é um método inovador de contenção da emigração, e o dinheiro enviado ao país de origem para construção pode ser transferido diretamente para a empresa de cimento sem pagar intermediários financeiros.O serviço permite aos mexicanos que moram nos Estados Unidos que enviem seu dinheiro e seus pedidos diretamente aos distribuidores de cimento no México, que então entregam o cimento no local da futura casa ou empresa da pessoa. A CEMEX sabia que uma parte significante dos 10 bilhões em remessas de dinheiro para o México (aproximadamente 10%) é usada para construção de casas. A Patrimonio Hoy triplicou a taxa de cimento consumido pelos construtores autônomos de baixa renda. A Construmex registrou US$2.5 milhões em vendas desde que começou a operar, em julho de 2001, a maior parte de emigrantes em Los Angeles. Com o seu potencial de vendas para os Estados Unidos estimado em US$160 milhões por ano, a Construmex está planejando expandirse para outras cidades com grandes comunidades mexicanas, incluindo Chicago e Houston. Ambos os programas oferecem à população carente oportunidades para construir suas casas e melhorar sua qualidade de vida. No seto de telefonia móvel GrameenPhone é a maior operadora de celular em Bangladesh. Vodacom é a subsidiária sul-africana da Vodafone e a maior operadora da África do Sul. Ambas companhias trabalham com empreendedores locais que adquirem telefones celulares e revendem serviços telefônicos em seus vilarejos.GrameenPhone combina essa atividade com micro-crédito para empreendedores, com grande foco nas mulheres. A GrameenPhone construiu a maior rede de celulares do país, com investimentos superiores a US$300 milhões e mais de um milhão de assinantes. O seu programa rural já está disponível em mais de 35 mil vilarejos, oferecendo acesso à telefonia para mais de 50 milhões de pessoas, enquanto ajuda na formação de microempreendedores.O segredo para o sucesso da telefonia nos vilarejos tem sido o núcleo de empreendedores, 95% deles mulheres, que se beneficiaram da oportunidade de gerenciar suas próprias microempresas. Vodacom oferece mais de 23 mil linhas de celulares em mais de 4.400 localidades por toda a África do Sul. A companhia tem oferecido serviços de comunicação a preços acessíveis para milhões de sul-africanos, permitindo a milhões de pessoas anteriormente desprovidas a oportunidade de geração de renda e capacidade comercial duradoura. Esses negócios geram as mais altas receitas da Vodacom. Fonte: Prahalad empresas locais de Bangladesh para produzir vestuário para exportação, e treinou a mão-de-obra local com as mais recentes técnicas de produção. Com o tempo, no entanto, 115 dos 130 gerentes coreanos que foram treinados deixaram a organização e, com o conhecimento e rede de contatos que haviam adquirido, abriram suas próprias empresas. A indústria, que contribui com mais da metade das exportações do país, cresceu mais de 2 bilhões de dólares em vendas anuais. As redes conectam empreendedores a potenciais fontes de financiamento, aptidões humanas, parceiros, fornecedores e informação. Através dessas redes, os empreendedores compartilham informação, análises de mercado, tecnologia e suas próprias experiências de aprendizado. Eles também reunem grupos para discutir temas de interesse comum e contribuir de forma mais ampla para as comunidades em que vivem. As redes empresariais informais (muitas vezes de origem étnica ou religiosa) predominam nos países em desenvolvimento. Na ausência de disposição legal para observância das obrigações contratuais, essas redes baseadas em relacionamentos – apoiadas na confiança, garantias pessoais e execução informal dos contratos – facilitam as transações e o comércio entre países e oferecem uma fonte de financiamento. Muito conhecida é a grande rede de empreendedores chineses no exterior, com negócios predominantemente familiares, situados entre os 50 milhões de emigrantes chineses, que teve um papel importante na transformação econômica da China e apareceu como uma força nos negócios no Sudeste Asiático. Estatísticas oficiais chinesas revelam que empreendedores chineses no exterior colaboram com 70% do investimento direto estrangeiro na China – mais de US$50 bilhões, recentemente. A emigração indiana tem menos a ver com investimento direto em seu país de origem do que em estabelecer conexões empresariais entre investidores estrangeiros e a comunidade empresarial local, além de facilitar o rápido desenvolvimento de ecosistemas empresariais privados. Com o desenvolvimento do mercado e o surgimento de grandes empresas, os vínculos informais baseados em contatos pessoais estão sendo substituídos por redes formais de organizações, como as câmaras de comércio, associações de ex-alunos e incubadoras. Essas redes formais de organizações têm sido fonte de apoio mútuo no mundo desenvolvido, e o fazem, cada vez mais, no mundo em desenvolvimento, desempenhando um importante papel em: ■ Agrupar e agregar recursos em um fundo comum que sirva de base para criar instituições e compartilhar habilidades; ■ Estabelecer relacionamentos e níveis de confiança que as torne mais efetivas; ■ Definir padrões comuns; ■ Orientar ou facilitar a ação coletiva na aquisição e reunião de informações e no marketing internacional.; ■ Definir e transmitir crenças comuns e posicionamentos; ■ Oferecer mecanismos para desenvolver um programa econômico comum ou regional. As associações empresariais, especialmente organizações de indústria e comércio, estão representando os interesses comuns de seus membros através da coordenação de atividades, estabelecimento de padrões de autoregulação, pressionando os governos e oferecendo serviços diretos a seus membros, dentre os quais se contam a promoção de contatos, formação, disseminação de informações e acesso a mercados. Associações empresariais têm liderado a melhoria da competitividade de seus membros através de: ■ Redução dos custos da informação; ■ Estabelecimento de coordenação horizontal (distribuição de cotas, redução da capacidade) e coordenação vertical (para cima e para baixo); ■ Definição de padrões e melhoria da qualidade. FOMENTANDO PARCERIAS PÚBLICOPRIVADAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Benefícios importantes podem ser obtidos através do estímulo de parcerias público-privadas mais efetivas, particularmente no fornecimento seletivo de serviços, como energia e água. Projetos de produção de energia e saneamento básico podem utilizar a mais eficaz estrutura de propriedade necessária, incluindo a propriedade pública. Mas a entrega final para o cliente rural ou para o setor informal pode muitas vezes ser administrada por pequenas empresas nacionais. A produção descentralizada de energia, através da distribuição de energia de vários tipos, pode também ser contratada junto ao setor privado por acordos com a rede do setor público. Energia solar e pequenas centrais hidrelétricas são exemplos. Parcerias público-privadas são também eficientes para implementar objetivos de desenvolvimento CAPÍTULO 4 : ENGAJANDO O SETOR PRIVADO NO DESENVOLVIMENTO 33 sustentável. Importante ressaltar aqui o Global Compact das Nações Unidas – um compromisso voluntário das empresas de respeito ao meio ambiente, direitos humanos e direitos do trabalho – e os Princípios Equatoriais da Corporação Financeira Internacional, um acordo de instituições financeiras internacionais para cumprimento de padrões rigorosos de proteção ambiental e políticas sociais em todos os projetos que financiam, independentemente de alguns serem co-financiados por instituições públicas, que observam os mesmos padrões. Parcerias público-privadas similares em gerenciamento corporativo e transparência estão influenciando o comportamento do setor privado. A campanha “Publique o que Você Paga” pretende orientar cidadãos de países em desenvolvimento ricos em recursos a exigir de seus governos a demonstração de como as receitas das indústrias de petróleo, gás e mineradoras são gerenciadas e distribuídas. A campanha, promovida por uma coalizão mundial de mais de 170 organizações não-governamentais e da sociedade civil, foi fundada pela Global Witness, pelo Instituto Open Society, de George Soros’s CAFOD (Agência Católica da Inglaterra e País de Gales para o Desenvolvimento), Oxfam, Save the Children do Reino Unido e Transparência Internacional do Reino Unido. A coalizão exige a regulação internacional da divulgação dos impostos líquidos, taxas, royalties e outros pagamentos feitos pelas empresas aos governos dos países em desenvolvimento em todos os países que elas operam. Dado que empresas individuais podem ficar em desvantagem ao revelar informações se outras não as divulgam, confiar na divulgação voluntária poderia não ser uma opção viável. Todavia, todas as empresas e a comunidade investidora se beneficiariam com um jogo de regras iguais, se os organismos reguladores passassem a exigir essa divulgação. A importância deste enfoque também se reflete na Iniciativa de Transparência para as Indústrias Extrativas, desenvolvida pelo governo do Reino Unido e recentemente endossada pelo Banco Mundial. Além de estabelecer padrões para o setor privado, um número pequeno, porém crescente de empresas, está elevando os padrões para que elas próprias sirvam de modelo para avaliar outras empresas privadas. Essas novas tendências oferecem um importante complemento à visão tradicional de um setor privado regulado e de um organismo público regulador. A Infosys, na Índia, não só está pavimentando o caminho nessa área, mas também se envolvendo diretamente com os governos para participar de uma reforma mais ampla e de um plano de desenvolvimento tanto de suas próprias operações quanto do país. Esse tipo de função para o setor privado é fundamental no esforço para o desenvolvimento. APRIMORANDO A GOVERNANÇA CORPORATIVA A governança corporativa constitui um ponto fundamental na criação de mecanismos contra a corrupção e a má administração, limitando o acesso a informações privilegiadas e ao favorecimento, enquanto promove os valores da economia de mercado numa sociedade democrática. Estes valores incluem demonstrações de contas, comprometimento, transparência e o estado de direito – assim como a equidade, responsabilidade, o sentido de propriedade e proteção a acionistas minoritários. Dentre os benefícios do compromisso com os mecanismos da governança corporativa, encontram-se: menor corrupção, um setor privado mais saudável, mercados mais justos e maior desenvolvimento institucional, elementos que conjuntamente oferecem suporte ao crescimento da economia. Além da governança corporativa, que é, em essência, a proteção dos direitos dos acionistas, há o interesse crescente na responsabilidade social das empresas. Empresas não são pressionadas apenas pelo governo, que define regulamentação para a boa governança corporativa através da imposição de códigos de conduta nos negócios, mas também pela opinião pública, estimulada pela sociedade civil e organizações do trabalho. Códigos auto-regulatórios ou voluntários de conduta corporativa comprovam que as empresas estão dispostas a ser boas “cidadãs corporativas”. É importante que os setores público e privado trabalhem de forma conjunta para desenvolver um conjunto de regras vinculantes, que determinem a forma como as empresas devem ser conduzidas. Associações empresariais, como as câmaras de comércio e os grupos setoriais, devem estimular seus membros a desenvolver padrões de governança corporativa para proteger os acionistas e outros constituintes – e padrões de responsabilidade social para responder às partes interessadas 34 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES externas. Forças tarefa do setor privado que promovam a governança corporativa e associações empresariais que desenvolvem códigos de governança corporativa para seus membros são pontos de partida promissores. AVANÇANDO AS PRÁTICAS EMPRESARIAIS RESPONSÁVEIS E OS PADRÕES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA Para alguns, a atual tendência conhecida como a “tripla avaliação de resultados” (triple bottom-line) – que congrega o respeito ao meio ambiente, a equidade social e a viabilidade financeira – é uma boa notícia para os negócios. Segundo este balanço tríplice, as empresaa devem atentar não apenas para o valor econômico que aportam, mas também aos valores sociais e ambientais que produzem – e destroem. O termo aglutina os parâmetros, ações e procedimentos que as empresas devem observar para minimizar qualquer dano advindo de suas atividades e produzir resultados econômicos, sociais e ambientais. Isso implica em transparência por parte da empresa quanto a seus objetivos, e leva em consideração as demandas de todas as partes interessadas – acionistas, clientes, empregados, parceiros comerciais, governos, comunidades locais e o público em geral. As possibilidades de alinhamento entre interesses comerciais e sociais ainda estão por explorar. A maioria das empresas que sabiamente se voltaram para o desenvolvimento sustentável foram empurradas ou puxadas nessa direção: empurradas pela mudança nas expectativas sociais e pelas exigências de seus constituintes, e puxadas em direção dos mercados emergentes pelo acirramento da competição nos mercados maduros do mundo desenvolvido. Muitos dos esforços têm se concentrado nos tradicionais modelos de caridade e filantropia: construção de escolas e clínicas de saúde ou apoio a organizações culturais e artísticas. Embora seja importante e talvez até necessário, esse modelo é mais uma vitrine do que uma contribuição real e sustentável para a vida dos mais carentes. Pelo fato de situarem-se fora do modelo tradicional de negócios, os benefícios são avaliados em termos abstratos – tais como reputação, redução do risco e autorização para operar – ao invés de como resultado financeiro, pois muitas vezes representam resultados financeiros de curto prazo, indetermináveis e não contabilizáveis. E os compromissos podem ir e vir de acordo com variações nas condições de negócio ou no gerenciamento. A última década apresenta evidências crescentes de que as empresas que foram pioneiras em ativamente gerenciar seus impactos no desenvolvimento sustentável alcançaram melhores resultados financeiros. Empresas têm sido pressionadas por advogados, pelos sindicatos, pela mídia e até mesmo por acionistas, para que levem em consideração os efeitos negativos e positivos de suas atividades, em grau muito maior do que faziam antes. Elas estão incorporando direitos humanos, padrões trabalhistas fundamentais e desenvolvimento sustentável a seus compromissos corporativos. Aos poucos, elas estão aprendendo a implementar esses valores através de sistemas gerenciais e padrões contáveis mais abrangentes. E, ao longo deste processo, elas estão divulgando publicamente seus sucessos e fracassos, utilizando sofisticados relatórios de responsabilidade social corporativa. Parcerias globais para definir padrões em diferentes setores da indústria têm também facilitado a liderança no setor privado e os atributos da governança corporativa que refletem mudanças na conduta corporativa. Essas parcerias incluem a “Cuidado Responsável” (Responsible Care) na indústria química, a “Iniciativa Sustentável para Florestas” (Sustainable Forest Initiative), a “Pesca Sustentável” (Sustainable Fisherie)s, e a “Iniciativa Mineradora Global” (Global Mining Initiative), lançada em 1998 por nove companhias mineradoras ao redor do mundo. A indústria mineradora mundial procurou redefinir seu papel, demonstrando o compromisso corporativo de diálogo com constituintes e de desenvolvimento sustentável. A iniciativa resultou em um projeto de pesquisa independente sobre extração, mineração e desenvolvimento sustentável, além de uma conferência com múltiplos atores sociais, em Maio de 2002. As parcerias e esforços de pesquisa que surgiram dessas iniciativas continuam através do Conselho Internacional em Extração e Metais, e o Conselho de Comércio Mundial para o Desenvolvimento Sustentável e outras associações de indústrias e empresas que compartilham experiências para promover o crescimento local, através de padrões e pincípios de sustentabilidade. CAPÍTULO 4 : ENGAJANDO O SETOR PRIVADO NO DESENVOLVIMENTO 35 As parcerias refletem a evolução dos novos padrões voluntários para avaliação de empresas. Alguns críticos vão denunciar essas parcerias como mecanismos corporativos para evitar regras obrigatórias. Outros as vêem como evidência direta do compromisso corporativo e da compreensão de como é importante assumir a liderança no desenvolvimento sustentável. Entre os novos parâmetros estão: AA1000 (desenvolvido pelo Instituto para Responsabilidade Ética e Social), ISO14001 (Organização Internacional para Padronização) e Projeto Sigma (um modelo de gerenciamento da sustentabilidade sendo desenvolvido pela Instituição Britânica de Normas, Fórum para o Futuro, e outros). A elaboração e a melhoria dos indicadores de desenvolvimento, através das agências internacionais de desenvolvimento, como o Sistema de Sustentabilidade da Corporação Financeira Internacional, e através de associações como a Iniciativa do Relatório Global, oferecem oportunidades únicas para monitorar as contribuições do setor privado ao desenvolvimento sustentável. O mesmo ocorre com as avaliações dos esforços corporativos para contribuir com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, publicados através da Iniciativa de Governança Global, do Fórum Econômico Mundial. Essas ferramentas quantitativas permitirão que as corporações possam ir além dos relatórios qualitativos associados à filantropia tradicional, rumo a investimentos sociais estratégicos com objetivos de curto, médio e longo prazos. Ser capaz de orçar e reportar resultados trará o benefício de quantificar as contribuições do setor privado para a redução da pobreza mundial, e ainda, simultaneamente de incentivar a adoção de abordagens mais pró-ativas de desenvolvimento sustentável. Modelos de indicadores baseados em sistemas internacionais já existentes também fornecem as ferramentas para análise do custobenefício dos investimentos e a identificação de padrões eficientes. ■ ■ ■ A Comissão percebe uma grande necessidade de acelerar a divulgação de informações sobre modelos bem sucedidos, criando novos modelos ou adaptando os modelos existentes a novos ambientes, reproduzindo-os em diferentes localizações e ampliando-os. O setor privado, especialmente a administração de grandes empresas locais e multinacionais, necessita efetuar um compromisso muito maior de capturar as oportunidades –pesquisando mercados na base da pirâmide, avançando padrões de sustentabilidade e de confiabilidade pública, e ainda, sendo criativo sobre como interagir com empresas locais ou externas para auferir benefícios mútuos. Os governos dos países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento, podem facilitar este processo, e as instituições internacionais de desenvolvimento podem ajudá-los. 36 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES Foto: Chao Doan/PNUD Comissão acredita que a responsabilidade primordial de proporcionar crescimento e desenvolvimento equânime é dos países em desenvolvimento. Essa responsabilidade inclui a criação de condições que tornem possível assegurar os recursos financeiros necessários para investir. As ações dos responsáveis pela formulação de políticas condicionam, em grande parte, o estado da governabilidade, as políticas macroeconômicas e microeconômicas, as finanças públicas, o sistema financeiro e outros elementos básicos do ambiente econômico de um país. O desafio dos países em desenvolvimento está em capitalizar os avanços na estabilidade macroeconômica e na democracia, e assim iniciar reformas que proporcionem mudanças complementares nos marcos institucionais que, por sua vez, potencializam e fomentam o setor privado. A maioria das ações recomendadas envolve o trabalho conjunto de vários atores. Quando os governos efetuam mudanças nas suas políticas, normalmente o fazem com o apoio e a participação diretos de instituições multilaterais de desenvolvimento. Se o setor privado assume uma posição mais ativa no desenvolvimento sustentável, isto ocorre porque a sociedade civil chama sua atenção para o tema. Quando os governos implementam reformas nos marcos regulatórios, geralmente o fazem através de consultas diretas a representantes do CAPÍTULO 5 AÇÕES RECOMENDADAS DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES 37 A setor privado. As ações individuais aqui identificadas devem ser vistas na estrutura dessa cooperação mais ampla – cada vez mais necessária para reduzir a pobreza. O nosso interesse repousa em três áreas: 1. Na esfera pública, promover as reformas de leis, regulamentos e outras barreiras ao crescimento. 2. Na esfera público-privada, facilitar a cooperação e as parcerias entre atores públicos e privados, para ampliar o acesso a fatores determinantes tais como financiamento, capacitação e serviços básicos. 3. Na esfera privada, estimular o desenvolvimento de modelos de negócios passíveis de serem ampliados e reproduzidos, que sejam comercialmente sustentáveis. A gama de ações nessas três áreas centrais – necessária para colocar em prática um programa bem-sucedido de desenvolvimento do setor privado – deriva de um modelo analítico concebido para desencadear a capacidade dos empresários nacionais, segundo descrito nos Capítulos 2 e 3. Estas iniciativas reforçam e potencializam as contribuições do setor privado para o desenvolvimento, conforme explicado no Capítulo 4. AÇÕES NA ESFERA PÚBLICA: CRIANDO UM AMBIENTE FAVORÁVEL Criar um ambiente propício ao desenvolvimento do setor privado envolve passos formulados para reduzir a fatia do setor informal na economia, através da reforma do ambiente geral propício à economia formal. Essas medidas devem resultar na redução de custos e na ampliação das vantagens da formalidade. Recomendações para os governos dos países em desenvolvimento A Comissão acredita que os governos dos países em desenvolvimento devem assumir a responsabilidade pelas seguintes ações: Reformar o marco regulatório e fortalecer o estado de direito. Governos dos países em desenvolvimento precisam assumir um compromisso sério, que não deixa margem a dúvidas, com o desenvolvimento do setor privado – e conciliar este compromisso com o interesse legítimo de reformar o panorama regulatório de forma a remover os entraves artificiais, induzidos por políticas que restringem o crescimento econômico. Todo o processo começa com a postura das lideranças nacionais. Por exemplo, não há justificativa para que o custo de se abrir uma empresa em países de baixa renda seja muitas vezes maior que o mesmo procedimento em países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nós enfatizamos a adoção de uma visão pragmática, focada no usuário final, que se concentre em melhorias efetivas no relacionamento dos empreendedores com as instituições públicas e as regulações. Assim, na medida em que os governos desenvolvem e fazem cumprir regras formais mais efetivas, passarão a entender a importância dos ecosistemas privados em criar maior participação na economia, além de 38 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES F I G U R A 5 . 1 AÇÕES NAS TRÊS ÁREAS-CHAVE Dirigidas por atores do setor privado: ■ Empresas ■ Organizações da sociedade civil ■ Fundações Dirigidas por atores do setor público: ■ Governos locais ■ Doações governamentais ■ Agências de desenvolvimento Direcionadas aos atores do setor público Direcionadas aos atores do setor privado 3. Esfera privada: Mobilizar conhecimentos e recursos ■ Enfoque nas potencialidades do setor privado e apoio a empreendedores e empresas. ■ Construir ecosistemas e redes de suporte. ■ Investir nas empresas da base da pirâmide. 2. Esfera público-privada: Parceria e inovação ■ Criar maiores opções de financiamento para empreendedores. ■ Desenvolver lideranças e habilidades empresariais com treinamento. ■ Apoiar parcerias público-privadas para fornecimento de serviços básicos. 1. Esfera pública: Criar um ambiente favorável ■ Reformar marcos regulatórios e fortalecer o estado de direito. ■ Formalizar a economia. ■ Engajar o setor privado no processo de criação de políticas. demonstrar o valor da capacidade de regular transações. Formalizar a economia. Governos de países em desenvolvimento precisam concentrar seus esforços na criação de condições para a redução da informalidade e assim, com o tempo, alterar a configuração do ecosistema do setor privado. O foco deve ser em resultados mensuráveis. Dado que a composição do ecosistema do setor privado em um país é um forte indicador do seu processo de desenvolvimento – níveis elevados de informalidade estão associados a rendas baixas - o objetivo concreto deve ser alterar essa composição de forma específica e mensurável. Metas indicativas de ampliação da parcela de empresas menores e formais na economia, realizáveis num prazo de 5 a 10 anos, precisam ser estabelecidas. Um claro reconhecimento do setor informal deve ser acompanhado de passos rápidos para analisar suas características locais e para aplicar medidas que ampliem seu acesso a financiamentos, bem como de medidas de suporte ao setor formal. Precisamos começar pela conscientização e pela disseminação de informações sobre o predomínio da informalidade – e pelo diagnóstico do problema no contexto nacional. As soluções incluem reformas em regras estatais específicas e na sua aplicação. Uma questão que demanda ações urgentes é a melhoria das regras e procedimentos de registro de propriedade e de titularidade de imóveis, pré-requisitos essenciais para o acesso a financiamentos lastreados nesses ativos. Aqui estão incluídos procedimentos práticos e amigáveis para que empreendedores possam obter, e fazer valer, os direitos de propriedade. Como em qualquer processo de mudança no setor público, órgãos consultivos devem orientar os esforços de mudanças de uma maneira transparente, envolvendo empreendedores informais, cooperativas e organizações da sociedade civil. Engajar o setor privado no processo de criação de políticas. Os governos precisam criar uma parceria efetiva com os representantes do setor privado nacional, para implementar mudanças e garantir que os anseios do setor privado incluam os anseios das micro, pequenas e média empresas. Conselhos e órgãos consultivos com membros do governo e setor privado estão sendo criados, porém mecanismos para reduzir a distância entre a intenção de colaborar e o apoio efetivo só podem ser assegurados pelos governos e seus parceiros do setor privado. Quando novos arranjos são colocados em prática, a divulgação de exemplos de cooperação bem sucedida pode fazer as relações evoluirem da desconfiança mútua para a formação de parcerias estratégicas. Órgãos consultivos público-privados, onde funcionários públicos e representantes do setor privado compartilham opiniões, são outro fator importante. Mas todas os tipos de atores do setor privado devem ser envolvidos, incluindo empreendedores pequenos e informais, além de organizações do trabalho. Induzir um ambiente macroeconômico internacional e um regime de comércio favoráveis. A Comissão acredita que os governos de países desenvolvidos devem estimular um ambiente macroeconômico internacional e um ambiente político favoráveis ao florescimento de todo o potencial dos empreendedores nos países em desenvolvimento, dado que uma economia internacional forte proporciona mercados para os bens das empresas de países em desenvolvimento. O aumento do fluxo da cooperação para o desenvolvimento e a reforma do sistema global de comércio, contribuem para oferecer oportunidades econômicas justas aos produtores de países em desenvolvimento, e são essenciais para promover um rápido crescimento no investimento privado doméstico. Redirecionar as estratégias operacionais das instituições e agências multilaterais e bilaterais de desenvolvimento. Os países desenvolvidos são os principais acionistas dos bancos de desenvolvimento multilaterais e controlam a maioria dos ministérios e organismos bilaterais de cooperação, ativos na arena do desenvolvimento. Para apoiar o desenvolvimento sustentável do setor privado, é necessário assegurar que as ações coletivas dessas agências sejam mais bem coordenadas – aperfeiçoando sua eficiência e reduzindo pressões sobre a capacidade administrativa dos governos de países em desenvolvimento. Também é necessário que o foco da cooperação para o desenvolvimento do setor privado nos países em desenvolvimento seja a criação de condições para a redução da informalidade e para a mudança na composição de seu ecosistema. Desatar a cooperação. Os países desenvolvidos são a principal fonte dos recursos de assistência técnica utilizados, pelas instituições multilaterais de desenvolvimento, no suporte às reformas políticas e institucionais nos países em desenvolvimento. Apesar da introdução de certa flexibilidade nos últimos anos, os principais elementos desses fundos são fixos, o que pode criar complicações desnecessárias em relação à eficácia com que podem canalizar e afetar a qualidade do suporte prestado. Além disso, a maior parte dos recursos é oferecida aos governos, e não diretamente aos seus receptores finais. Certas mudanças nas regras administrativas que regem estes fundos poderiam permitir a liberação e o uso mais eficazes da assistência técnica, e assim estimular o desenvolvimento do setor privado. CAPÍTULO 5 : AÇÕES RECOMENDADAS 39 Ações recomendadas para as instituições multilaterais de desenvolvimento O Consenso de Monterrei reconheceu explicitamente o papel da iniciativa privada no desenvolvimento, assinalando a necessidade de se aperfeiçoar o funcionamento e a eficiência das agências globais e bilaterais de desenvolvimento. Reconheceu-se ainda a limitada capacidade de absorção de muitos países em desenvolvimento, bem como o fato de que sua capacidade administrativa fica sobrecarregada ao lidar com a sobreposição de atividades das instituições de desenvolvimento. Desta maneira, o Documento de Consenso incentivou um alto grau de especialização e de parceria na comunidade do desenvolvimento, de forma a melhorar o impacto geral das várias formas de cooperação para o desenvolvimento. Aplicar a recomendação de Monterrei para a especialização e estabelecimento de parcerias às atividades de desenvolvimento do setor privado. Muitas instituições estão engajadas em esforços de apoio ao desenvolvimento de mercados financeiros, de prestação de serviços de desenvolvimento empresarial às pequenas empresas, de aconselhamento sobre a criação de um ambiente favorável, de aprimoramento da governança corporativa e de intensificação do foco na sustentabilidade. Embora a escolha de um “fornecedor” aos países recebedores dessa ajuda seja importante, fica evidente que essa sobreposição de atividades é contraproducente e precisa ser abordada com urgência. Abordar a informalidade nos países em desenvolvimento. Alguns trabalhos pioneiros se encontram em andamento para mapear a estrutura do setor informal, e o esforço global para expandir o alcance desse trabalho deve obter benefícios significativos. Uma parceria para acelerar esse mapeamento na América Latina acaba de ser feita, entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Instituto para a Liderança e a Democracia do Peru. Há também grande espaço para facilitar a criação de vínculos entre corporações multinacionais e pequenas e médias empresas, tendo em vista a importância dos ecosistemas do setor privado e os benefícios potencialmente advindos das parcerias entre entes privados. AÇÕES NA ESFERA PÚBLICO-PRIVADA: PARCERIAS E INOVAÇÃO A Comissão acredita que todos os atores precisam cooperar no fomento ao financiamento, à capacitação e à criação de parcerias público-privadas para a prestação de serviços essenciais. Em cada uma dessas áreas críticas, governos de países em desenvolvimento e atores privados necessitam desenvolver modelos viáveis de parcerias que possam alavancar suas respectivas capacidades. Várias organizações da sociedade civil podem aportar percepções e experiências valiosas a tais parcerias. A construção de parcerias sustentáveis requer habilidade para avaliar interesses conflitantes e para a negociação de acordos pragmáticos. Organismos multilaterais de desenvolvimento podem agir como prestadores de serviços e moderadores imparciais. Para se tornarem intermediários eficazes, devem construir a capacidade de criar parcerias que façam sentido econômico para os atores privados, ao mesmo tempo que são administráveis por parte dos órgãos públicos dos países em desenvolvimento. Diferentes atores podem iniciar e liderar parcerias em momentos distintos. O mais importante é que todos tenham expectativas realistas sobre os interesses e capacidades de cada parceiro. A Comissão percebe a necessidade de inovar no estabelecimento de modelos de parceria verdadeiramente sustentáveis para os países em desenvolvimento. Facilitar o acesso a maiores opções de financiamento. Nós vislumbramos o desenvolvimento continuado dos mercados financeiros domésticos, juntamente com a criação de capacidade para reguladores e instituições financeiras privadas. Vemos como muito promissoras ações que facilitam a transferência de conhecimento Sul-Sul entre instituições financeiras e agências reguladoras. Alianças amplas para fomento ao microcrédito, como parte das recomendações do Ano Internacional do Microcrédito 2005 da ONU, e aos empréstimos para pequenas e médias empresas, podem gerar modelos financeiramente sustentáveis. Métodos inovadores também são necessários para transformar fluxos financeiros de várias emigrações em investimentos produtivos de longo prazo em seus países de origem. Colaborar no desenvolvimento de capacidades e conhecimento. As atividades de construção de capacidades podem abranger desde programas para lideranças públicas e privadas, passandoo pelo treinamento de microempreendedores, até esforços conjuntos entre autoridades públicas e sindicatos para aprimorar a capacidade da força de trabalho. A Comissão vislumbra alianças mais amplas com escolas de negócios e de comércio, colaboração público-privada em formação profissional e a criação de programas de mentoria para empreendedores – alavancando colegas, residentes e emigrantes. Enxergamos uma grande oportunidade para infraestruturas organizacionais que estabelecem redes de contato entre recursos privados de todo o mundo e aspirantes a empreendedores nos países em desenvolvimento, que podem 40 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES incluir programas formais de empresas multinacionais visando tornar disponíveis seus recursos humanos e know-how para empreendedores de países em desenvolvimento. Permitir o fornecimento sustentável de serviços básicos, principalmente energia e água. A Comissão considera necessário o desenvolvimento de modelos inovadores para parcerias entre prestadores de serviços governamentais, empresas multinacionais e empresas locais. O fornecimento sustentável de serviços básicos depende de parcerias efetivas, além de outras formas de cooperação público-privada, difíceis de articular, pois ainda estão por desenvolver as habilidades necessárias para a implementação de parcerias duradouras, nas quais os incentivos de todos os atores estejam equilibrados e a governança adequada esteja presente. Consideramos necessário gerar capacitação adicional que visa ajudar a lidar com disfunções do mercado e assimetria de informações, oferecer apoio operacional e experiência prática, preencher lacunas de conhecimento e atuar como intermediário imparcial entre interesses conflitantes. A efetiva intermediação, superando obstáculos que poderiam impedir ações, pode tornar viáveis mais transações. Planejamos acompanhar entidades públicas e privadas atuando nestes temas, para averiguar de que maneira seria possível suplementar a capacidade institucional existente – e como as pessoas carentes podem ser diretamente capacitadas a desenvolver seus negócios. AÇÕES NA ESFERA PRIVADA: MOBILIZAR CAPACIDADES E RECURSOS A Comissão acredita que o setor privado, particularmente grandes empresas nacionais e corporações multinacionais, deve contribuir para acelerar o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza. Ações recomendadas para o setor privado Ações requeridas ao setor privado, conforme dispostas no Capítulo 4: Canalizar a iniciativa privada para os esforços de desenvolvimento. Acreditamos que o setor privado possui enorme potencial para contribuir com o desenvolvimento por meio do seu conhecimento, competência técnica, recursos e relações. Para desencadear esse potencial, será necessário o aumento da visibilidade do grande número de contribuições do setor privado (ilustradas no Capítulo 4) que permanecem desiguais e invisíveis – além de estabelecer uma infra-estrutura capaz de canalizar efetivamente essas contribuições. Isso pode ser alcançado através de uma nova organização privada central que aproximaria knowhow, serviços e recursos da necessidade de sua utilização nos países em desenvolvimento, principalmente através do setor privado, mas também através de agências governamentais. Desenvolver vínculos entre empresas multinacionais e grandes empresas domésticas visando fortalecer pequenas empresas. Os laços entre os diferentes tipos de empresas nos países em desenvolvimento oferecem um canal efetivo de acesso a mercados, financiamento, experiências e knowhow para as empresas locais. É necessário e urgente que empresas multinacionais se integrem melhor a pequenas e médias empresas e reforcem elos com o ambiente doméstico, assim como aqueles existentes entre microempresas distribuidoras e grandes empresas domésticas. Muitos atores necessitam trabalhar em conjunto para que isso ocorra. A gama de atividades para tornar duráveis os laços criados inclui informação, know-how e apoio com experiência prática. Buscar oportunidades de negócios em mercados localizados na base da pirâmide. O reconhecimento das necessidades dos mercados localizados na base da pirâmide e a criação de soluções inovadoras para preencher essas necessidades são ações vitais solicitadas pelo setor privado, tanto doméstico quanto internacional. Os esforços devem ser feitos principalmente pela alcançar a expansão dos mercados e de novas oportunidades de negócios. A interação nos ecosistemas nacionais provavelmente resultará em mudanças paralelas no comportamento econômico de todos os participantes da cadeia, de operadores informais a pequenas e médias empresas e suas financiadoras. Isso é importante para dar poderes às pessoas carentes e poderia também ter grande valia na criação de um mecanismo de avaliação para grandes empresas e multinacionais avaliarem seu sucesso na criação de mercados lucrativos para consumidores pobres. Estabelecer padrões. O setor privado precisa estabelecer um compromisso real com o desenvolvimento sustentável – com o foco nítido na governança corporativa e na transparência. Temos destacado empresas de sucesso que modificaram o debate em torno do desenvolvimento dentro de suas economias, criado um consenso político que libera o caminho para que os governos possam facilitar a expansão e o crescimento de um vigoroso setor privado. Tal mudança ocorrerá quando os administradores pioneiros perceberem o valor da liderança, forem responsáveis em relação às necessidades de desenvolvimento social e estabelecerem novos padrões que demonstrem o valor da sustentabilidade. Hoje, muitas grandes empresas nos países em desenvolvimento são também multinacionais no sentido em que suas atividades de comércio não mais se limitam ao seu país de origem.Todavia, CAPÍTULO 5 : AÇÕES RECOMENDADAS 41 desempenham um papel diferente dentro de suas economias locais – e são vistas de maneira diferente de multinacionais, no sentido tradicional do termo. As próprias empresas desse nível, onde existam, necessitam compreender a maior amplitude de sua estrutura de operações e trabalhar ativamente para criar o novo consenso que propomos. Muitas das iniciativas voltadas à sustentabilidade discutidas no presente relatório tendem a envolver grandes multinacionais. Mas iniciativas similares ou desdobramentos de iniciativas globais envolvendo o setor privado local podem ser bastante eficazes na redefinição dos papéis dos diferentes atores no processo de desenvolvimento. Ações recomendadas para a sociedade civil e organizações do trabalho A Comissão acredita que a sociedade civil e as organizações do trabalho devem continuar atuando como observadores críticos da agenda de desenvolvimento – e como promotores e apoiadores de abordagens inovadoras para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e melhorar as condições de vida das pessoas carentes. As organizações da sociedade civil desempenham um importante papel na formação de uma poderosa aliança global que amplie gradualmente a força de cada um dos principais atores para atingir esses Objetivos. Aumentar a responsabilidade no sistema. Esse é um ponto central do trabalho das organizações da sociedade civil, uma vez que cabe a elas a liderança para impulsionar o conceito de desenvolvimento sustentável. Esse trabalho deve ser fortalecido. Desenvolver novas parcerias e relações para atingir objetivos comuns.Numerosas organizações da sociedade civil estão atuando em parcerias diretas com o setor privado para combinar os conhecimentos de gerência e a capacidade financeira de empresas privadas com seu know-how e contatos em mercados localizados na base da pirâmide, o que pode facilitar uma colaboração do setor privado com a sociedade civil, capaz de desenvolver programas de microcrédito em bases comercias e sustentáveis. As organizações da sociedade civil estão mais próximas da base da pirâmide. Muitas vezes, elas também representam uma opção de base de testes para novas tecnologias de solução de problemas. Essas organizações necessitarão também medir seu êxito em facilitar parcerias inovadoras entre entes privados para lidar com objetivos econômicos e de política social. OLHANDO PARA O FUTURO Reconhecendo o tamanho e a complexidade do desafio, a Comissão conclui pela necessidade da canalização da capacidade e de recursos privados para fomentar o próprio setor privado nos países em desenvolvimento. Acreditamos que as energias e as oportunidades continuam sendo pouco aproveitadas, porque as necessidades dos países em desenvolvimento não encontraram correspondência apropriada nos recursos e interesses disponibilizados globalmente. Dessa maneira, nossa proposta de programa de ação foi desenhada para funcionar como catalisadora de uma resposta privada forte, que é o principal objetivo do nosso trabalho. Para promover o progresso, a Comissão recomenda que as Nações Unidas fomentem o acompanhamento do desenvolvimento do setor privado. Um relatório anual de progresso manteria a relevância das recomendações gerais da Comissão e asseguraria o compromisso com o tratamento das várias questões aqui apontadas. Esse relatório ofereceria uma oportunidade para comemorar progressos e expor obstáculos para o desenvolvimento do setor privado e deveria ser preparado com a ajuda de alguns membros da Comissão e instituições de desenvolvimento. À medida que os principais atores comecem a trabalhar em conjunto na direção de objetivos comuns, será exigida uma mudança significativa na estrutura das interações econômicas e políticas de muitos países em desenvolvimento. Os atuais relacionamentos rompidos e conflitantes terão de ser gradualmente substituídos por parcerias colaborativas, em que as ações de cada ator são influenciadas e modificadas por maiores desafios e pela capacidade de outros. Visando catalisar esse processo, a Comissão está reunindo uma primeira lista de iniciativas exeqüíveis para facilitar transformações em cada um dos países e fornecer as ferramentas que permitam aos governos e ao setor privado suplementar os recursos disponíveis e começar rapidamente a implementar um programa de mudanças. Essas primeiras ações se destinam a estimular reações colaborativas de potenciais parceiros que leiam o presente relatório. Nossa mensagem a todos vocês é: juntem-se a nós. Nos próximos meses lançaremos iniciativas e consultaremos os leitores deste relatório visando atrai-los para a tarefa. Convidamos os vários atores envolvidos e identificados no presente relatório a atentarem ao nosso chamado e trabalharem prontamente para transformar idéias iniciais em planos comerciais definidos, que podem ser lançados dentro dos próximos seis meses. Somente se formos capazes de criar um sentimento de acompanhamento contínuo de nosso trabalho inicial, poderemos ter a esperança de liberar a energia empreendedora das pessoas pobres e aproveitá-la como alavanca para o crescimento do setor privado. 42 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES omo indicado na Bibliografia a seguir e nas detalhadas referências citadas abaixo, o presente relatório baseia-se em uma ampla série de documentos e numerosas fontes externas. Muitas pessoas despenderam bastante tempo e energia contando suas experiências e visões à Comissão. Essas pessoas estão identificadas na seção dos Agradecimentos. Recursos institucionais do Grupo Banco Mundial, incluindo a Corporação Financeira Internacional e a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos, foram importantes fontes de informação, conforme especificado no capítulo de referências abaixo. A obra do Banco Doing Business in 2004: Understanding Regulation merece menção especial como base de quantidade substancial das análises e conclusões dos Capítulos 2 e 3. As recomendações do Capítulo 3 são uma síntese de intervenções políticas sugeridas em várias fontes e, em particular, resultado do trabalho de desenvolvimento do setor privado da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. NOTA BIBLIOGRÁFICA C DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES 43 Foto: Munira Morshed Munni/PNUD Bangladesh A Secretaria da Comissão também usufruiu de debates e entrevistas com Michael Barth, Richard Frank e Percy Mistry, cuja influência é sentida neste documento. Da mesma forma, K.V. Kamath, Lalita Gupte e Madhav Kalyan do Banco ICICI, e Nandan Nilekani e Sanjay Purohit do Infosys, ofereceram uma ampla visão sobre abordagens de administração das principais empresas de países desenvolvidos. Suas percepções tiveram relevância especial para os temas de desenvolvimento tratados. REFERÊNCIAS ADICIONAIS Capítulo 1 baseado em Bouton e Sumlinski 2000; De Soto 2000; IFAD 2002; IFC 2000; McKinsey and Co. 2003; Pfeffermann 2000; Prahalad, a ser publicado; Prahalad e Hammond 2002;World Bank 2002b, 2002c, 2003d; UNDP 2003b. Capítulo 2 baseado em Ananth e Soju 2003; Ayyagari, Beck, Demirgüç-Kun 2003; Carrington e Detragiache 1998; Cervantes e Guellec 2002; De Soto 2000; IFC 1997; McKinsey and Co. 2003; Transparency International 2003;World Bank 2003a. Capítulo 3 baseado em De Soto 2000; IFC 1996; McKinsey and Co. 2003; OECD 1993; OECD e UNIDO 1999; Rajan e Zingales 2003;World Bank 2003a. Capítulo 4 baseado em IFC 2002a; Porter 2003; Prahalad e Hammond 2002; Prahalad, a ser publicado; Saper e Saravanamutto 2003; UNCTAD 2001, 2002;Wignaraja e Ikiara 1999. 44 DESENCADEANDO O EMPREENDEDORISMO: O PODER DAS EMPRESAS A SERVIÇO DOS POBRES Ananth, Bindu, Annie George Soju. 2003. “Scaling up Micro-Financial Services: An Overview of Challenges and Opportunities.” ICICI Bank, Mumbai. Ayyagari, Meghana, Thorsten Beck, Asli Demirgüç-Kunt. 2003. Small and Medium Enterprises across the Globe: A New Database.Washington:World Bank. Baghai, Mehrdad, Stephen Coley, David White. 1999. The Alchemy of Growth: Practical Insights for Building the Enduring Enterprise. Reading, Mass.: Perseus Books. Batra, Geeta, Daniel Kaufman, Andrew Stone. 2003. Investment Climate around the World: Voices of the Firms from the World Business Environment Survey.Washington:World Bank. 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