A ABORDAGEM DO ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL NOS LIVROS
DIDÁTICOS DAS SÉRIES INICIAIS
Idelsuite de Sousa Lima[1]
Introdução
O debate que ora buscamos fomentar a partir da nossa participação no IV Encontro Perspectivas do Ensino de História, visa trazer para o campo das discussões históricas a problemática objeto de nossos estudos e pesquisas acerca da história ensinada na 1ª fase do Ensino Fundamental e do que é central no que se refere a questões teórico-metodológicas no campo do ensino, enfatizando a História Local no contexto curricular. Assim, colocamos neste espaço de diálogo, uma temática ainda pouco discutida entre os historiadores, identificada como a abordagem da História Local nas obras didáticas das séries iniciais.
Nos limites deste estudo, não há como propósito discutir todos os enfoques referentes ao livro didático e sim, analisar uma questão pontual, de significativa importância, qual seja, compreender como o livro didático utilizado nas escolas aborda o conhecimento histórico local e a relação entre este conhecimento e o processo de construção de identidade dos alunos. A preocupação com esta temática teve origem ao investigarmos o ensino de História nas séries iniciais a fim de compreender que História Local é ensinada, e, constatarmos que o livro didático é o recurso teórico-metodológico utilizado por todos os professores.
Assim, o livro didático, consubstancia-se como um dos elementos constitutivos da prática pedagógica do professor, ora sendo utilizado como guia, ora menos requisitado, o que se percebe é que essa fonte didática tem espaço garantido nas salas de aula da primeira fase do Ensino Fundamental. A adoção de tal recurso é atribuída sob vários argumentos: a cobrança de que alunos e pais exigem um referencial para estudo ou como garantia de que um ensino esteja sendo realizado; a escassez de fontes de pesquisa na escola, a falta de condições de trabalho que impede ao professor disponibilizar tempo para preparação de material, entre outras.
É inegável que qualquer discussão mais aprofundada que se queira levantar acerca do livro didático, pressupõe focalizar as circunstâncias que condicionam e determinam sua utilização, sempre vinculada ao contexto mais geral dos problemas educacionais brasileiros. Daí porque a apreciação no que se refere ao seu conteúdo não pode também estar separada dessas considerações.
No que diz respeito à análise que envolve conteúdo e qualidade de obras didáticas destinadas às séries iniciais, podemos afirmar que, nos últimos anos, a produção de livros didáticos tem melhorado consideravelmente, ou seja, trabalhos como os de Fernandes et al. (1998), Sousa et al. (1998), entre outros, vêm dando uma contribuição significativa a essa problemática. Todavia, ainda persistem no cotidiano das salas de aula livros didáticos com qualidade discutível. Não sendo nosso objetivo discutir os diversos aspectos que envolvem as obras didáticas, buscamos apenas entender como é veiculada a História Local nos manuais adotados na escola.
A História Local
A temática História Local constitui-se em uma proposição expressa nos Parâmetros Curriculares Nacionais sob a denominação História Local e do Cotidiano, no eixo temático referente aos conteúdos para o primeiro ciclo, sugerindo que seja focalizado no contexto curricular da escola diferentes histórias pertencentes ao local onde o aluno vive, dimensionadas em diferentes tempos.
No caso das escolas de Ensino Fundamental do Estado do Ceará, a História Local é também propugnada através dos Referenciais Curriculares Básicos, a proposta curricular oficial, que a tematiza sob o eixo Vivendo e Construindo a Cidadania, cujo conteúdo programático para o primeiro ciclo focaliza entre outros temas, a história do município. Tomando em consideração essa prescrição curricular, o ensino de História Local efetiva-se no âmbito da Escola Fundamental, no que se refere aos conteúdos das séries iniciais.
Todavia, a simples indicação em nível de currículo pré-ativo[2] de que esse conteúdo estabelecido oficialmente esteja em atividade na sala de aula, constitui apenas um pré-estabelecimento, o que não garante operacionalização. Ainda assim, não basta que tal conteúdo seja ministrado na escola, é imprescindível que o seu ensino contribua para o processo de construção de identidade e de formação de cidadania dos alunos.
O ensino de História Local apresenta-se como um ponto de partida para a aprendizagem histórica, pela possibilidade de trabalhar com a realidade mais próxima das relações sociais que se estabelecem entre educador/educando/sociedade e o meio em que vivem e atuam. O local é o espaço primeiro de atuação do homem, por isso, o ensino da História Local precisa configurar também essa proposição de oportunizar a reflexão permanente acerca das ações dos que ali vivem como sujeitos históricos e cidadãos.
Assim sendo, o ensino de História Local pode configurar-se como um espaço de construção da reflexão crítica da realidade social, considerando-se que o local e o presente são referentes para o processo de construção de identidade. Embora, esse campo de conhecimento ainda não esteja suficientemente explorado pela pesquisa científica, demonstrado pela incipiente quantidade de trabalhos publicados sobre o tema, o seu estudo constitui-se em uma necessidade de aprofundamento para todos os pesquisadores interessados no ensino de História na 1ª fase da escola fundamental.
Considerando que o livro didático insere-se no contexto da sala de aula como o instrumento pedagógico de maior utilização no cotidiano das escolas, a relação entre o conteúdo do livro e a História Local a ser ensinada constitui, pois, um problema investigativo.
Livro Didático e História Local
Os livros de História adotados nas séries iniciais e por nós analisados com o objetivo de situar elementos indicativos do trabalho realizado acerca do ensino de História Local nas escolas, trazem à tona um conjunto de outras questões, tais como: - qual a perspectiva de ensino incorporada pelo conjunto de professores na escola? - que acompanhamento do trabalho pedagógico tem tido os professores e que oportunidade de estudo e reflexão sobre a prática pedagógica tem sido efetivada? - que outros recursos dispõe a escola para realizar o ensino? Com efeito, a relação entre livro didático e ensino de História Local, embora extremamente oportuna, não exclui essas interrogações e, ao contrário, subsidia um repensar sobre o fazer educativo da escola.
Não obstante, as justificativas apresentadas pelos professores para o fato de permitirem a adoção da obra didática, terminam por empreender uma cultura escolar que considera o livro didático algo imprescindível, sem o qual o ensino não se faz e, mais ainda, que o conteúdo veiculado, embora muitas vezes, criticado, torna-se bem vindo, seja qual for.
Assim, o livro didático ocupa, por vezes, o espaço curricular da escola, situando-se como a programação estabelecida para a efetivação do ensino, dispensando a proposta curricular. Torna-se então, o programa pelo qual o ensino vai pautar-se, o guia curricular, o indicador do trabalho em sala de aula.
São os ecos da leitura desse acervo impresso que têm ressonância no processo de construção do conhecimento escolar, havendo uma interligação entre ensino e livro didático, o que justifica a necessidade de focalizar uma análise sobre esse instrumento de grande penetração nas ações pedagógicas cotidianas, buscando captar os meandros da História Local ensinada.
Essa proximidade entre ensino e livro didático, cuja preponderância na primeira fase do Ensino Fundamental é evidente tem implicações cada vez mais fortes para o processo pedagógico, conforme afirma Bittencourt:
O livro didático, nesse aspecto, elabora as estruturas e as condições de ensino para o professor (...) produz uma série de técnicas de aprendizagem: exercícios, questionários, sugestões de trabalho, enfim as tarefas que os alunos devem desempenhar para a apreensão ou, na maior parte das vezes, para a retenção dos conteúdos. Assim, os manuais escolares apresentam não apenas os conteúdos das disciplinas, mas 'como' esse conteúdo deve ser ensinado (1998:72).
Situado na interface da proposta curricular e da elaboração do conhecimento escolar, o livro didático constitui-se não apenas em um recurso pedagógico auxiliar do trabalho do professor, mas consolida-se como o material didático referencial de professores, pais e alunos que o consideram referencial básico para o estudo (Bittencourt, 1998).
Assim, o conhecimento contido no livro didático de História para a 2ª série e em uso também no 1º Ciclo, na realidade pesquisada, torna-se passível de reflexão. Cabe ressaltar que, a partir de uma primeira observação sobre as obras analisadas, nota-se que a transição dos Estudos Sociais para História ainda não foi efetivada via livro didático adotado. As escolas particulares adotam e seguem livros didáticos, e, as escolas das redes de ensino municipal e estadual, embora afirmem que não seguem os referidos manuais, continuam utilizando o mesmo livro de Estudos Sociais em praticamente todas as salas de aula. Alguns livros trazem na capa História e Geografia, mas o conteúdo é também Estudos Sociais. Essa realidade é expressada por uma professora ao afirmar: É ciclo, mas o livro é de 2ª série. A proposta é História, mas no livro é Estudos Sociais. O conteúdo é História, o dos livros é Estudos Sociais[3] .
A partir desta evidência, percebe-se que há um descompasso entre o ensino de história, a proposta curricular e o livro didático, visto que os manuais utilizados andam na contra-mão da história. Se, por um lado, estão fora de contexto na abordagem das temáticas propostas nos Referenciais Curriculares Básicos, por outro lado, descaracterizam a História, ao veicularem conteúdos desconexos, sem significado para a compreensão histórica.
As obras analisadas[4] apesar de algumas delas trazerem a indicação na capa, ‘de acordo com os PCNs’, não se percebe vinculação entre os referidos Parâmetros e o conteúdo das obras. Tal indicação tem objetivo comercial de divulgação junto aos professores desavisados, juntando-se aos apelos editoriais de marketing na escolha dos manuais. Os referidos livros apresentam uma particularidade que parece bastante problemática e vai ancorar uma discussão sobre o ensino de História, a partir da visão divulgada pelas obras didáticas..
Os livros são produzidos e editados, na maior parte dos casos, em São Paulo, para serem distribuídos às escolas de todo o Brasil. Mesmo os que são editados em outras cidades têm a mesma intenção: servir a toda e qualquer escola do país. Assim, as informações que esses manuais do mundo da edição passam para servir de estudo aos alunos de todos os recantos do Brasil fazem um recorte do conteúdo de História que, na busca de atender a todos, findam por não abordarem bem nenhum assunto. São pinceladas que retratam uma visão homogênea, inadmissível no mundo das diversidades. Constata-se uma característica comum entre as obras - o fato de serem elaboradas de forma genérica, desconsiderando as especificidades de cada região, as diversidades étnicas, geográficas, históricas, culturais e tantas outras tão heterogêneas, em relação à extensão continental do país.
Essa generalização nos livros de História para a 2ª série tem conseqüências significativas para o ensino de História Local, por negar ao aluno a compreensão da história do município na qual ele está inserido, impedir uma possibilidade de reflexão sobre o que acontece no espaço de sua vivência e omitir os aspectos políticos, sociais e culturais do entorno do aluno, se se considerar que, por vezes, o professor "não só se contenta com o que tem como ainda o idealiza, fazendo do livro didático não um entre outros, mas o seu único instrumento de trabalho. Este serve como última palavra do conhecimento na área, sendo tratado em aula como verdade absoluta" (Freitag et al., 1993:131), transformado num elemento simbólico revestido de poder.
As conseqüências da generalização dos livros didáticos tornam-se graves, por abordarem os assuntos de forma descontextualizada, distante e dispersa, sem aprofundamento. O caráter aleatório impregnado, na composição dos textos, torna-os insignificantes, à toa, sem importância para os alunos, o que se pode comprovar com a leitura de trechos retirados dos livros e transcritos, sob os títulos A cidade e Vivendo em sua cidade, de Sousa (1997:24) e Nemi e Martins (1999:116), respectivamente:
Algumas pessoas vivem na cidade. Na cidade há ruas. As ruas têm nomes e as casas têm número. A rua faz parte de um quarteirão. O conjunto de ruas e quarteirões forma o bairro. Quase não se percebe quando um bairro termina e começa o outro.
O Pedro e a Mariana moram em uma cidade chamada Santa Madalena. Veja o mapa da região onde se localiza a escola deles. Esses quarteirões ficam bem pertinho da casa de Pedro. (...) Leia a história que a professora contou sobre o rio que passa em Santa Madalena. Santa Madalena foi fundada em 1715. Alguns viajantes que passavam por aqui gostaram das terras, acharam que poderiam fazer boas roças e foram ficando...
Como é perceptível, os textos focalizam temas relacionados com a História Local, porém, a forma como os assuntos são abordados distanciam a perspectiva de compreensão da história do município e não apresentam qualquer possibilidade de vinculação desses conteúdos com o processo de construção de identidade dos alunos. São, portanto, textos simplórios, constituindo-se em um conteúdo acidental, a partir do qual não é possível vislumbrar, para os alunos, uma noção mais aproximada sobre a História Local (do município, da cidade), conforme os textos citados a seguir:
O Brasil está dividido em Estados. Os Estados estão divididos em áreas menores chamadas municípios. O município é uma parte do Estado. Todo município é formado pela zona urbana, que é a cidade, e pela zona rural, que são as chácaras, os sítios e as fazendas (Passos e Silva, s/d.a:69).
A maioria das cidades brasileiras são divididas em bairros. [sic] Os bairros abrangem várias ruas e quarteirões e cada bairro tem características próprias que podem variar bastante. A casa de Ana Maria fica num bairro afastado da região central, em uma cidade grande. (...) Daniel mora em outro bairro da mesma cidade. O pai de Daniel trabalha num grande escritório no centro da cidade; a mãe dele é dentista e tem um consultório no mesmo bairro onde moram (Lucci, 1998:64).
Os conteúdos apresentados nos livros didáticos, além de não manterem nenhuma relação com a realidade dos alunos e com o processo de construção de suas identidades, ainda são tratados de forma estanque e sem sentido. Essa desvinculação já é antecipada, a partir do sumário das obras, onde são listados títulos aleatoriamente, tais como "a família", "o caminho para a escola", "a casa", "os lugares são diferentes", "governo do município", "o trânsito", "orientação", "datas comemorativas", etc. No interior da obra, os conteúdos tornam-se mais desconexos, ao abordarem assuntos que não levam os alunos a nenhuma reflexão e imprimem valores e conceitos ultrapassados, conforme indicam os textos abaixo:
A família é sempre formada pelo pai, pela mãe, e pelos filhos. A família é uma pequena comunidade porque todos vivem juntos, ajudando-se uns aos outros quando é preciso. Papai e mamãe trabalham para sustentar a família, dar educação aos filhos. Numa família deve haver amor, união e compreensão (Passos e Silva, s/d.b.:05).
Os índios vivem em aldeias. Eles comem batata-doce, milho, frutas, carne de peixe e de outros animais. Hoje em dia, muitos índios abandonaram suas aldeias para viver nas cidades e nas fazendas. Eles já mudaram muito seus costumes e seu modo de viver (Sousa, 1997:84).
A versão expressa pelos textos do livro didático pretende caracterizar um modelo ideal de família, reconhecidamente desatualizado, e obscurecer as reais questões relacionadas com a problemática indígena, focalizando aspectos fortuitos, sem nexos.
O conjunto de textos veiculado pelos manuais de ensino comporta uma visão de História que tende a afastar o aluno da possibilidade de compreensão dos fatos, passando uma idéia linear da História, como algo feito por um líder poderoso, conforme a seguinte citação:
No dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, filha do Imperador D. Pedro II, assinou a Lei Áurea, que acabou com a escravidão no Brasil. Desse dia em diante os negros deixaram de ser escravos e passaram a ser livres! (Passos e Silva, s/d.b.:209).
O texto revela o teor do conteúdo dos livros didáticos utilizados na primeira fase do ensino fundamental. Percebe-se que a história dos heróis ainda está presente nos referidos livros, abordada muitas vezes, fora de contexto, conforme o exemplo seguinte, cujo nome da personalidade não mantém relação com o tema tratado, mas figura na imagem, através de uma foto sobreposta à gravura de um eletricista em serviço, bem como no texto escrito, sobre o dia do trabalho, citado a seguir:
No dia 1º de maio comemora-se no mundo inteiro o dia do trabalho. É o dia em que são homenageados todos os trabalhadores (...). Neste dia vamos lembrar com saudade o tricampeão brasileiro de Fórmula 1, Airton Senna. Ele foi um grande trabalhador (Passos e Silva, s/d.a:119).
As datas comemorativas também têm lugar de destaque na maioria dos livros adotados. O caráter que é dado a essas datas e a visão que é passada é unilateral, alienadora, vez que se constitui em canal de transmissão e manutenção de mitos e estereótipos. Assim, a recorrência de fatos, como o descobrimento do Brasil, ou de heróis, como Duque de Caxias, dá uma versão dos fatos como sendo a História. Os conteúdos sobre as datas demonstram uma intencionalidade de apresentar aquele recorte, isolado, do que aconteceu em torno dele. O texto referente ao dia do soldado é comprovador:
O dia 25 de agosto é dedicado ao soldado brasileiro. Nesse dia homenageamos Duque de Caxias, porque ele foi o maior soldado que o Brasil já teve (...) Por ter sido um soldado exemplar Caxias foi escolhido para ser o patrono do Exército Brasileiro (Passos e Silva, s/d.a:131).
A história, objeto do livro didático, apresenta-se como "verdade inconteste" feita pelos que dominam, sendo a história dos vencidos um grande silêncio historiográfico. Ao negarem a participação das pessoas comuns na história, os livros didáticos reforçam a idéia de que a história é feita pelos grandes, pelos dominantes, pelos que estão no poder e descartam qualquer perspectiva de possibilitar ao aluno a sua participação na construção da história.
As imagens transmitidas, além de reforçarem estereótipos e darem ênfase à manutenção de valores sociais e morais expressos pelo modelo de sociedade capitalista, não têm relação com o texto escrito nem guardam qualquer identificação com a realidade dos alunos. Ora são desenhos sem atrativos, ora são fotos até muito bonitas, mas sem significado por apresentarem um quadro distante da vida do aluno de 2ª série. Representam no contexto da obra um manancial ilustrativo com uma linguagem iconográfica reforçando a história do vencedor. Os mapas que aparecem nos livros não ajudam os alunos a se localizarem, tendo em vista que se referem à região sudeste ou de cidades daquela região, sem vinculação com o local onde o aluno vive.
Nota-se, nestas obras, a tentativa de articulação entre o conteúdo impresso de forma genérica sobre um município fictício e a História Local do município, onde os alunos estão inseridos, através dos exercícios propostos. Entretanto, essa articulação é sempre trabalhada na perspectiva de os alunos completarem lacunas com fatos, elementos que caracterizam o município, nome de prefeito, símbolos e hino do município, etc., perpassando uma concepção de história factual e personalística, não contribuindo para uma análise das questões locais e gerais que permeiam o cotidiano do aluno. Os livros didáticos adotados apresentam uma miscelânea de assuntos, colocados de forma aleatória, deixando de abordar aquilo a que se propõem - a história.
O fato de se destinarem a uma clientela específica - alunos de segunda série do Ensino Fundamental - com uma linguagem acessível ao público alvo, os livros acabam por sintetizar os textos e "a necessária simplificação dos conteúdos, quase sempre resulta em vulgarização do saber que é distorcida a partir de uma linguagem simplória, quase sempre apresentada nos parâmetros de uma narrativa factual" (Araújo, 1996:62).
O que se percebe, ao analisar os livros didáticos adotados, é que, além de não abordarem aspectos relacionados com a realidade do aluno, com a sua História Local e com os aspectos mais gerais da sociedade, o conteúdo é apresentado na perspectiva de algo pronto e acabado, que o aluno tem apenas que captar, numa atitude de passividade e acomodação. Não há perspectivas da realização de um trabalho, via livro didático, que incentive o exercício de reflexão crítica e a participação do aluno como sujeito histórico.
O ensino de História Local, sob o prisma dos livros didáticos adotados, tende a reforçar a história dos que dominam no contexto da localidade, os chamados heróis locais, negligenciando a história construída pelos de baixo e pelos excluídos e as lutas da população tão presentes, mas tão obscurecidas. Dessa forma, os conteúdos dos livros didáticos que dão suporte ao processo ensino-aprendizagem negam aos alunos qualquer informação sobre a História Local, interferem negativamente no processo de produção do conhecimento e não contribuem para a construção da identidade do aluno como sujeito histórico e cidadão.
Os manuais, enquanto recurso didático, utilizados pelas escolas, entram em contradição com os pressupostos da proposta curricular, ou seja, o que estabelecem os Referenciais Curriculares Básicos chocam-se com o conteúdo veiculado pelos livros didáticos. Assim, os avanços considerados no teor da proposta não encontram espaço para efetivação no cotidiano da sala de aula. Estes, tornam-se absoletos, se considerarmos as condições nas quais o ensino se realiza, na maioria das escolas, com pouca qualificação dos professores, sem recursos didático-pedagógicos, sem condições decentes de trabalho.
Nesse sentido, o livro não é apenas um importante instrumento no processo de escolarização, mas ocupa uma abrangência tal que vai desdobrar-se no condutor do ensino-aprendizagem. O modo como se articula o desenvolvimento do processo de apropriação do saber escolar condicionado pelo texto escrito no livro didático relativiza aspectos relacionados com a História Local negligenciando o processo de construção de identidade do aluno.
Sendo assim, o ensino de História Local, além de não fazer parte da cultura escolar contida nos manuais de apoio de alcance imediato, a possibilidade de considerar o local e o presente como referenciais para o processo de construção de identidade dos educandos não encontram-se legitimados nas obras didáticas em apreço.
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[1] Mestre em Educação - Professora do CFP/UFPB
[2] Goodson, 1995.
[3] Professora 01.
[4] Os livros adotados ou utilizados como fonte pelas professoras são: Eu gosto de Estudos Sociais/Célia Passos e Zeneide Silva, Nacional, s/d.a; Estudos Sociais - coleção quero aprender/Marina Nascimento e Sousa, Ática, 1997; Novo Eu gosto de Estudos Sociais - vivência social e individual/Célia Passos e Zeneide Silva, Nacional, s/d.b; Viver e aprender - História e Geografia/ Elian Alabi Lucci, Saraiva, 1998; Novo tempo: História e Geografia/Nemi e Martins, Scipione, 1999.
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