O Programa Brasileiro para a
Estação Espacial Internacional:
Histórico, Estratégias e Objetivos
PETRÔNIO NORONHA DE SOUZA & MÁRIO KATAOKA FILHO
INTRODUÇÃO
O Brasil e os Estados Unidos, representados respectivamente pela
Agência Espacial Brasileira (AEB) e pela National Aeronautics and Space
Administration (NASA), assinaram em outubro de 1997 um Ajuste
Complementar mediante o qual o Brasil passou a fazer parte do esforço
voltado para o projeto, construção, operação e utilização com fins
científicos pacíficos da Estação Espacial Internacional.
Este artigo apresenta o Programa Brasileiro para a Estação Espacial
Internacional destacando os compromissos assumidos pelas Partes, a
estratégia geral do programa, os objetivos brasileiros e os benefícios
científicos e tecnológicos esperados de nossa parcela de utilização.
HISTÓRICO DA ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL
Um dos primeiros debates sobre a possibilidade de se construir
uma Estação Espacial ocorreu em abril de 1960, em Los Angeles, e foi
patrocinado pela NASA, pela Rand Corporation e pelo Institute for
Aeronautical Sciences. Naquela ocasião houve uma grande discussão de
como a Estação deveria ser, de onde deveria ser colocada e de como
construí-la. Todos concordaram que a construção de uma Estação seria
desejável, entretanto não houve, na época, um consenso sobre a
justificativa para sua construção.
A decisão do presidente Kennedy, em maio de 1961, de colocar um
homem na Lua teve como conseqüência a desaceleração do projeto da
Estação, já que não havia recursos financeiros suficientes para os dois
programas. No entanto, enquanto o programa Apolo caminhava,
projetistas continuaram a trabalhar no estabelecimento de conceitos para
a futura Estação, tendo decidido adotar um conceito modular por meio
do qual a Estação seria montada em órbita e abastecida por um veículo
semelhante a um ônibus espacial.
Cooperação internacional na área espacial
138 Petrônio Noronha de Souza e Mário Kataoka Filho
Quando o presidente Nixon, em janeiro 1972, aprovou o projeto
do Ônibus Espacial, o projeto da Estação foi novamente adiado. Nessa
época a Estação sofreu grande oposição da comunidade científica, que
tinha receio que o grande orçamento necessário para sua construção
poderia drenar recursos que poderiam ser melhor utilizados em outros
programas de pesquisa.
Finalmente, o presidente Reagan aprovou a construção de uma
Estação Espacial em dezembro de 1983, que foi inicialmente denominada
Freedom como um desafio aos soviéticos, os grandes rivais dos americanos
na corrida espacial. Entretanto, com o fim da Guerra Fria e a pressão
resultante das restrições orçamentárias, os americanos decidiram abrir
a Estação à participação de outros países. As razões para tal decisão
foram de cunho político e financeiro. Esta decisão resultou em um convite
a várias nações, inclusive a Rússia, e o nome da Estação foi alterado
para International Space Station (ISS).
Além do Brasil e dos Estados Unidos, os outros países que
participam da construção da ISS são: Rússia, Japão, Canadá, juntamente
com alguns dos países que constituem a Agência Espacial Européia (ESA).
São eles: Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Noruega, França, Espanha,
Alemanha, Suécia, Suíça e o Reino Unido.
O custo total da Estação deverá ser dividido entre os parceiros nas
seguintes proporções aproximadas: Estados Unidos (49,7%), Rússia
(28,5%), ESA (10,5%), Japão (8.9%) e Canadá (2.4%).
A participação internacional engloba dois tipos de representação:
os chamados partners e os chamados participants. Os parceiros (Estados
Unidos, Rússia, países da ESA, Canadá e Japão), por meio de suas
respectivas agências espaciais, desfrutam do mesmo “status” da NASA,
embora atuem sob sua liderança. Os participantes são países que
passaram a integrar o programa ao compartilhar os direitos e obrigações
de um dos parceiros. A AISI (Agência Espacial Italiana), mesmo sendo
parceira por meio da ESA, tem também um acordo em separado com a
NASA. Por meio dele, e em troca de equipamentos que seriam antes
obrigação da NASA, a Itália passou a ter direitos de utilização que vão
além daqueles que lhe seriam destinados apenas com base na divisão de
trabalho dentro da ESA.
Esta também é a situação do Brasil, que integra o programa mediante
um acordo semelhante ao italiano. Os equipamentos que deverá fornecer,
bem como os direitos de utilização, têm origem na parcela americana da
Estação.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 7 - Outubro/1999 139
O gerenciamento do programa é executado de forma colegiada e
envolve cada uma das agências espaciais em conselhos (boards)
multilaterais com atribuições técnicas e gerenciais específicas. A soma
das atribuições dos conselhos engloba todo o espectro de atividades
requeridas pelo programa, indo desde sua concepção, especificação e
construção, passando pelas operações de montagem, alocação dos
recursos disponíveis em órbita, produção de cargas úteis, até sua
operação, manutenção e possível comercialização e oportunidades para
a realização de experimentos. Os direitos e as responsabilidades de cada
um dos parceiros estão estabelecidos em um acordo multilateral
denominado Intergovernmental Agreement (IGA, 1998).
OBJETIVOS
A ISS tem como objetivos primordiais tornar-se:
• Uma base avançada para a exploração humana do espaço e para
o desenvolvimento tecnológico;
• Um laboratório de pesquisas privilegiado, de características únicas;
• Uma plataforma comercial para pesquisa e desenvolvimento
espaciais.
Um grande número de cientistas cujos interesses passam pelo uso
do ambiente espacial, já trabalham no preparo de experimentos para
serem enviados para a ISS. Os experimentos e as pesquisas deverão
estar concentrados nas seguintes áreas e sub-áreas:
Pesquisa em microgravidade
- Biotecnologia
- Combustão
- Fluidos
- Física fundamental
- Ciência dos materiais
Ciências da vida
- Biomedicina
- Biologia gravitacional e ecologia
- Sistemas avançados de suporte à vida
Ciências espaciais
- Estrutura e evolução do Universo
140 Petrônio Noronha de Souza e Mário Kataoka Filho
- Exploração do Sistema Solar
- A conexão Terra-Sol
- Busca astronômica pelas origens e por sistemas planetários
Ciências da Terra
- Qualidade da atmosfera
- Meteorologia
- Mudanças climáticas
- Vegetação e uso do solo
- Recursos minerais e alimentares
- Qualidade da água doce e dos oceanos
Desenvolvimento de produtos espaciais
- Agricultura
- Biotecnologia
- Processamento de materiais
- Combustão
Pesquisa em engenharia e tecnologia
- Sistemas avançados de comunicação Terra-espaço
- Sistemas avançados de geração e armazenamento de energia
- Sistemas robóticos avançados e abertura de grandes estruturas
com precisão elevada
- Sistemas avançados de propulsão
- Tecnologia de plataformas voadoras autônomas para inspeção
DESCRIÇÃO
A ISS permanecerá a uma altitude entre 350 e 460 km, em uma órbita
com inclinação de 51,6 graus em relação ao equador, da qual será capaz
de observar 85 % da superfície do planeta. Nessa situação, deverá completar
uma órbita a cada 90 minutos. Sua massa será de aproximadamente 450
toneladas, e suas medidas alcançarão 110 m de largura por 80 m de
comprimento. Seus painéis solares permitirão a geração de
aproximadamente 100 kW de potência. Para sua montagem serão
necessários mais de 40 vôos do ônibus espacial americano e de lançadores
russos do tipo Proton e Soyus.
A ISS terá seis módulos laboratoriais: um americano, um europeu,
um japonês, dois russos e um construído pelos japoneses, mas operado
pela NASA, contendo uma centrífuga de 2,5 m de diâmetro. Os
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 7 - Outubro/1999 141
experimentos colocados dentro destes módulos permanecerão em
ambiente pressurizado, ao abrigo do espaço exterior. A Estação também
possuirá pontos para montagem de equipamentos fora dos módulos
pressurizados, permitindo assim a exposição de experimentos ao
ambiente espacial exterior.
ENGAJAMENTO BRASILEIRO: HISTÓRICO E
DESCRIÇÃO DO AJUSTE COMPLEMENTAR
Em janeiro de 1997 o Brasil recebeu convite da NASA para
participar da construção da ISS e em troca receberia direitos para sua
utilização. Ao longo deste mesmo ano ocorreram negociações envolvendo
do lado brasileiro a AEB, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE) e o Ministério das Relações Exteriores e, do lado americano, a
NASA. Tais negociações culminaram com a da entrada do Brasil no
programa em 14 de outubro de 1997, com a assinatura de um Ajuste
Complementar (Implementing Arrangement), (AEB, 1998) ao Acordo
Quadro entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo
dos Estados Unidos da América sobre a Cooperação nos usos pacíficos
do Espaço Exterior. Este ajuste transfere para o Brasil a responsabilidade
pelo fornecimento de seis itens identificados como necessários para a
ISS, juntamente com a prestação de serviços de engenharia necessários
para sua operação.
Os equipamentos escolhidos e listados no Ajuste Complementar
levaram em consideração não apenas as necessidades da Estação, como
também o nível de risco tecnológico a ser incorrido pelo Brasil. Eles
deverão ser projetados a partir de especificações estabelecidas pela NASA
em consulta com o INPE. Dentre eles, o Brasil deverá reter a posse de
dois (denominados WORF-2 e TEF), enquanto que os outros quatro terão
os direitos de propriedade transferidos para a NASA após sua entrega.
O Ajuste Complementar traz provisões quanto a uma gama variada
de assuntos que vão desde uma descrição sucinta dos equipamentos e
serviços a serem fornecidos pelo Brasil assim como das datas tentativas
de entrega. Inclui também as responsabilidades gerenciais de cada Parte
além de uma descrição circunstanciada dos direitos de utilização, o que
inclui também o direito de enviar um astronauta para permanecer na
Estação por um período pré-determinado. Os direitos de utilização
brasileiros crescem à medida em que os equipamentos são entregues,
tornando-se completos somente após a entrega do último item. Tais
direitos deverão permanecer válidos por um período de 10 anos, estimado
como a vida útil da ISS. Durante o período de utilização o Ajuste continua
em vigência e o Brasil ainda permanece responsável pela manutenção
dos equipamentos entregues. Isto implica na realização de atividades de
assistência técnica, manutenção e fabricação de partes sobressalentes.
142 Petrônio Noronha de Souza e Mário Kataoka Filho
Os direitos de utilização brasileiros foram estabelecidos com base
no custo estimado dos equipamentos e serviços a serem fornecidos pelo
Brasil (aproximadamente 120 milhões de dólares americanos). Com base
nesta estimativa foi delimitado um conjunto de direitos de uso cujo custo
total corresponde ao dos equipamentos a serem fornecidos (o que não
inclui o valor das cargas úteis em si). Tais custos incluem o transporte
dos experimentos até a Estação e seu retorno à Terra, bem como sua
utilização de facilidades providas pela Estação (potência, refrigeração,
espaço físico, transmissão de dados, tempo da tripulação etc.).
Finalmente, também são considerados os custos para o transporte das
partes sobressalentes dos equipamentos cujo direito de propriedade
permanecerá com o Brasil.
Com o estabelecimento do Ajuste, que têm como entidades
executoras a AEB e a NASA, teve início a fase de criação de um programa
específico para a condução destas atividades no Brasil. Para tanto, houve
o envolvimento imediato do INPE por meio de um convênio, mediante o
qual recursos e atribuições no âmbito do fornecimento dos equipamentos
foram delegados ao Instituto. Esta iniciativa deu origem no INPE ao
Programa Brasileiro para a Estação Espacial Internacional (Brazilian
International Space Station Program - BISSP). Dessa forma, passou a caber
ao INPE a condução técnica e administrativa do programa, cabendo
ainda à AEB a participação em instâncias de decisão de alto nível junto
à NASA e ao governo brasileiro.
OBJETIVOS E ESTRATÉGIAS DO PROGRAMA BRASILEIRO
O BISSP está, em seu nível mais alto, dividido em duas áreas de
atuação. A primeira está diretamente ligada à produção industrial dos
equipamentos para a ISS. A segunda, voltada para a área científica,
refere-se ao suporte à utilização dos direitos adquiridos pela realização
da primeira. Ambas estão em consonância com as diretrizes estabelecidas
no parágrafo 2.6 do Programa Nacional de Atividades Espaciais (AEB,
1998).
De forma mais específica, os seguintes objetivos do BISSP podem ser
enumerados:
• Participar do programa da ISS por meio do fornecimento de
equipamentos e serviços e, em retribuição, passar a ter direitos de
utilização ao longo de toda a sua vida útil;
• Conceber, especificar, produzir, integrar à ISS e operar cargas
úteis científicas de interesse brasileiro e mundial;
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 7 - Outubro/1999 143
• Abrir outras oportunidades de envolvimento científico,
tecnológico e industrial brasileiro em missões tripuladas.
O sucesso do programa depende do engajamento decidido de vários
segmentos:
• Governamental, representado pela AEB e INPE, tendo como
objetivo gerir o programa e garantir o fluxo regular e suficiente de recursos
para sua execução;
• Acadêmico, representado pela Academia Brasileira de Ciências
(ABC), e por universidades e centros de pesquisa, tendo como objetivo
engajar-se nas atividades de utilização da ISS identificando áreas de
interesse científico e tecnológico e propondo experimentos a serem
desenvolvidos;
• Industrial, representado pelo parque industrial nacional que atua
na área aeronáutica e espacial, tendo como objetivo assumir as atividades
industriais, que englobam projeto, fabricação, integração, testes e
manutenção dos equipamentos a serem produzidos ao longo do
programa.
Dentre as áreas de trabalho delegadas ao INPE encontra-se a
condução do programa em nível detalhado sob os pontos de vista técnico
e gerencial. Ao INPE também cabe a contratação de empresas nacionais
e estrangeiras que irão participar do Programa.
No que se refere ao processo de industrialização no Brasil, a
estratégia adotada é a de escolher uma empresa líder (prime contractor),
que estará à frente do esforço de industrialização. Será dela a
responsabilidade pela subcontratação de outras empresas que irão
participar do programa.
A PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NA CONSTRUÇÃO
DA ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL
O Ajuste assinado estabelece que o Brasil fornecerá para a ISS seis
equipamentos de vôo, equipamentos de suporte (para o manuseio,
transporte, montagem, testes etc.), modelos de treinamento do pessoal
de solo e da tripulação, simuladores, partes sobressalentes e software
para vôo e treinamento.
Após a entrega e colocação dos equipamentos em órbita, também
deverão ser fornecidos serviços de logística, manutenção, reparo, e
análises de engenharia ao longo de toda a vida útil dos equipamentos,
além de pessoal para a prestação de serviços diretamente para a NASA.
144 Petrônio Noronha de Souza e Mário Kataoka Filho
Finalmente, também deverão ser produzidas cargas úteis para utilização
dos direitos auferidos com o fornecimentos dos equipamentos.
EQUIPAMENTOS A SEREM FORNECIDOS
Três dos equipamentos a serem fornecidos pelo Brasil, descritos a
seguir, enquadram-se na categoria “carga útil”, ou seja, vão para a ISS
com a finalidade de dar suporte à operação de experimentos para lá
enviados.
(I) Palete Expresso para Experimentos na Estação Espacial (EXpedite the
PRocessing of Experiments to Space Station Pallet - EXPRESS Pallet)
Trata-se de um equipamento externo que servirá de suporte para a
montagem de experimentos. Cada local (adaptador) deve ser capaz de
acomodar equipamentos de até 227 Kg sendo que cada Pallet deverá receber
seis adaptadores. Para cada um deles serão fornecidos potência e
transmissão de dados. Os adaptadores deverão ser totalmente compatíveis
com operações robóticas externas e atividades de manuseio extraveiculares
da tripulação. O Pallet deve ser capaz de operar por até dez
anos em órbita além de ser lançado e retornar à Terra por diversas vezes.
O Brasil deverá fornecer quatro unidades de vôo deste equipamento. Sua
massa aproximada, sem carga, será de uma tonelada e suas dimensões
aproximadas serão de 5 por 2 por 3 metros.
(II) Instalação para Experimentos Tecnológicos (Technology Experiment
Facility - TEF)
Trata-se de um equipamento externo que servirá de suporte para a
montagem de experimentos. Cada local (adaptador) deve ser capaz de
acomodar equipamentos com massas variando desde 50 kg até 125 kg,
dependendo da posição. No total, o TEF deverá receber até 26 adaptadores.
Para cada um deles serão fornecidos potência e dados de forma semelhante
ao que será fornecido para experimentos montados no Express Pallet. Os
adaptadores deverão ser totalmente compatíveis com operações robóticas
externas e atividades de manuseio extra-veiculares da tripulação. O TEF
deverá ser capaz de operar por até dez anos em órbita. O Brasil deverá
fornecer uma unidade de vôo deste equipamento e reter sua posse após o
lançamento. Sua massa aproximada será de 1,3 toneladas e suas dimensões
aproximadas serão de 5 por 3 por 2 metros.
(III) Janela de Observação para Pesquisa - Bloco 2 (Window Observational
Research Facility Block 2 - WORF-2)
Trata-se de equipamento interno a ser montado dentro de um rack
padronizado para a montagem de equipamentos. Sua função é acomodar
cargas úteis em frente a uma janela presente no módulo americano da
Estação. Tais cargas úteis terão como missão executar tarefas de
observação da Terra, devendo o equipamento suprir-lhes controle térmico,
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 7 - Outubro/1999 145
dados e potência. O WORF-2 deverá ser capaz de operar por até dez
anos a bordo e ser inteiramente compatível com atividades de manuseio
intra-veiculares. O Brasil deverá fornecer uma unidade de vôo deste
equipamento e reter sua posse após o lançamento.
Os três equipamentos restantes enquadram-se na categoria veículo.
Sua atribuição é dar suporte às operações de transporte de equipamentos
para a ISS e de volta para a Terra, assim como para seu armazenamento
em órbita.
(IV) Container Despressurizado para Logística (Unpressurized Logistics
Carrier - ULC)
Trata-se de um equipamento externo cuja finalidade é servir como
meio de transporte e armazenamento de cargas. Deve ser capaz de
transportar até 4,5 toneladas sendo lançado pelo ônibus espacial. Deverá
resistir até cerca de dez lançamentos e deverá permanecer acoplado a um
local da treliça principal da Estação ou ao Z1-ULC-AS (descrito a seguir).
Os equipamentos que serão sobre ele montados deverão utilizar um
elemento de interface denominado CHIA (descrito a seguir) cuja função
será adequar as interfaces elétricas e mecânicas do ULC às do equipamento
em questão. Potência e dados deverão ser encaminhados para os CHIA
que por sua vez irão transferi-los para os equipamentos, quando aplicável.
O Brasil deverá fornecer quatro unidades de vôo deste equipamento. A
sua massa aproximada, sem carga, será de 1,5 toneladas e suas dimensões
aproximadas serão de 5 por 4 por 3 metros.
(V) Adaptador de Interface para Manuseio de Carga (Cargo Handling
Interface Assembly - CHIA)
Trata-se de um equipamento externo de suporte para a conexão de
cargas ao ULC e que permite seu manuseio em órbita durante as operações
de montagem e manutenção da Estação. Seu formato básico deve ser o de
placas ou caixas. Os equipamentos a serem enviados para a Estação ou
trazidos de volta para Terra deverão ser acomodados sobre ou dentro delas.
Estas interfaces deverão prover energia para o aquecimento dos
equipamentos bem como transmissão de dados para verificar se os mesmos
estão em condição de operação dentro de suas margens de segurança. O
Brasil deverá fornecer uma série desses equipamentos em número e formato
ainda a serem definidos e que variam de acordo com o vôo do ULC.
(VI) Sistema de Anexação Z1-ULC (Z1-ULC-Attach System - Z1-ULC-AS)
Trata-se de equipamento externo cuja função principal é fornecer
uma estrutura de extensão a ser montado na locação Z1 da Estação,
com provisões que lhe permitam montar até dois ULCs durante os
períodos em que os mesmos permanecerem em órbita. Essa estrutura
deverá permitir a integração dos diversos elementos de interface
requeridos tais como a interface com a treliça principal da Estação e
com os próprios ULCs. Deverá, também, prover suporte para a passagem
de cabos de potência e dados. O Brasil deverá fornecer uma única unidade
146 Petrônio Noronha de Souza e Mário Kataoka Filho
que será lançada pelo ônibus espacial. Suas dimensões aproximadas serão
de até 9,8 por 2,5 por 2 metros.
OS DIREITOS BRASILEIROS DE UTILIZAÇÃO DA ESTAÇÃO
ESPACIAL INTERNACIONAL
O trabalho de identificação dos experimentos que farão uso dos
direitos do Brasil na ISS só teve início após a assinatura do Ajuste
Complementar. Por esta razão, os direitos de utilização não estão
estabelecidos com referência a qualquer experimento em particular mas
da seguinte forma:
• Alocações de massas a serem transportadas para a Estação e de
volta para o solo pelo ônibus espacial assim distribuídas:
• 135 kg, ao longo de dez anos de experimentos a serem montados
em uma gaveta (Express Locker);
• 225 kg, montados em uma placa adaptadora do Express Pallet;
• 540 kg, ao longo de dez anos de experimentos para o WORF-2;
• 495 kg, ao longo de dez anos de experimentos para o TEF; e
• 540 kg, de partes sobressalentes para o TEF e WORF-2 ao longo
de dez anos.
Locais específicos dentro e fora da Estação a serem ocupados por
experimentos, bem como o seu tempo de permanência em operação em
órbita em operação ou armazenamento assim distribuídos:
• 1 gaveta do EXPRESS Locker ao longo de 10 anos;
• 1 adaptador ao longo de um ano no EXPRESS Pallet;
• 2 adaptadores ao longo de dez anos no TEF; e
• 3% do tempo de operação do WORF-2.
Adicionalmente, 0,45 % da parcela americana dos recursos comuns
da Estação que podem ser utilizados por nossos experimentos. Entre eles
estão incluídos potência elétrica, refrigeração, transmissão de dados, tempo
da tripulação etc. .
O Ajuste também dá o direito de negociar os direitos de utilização
(vendendo-os ou trocando-os por outros), bem como o de adquirir
oportunidades adicionais que sejam de interesse brasileiro. O envio do
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 7 - Outubro/1999 147
primeiro experimento poderá ocorrer um ano após o lançamento do
primeiro equipamento fornecido pelo Brasil, quando os direitos entram
em vigor. A partir daí, novos direitos vão sendo disponibilizados à medida
em que equipamentos brasileiros são colocados em órbita e só se
completam quando o último deles for lançado. A Figura 1 traz um
cronograma dos lançamentos iniciais, juntamente com uma indicação
dos direitos de utilização e da época quando os mesmos tornam-se
efetivos.
Figura 1: Macrocronograma para os lançamentos iniciais e direitos de utilização.
PLANOS E ESTRATÉGIA BRASILEIRA PARA
UTILIZAÇÃO DA ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL
O Brasil já conta com um projeto para microgravidade, estabelecido
e gerido pela AEB. Seu propósito é o de criar oportunidades para a
comunidade científica utilizar de forma eficaz, esse ambiente em
pesquisas de interesse nacional. Os ambientes de microgravidade hoje
disponíveis para experimentos variam de acordo com a duração,
começando nos vôos parabólicos, que proporcionam poucos segundos,
passando pelos foguetes de sondagem, que oferecem minutos de
utilização, por oportunidades no ônibus espacial, chegando à ISS, com
períodos de meses ou mesmo anos, dependendo dos requisitos do
experimento.
As atividades brasileiras nesse ambiente vêm se intensificando nos
últimos anos, particularmente após os experimentos de crescimento de
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Equipamento
lançado e em
operação
(fonte)
EXPRESS Pallet #1
(Rev . E - Draft May 17,
1999)
WORF -2
(Ajuste
Complementar, 1997,
a ser atualizado)
TEF
(Ajuste
Complementar, 1997,
a ser atualizado)
ULC/CHIA #1
(Rev . E - Draft May 17,
1999)
Z1-ULC-AS
(Ajuste
Complementar, 1997,
a ser atualizado )
Oct . 02
1J/A
Out. 02
1J/A
Feb. 03
UF3
Fev . 03
UF3
Jun. 04
s/vôo
Jun. 04
s/vôo
Jan. 04
s/vôo
Jan. 04
s/vôo
Jan. 04
s/vôo
Jan. 04
s/vôo
Data inicial para lançamento da primeira P/L
p/ Express Locker (Artigo 9.2.b.1 item 1)
1 ano
Início do direito para lançamento da P/L
p/ Express Pallet (Artigo 9.2.b.1 item 2)
Início do direito para lançamento da
primeira P/L p/ TEF (Artigo 9.2.b.3)
Início do direito para lançamento da
primeira P/L p/ WORF -2 (Artigo 9.2.b.2)
Lançamento do primeiro equipamento e início da contagem
do tempo para aquisição dos direitos de utilização
Lançamento do primeiro equipamento e início da contagem
do tempo para aquisição dos direitos de utilização
INPE/ BISSP/Maio-99
148 Petrônio Noronha de Souza e Mário Kataoka Filho
cristais de proteína realizados nos vôos STS-83 e STS-84 do ônibus
espacial americano em 1997.
As áreas científicas e tecnológicas nacionais que irão se beneficiar
de forma mais ampla da ISS ainda não foram plenamente identificadas.
O universo de escolha é o das disciplinas identificadas para a ISS e dentro
dele é que o programa brasileiro se desenvolverá. Caberá ao país buscar
o sucesso do Programa, encontrando o denominador comum entre as
linhas de pesquisa a serem desenvolvidas na ISS e aquelas propostas
que:
• apresentem mérito científico ou tecnológico incontestáveis;
• sejam de interesse nacional;
• enquadrem-se em nossos direitos de utilização (se não for o caso,
o país terá que abrir mão de alguns direitos alocados para poder trocálos
pela oportunidade requerida, ou então terá que comprar outras
oportunidades);
• requeiram recursos ao alcance do programa;
• sejam apresentados por grupos e instituições estáveis e com
competência para a condução de programas de longo prazo;
• efetivamente requeiram o ambiente proporcionado pela ISS.
Um aspecto essencial para o sucesso do Programa reside na
integração entre as atividades da fase industrial do programa e a da
fase de utilização. A razão para tal vem do complexo processo de interação
com a NASA, necessário para poder desenvolver, lançar e operar um
experimento. É de se esperar que o INPE e as empresas envolvidas tenham
o conhecimento necessário para tal e que este seja posto à disposição dos
grupos interessados. Para tanto, é necessário que o programa de utilização
considere as necessidades de recursos financeiros e humanos, tanto no
INPE quanto nas demais entidades envolvidas.
RESULTADOS ESPERADOS DA PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NO
PROGRAMA DA ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL
Os benefícios que poderão ser colhidos, em função das áreas de
atuação dos participantes podem ser assim descritos:
• O INPE e a AEB deverão ter seu patamar gerencial elevado, por
participarem do gerenciamento de um projeto multilateral em nível
internacional;
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 7 - Outubro/1999 149
• O INPE deverá ter seu patamar técnico elevado, pela necessidade
de fornecer equipamentos de grande porte para atender aos requisitos
de uma missão tripulada;
• As universidades e os centros de pesquisa participantes terão a
oportunidade de usufruir do que há de mais recente e avançado em
recursos para a realização de experimentos em ambiente de
microgravidade, nas diversas áreas de pesquisa que podem se beneficiar
deste ambiente. Também, terão abertas oportunidades de cooperação
internacional com instituições de pesquisa que compartilhem os mesmos
interesses e tenham envolvimento no Programa.
• Pelo fato da órbita da ISS privilegiar a cobertura do território
brasileiro, acredita-se que essa característica possivelmente estimulará o
desenvolvimento de experimentos tecnológicos na área de sensoriamento
remoto com aplicações na área ambiental (desflorestamentos e queimadas
por exemplo).
• Outros experimentos poderão ser selecionados para a ISS, nas
áreas de biotecnologia, nos processos de fabricação de drogas, fisiologia
humana, combustão, na melhoria de processos de geração de energia na
Terra, e materiais, na produção de semicondutores, vidros, ligas metálicas
e cerâmicas. Nem todas, no entanto, enquadram-se em nossos direitos de
utilização. Caberá à AEB, quando necessário, negociar alguns direitos
brasileiros com vistas a obter oportunidades ainda não contempladas.
• As indústrias que participarem do programa terão por um lado a
oportunidade de se qualificar frente às severas exigências impostas aos
fornecedores para missões tripuladas, o que lhes abrirá novas
oportunidades de negócios. Por outro lado, terão garantida uma parcela
significativa dos recursos a serem destinados ao Programa, pois a
produção dos equipamentos pela indústria nacional é parte da estratégia
do programa.
Por fim, o Brasil passará a integrar um grupo restrito de países e,
dentre eles, terá voz ativa na produção e utilização do mais caro e
complexo empreendimento científico e tecnológico espacial já tentado
em um esquema de cooperação internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AEB, “Ajuste Complementar entre o Governo da República Federativa do Brasil e o
Governo dos Estados Unidos da América para o Projeto, Desenvolvimento,
Operação e Uso de Equipamentos de Vôo e Cargas Úteis para o Programa da
Estação Espacial Internacional”. Brasília, Diário Oficial da União, 19 de janeiro de
1998.
150 Petrônio Noronha de Souza e Mário Kataoka Filho
AEB, “Programa Nacional de Atividades Espaciais, 1998 - 2007”. Brasília, 1998.
NASA, “Intergovernmental Agreement”. Washington, January 29, 1998.
RESUMO
Este artigo descreve o programa da Estação Espacial Internacional sob os pontos de
vista internacional e brasileiro. A Estação é descrita, são apresentados seus objetivos técnicos
e científicos, bem como a forma como o programa está organizado sob a liderança da
NASA. Em seguida é apresentado um histórico da participação brasileira, são descritos os
compromissos assumidos e os direitos de utilização alocados para o Brasil. É feita uma
breve descrição dos equipamentos a serem entregues, assim como da estratégia adotada
para a implementação do programa em nosso país. Também são apresentados os objetivos
e estratégias do programa científico criado para sua utilização.
ABSTRACT
This article describes the International Space Station Program from the international
and Brazilian standpoints. The station is described, its technological and scientific objectives
presented, as much as the way the program is organized under NASA leadership. The
historical background of the Brazilian participation is presented together with its
responsibilities and utilization rights. A brief description of the equipments that will be
delivered is made and also the strategy for the implementation of the program in Brazil is
discussed. Finally, the objectives and strategy of the scientific program created to manage
the effort towards the Station utilization by the Brazilian scientific community.
Os Autores
PETRÔNIO NORONHA DE SOUZA é gerente do Programa Brasileiro para a Estação Espacial
Internacional no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Engenheiro mecânico pela
UNICAMP, mestre em Ciência Espacial pelo INPE e PhD em engenharia pelo Cranfield
Institute of Technology.
MÁRIO KATAOKA FILHO é chefe do Grupo de Projetos Mecânicos da DMC/INPE. Engenheiro
Civil pela UFC, mestre em Engenharia Aeronáutica pelo ITA e PhD em engenharia
aeroespacial pelo Institute for Aerospace Studies da University of Toronto.
copyright autores do texto
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