quinta-feira, 4 de outubro de 2012

o café filosófico

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Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011

O CAFÉ FILOSÓFICO COMO POSSIBILIDADE DE

REFLETIR A SOCIEDADE

Elcione Leite de Paula1

Orientador: Dr. Tiago Adão Lara

Resumo: O café filosófico iniciou-se no ano de 1992, em Paris. Em Juiz de

Fora ganhou vida por meio do casal de professores graduados em Filosofia:

Tiago Adão Lara e Maria Helena Falcão Vasconcelos. Estes promovem uma

das modalidades existentes nesta cidade. Na mesa do bar, o participante

degusta as expressões contemporâneas da Filosofia com linguagem

musical, artística e até poética. Este trabalho visa incentivar a participação

da sociedade nos cafés filosóficos, haja vista sua preocupação em atender

as demandas do solo rugoso da vida.

Palavras-chave: Degustar. Pensamento.Llinguagem. Movimento.

Resumen: El café filosófico empezó al año 1992, en Paris. En Juiz de Fora

logró vida por médio del pareja de maestros graduados en Filosofia, Tiago

Adão Lara e Maria Helena Falcão Vasconcelos. Ellos promoven una de lãs

modalidades del café en esta ciudad. A la mesa del bar, el participante

degusta expresiones contemporâneas de la Filosofia por la lenguaje

musical, artistica e mismo poetica. Esto trabajo proponese incitar a la

participación de la sociedad a los cafés filosóficos, ya que tienen la

preocupación de atender a lãs demandas del suelo pliegoso de la vida.

Palabras-llave: Degustar, pensamiento, lenguaje, movimiento.

1 Graduado em Filosofia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora.

semielcio@bol.com.br

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1 Introdução

café filosófico como possibilidade de refletir a

sociedade é uma hipótese ruminada numa luta

entre gigantes: o eu que é cada um na disputa do poder com

os “monstros interiores” do ativismo hodierno. Dentre muitas

leituras, este trabalho conta com a contribuição de filósofos

brasileiros como: Marcondes em Perca tempo: é no lento que

a vida acontece, Adão Lara em A escola que não tive... o

professor que não fui e Silva em seu texto Função social do

filósofo.

2 HISTÓRICO CONTRIBUIÇÃO DOS CAFÉS FILOSÓFICOS

PARA O ÓCIO CRIATIVO

Hodiernamente, além das aulas de filosofia, o

professor pode incentivar o aluno a participar das variadas

modalidades de café filosófico, que podem proporcionar

nestes o prazer do pensar filosófico nas horas livres, i.é, de

ócio criativo.

2.1 Origem do Café Filosófico como Possibilidade de

Atividade Livre

O café filosófico teve como parteiro o Café de Phares

em 1992, aos domingos, na Praça da Bastilha de Paris,

organizado pelo filósofo Marc Saltet. Em 2001, surgiu em

Natal, tendo como principal idealizador Oscar Federico

Bauchwitz, o Café Potiguar. Este, a exemplo dos demais

eventos do gênero que têm se espalhado pelo país, inspirouse

nos cafés franceses, em especial no Café de Phares. Na

mesma época, o café filosófico tomou corpo nas ruas

(cafeterias, bares e restaurantes) extra-acadêmicos paulistas

e no dia vinte de fevereiro de 1993 inaugurou-se em Juiz de

Fora a Nova Acrópole; ONG Internacional com matriz na

Argentina desde 1957.

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2.1.1 Histórico Do Café Filosófico Em Juiz De Fora

Em 2003, o café filosófico juizforano ganhou vida por

meio do casal de professores de Filosofia: Tiago Adão Lara e

Maria Helena Falcão Vasconcellos. No ano de 2005, a

Coordenação de Filosofia da UFJF iniciou o Café no

Restaurante Boulevard 40 no Bairro São Pedro, atualmente

orientado pelos professores de Filosofia da Universidade

Laélia Cardoso e Juarez Sofiste. Em 2006, ambos os

professores, junto com a psicóloga clínica Rosângela Rossi,

promoveram Quartas Filosóficas na Casa de Cultura. O curso,

que pode ser identificado como mais uma modalidade de

Café, é realizado em módulos, com o objetivo geral de pensar

bem para viver melhor. O professor Tiago nos lembra que o

cafezinho faz parte da identidade nacional e é um convite a

um bate-papo democrático, visto que a filosofia nasceu na

Praça de Atenas.

2.2 Ao Sabor de cada Café Filosófico

Apoiada pelos cafés filosóficos, a Filosofia vence o

estigma de que é um exercício de abstração desprovido de

valor, fora da realidade. Para o professor Lara, tal rótulo

pejorativo pode ter sido disseminado a partir do golpe militar

com o interesse político de coibir a influência do espírito crítico

da disciplina. Com a volta da amiga do saber ao cotidiano,

pretendemos, com este trabalho, demonstrar que a Filosofia

não é mera verborréia, mas pode ser uma acessível atividade

coletiva do filosofar. Da doméstica ao professor de Filosofia,

todos são parteiros de suas idéias. A Filosofia é exercício de

cidadania. Ilza Matias de Souza (UFRN) ressalta que a

importância do café filosófico se deve ao fato de que ele

inaugurou o comportamento de audiência de textos filosóficos

nas ruas, fora dos limites dos muros frios da universidade.

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Tornou-se tradição, sempre renovada e democratizada. A

disciplina, segundo Tiago, é a reflexão sobre a maneira

racional de viver. É a razão que motiva e dá sentido, sabor e

cor à vida.

O projeto do café filosófico não visa nenhum vínculo

institucional de extensão, mas visa abordar a filosofia de

forma viva e dinâmica, uma vez que o ser humano é

naturalmente filosófico e fazer sempre as perguntas básicas

sobre o sentido da vida, por exemplo. O Café não pode se

pretender uma terapia, mas ser suporte emancipador. A

filosofia no café parece sem dor, mas muito nos questiona,

pois sua preocupação é responder às demandas do solo

rugoso da vida. A filosofia pode ser mais que o discurso

acadêmico das salas de aula. Contudo, não é preciso

defender uma esquemática oposição entre vida e

universidade para se investir no café. É importante reconhecer

que a filosofia tem seu espaço tanto no café como na

universidade.

2.3 Como são os Cafés

Mas, como saber se um tema é ou não filosófico?

Acompanhadas por um cafezinho do costume popular e

informal do brasileiro, as discussões filosóficas essenciais

acerca da existência humana, com êxito, são aguçadas por

alguns professores graduados em filosofia. Os mesmos

orientam, interpelam e apimentam a temática em voga. A fim

de motivar as discussões, os professores utilizam de recursos

diversos como pintura, performance, música e poesia. Esta

não tenta transformar um discurso lógico em mágica, mas

procura conduzir a linguagem do sentido às suas fontes.

Logo, num Café em que se discute a filosofia contemporânea,

há a possibilidade do pensamento enquanto movimento na

literatura poética.

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O Café é exatamente para frisar que há diferença entre

fazer filosofia e não fazer. O professor que intermedeia prova

isso. A leitura extra-acadêmica, no espaço público dos cafés,

serve para expressar a diferença.

2.4 Objetivo de cada Modalidade

O Café Filosófico “Potiguar” tem características

próprias de filosofar — a começar pela constatação de que

ocorre numa região e num país com outro contexto histórico,

geográfico, cultural, político e climático. Tem em comum com

o evento francês o fato de reunir, semanalmente, um grupo de

pessoas interessadas em discutir temas de várias áreas da

cultura, ciência e arte, com base em uma perspectiva

filosófica. Uma das diferenças fundamentais é que, no Café

de Paris, o tema do amor, por exemplo, é sugerido na hora da

reunião. Se for aceito pelo animador e demais participantes,

inicia-se um debate livre no qual os interessados expressam

sua opinião concordando ou não com quem sugeriu o

assunto. Já, no Café de “Natal”, o tema é divulgado com

antecedência e os interessados se dirigem ao local para ouvir

o palestrante abordar a questão em pauta abrindo-se, em

seguida, o debate com o público. A necessidade de definir o

assunto previamente se deve, entre outros critérios, ao fato de

que posteriormente, as palestras são reunidas em livro. Logo,

esta modalidade se caracteriza por palestras onde após a

exposição do tema, é que se oferece oportunidade para

dúvidas e contribuições. A “Nova Acrópole” promove aulas à

maneira clássica, busca resgatar os valores humanos por

meio de obras que tratam da ética, da sociopolítica e da

filosofia da história. Seu estilo se assemelha com a logosofia.

No bar “Mezcla”, por meio da arte, discutir democraticamente

um tema por ano. Há uma partilha de experiências com o

tema. Na modalidade de café do Mezcla não há aula nem

palestra, e sim um bate-papo com reflexão filosófica

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acompanhada de apresentações de dança, música, vídeo,

teatro, poesia ou artes plásticas, com intervenções dos

professores no intuito de evitar a dispersão do assunto

discutido. Enfim, é apresentado e discutido um texto, que é a

porta da percepção do mundo, intermediado pelos

professores com interesse de que todos os participantes,

dentre eles, donas-de-casa, professores ou estudantes

participem. No “Boulevard 40”, em meio ao bate-papo ou a um

filme, discute-se semanalmente um tema escolhido pelo grupo

participante. Na “Casa de Cultura”, por meio de aulas e de

filmes, discute-se sobre temas pertinentes à história da

filosofia; ou melhor, são aulas de introdução à filosofia, com

caráter mais místico-oriental.

3 ATUALIZAÇÃO DO PENSAR FILOSÓFICO

Torna-se importante fazermos uma explanação do

processo do pensar filosófico, a fim de evitar anacronismo, ao

afirmar que na época de nossos pais, por exemplo, a vida era

melhor, uma vez que a sociedade brasileira era mais rural,

mais familiarizada, ecológica e a violência ainda não era tão

sofisticada como agora.

No entanto, é interessante lembrarmos que atualmente

somos produtores duma sociedade mais urbana, com luz

elétrica, nanotecnológica, com possibilidades cada vez

maiores de intervirmos no perigo de morte com uma cirurgia

ou retardarmos nossa morte biológica. Sendo assim, podemos

seguir o exemplo de Aristóteles, ao dialogar com os sofistas

de sua época, caso utilizemos o melhor dos recursos

tecnológicos que nós mesmos produzimos. Logo, não seria de

bom tom desconsiderarmos os instrumentos tecnológicos que

também fazem parte de nosso veio humano. Daí a

importância de dialogarmos ainda com os diferentes modos

de expressão do pensamento.

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3.1 Exemplo Clássico do Filosofar

O exercício socrático é normalmente apresentado em

dois momentos interpenetrantes que lhe são constitutivos. O

primeiro é denominado ironia. Esta é um apontamento de

contradições. Ou seja, o interlocutor de Sócrates, na tentativa

de se fazer compreender, se auto-avalia e expõe de si mesmo

também contradições que o fazem incompreensível. Na

esperança de desfazer-se de tais, instaura outras mais. Neste

emaranhado por ele próprio confessado, sente-se vítima da

ignorância, que o faz considerar: “só sei que nada sei”. Neste

momento, morre mais um “sábio” para gestação dolorosa,

mas importante, de mais um amigo do saber.

A maiêutica, que significa “parto”, tem por sustentação

essa crise instaurada pela ironia: incide num momento

“doloroso de desconstrução”, em conformidade com a

gestação, culminadas no “parto de idéias”. Todo esforço do

parto é bem expresso no “conhece-te a ti mesmo”. A crítica,

no procedimento filosófico socrático não é ato que vem de

fora, mas de dentro de quem dá à luz: contra os sofistas que

vivem de informações agradáveis, de “senso comum”,

Sócrates apela para que saia de nós apenas o que é nosso,

depurado pela nossa consciência. Grávidos do mundo, cabe a

cada um de nós a gestação de tudo o que foi colhido,

fazendo-o como que nosso, transformando-o na identidade do

múltiplo, num esforço sempre renovado. Dentre tudo o que

tomamos por verdade, o que é a “Verdade” pela qual

tomamos tudo isso? Aquele que exercita a crítica “forte”

mantém uma abertura ao “outro”, reconhecendo-se limitado,

não dono da verdade.

Percebemos que esse procedimento socrático tem o

diálogo como sua condição de possibilidade. É ao querer se

fazer compreender a outrem que alguém se expõe igualmente

para si mesmo, percebendo uma identidade que, embora

constituída de dobras, busca perfazer-se agora

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frequentemente, pretensamente sem qualquer salto. Pela

inquietação das incompreensões que possa suscitar,

necessariamente se refaz por conservação e por mudança,

reparações na constante busca do melhor “conhecimento de

si mesmo”. Um homem fechado em si tende a tomar-se como

“universal”, promotor de ações intolerantes.

O filosofar de tendência histórica é expressão

inquestionável duma intenção de ruptura, pois enquanto as

instituições sociais objetivam a regularidade que nos subtrai a

insegurança de nossa existência, este filosofar, por sua vez,

nos subtrai de tal regularidade, denunciando-a como

conjectura humana de causas e efeitos apenas psicológicos e

sociais. Avessa, conseqüentemente, a toda forma de

“controle”, qualquer previsão se faz inadmissível à filosofia.

Contra a cultura de “arquibancada de pão-e-circo”, o filosofar

é uma atividade radicalmente livre. Esta atitude compreende o

outro a partir das condições de suas lentes.

3.2 A Experiência e a Produção da Tolerância

Desde seu início, a filosofia esteve preocupada com a

problemática da ética (morada ou, aqui, tolerância). Sócrates,

em especial, se preocupou em relação aos sofistas, os quais

pareciam querer demoli-la, na medida em que relativizavam

costumes, tornando-os destituídos de valor absoluto.

O esforço de Sócrates e de toda a filosofia grega,

sobretudo com Platão, foi o de encontrar bases racionais

sólidas para a tecedura de tal abrigo. Este distingue o ser

humano dos animais. Enquanto o ser humano convive com a

angústia de buscar razões para seus questionamentos, os

instintos delimitam os animais. Conforme Lara, eis a diferença

entre a consciência humana e o instinto animal:

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A pujança da vida humana não acontece

apenas no trabalho e pelo trabalho. Acontece

também, e com igual valor, como instinto

celebrativo da alegria de viver; como

expressão da capacidade de ir ao encontro

das coisas numa perspectiva de jogo,

explorando a possibilidade de explodir o já

constituído e de entregar-se ao risco do novo,

pelo prazer de assim fazer. Brincar com as

coisas, com o próprio corpo (o que os animais

também fazem), com a capacidade de

fantasiar, pensar, sentir e agir levou a

humanidade a descobrir um mundo de formas

que estão muito além daquelas oferecidas pela

natureza e muito além daquelas cobradas pela

utilidade. A arte é essa capacidade de fazer o

novo acontecer... (LARA, 1996, 95).

Logo, só o ser humano é capaz de “curtir” o desafio da

tolerância ao diferente, a qual perfaz a crítica “forte”, abrindose

ao diálogo com as demais perspectivas do pensar.2 Assim,

pode acontecer, no jogo da vida, o pensar filosófico.

4 FUNÇÃO SOCIAL DO FILÓSOFO

Segundo Leopoldo e Silva, as relações entre filosofia e

sociedade não se reduzem à explicação das condições

histórico-sociais da produção teorizada da filosofia. Para ele,

há o risco duma relação mecanicista, via negligência de

mediações (várias forças histórico-sociais), entre a história e a

subjetividade enquanto agente histórico.

2 Este capítulo foi tecido a partir do resumo produzido a partir de textos do Prof. Rodrigo R. A.

da Silva, citado nas referências.

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Todavia, Silva delimita a questão da função social do

filósofo por meio de duas perspectivas. A primeira questiona a

história sobre a função social do filósofo, e de que modo a

reflexão é inserida na história vivida por aquele que escolheu

o saber filosófico para a apreensão da realidade. A segunda

perspectiva prescreve a função do filósofo frente à

convivência e reflexão sobre o processo histórico. Ambas as

perspectivas podem se complementar caso se obtenham

elementos facilitadores da inserção, na história, da filosofia.

A segunda perspectiva deixa abertura para o

questionamento da própria inserção histórica da filosofia, uma

vez que os objetivos que ela pretende elucidar se encontram

na escala do absoluto, por causa da contemplação duma

realidade transcendente e não na efemeridade das relações

sociais e políticas do processo histórico.

Uma dificuldade relativa à primeira perspectiva se dá

no critério da seleção dos interlocutores. Dá escape para

questionamento às respostas, baseado em outra escolha que

delimita respostas diversas e contraditórias.

Conforme Silva, dificilmente, imagina-se um filósofo

mais comprometido com a vida política e a prática política da

cidade e seus problemas do que Sócrates. Desde o início da

filosofia nota-se a não-excludência da Verdade e da inserção

social na esfera do Saber, a fim de não confundir o caráter

contingente do proveito particular com as condições da

condução da coisa pública, do Bem Geral. É a partir do signo

da universalidade que o filósofo mantém-se no plano da

indagação, sem deixar escapar seu vínculo com a concretude

da contingência humana no solo rugoso da vida, em severa

oposição aos Sofistas.

É sob a perspectiva da universalidade que se entende

a condição do filósofo em Platão. E o Mito da Caverna ensina

que é necessário fugir do mundo das sombras e encontrar

fora da caverna o real mundo dos objetos e o sol que os

clarifica no seu autêntico ser. A dialética, enquanto método,

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garante que esta busca se dá numa direção que caracteriza a

idéia do Bem, fonte de realidade. Para Platão a morte pode

ser a conversão da alma, constitui a passagem da

obscuridade à clarividência, se o filósofo retornar à sua antiga

morada. A volta daquele que atingiu a contemplação da luz é

voluntária ou forçada? Há algo de condutor no espírito

filosófico. Faz-se necessário que este retorno esteja de algum

modo incluso na própria tarefa do filósofo enquanto

contemplação da verdade. No plano real do humano, o

filósofo é o mantenedor da justiça que deve reinar. Em Platão,

existe apenas a preocupação de retirar o fundamento da vida

política da esfera do contingente e colocá-lo sob aval da

universalidade. Pela manutenção da justiça o filósofo é um

homem entre outros homens, é aquele que conduz a si e ao

outro, por meio de si próprio, à autonomia (pedagogia)

espiritual que para Platão é a consciência da relatividade do

mundo sensível. Na justiça, a sociedade será naturalmente

harmoniosa e o poder, um acréscimo quase despercebido à

organização social.

A teoria política de Platão é um desdobramento do

retorno à Caverna, da preocupação com os outros homens.

A partir de Descartes, a inserção do filósofo na

sociedade passou a ser mais indireta. A filosofia cartesiana é

o fundamento da civilização moderna, do produto imediato e

matematizado da ciência moderna.

A inserção na história, na atitude filosófica de Pascal,

para Silva, não se baseia pela consciência da necessidade de

impor a norma da razão a todos os aspectos da vida humana

para que ele se beneficie da universalidade da teoria, mas da

vivência da incapacidade da razão em resolver as

contradições inerentes à vida. A inserção na história ocorre

pela aceitação da irracionalidade da história, que é, em

especial, a aceitação da contradição que a razão

historicamente constituída procura maquiar. O compromisso

do filósofo é com a manutenção da errância, com a

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peregrinação pelas contradições e com a divindade oculta. É

percorrendo meio errante um caminho marcado por

determinações religiosas, político-sociais que os homens se

inserem na história e que a consciência filosófica tramita entre

a grandeza e a miséria.

A inserção histórica e a função social de

alguma forma estão presas à nostalgia do

infinito. Se o homem é corrupto, o valor da

história também está irremediavelmente

comprometido com esta corrupção. Em todo

caso, sendo a história marca da finitude, ao

menos não corremos o risco de tentar superar

a finitude pela harmonia entre a história e a

razão (SILVA, Franklin. 1996, 18-19).

O filósofo que almeja resignificar a realidade para além

dos sentidos que ela dá conta deve, por meio duma crítica

procedente, desmistificar o conhecimento, a história e a

cultura enquanto produções exclusivas duma razão

ordenadora, dissolvendo as ideologias racionais, tais como a

universalidade, a ordem e a própria verdade.

O filósofo, que tem o ofício de dar sentido à reflexão do

vivido, que incorpora o nível da subjetividade operante e que

postula a inserção crítica na realidade, não pode

desconsiderar a complexidade da relação homem

(individual)/história (totalidade) e deve acrescentar ao

pensamento e à ação a vivência refletida das dicotomias que

conformam a existência histórica em todos os planos:

acaso/necessidade; contingência / determinação. A

compreensão desta espécie particular de dialética produz as

possibilidades de compreender o devir histórico, produz a

racionalidade imanente da história, que é fruto da afetação da

liberdade do sujeito com o curso da história.

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Para Silva, Platão iludiu-se ao entender que a

mudança da história pelo homem poderia ser uma

imobilização da verdade histórica. Do mesmo modo,

Descartes, ao acreditar que o método salva o homem do

devir, ao fixar uma essência atemporal na figura da razão

soberana. Nietzsche teria visto a forma de viver a

autenticidade da existência a partir da negação do valor que a

própria razão confere à existência, valor manifesto na

inserção racional da existência na história. Nietzsche afirma

que o filósofo é o legislador-dançarino. No entanto, para Silva,

Merleau-Ponty dá uma lição talvez mais próxima de nós: o

sentido da história é plural, contingente e dolorosamente

apreendido na dicotomia do fazer e do sofrer a história.

A segunda perspectiva apontada por Silva quer nos

mostrar que o filósofo tem, deve exercer uma função social.

É pelo mesmo motivo de Silva que vemos a

contribuição dos cafés filosóficos enquanto possibilidade de

ser ensaio e exercício livre de produzir outros conhecimentos

que não sejam deterministicamente àqueles produzidos pelo

trabalho assalariado regido pelo sistema capitalista. Uma

doceira, por exemplo, tem muito mais liberdade em seu

trabalho manual ao modelar seus quitutes conforme sua

criatividade. Isto é o que chamamos de ócio criativo: quanto

maior o número de compossíveis uma atividade abarca, mais

livre e criativa ela é. Assim, percebe-se que a discussão

produzida nos cafés filosóficos é parte do compromisso com o

processo histórico-social:

Por isto, o engajamento nunca pode se dar a

partir da segurança daquele que detém as

respostas, mas sempre a partir da

perplexidade daquele que sabe que a razão e

o sentido não excluem a imprevisibilidade, os

desvios e as angústias, uma vez que o homem

está na história como quem se procura, não

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como quem já se encontrou (SILVA, Franklin.

1996, 22).

O “negócio”, na Grécia, era um tipo de trabalho

indispensável à sobrevivência material. O ócio era para o

senhor que possuía escravos. Estes, com seus trabalhos,

acumulavam riqueza para seus proprietários. Enquanto a

classe operária se envolvia com seus trabalhos físicos,

enquanto a mulher tinha a obrigação de manter a espécie e

criar os filhos, os cidadãos tinham tempo para o ócio: trabalho

político, intelectual, artístico.

Com o mesmo tempo de duração, podemos optar por

exercer o “negócio”, talvez com o objetivo frenético de lucrar e

obter produção material em grande escala ou optar pela

reflexão nos cafés filosóficos. Estes são uma tentativa de criar

um “ócio” para filosofar, sair da Caverna, contemplar a luz e

cumprir o papel social do filósofo, que é retornar à Caverna,

mesmo se arriscando sem querer, sem ser compreendido,

mas exercendo a missão intrínseca do filósofo: guiar-se a si

mesmo e aos outros homens pela incontigência da Justiça na

peregrinação do devir humano rumo à luz do infinito.

CONCLUSÃO

Encontramo-nos numa cultura com informações

globalizadas e ao mesmo tempo com uma

superespecialização desenfreada.

Tantas informações prontas são ansiolíticas, em vez

de pensamento crítico-desenformado. Aprender a conhecer é

inserir-se numa pedagogia dialética que percebe a

importância da história em seu pretérito, presente e futuro. O

pensamento nunca deve perder-se no momentâneo.

Precisamos lembrar que nosso micro-conhecimento está

contido no macro-conhecimento do cosmos. É este pensar

transversal-lateral que as escolas buscam para o sucesso da

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transdisciplinaridade, a qual foge da caduca regra da

hierarquia que torna o conhecimento estéril.

Vemos que pensar filosoficamente implica conexão

entre os elementos diversos e significa autoquestionar-se

frente à realidade complexa a fim de não se ocultar no escuro

da nossa especialização fragmentada. Trata-se de ensinar e

aprender entre nós a arte para a problematização.

Podemos também nos educar para frequentarmos os

pensadores nas bibliotecas acessíveis na escola, na cidade

ou nos sítios da Internet. E nada de nos contentarmos com a

mediocridade de ler apenas os resumos das grandes obras!

Isto significa que aprenderemos a fazer uma leitura profunda

acerca dos discursos que nos são apresentados. Há uma

sabedoria das coisas. Há uma riqueza simbólica oculta no

coração delas. Sabemos que contemplar é observar, saber

para realizarmos o que idealizamos.

Já o pensar filosófico é o analisar e o sintetizar. É

separar e unir. A inteligência analítica procura perceber em

que uma realidade não é outra. A inteligência sintética tenta

recuperar dessas análises os pontos de comunhão, de

aproximação. Na análise, um não é o outro. Na síntese, um é

o outro, embora sob perspectivas diferentes. Acostumar-se ao

diálogo do sim e do não produz a arte de refletir criticamente.

Esta é cultivada pela nossa capacidade de saber se relacionar

com o diferente. Afirmações como estas acirram nosso

pensamento: “O todo é mais que a soma das partes”; “o todo

é inferior à soma das partes”. Ou seja, esta contradição

combate Max Weber e significa que quando cada pessoa

assume sua função equilibradamente, a sociedade torna-se

sadia.

Nesta sociedade do know-how, i.é, de conhecimento

técnico, ao sabermos nos perguntar e nos relacionar,

estaremos no processo de aprendizes do pensamento e da

vida. Estes se inserem no processo que consiste

fundamentalmente na preocupação de não acumular

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conhecimentos “vampirizados”, mas entendê-los em contextos

mais amplos. Esta é a tática de desacelerar, auscultar para

nos conduzir à produção de conhecimento no pensar

filosófico, o qual difere do senso comum da mera reprodução

de conhecimento.

Se for pelo prazer que o conhecimento acontece, o

professor de filosofia poderá preparar seu plano de curso

juntamente com os professores de outras disciplinas da

escola, a fim de que a filosofia não seja um apêndice ou mais

uma gaveta na mente do aluno. O professor pode elaborar

seu plano de curso em conjunto, conforme os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN’s). Contudo, sua aplicabilidade

poderá ser com calma. Em nosso estágio supervisionado em

alguns colégios, por exemplo, já notamos isto. Além disso, a

contação de estórias, pequenas excursões e aulas

extraclasses podem auxiliar muito o pensar filosófico, por

meio de gincanas, jogos, brincadeiras, partilha e troca de

afetos. O aluno, no ócio criativo, poderá exercer o pensar

filosófico, na dança da vida.

REFERÊNCIAS

BORGES, Jorge Luis. Esse ofício do verso. Org. Calin-Andrei

Mihailescu. Trad. José Marcos Macedo. São Paulo: Companhia das

Letras, 2000.

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