XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e
IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba
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MAIO DE 1968: MEMÓRIA E HISTÓRIA NA IMPRENSA BRASILEIRA
Suely Enomoto Russo1, Moacir José dos Santos 2, Monica Franchi Carniello 3,
Pedro de Alcântara Bittencourt César4, Fabio Ricci5
1 Mestranda/ Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional/ Universidade de Taubaté – SP, Rua
Expedicionário Ernesto Pereira, 225, Taubaté, SP, suely.enomoto@gmail.com
334, Taubaté, SP, santos.mj@ig.com.br
2,3,4,5 Professores Doutores/ Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional/ Universidade de
Taubaté – SP, Rua Expedicionário Ernesto Pereira, 225, Taubaté, SP, fabioricci@uol.com.br
Resumo-
O ano de 1968 é referência para a compreensão das tensões políticas e sociais que caracterizaram a
segunda metade do século XX. A emergência da juventude como grupo social ativo e o impacto da mídia
nos protestos de 1968 instauraram um novo padrão de repercussão dos conflitos sociais e políticos. Esta
pesquisa de caráter descritivo e documental comparou a abordagem dos jornais Folha de São Paulo e O
Estado de São Paulo em relação aos quarenta anos dos eventos de 1968. Os resultados demonstram que
os dois jornais publicaram opiniões de intelectuais de diversas áreas e refletem sobre os efeitos de 1968 em
busca de soluções para os conflitos contemporâneos.
Palavras-chave: Comunicação; Cultura; História; Política.
Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas - Comunicação
Introdução
No século XXI a produção da memória social é
um processo complexo e realizado em várias
instâncias. Evidentemente, decorre também do
impacto decisivo dos meios de comunicação de
massa. A memória histórica é dinâmica e
vinculada aos processos sociais. É ingenuidade
acreditar que sua produção gera definições fiéis
em relação ao passado.
A construção da memória é um ato coletivo e
historicamente localizado. Em sua obra “História e
memória”, Le Goff (1995) discute a formação da
memória como um ato de escolha relativo aos
valores e interesses de cada grupo social em seu
momento histórico particular. Exemplo pertinente é
a acepção elaborada por intelectuais da
renascença em relação à dicotomia conceitual
entre antigo/moderno. Nesse contexto o moderno
não está no futuro, mas na busca de valores e
referências estéticas e filosóficas na antiguidade
clássica greco-romana.
O objetivo dos intelectuais da renascença
consistia na afirmação de valores que
organizassem suas escolhas em arte e filosofia e,
simultaneamente, definissem sua experiência
como oposta ao período definido como Idade
Média. Emerge, a partir desta operação, uma
visão que cristaliza o período medieval como
obscurantista e responsável por consolidar
superstições e violência generalizada. Destarte, a
renascença significa luz e recuperação de um
esplendor perdido desde o fim do Império Romano
nas mãos dos bárbaros. Durante séculos a Idade
Média foi compreendia sob um manto de
negatividade e a Renascença como luz e
esplendor. Os intelectuais desse período, sob
esse critério, foram bem sucedidos por conseguir,
em períodos posteriores, a adoção da sua
memória sobre o passado e sua própria época.
O ano de 2008 foi fecundo em eventos e
celebrações como o centenário da imigração
japonesa e o bicentenário da transferência da
família real portuguesa para o Brasil. A imprensa
brasileira e o setor editorial exploraram esses
momentos mediante a publicação de livros e
cadernos especiais voltados para esses temas.
Aliás, nos últimos anos, o mercado editorial de
revistas, principalmente, veiculou diversas
publicações sobre história. São revistas voltadas
para diversos públicos, de adolescentes a
egressos do ensino superior interessados no
assunto. O potencial de elaboração de uma
memória social a partir da abordagem dos meios
de comunicação é cada vez maior.
Entre os eventos abordados na imprensa e no
mercado editorial está o celebre maio de 1968.
Decorridos 40 anos de eventos simultâneos em
diversos países espalhados pelo globo é evidente
o esforço para interpretar o significado daquele
momento. 1968 é eleito o símbolo da ação dos
jovens por mudança social. A geração de jovens
que vivenciou 1968 e as gerações posteriores tem
nesse ano um símbolo de contestação à ordem
estabelecida. No entanto, os conflitos sociais do
século XXI não têm como parâmetro a polarização
entre duas superpotências, com a conseqüente
extinção da espécie humana. Problemas como o
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aquecimento global e a emergência de novas
potências como a China ocupam o atual cenário
político. As mudanças na sexualidade humana
decorrente da revolução sexual foram paralisadas
por conta da epidemia de AIDS, cuja
conseqüência é o estabelecimento de posturas
mais conservadoras como forma de evitar a
contaminação por HIV. Em suma, o sonho de uma
humanidade livre de tabus e preconceitos de toda
ordem e da rejeição dos limites autoritários do
capitalismo e do socialismo não se realizou. As
palavras de ordem que ganharam o mundo a partir
de Paris se tornaram lembranças de um momento
especial.
Quatro décadas ensejam a elaboração de uma
reflexão sobre o legado de 1968. Esse artigo tem
como objetivo refletir sobre a percepção dos
eventos ocorridos em 1968 por parte da imprensa
brasileira.
Metodologia
Esta pesquisa caracteriza-se como descritiva,
documental e qualitativa, uma vez que foi
conduzida uma análise de conteúdo. O corpus foi
constituído pelos cadernos especiais publicados
nos jornais O Estado de São Paulo (OESP) e
Folha de São Paulo (FSP) no início do mês de
maio de 2008.
O jornal FSP dedicou 11 páginas e 15 trabalhos
entre artigos e reflexões para descrever os fatos
mais marcantes de 1968 e suas principais
conseqüências. Já OESP dedicou 11 páginas e 14
artigos para cobrir o tema. A seguir é apresentada
uma análise dos especiais que a FSP e OESP
realizaram em relação a maio de 1968.
Resultados
A análise da cobertura realizada por ambos os
veículos de mídia revela a preocupação dos
jornais em expressar a pluralidade de opiniões e
ópticas existentes quanto aos significados de
1968. Historiadores, cientistas políticos, críticos
literários e de arte, filósofos e cineastas foram
convidados a expressar sua avaliação quanto ao
evento histórico. Apesar da pluralidade de
opiniões, é possível perceber como aspecto
comum a todos os trabalhos a preocupação em
estabelecer o significado atual das agitações que
surpreenderam o mundo em 1968.
No caderno “Mais” prevalece o sentimento
de perda de toda utopia possível na política
contemporânea comparada às esperanças
suscitadas naquela ocasião. As esperanças
quanto à ampla transformação social são
transferidas para luta por legitimidade de
comportamentos como a liberação sexual e da
mulher. A discussão sobre a ecologia e sobre a
possibilidade de construir novas sensibilidades
estéticas a partir das experiências sociais e
políticas ensejadas em 1968, também ganha
destaque. Essas reflexões são expostas nos
artigos de Ivana Bentes e Lívio Tragtenberg, bem
como nas entrevistas de do cartunista Angeli e do
líder mais lembrado em relação à juventude de
maio de 1968, Daniel Cohn-Bendit, atualmente
deputado no Parlamento Europeu, representando
o Partido Verde alemão.
Contudo, para muitos analistas, maio de
1968 ainda é referência para a busca de
mudanças na condução da política atual. O
historiador Peter Burke escreveu em seu artigo
publicado no caderno “Mais” que os
acontecimentos de maio de 1968 estimularam
uma postura mais criativa quanto aos limites da
política ou ao exercício específico da elaboração
artística ou mesmo quanto à pesquisa histórica,
como no caso do historiador Michel de Certeau.
Entretanto, como toda efemeridade, essa
data é uma referência com múltiplos significados.
O fascínio e a dificuldade maior para a
compreensão daquele momento histórico
decorrem dos significados, por vezes
contraditórios atribuídos as agitações ocorridas em
1968. Para o filósofo esloveno Slavoj Zizek a
utopia ainda é uma forma eficaz para o
questionamento da exclusão social
contemporânea. O filósofo acredita que houve um
acréscimo qualitativo à crítica política quando, em
1968, houve a incorporação de temas como a
repressão sexual ou quanto à alienação
potencializada na sociedade de consumo
mediante o predomínio dos meios de comunicação
de massa.
Para o filósofo, o paradoxo atual reside na
persistência do controle social por meio da
efetivação das bandeiras da juventude de 1968.
Por exemplo, a liberdade sexual foi transformada
em hedonismo tolerante, a busca do prazer se
tornou uma obrigação. Para Zizek a verdadeira
utopia constituída nas últimas décadas é a crença
na reprodução indefinida do atual sistema
econômico global. Segundo o autor, o contraponto
ao triunfalismo do capitalismo liberal-democrático
é a exploração realista de seus limites
econômicos, ecológicos e morais. Apontar e
criticar os limites e contradições da atual
sociedade de consumo hedonista e atomizada é o
caminho para uma nova crítica política capaz de
gerar transformações políticas antiexclusão social.
A condição de símbolo para as lutas
políticas do presente também é abordada nos
textos publicados em OESP. Luiz Zanin Orichio
reafirma a multiplicidade dos significados de maio
de 1968 em cada país em que os conflitos
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decorrentes das manifestações dos jovens
aconteceram. Para o jornalista, no entanto, a força
de 1968 deve-se a luta política por seu legado. As
opiniões divergem em consonância ao espectro
político. O presidente francês Nicolas Sarkozy
afirmou durante a campanha eleitoral que o
conduziu a presidência de seu país que os
eventos de maio de 1968 foram negativos em
suas conseqüências para a sociedade francesa.
Mas Orichio cita pesquisa da revista Le Nouvel
Observateur que indica uma visão positiva da
maioria dos franceses quanto às relações entre
gêneros ou a conquista de direitos sociais.
Discussão
A avaliação dos efeitos de maio de 1968,
depende do espectro ideológico do avaliador. Os
conservadores desprezam-no, identificam o
período com desordem e mau gosto, enquanto os
progressistas o defendem como um período que
permitiu avanços qualitativos na condição
feminina, no direito a diversidade sexual, no
desenvolvimento da busca por preservação dos
recursos naturais e na renovação da arte, cinema
e literatura.
Ocorre um combate feroz entre partidários
de diferentes ideologias sobre o significado de
maio de 1968. Não se constituiu até o momento
uma análise histórica ou sociológica capaz de
estabelecer uma interpretação predominante
sobre os efeitos sociais dos intensos protestos
desencadeados por diversos grupos sociais como
operários franceses e jovens universitários.
Momentos de celebração de efemeridades
revelam os conflitos do presente em toda sua
intensidade. O passado revela as disputas atuais e
ilumina suas tendências.
Conclusão
A leitura e análise dos dois cadernos sobre
o tema, respectivamente “Mais” e a “Cultura”, não
apresentam divergências em relação ao tema ou
mesmo quanto às conclusões. Verifica-se que os
cadernos buscaram contemplar opiniões de
intelectuais de diversas áreas e suas reflexões
sobre os efeitos de 1968 em busca de soluções
para os conflitos contemporâneos, demonstrando,
inclusive, evidenciar o mosaico de opiniões
distintas.
Os meios de comunicação, que
dinamizaram os protestos em 1968, colaboram
significativamente para essa revisão do passado a
partir de interesses conflitantes no presente.
Referências
- BURKE, P. A escrita da História: novas
perspectivas. São Paulo: Ed. UNESP, 1992.
- HOBSBAWM, E. A era dos extremos: o breve
século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
- FOLHA DE SÃO PAULO, Caderno Mais, 04 maio
2008.
- LE GOFF. História e memória. Campinas: Ed.
UNICAMP, 1995.
- LENHARO, A. A sacralização da política.
Campinas: Papirus/UNICAMP, 1986.
- O ESTADO DE SÃO PAULO, Caderno de
Cultura, 11 maio 2008.
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