quarta-feira, 1 de setembro de 2010

3024 - JOÃOWYCLIFFE

A Igreja Primitiva


A história e doutrina da Igreja Primitiva PÁGINA PRINCIPAL
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João Wycliffe e a reforma protestante
Nem todos os movimentos medievais de reforma protestante focaram no evangelho do reino. Ao lado da corrente do reino, também fluiu uma corrente diferente, a corrente dos reformadores agostinianos.

À primeira vista, pareceria que nenhum movimento relacionado a Agostinho poderia ser um verdadeiro movimento de reforma. Afinal de contas, ele foi o apologista de todo o híbrido constantiniano. Mas a Igreja nos dias de Agostinho só fazia menos de um século que a igreja se tornara parte desse híbrido . Com o passar do tempo, a Igreja apartou-se ainda mais dos ensinamentos de Jesus. A veneração das imagens, de Maria e dos santos mal havia começado nos dias de Agostinho. Em seu tempo, não existiam nem indulgências papais e nem cardeais. Os membros da congregação podiam beber do cálice da comunhão.

Portanto, regressar ao cristianismo dos dias de Agostinho era em si uma reforma importante. No entanto, essa reforma encontrava-se sempre dentro do híbrido constantiniano. De maneira nenhuma era um retorno ao evangelho do reino.

Os movimentos agostinianos contra os movimentos do reino
Embora tivessem muitos pontos em comum, os movimentos de reforma agostinianos se diferenciaram significativamente dos movimentos do reino nos seguintes aspectos:

1. A aceitação do híbrido constantiniano. Para começar, todos os reformadores agostinianos aceitaram o híbrido constantiniano. Eles não se opuseram à união da Igreja e do Estado. Na realidade, sempre procuraram levar a cabo suas reformas mediante o poder do Estado.

2. A rejeição da não-resistência. Visto que aceitaram a união da Igreja e com o Estado, os reformadores agostinianos não se opuseram ao uso da espada. Todos eles reconheciam que a espada era necessária para o funcionamento e a preservação do Estado. E já que o Estado estava unido à Igreja, a Igreja não devia se opor a que seus membros participassem da guerra, da execução da pena capital, nem de torturas.

3. A rejeição de outros ensinamentos do reino.Os movimentos agostinianos quase sempre adotaram a mesma forma: A teologia do Novo Testamento (supostamente!) sobreposta à moral e ao estilo de vida do Antigo Testamento. Os reformadores agostinianos ensinavam que não havia necessidade de seguir literalmente os ensinamentos do reino de Jesus sobre as riquezas e os juramentos. Pouquíssimas vezes falavam da separação do mundo. Todavia, vale mencionar em seu favor que os reformadores agostinianos em geral atacavam os acréscimos que a Igreja romana fez ao evangelho após a época de Agostinho. No entanto, todos eles, sem exceção, aceitaram a maioria das mudanças feitas antes da morte de Agostinho.

4. Ênfase na teologia mais do que no estilo de vida. Outra diferença entre os movimentos agostinianos e os movimentos do reino foi que os movimentos agostinianos com freqüência enfatizavam a teologia como a essência do cristianismo. Em contrapartida, os movimentos do reino enfatizavam o estilo de vida, e não a teologia. Além disso, a teologia enfatizada pelos reformadores agostinianos foi a teologia de Agostinho. Estes reformadores em geral falavam da autoridade suprema da Escritura. No entanto, na prática, essa autoridade foi a Escritura interpretada por Agostinho. Não é por menos que praticamente todos os reformadores agostinianos ensinaram a predestinação absoluta como ponto fundamental de sua plataforma reformadora.

5. A educação. A maioria dos reformadores agostinianos eram homens com educação universitária. Para melhor dizer, em geral estes movimentos reformistas podiam se gabar de contar com pelo menos uma universidade importante que lhes servia como de forte aliada. Já a maioria dos movimentos do reino foi iniciada por leigos, e geralmente não contava com o apoio das universidades.

João Wycliffe
Talvez o mais destacado reformador agostiniano da Idade Média foi João Wycliffe. Ele trabalhou como professor de filosofia e teologia na Universidade de Oxford na Inglaterra do século XIV. Wycliffe foi popular nos círculos acadêmicos ingleses do seu tempo, e contou com o apoio da corte real inglesa.

Tal como os reformadores agostinianos que o seguiram, Wycliffe ensinou contra a maioria das mudanças na Igreja Católica após a época de Agostinho: a doutrina da transubstanciação; a veneração ou adoração das relíquias, as imagens e os santos; e o concessão de indulgências.1

Wycliffe também rejeitou as reivindicações exaltadas do Papa. Na verdade, ele chamou a Igreja romana de “a sinagoga de Satanás”, e disse que o Papa era o anticristo. Wycliffe viu corretamente que “Pedro e Clemente, junto com outros colaboradores na fé, não tinham sido papas, mas sim colaboradores de Deus na obra da edificação da igreja de nosso Senhor Jesus Cristo”.2 Wycliffe queria que a Igreja nacional na Inglaterra fosse independente do Papa. Ele denunciou a todas as ordens religiosas com palavras das mais cortantes, atrevendo-se a ponto de dizer que ninguém poderia ser um verdadeiro cristão se pertencesse a uma ordem.3

Em seus escritos, Wycliffe atacou ferozmente as riquezas da Igreja Católica. Aliás, ele ensinou que nem os clérigos nem a Igreja deviam possuir nenhuma propriedade.4 No entanto, Wycliffe não chegou ao ponto de abraçar todos os ensinamentos de Jesus contra a acumulação de riquezas na terra. Ele não se incomodava que os reis e os membros da nobreza entesourassem riquezas na terra; simplesmente não desejava que a Igreja fizesse tal coisa. Wycliffe inclusive chegou a dizer que se a Igreja não cedesse à coroa suas imensas propriedades, a coroa deveria se apoderar delas à força. Foi exatamente isso o que fez Henrique VIII aproximadamente 150 anos após a morte de Wycliffe.

Igual aos outros reformadores agostinianos, Wycliffe aceitava completamente o híbrido constantiniano. A única parte de dito híbrido que ele recusava era a falsa Doação de Constantino à qual me referir anteriormente. Nos dias de Wycliffe, este documento ainda era aceito como autêntico. Já que Wycliffe achava que o Estado era o irmão gêmeo da Igreja, ele ensinava que um Senhor secular tinha que viver num estado de retidão. Ele dizia: “Ninguém que esteja em pecado mortal é Senhor de nada”.5 Isto é, se um governante está vivendo em pecado mortal, ele automaticamente perde seu cargo de liderança e seus súditos já não precisam lhe obedecer. Isto, logicamente, se opõe diretamente ao que ensina o Novo Testamento. Praticamente todos os imperadores romanos viveram em pecado mortal. Mas Paulo disse que devíamos nos submeter a eles, e não os depor. O ensinamento de Wycliffe preparou as bases para uma revolução armada se o corpo cristão achasse que o rei ou qualquer outro líder estava vivendo em pecado (ou pertencia a uma igreja errônea).

Tal como Agostinho, Wycliffe cria na predestinação absoluta. Ele ensinava que antes de as pessoas nascerem, estão inalteravelmente predestinadas quer para a vida eterna quer para a perdição eterna. Segundo ele disse, isto não é o resultado do conhecimento prévio de Deus, mas sim de sua decisão arbitrária. Wycliffe escreveu: “Eu insisto como uma questão de fé que tudo o que acontecer, acontecerá por necessidade. Portanto, se se sabe de antemão que Paulo será perdido, ele não conseguirá ter o verdadeiro arrependimento.6

Diferindo dos pregadores do reino na França e Itália, Wycliffe quis levar a cabo uma reforma protestante por meio do poder do Estado. Desde o começo, Wycliffe trabalhou dentro dos círculos de poder de Inglaterra, e o rei e outros membros da nobreza o protegeram do Papa. Na realidade, o protetor especial de Wycliffe foi John de Gaunt, um duque que tinha uma grande influência sobre o idoso Rei Eduardo de Inglaterra.

A Igreja Católica declarou que muitas das proposições de Wycliffe eram heresias. No entanto, graças a seus amigos poderosos, Wycliffe conseguiu escapar da fogueira. No ano 1384 morreu de morte natural. Contudo, quase 50 anos após sua morte, a Igreja mandou que exumassem o seu corpo, que o queimassem até convertê-lo em cinzas e que o lançassem ao rio.

Os lolardos
A influência de Wycliffe se manteve viva na Inglaterra por meio de seus discípulos aos quais os católicos chamaram de lolardos. Wycliffe sempre defendera a autoridade da escritura acima da autoridade da Igreja. Um dos grandes feitos dos lolardos foi sua tradução da primeira Bíblia inglesa. Embora na atualidade esta primeira Bíblia inglesa se atribua ao próprio Wycliffe, na realidade a tradução foi feita por seus discípulos e amigos.7

A princípio, os lolardos incluíram em seu grupo muitas pessoas abastadas e de poder. Ainda muito influenciados pelo híbrido constantiniano, em 1394 os lolardos apresentaram um panfleto perante o Parlamento inglês, solicitando-lhe que reformasse a Igreja. No entanto, as reformas que eles propunham eram uma mistura interessante de ensinos agostinianos e do reino. Em seu panfleto os lolardos atacavam o celibato do sacerdócio, a água benta, as rezas pelos mortos, as peregrinações a Roma, as rezas e as oferendas às cruzes e às imagens, e a confissão aos sacerdotes.8 Eles exigiam o fim da prática doe Papa ou de seus bispos de realizar todas as ordenações na Inglaterra.9

Os lolardos, além disso, atacavam a prática do clero de ocupar ao mesmo tempo cargos espirituais e cargos governamentais, dizendo:

Ter o rei e o bispo numa só pessoa, o prelado e o juiz sobre causas temporárias, o padre e o oficial no cargo secular, leva qualquer reino para longe de uma boa administração. Pode-se provar claramente esta conclusão porque o temporal e o espiritual são duas metades da Santa Igreja em seu conjunto. E portanto, o que se dedicou a um destes cargos não deve se intrometer no outro, já que ninguém pode servir a dois Senhores.10

Tal como Wycliffe, os lolardos não tinham um entendimento completo do evangelho do reino. Eles queriam separar os cargos seculares dos religiosos, mas continuaram achando que os poderes seculares e religiosos em conjunto formavam a “totalidade da Santa Igreja”. Isto é, o reino de Deus continuava casado com o Estado.

No entanto, após a morte de Wycliffe, os lolardos se apartaram um pouco da teologia agostiniana e se aproximaram mais do evangelho do reino. Por exemplo, apesar do entendimento imperfeito que tinham do reino, os lolardos perceberam que a guerra era incompatível com o cristianismo:

A matança de homens na guerra, ou por meio de uma suposta lei de justiça por uma causa temporária, sem uma revelação espiritual, opõe-se expressamente ao Novo Testamento que deveras é a lei da graça e cheia de misericórdias. Esta conclusão demonstra-se claramente por meio dos exemplos da pregação de Cristo aqui na terra, pois ele de forma especial ensinou ao homem a amar a seus inimigos, a mostrar misericórdia e não matá-los. A razão é a seguinte: (em geral) quando os homens guerreiam, o amor se esquece após o primeiro golpe. E quem morre sem amor cai direto no inferno.

Além disso, sabemos bem que nenhum clérigo pode por meio da Escritura ou de algum motivo lícito remitir a pena de morte por um pecado mortal e não por outro. Mas o Novo Testamento é a lei da misericórdia, e proíbe todo tipo de matança. Pois o evangelho diz: “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás” (…) [Os cruzados] não merecem agradecimentos do Rei da Paz. Já que é por meio da humildade e da paciência que se multiplica a fé. Cristo Jesus aborrece e ameaça aos homens que brigam e matam, pois ele diz: “Os que lançarem mão da espada, à espada morrerão”.11

Como era de se supor, o Parlamento não aprovou estes artigos lolardos. Na realidade, dentro de poucas décadas, a coroa e a Igreja Católica uniram-se numa tentativa de exterminarem completamente os lolardos. Os poderes católicos perseguiram os lolardos cruelmente, e muitos deles foram queimados na fogueira. Outros se retrataram de suas doutrinas quando foram confrontados com a tortura e a morte. Os sobreviventes permaneceram na clandestinidade. Os lolardos continuaram reunindo-se, mas em secreto. Em suas reuniões simples enfatizavam o estudo da Bíblia e a pregação da Palavra.12

Depois que o movimento lolardo perdeu o apoio do rei e da nobreza, começou a assumir muitas das características dos movimentos medievais do reino. Seus membros agora eram quase exclusivamente comerciantes, camponeses e pobres urbanos. A Igreja Católica nunca conseguiu exterminá-los, de maneira que os lolardos ainda existiam quando a Reforma protestante chegou à Inglaterra.13

No entanto, o que a Igreja Católica não pôde fazer, a Reforma protestante fez. Os lolardos sobrevivente foram absorvidos pela Reforma inglesa e sua teologia agostiniana. Após a época da Rainha Maria (1553–1558), eles perderam seus ensinos característicos e sua identidade.


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