quarta-feira, 30 de junho de 2010

1341 - HISTÓRIA DO LIVRO

1
II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial
As primeiras tipografias na cidade gaúcha de Rio Grande
Artur Emilio Alarcon Vaz1 (Universidade Federal do Rio Grande)
Resumo:
A pesquisa “Formação e consolidação do sistema literário em Rio Grande”,
desenvolvida no Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande,
desde 2006, tem buscado catalogar, recuperar e divulgar o início dessa literatura local,
retomando autores e livros perdidos e esquecidos em bibliotecas e hemerotecas. Dessa
forma, através não só de fontes primárias, como também de outras fontes disponíveis,
tem-se formado melhor uma noção de quem e como se publicava literatura nos jornais e
nas tipografias locais, aos moldes das pesquisas realizadas em outros estados por Márcia
Abreu e Socorro Barbosa. Como ocorre, em geral, a história do livro está associada ao
jornal e, em Rio Grande, isso também ocorreu, pois os primeiros livros saíram das
tipografias feitas para a impressão de jornais locais. Partindo de dados aleatórios e
espalhados por diversas fontes primárias, têm-se obtido bons resultados, já
configurando uma boa lista das tipografias e obras produzidas nos período em questão,
com pesquisas espalhadas em diversos autores e obras.
Palavras-chave:
periodismo, tipografia, Rio Grande do Sul, sistema literário, fontes primárias.
Enquanto a cidade gaúcha de Rio Grande atingia seu apogeu econômico no
século XIX devido à riqueza originada pelos curtumes2, a literatura dessa cidade no
extremo-sul seguia seus primeiros passos e começava lentamente a formar-se nesse
período, procurando estabelecer assim um meio cultural em que não só havia a leitura
de livros e outros impressos, mas também havia uma impressão da produção de textos
de autores locais.
1 Professor doutor do Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande (FURG);
coordenador do projeto de pesquisa “Formação e consolidação do sistema literário em Rio Grande (RS)”;
professor da disciplina “História da Imprensa” na pós-graduação em “História da Literatura”, na FURG.
Doutor pela UFMG em 2006 com a tese A lírica de imigrantes portugueses no Brasil meridional. e coorganizador
do livro Literatura em revista (e jornal): periódicos do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais,
editado pela UFMG e FURG em 2005, além de autores de diversos artigos sobre periodismo literário.
Endereço eletrônico: arturvaz@terra.com.br
2 Maiores detalhes sobre esses aspectos históricos podem ser vistos em NEVES (2005) e VAZ (2006;
2008).
2
Obviamente que a da leitura e escrita de textos literários já ocorriam em Rio
Grande desde os séculos anteriores, como se comprova pelos poemas sobre a instalação
de orfanatos e asilos sobre a cidade (republicados numa antologia do século XX) e o
estudo dos livros incluídos nos testamentos do século XVIII3, ou mesmo pela
publicação das obras das gaúchas Maria Clemência da Silveira Sampaio (Versos
Heróicos pelo Motim da Gloriosa Aclamação do 1ª Imperador Constitucional do Brasil
1823) e Delfina Benigna da Cunha (Poesias oferecidas às senhoras rio- grandenses,
1834), ambas no Rio de Janeiro.
Como ocorre, em geral, a história do livro está associada ao jornal e, em Rio
Grande, isso também ocorreu, pois os primeiros livros saíram das tipografias feitas para
a publicação de jornais locais. Assim, a impressão local começa a ocorrer somente
quando Francisco Xavier Ferreira traz uma tipografia para publicar o jornal O
Noticiador, fundado em 3 de janeiro de 1832. No entanto, em 1831, Francisco Xavier
Ferreira já publicara um avulso – pois só tem uma página – com um poema chamado
Hino que se cantou na noite do dia 24 do corrente pela feliz noticia da Gloriosa
Elevação do Sr. dom. Pedro II ao Trono do Brasil, considerado o primeiro texto
impresso na cidade rio-grandina.
Em outubro de 1832, logo após o surgimento da tipografia de Francisco Xavier
Ferreira, O Noticiador anuncia que já havia duas tipografias em Rio Grande, referindose
também à tipografia do jornal O Observador, provável propriedade do seu editor
Guilherme José Corrêa.
É, então, a partir desse marco – ainda que muito pequeno – que se pode esperar
pela formação de um sistema literário local, exposto por Antônio Candido (1959), e
desenvolvido por Itamar Even-Zohar (2004), que distancia de leituras textocêntricas e
busca apoiar-se a análise também em dados biográficos do produtor/escritor e do meio
em que publicavam. Então, para o devido conhecimento do sistema literário da região
sul, é necessário conhecer não só os dados biográficos dos autores da época, assim
como os meios em que era publicada a literatura de então.
A pesquisa “Formação e consolidação do sistema literário em Rio Grande”,
desenvolvida no Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande,
desde 2006, tem buscado catalogar, recuperar e divulgar o início dessa literatura local,
3 Entre os testamentos estudados por Jorge de Souza Araújo (1999), estão os de Xavier Ferreira e de Félix
da Costa Furtado de Mendonça, pai de Hipólito José da Costa Pereira e José Saturnino da Costa Pereira,
dois dos poucos gaúchos que foram estudantes brasileiros matriculados na Universidade de Coimbra
(MORAES, 1940).
3
retomando autores e livros perdidos ou esquecidos em bibliotecas e hemerotecas. Dessa
forma, através não só de fontes primárias, como também de outras fontes disponíveis,
tem-se formado melhor uma noção de quem e como se publicava literatura nos jornais e
nas tipografias locais na primeira metade do século XIX.
A tentativa é, então, compreender, nas palavras de Leila Perrone Moisés, o
“gosto médio” de então, atendendo “as novas tendências da historiografia”, que focaliza
os “atores anônimos da História” e não só os “grandes fatos e grandes homens”
(MOISÉS, 1991, p. 143).
Na tipografia de Xavier Ferreira, além dos jornais O Noticiador e O Propagador
da Indústria Rio-grandense e do avulso citado, somente se tem notícia da publicação da
obra Relação dos festejos, que fizeram os portugueses residentes na vila do Rio Grande
do Sul, em demonstração de seu júbilo pelo restabelecimento da paz, e da liberdade, na
sua pátria, em 1834, em que – após o relato dos festejos ocorridos em agosto – são
incluídos seis poemas de Delfina Benigna da Cunha4.
Ainda na década de trinta, somente há a indicação da existência da tipografia de
Sabino Antônio de Souza Niterói, denominada inicialmente de Mercantil, enquanto
eram impressos os jornais Liberal Rio-Grandense e Mercantil do Rio Grande (entre os
anos de 1835 e 1840), e posteriormente de Niterói, quando foi editado o jornal
Conciliador (1840-41) e o A Voz da Verdade (1845-46). Entretanto, até 1847, não há
referências da publicação de livros – seja técnicos, seja literários – na cidade de Rio
Grande, indicando que essas tipografias aparentemente publicavam somente jornais.
Importante destacar, nesse período, a fundação do Gabinete de Leitura, que
transformada posteriormente em Biblioteca Rio-Grandense, que se tornou num
importante pólo cultural e livreiro da cidade e constitui atualmente num dos mais
importantes acervos não só do Rio Grande do Sul, como do Brasil. Ainda mais se
considerarmos que é na tipografia de um dos seus fundadores, Maria Perry de Carvalho
(1825-1861), que há a volta de edições locais, com, em 1847, os Estatutos do Gabinete
de Leitura da cidade do Rio Grande do Sul e, em 1848, Os jesuítas ou o bastardo d’el
Rey, do rio-grandino José Manoel Rego Vianna, drama em cinco atos representado no
Teatro Sete de Setembro, em 21 nov. 1846, constituindo assim na primeira publicação
local de um rio-grandino. No ano de 1849, o também rio-grandino Manoel José da Silva
4 Maiores detalhes sobre essa obra pode ser vistos no artigo da graduanda Ana Cristina Matias, bolsista
CNPq do projeto, nos Anais do III Encontro Nacional de Pesquisadores em Periódicos Literários
Brasileiros, publicado em CD-ROM em 2009 pela FURG.
4
Bastos (12 abr. 1825 - 11 nov. 1861) publica, pela tipografia de Antonio Bonone
Martins Viana, o drama O castelo de Oppenheim ou o tribunal secreto.
O que poderia pensar que são duas tipografias são, nas palavras de Lourival
Vianna (1977, p. 61), a mesma, pois esse pesquisador aponta que o jornal Rio-
Grandense – e podemos pensar que consequentemente sua tipografia – foi
sucessivamente vendida e revendida: apareceu em 1845 sendo impresso na tipografia
Pomatelli; em 5 jul. 1847, foi vendida para Perry de Carvalho; em 1o maio 1849, foi
revendida a Antonio Bonone Martins Viana e, em setembro de 1850, a Bernardino
Berlink. Por exemplo, no cabeçalho do Rio-Grandense de 9 jan. 1847, consta “Prop. F.
Pomarelli. Rua Praia, 40/ Redator Antonio José Caetano da Silva” e no cabeçalho do
primeiro Eco, de 27 jul. 1848, já consta o nome da tipografia de J. M. Perry Carvalho.
Essa constante mudança de proprietário explica também o porquê de somente três obras
serem impressas por Perry de Carvalho e Bonone Martins num prazo de três anos.
É desse período os primeiros anúncios de livreiros nesta cidade gaúcha, como s
diversas propagandas no Rio-Grandense ao longo de maio e abril de 1847 de um
livreiro sem indicação de nome na rua da Praia, n. 116, que vendia “novelas em francês,
livros de medicina, literatura, todos recebidos pelo navio”. Em janeiro do ano seguinte,
consta o anúncio da obra, em dois volumes, A independência do Brasil, de A.
Gonçalves Teixeira e Souza, destacando-se que “recebem-se assinatura para esta
interessante obra na casa do Sr. Antonio Martins Vianna, rua da Praia n.115.”, sem
precisar se seria o mesmo vendedor anunciado no ano anterior.
Ainda no mesmo jornal, em 16 maio 1848, aparece “a venda na rua Direita, 106,
na loja de Braga e Barbosa” o livro Amor e melancolia, de Antonio Feliciano de
Castilho. E em 14 jun. 1849, sai a propaganda de que “Daniel de Barros e Silva acaba
de estabelecer na rua da Praia, 150, em frente ao Beco do Afonso, uma oficina de
encardenação e loja de livros e papéis”, destacando-se ao longo do semestre, diversas
obras estrangeiras e nacionais, como A moreninha e O moço loiro, ambos de Joaquim
Manoel de Macedo.
Também é de Daniel Barros e Silva a primeira tentativa de editar romances sob
encomenda, conforme anúncio publicado no jornal Diário de Rio Grande, em 28 jun.
1850, em que esse livreiro ficou “convencido de que o hábito de ler não se adquire
ordinariamente se não é excitado pelo atrativo que oferecem as obras de imaginação, e
abundando a literatura moderna em composições que a par do deleite da ficção”,
propondo que:
5
vamos tentar a tradução de alguns romances modernos de mais nomeada,
esperando que esta tentativa seja bem acolhida em toda a província.
Publicar-se-á em Porto Alegre na tipografia de Pomatelli e Cia um volume cada
mês, em bom papel e tipo novo, logo que se tenham obtido 300 assinaturas.
Preço da assinatura 12$000 rs. Por ano, pgando 1$000 rs. Na ocasião da entrega
de cada volume, que será acompanhado de uma lista impressa dos Srs.
Assinantes que protegerem esta empresa.
Apesar da busca de alguma dessas obras, somente foram encontrados livros
técnicos editados pelo tipografia F. Pomatelli, em Porto Alegre, nesse período5,
indicando que tal iniciativa não deva ter sido concretizada. Percebe-se, assim, a
crescente necessidade local pela compra e venda de livros literários, sempre em parte
suprida pelos livreiros, mas que em vários momentos seria insuficiente, precisando
assim de que as tipografias locais publicassem não só jornais, mas também obras das
quais o público estava ávido pela leitura.
Embora a baixa média continue nos anos iniciais da tipografia durante a direção
de Berlink, é com este proprietário que se inicia a publicação de obras técnicas e
também poéticas, abrindo o espaço posteriormente para a publicação de romances de
autores locais. Nesse período inicial, das quatro publicações já obtidas com indicação da
tipografia de Berkink, três são do baiano Ladislau dos Santos Titára (1801-1861), que
publicou tanto obras técnicas (Complemento do auditor brasileiro, em 1850) como
poéticas (Obras poéticas, tomo VII, em 1851) e em prosa (Memórias do grande
exército aliado, libertador do sul da América, na Guerra de 1851 a 1852, contra os
tiranos do Prata, em 1852).
A quarta publicação encontrada da tipografia de Berlink é a segunda edição dos
estatutos da hoje Biblioteca Rio-Grandense, expondo a fragilidade das tipografias
locais, pois se a primeira edição foi feita na empresa de José Maria Perry de Carvalho e
a segunda edição na tipografia de Bernardino Berlink (em 1853), e a terceira edição6,
em 1855, acaba sendo realizada pela tipografia do jornal Diário, sendo a primeira obra
impressa conhecida dessa tipografia. Ainda nesse ano, o jornal Diário de Rio Grande
publicou o folhetim Vicentina, de Joaquim Manoel de Macedo, em rodapé, para ser
recortado e organizado como um livro em dois volumes.
5 A saber: Memoria geologica sobre os terrenos de Curral-Alto, e Serro do Roque na Provincia de
S.Pedro do Sul , de Frederico A. de Vasconcellos A. Pereira Cabral, em 1851; Relatorio do presidente da
provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, o conselheiro José Antonio Pimenta Bueno, na abertura da
Assembléa Legislativa Provincial no. 1.o de outubro de 1850; acompanhado do orçamento da receita e
despeza para o anno de 1851, em 1850; e Tratado de escrituração mercantil por partidas dobradas,
aplicado às finanças do Brasil, de Sebastião Ferreira.Soares, de 1852.
6 A quarta edição, já com o título Estatutos da Biblioteca Rio-Grandense na cidade do Rio Grande do
Sul, é feita pela tipografia do Artista, em 1878.
6
Ainda em 1855, Titára também publicou – já na tipografia de Cândido Augusto
Mello – a terceira edição de Auditor brasileiro, atualizando, conforme o Dicionário
bibliográfico português de Inocêncio Francisco da Silva (p. 167), as edições anteriores,
feitas em Porto Alegre (de 1845) e no Rio de Janeiro (1847).
Esse aumento de obras impressas em Rio Grande no ano de 1855 é ajudado em
parte pela ampliação dos livreiros atuantes na cidade rio-grandina, já que nesse ano
aparecem propagandas de três livreiros nos jornais locais: o já citado Daniel de Barros e
Silva (conforme anúncio n’O Diário do Rio Grande, de 2 ago. 1855); Joaquim Ferreira
Nunes (O Diário do Rio Grande, de 25 fev. 1855, com o nome de Bazar Pelotense) e
Cândido Augusto de Mello (A Imprensa, em 7 maio 1855, anuncia a transferência de
sua tipografia de Pelotas para Rio Grande e a abertura de uma loja de livros) 7.
Em 1856, já foram obtidos dados de pelo menos três edições da Tipografia
Berlink, sendo uma de autoria local - Discurso recitado em 06 de março de 1856, do
então conhecido poeta local Antônio José Domingues8 - e duas de autores ingleses
reconhecidos naquela época: A alma no purgatório ou amor além da morte, de T.
Bulwer e trad. Botelho de Vasconcelos, além de O castelo de Otranto, do inglês já
canonizado Horace Walpole (1717-1797), provável cópia da edição lisboeta da Tip. J. J.
A. Silva, publicada em 1854, pois ambas atribuem a autoria ao tradutor W. Marsgall.
Em 1857, há uma profusão de romances e novelas editados por três tipografias
rio-grandinas: a do Diário, a de B. Berlink e a de Cândido Augusto de Mello (ligado ao
jornal Imprensa), todas dando preferência para a publicação de autores reconhecidos,
fato ocorrido igualmente no início da imprensa brasileira, como citado por Márcia
Abreu: “A publicação de obras já conhecidas revela (...) tino comercial daqueles que
encomendavam impressões no Rio de Janeiro, pois pouco arriscavam-se ao republicar
um livro que já tinha conquistado público.” (2003, p. 86).
Pela tipografia do Diário, além da famosa edição rio-grandina d’O Guarani, sem
autoria declarada na capa para José de Alencar, como foi na sua edição original carioca
em folhetim, foi publicado o livro Epístola a S. M. a Imperatriz do Brasil em favor de
um infeliz ancião, de Antonio Feliciano de Castilho. A influência lusa também se dá na
7 Maiores detalhes sobre esses livreiros podem ser vistos no artigo da graduanda Gisele Pereira Bandeira,
bolsista do projeto, nos Anais do III Encontro Nacional de Pesquisadores em Periódicos Literários
Brasileiros, publicado em CD-ROM em 2009 pela FURG.
8 O poeta Antônio José Domingues nasceu em 23 de julho de 1791 em Lisboa e, na região sul do estado,
destacou-se como poeta, latinista e professor público e também como defensor da monarquia. Sua morte
em Pelotas, em 5 de setembro de 1860, é confirmada em exemplares do jornal O Brado do Sul
microfilmados na Biblioteca Nacional, desfazendo as dúvidas de diversos autores sobre esse dado.
7
impressão da tipografia de Cândido Augusto de Mello, através da obra Meditações ou
discursos religiosos, do português José Joaquim Rodrigues Bastos (1777-1862).
Já a tipografia de B. Berlink mostra uma tendência maior para a literatura
inglesa: Uma fantasia americana, de Alfred Assolant (1827-1886); Memórias de um
policeman e O caçador de Selvagina, ambos de Alexandre Dumas; e O Marquês de
Pombal, de Clémence Robert.
Nesse período, destaca-se, no entanto, a publicação em 1858 de O homem
maldito, de Carlos Eugênio Fontana, tanto por ser o primeiro romance de um autor riograndino9,
como por ser no ano de fundação da tipografia do Eco do Sul na cidade de
Rio Grande. Em 1859, essa tipografia publica o poema O pavilhão negro, do português
Mendes Leal, no formato de folhetim para ser recortado e organizado como um livreto.
Importante destacar que esse poema foi publicado originalmente em Portugal no mesmo
ano, mostrando que a agilidade na edição de obras também fazia parte dos editores de
então.
Entretanto, há referências da publicação de outros romances ainda em 1858,
como Cenas da vida, também de Carlos Fontana, e A donzela de Veneza e A véspera de
uma batalha, ambos de Carlos de Koseritz, mas atualmente não se conhecem nenhum
exemplar dessas obras, nem em bibliotecas brasileiras, nem em mãos de particulares10.
Ainda nessa linha, por pouco não se enquadra a novela Um drama no mar, de
Koseritz, publicada inicialmente como folhetim – com o pseudônimo X. Y. Z. e com o
título Elissandro ou um drama no mar – no jornal Eco do Sul, entre 11 de outubro e 4
de novembro de 1862, e publicada posteriormente num único volume, como pode ser
comprovado em propagandas anunciadas nesse mesmo jornal entre abril e maio de
1863.
Embora citado em vários dicionários e por pesquisadores, não se conhecia
nenhum exemplar desse livro, até que um foi achado no acervo da Biblioteca Rio-
Grandense, entre as obras de autoria anônima, provavelmente pela ausência de capas e
páginas iniciais do romance, não deixando nenhum vestígio de sua autoria, data ou local
de publicação no corpo da obra.
9 Maiores detalhes sobre essa obra pode ser vistos no artigo da graduanda Sheila Fernandez, bolsista do
projeto, nos Anais do III Encontro Nacional de Pesquisadores em Periódicos Literários Brasileiros,
publicado em CD-ROM em 2009 pela FURG..
10 Oberack Júnior (1961, p. 23) indica que tais romances teriam sido publicados em folhetim
anteriormente no jornal Ramilhete Rio-grandense, mas igualmente não se conhece nenhum exemplar
desse jornal, que teria sido publicado por Koseritz em 1857. Ainda da lista de prosa ficcional de Koseritz
desaparecida, consta “Laura, perfil de mulher”, publicado em Rio Grande em 1875 pela Tipografia de J. J.
R. da Silva, e com reedição em 1887 (cfe FERREIRA, 1891, p. 13).
8
Tanto o folhetim, como o volume anônimo, ambos textualmente iguais, não
possuem indicação de autoria, sendo esta feita de forma indireta pelas propagandas
veiculadas em 1863. A par da semelhança de títulos e de personagens, a prova cabal de
que esse volume encontrado é a novela publicada por Koseritz é o detalhe que tanto na
propaganda, como no volume, há a referência de que a prosa foi baseada em fatos
verídicos, dando inclusive – na página final do volume – o verdadeiro nome do
protagonista e indicando o seu fim real: o enforcamento na Inglaterra em 30 de
dezembro de 1862.
Nesse período11, o jornal Diário de Rio Grande de 21-22 jul. 1862 (n. 4083)
noticia sobre abertura de outra gráfica: “Agora, consta a cidade de Rio Grande quatro
estabelecimentos desta ordem, sendo três de folhas diárias e mais misteres, e uma só
para obras” (p. 2), que seriam, além da própria tipografia do Diário, a dos jornais Eco
do Sul e Comercial. Fica, no entanto, a dúvida de qual editora “só para obras”, pois não
se conhece nenhuma obra publicada em Rio Grande nesse período de outra tipografia.
Embora o jornal Comercial tenha sido fundado em 1858 e, em sua tipografia,
tenha sido publicado diversos outros jornais, como Independente (1862), Liberal (1863)
e o Especulador (1868), só há registros de obras impressas em suas gráficas em 1866,
com o Regulamento da prática e usos comerciais da praça da cidade de Rio Grande, de
apenas seis folhas e constante no acervo da Biblioteca Rio-Grandense, e em 1868 de
Cais no litoral da cidade do Rio Grande, de Hygino Correa Durão, o que leva indica
que a tipografia seguia a linha editorial do jornal de se ater a assuntos comerciais.
Nessa década, constam ainda as tipografias próprias do jornal Aurora do Sul
(esta sem nenhuma indicação de obras) e do Artista (fundado em 1860), cuja primeira
obra impressa é Riachuelo, do gaúcho Zeferino Vieira Rodrigues Filho (1834-1910), em
1866.
Após a recolha e a leitura de tantas obras locais, percebe-se que tanto a poesia,
como a prosa escrita e publicada em Rio Grande na primeira metade do século XIX –
mesmo que atualmente seja constituída de nomes desconhecidos e raramente citados em
histórias literárias sul-rio-grandenses e brasileiras - é condizente com o que ocorria no
restante do Rio Grande do Sul e com o Brasil, tanto no tocante à construção incipiente
11 O jornal O Comercial, de 5 jul. 1862, traz um anúncio de outro livreiro local, identificado como J. A.
Leite, que oferece o livro Da educação das meninas e influência possível da mulher, cujos detalhes são
totalmente desconhecidos, não se podendo identificar se era uma edição local ou não.
9
de um nacionalismo, como pela mudança gradual do Arcadismo para a estética
romântica.
Todos esses autores citados fazem parte de uma etapa inicial do sistema literário
rio-grandino, excluídos de qualquer cânone atual, mas que foram importantes na
solidificação da literatura local e formadora literária de escritores atualmente
considerados importantes, como Rita Barém de Mello e Bernardo Taveira Júnior, que
publicaram seus livros de estréia em Rio Grande, respectivamente, Sorrisos e prantos
(1868) e Poesias americanas (1869).
Assim, podemos concluir usando as palavras de Márcia Abreu, para quem
parece necessário repensar o corpus de textos com o qual críticos e historiadores
literários têm trabalhado, no sentido de alargar o conjunto de obras consideradas
e o campo de interrogações.
Deixando de ver na literatura um objeto ideal, definido por uma imanente
literariedade percebe-se que sua composição é socialmente construída, assim
como sua leitura. (...) Textos ignorados ou superficialmente examinados às
vezes têm parte preponderante nesse jogo (ABREU, 2003, p. 137).
A tipografia da obra inaugural de Bernardo Taveira Júnior ocorre já na tipografia
da revista Arcádia, marco divisor da literatura sul-rio-grandense, conforme o estudo de
Guilhermino César, iniciando assim já o Romantismo em terra gaúchas e que representa
a consolidação de Rio Grande como centro cultural, pois muitos dos seus colaboradores,
um pouco mais tarde, viriam a participar ativamente ao longo da existência do grêmio
literário do Partenon, o mais importante centro cultural gaúcho.
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