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outubro 22nd, 2010 | Author: Luciana
Por Márcio Souza
Uma literatura amazônica parece ser algo tão improvável quanto uma literatura regionalista. Ambos os conceitos são invenções recentes. O regionalismo, por exemplo, é uma invenção nordestina, um rótulo geográfico e ideológico que os nordestinos – que nunca inventaram a idéia de uma cultura do latifúndio, embora certas manifestações da literatura daquela região tenham um caráter tipicamente latifundiário – fomentaram para se contrapor ao esforço varguardista do modernismo paulista e carioca.
Modernismo, aliás, que partcipamos na primeira hora. Abguar Bastos, Pereira da Silva e Bruno de Menezes que o digam. Trata-se de um rótulo tão pouco cultural e histórico que os sulistas acabaram por entender que regionalismo é tudo o que é produzido da Bahia para cima. A explicação é que talvez essa história de regionalismo tenha mais a ver com o vigor econômico de cada região geográfica, com o tamanho da pobreza, com a quantidade de políticos corruptos e folclóricos, enfim, esses índice do subdesenvolvimento físico e mental.
Quando me sinto exposto a rótulos desse tipo, logo me vem à mente o outro carimbo não menos preconceituoso: o de Latino-Americano. Eu tenho o maior orgulho de me declarar latino-americano quando podemos incluir os artistas e os escritores da Guiana Francesa, do Quebec, do Haití, da Martinica; ou quando podemos reivindicar para o campo latino autores como Mário Puzzo ou John dos Passos.
Ao fazer isso, veremos o espanto dos que usam o termo latino americano como rótulo geo político. O que precisamos é fugir do risco de nos deixar capturar em guetos, onde que os parâmetros de recepção de nossas obras não são de excelência literária mas fruto da condescência porque somos pobres e moramos longe.
De minha parte, durante muito anos recusei, e continuo recusando editoras estrangeiras que queiram me colocar em coleções latino-americanas, porque autor latino-americano, na Alemanha, por exemplo, é analisado não pelo melhor crítico literário do jornal, mas pelos jornalistas que resenham livros sobre o turismo sexual na Tailândia.
É para as mesas desses últimos que são encaminhados os livros exóticos que chegam do Terceiro Mundo, outro rótulo que se cola automaticamente à pele do latino-americano. Não sei quem inventou a expressão literatura amazônica, mas ela tem inegavelmente uma conotação restritiva, uma roupagem ideológica que mais parece uma desculpa por antecipação.
Estes guetos geopolíticos é que nós temos por obrigação rechaçar. É claro que há povos latinos, com há amazônidas. Eu mesmo sou amazonense de Manaus, filho de paraense de Alenquer, com muito orgulho, mas me considero cidadão do mundo e, espero, autor inscrito na grande vertente da litartura brasileira, braço possante da cultura de língua portuguesa, esta por sí uma rica floração da cultura latina. Estamos situados na outra margem do ocidente e postos como os principais guardiões de seus valores.
Parece hoje pacífico que aqui na Amazônia se formou uma cultura nova, uma forma de viver que é própria da região. Na perspectiva de quinhentos anos, há na Amazônia uma intensa produção cultural, de música de extração popular, que não é música ameríndia mas originada nas diversas fusões culturais. Há uma música clássica, inciada na segunda metade do século XIX e que prossegue no século XX.
Há uma tradição de arquitetura, de costumes, alimentação, uma tradição nas artes plásticas e uma intensa atividade na literatura. Mas embora devamos nos orgulhar dessa trajetória, não podemos perder o senso crítico do que significou esse processo, não podemos perder o sentido verdadeiro do quanto custou esta formação.
Desse modo, mesmo que seja para nos impor nos contextos nacionais ou internacionais, não podemos fazer deste processo histórico uma espécie de jogo de cartas que se lança à mesa para formar uma tradição a qualquer custo. Isto é, não podemos perder o senso crítico ao observar este passado, aprendendo com ele, mas pondo-o em seu devido lugar. Porque compreender este passado não é transformá-lo numa viseira que complique a fabricação do nosso futuro.
A Amazônia tem experiências humanas extraordinárias, que vem de muito antes da chegada dos europeus. Essas experiências estão em sua grande maioria ainda disponível, nas fontes originais, mas temos que tomar precauções para não continuarmos repetindo essa tradição de escritores sem leitores, de pintores sem apreciadores de quadros, de grupos de teatro sem espectadores.
É hora de superarmos essa mania de escritores preferirem uma noite de autógrafos e pagarem de seu bolso um livro, a ir batalhar a edição numa editora profissional. A Amazônia já deu sinais de que pode produzir autores de qualidade e com projeção nacional e internacional, o que precisa ser feito agora é a construção de uma real opção para os artistas da região.
No caso da literatura, ela não pode mais ser encarada como capital social e como subproduto da vaidade individual. Literatura tem de ser feita para ser lida, o escritor tem que estabelecer um compromisso com os leitores, porque não existe literatura sem leitores. O compromisso com o leitor é tão fundamental, que nem mesmo importa a questão da região ou a necessidade do escritor da Amazônia falar de sua própria região.
Somente fará sentido ser escritor da Amazônia, quando for possível um escritor ser lido não apenas no território de sua língua – se você escreve em espanhol, na Bolívia, no Peru, na Colombia, na Venezuela, no Equador, ou inglês, se é da República da Guiana, ou francês, de é da Guiana, ou papiamento, se é do Surinan -, mas estar presente nas livrarias do grande vale Amazônico, seja qual for a soberania política.
O fundamental é os escritores da Amazônia conquistem os leitores da Amazônia, numa verdadeira integração literária, ou seja, que tenhamos uma literatura verdadeira, significativa e num permanente diálogo com o seus leitores.
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