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Dimensões Econômicas, Políticas E Sociais Da Reforma Religiosa
RESUMO
O referido artigo apresenta e identifica a Reforma Religiosa como um movimento social, político, econômico e evidentemente religioso. Foi a Reforma a causadora do que aqui denominamos de diáspora, ou seja, a fuga, especialmente para as Américas, daqueles perseguidos por apresentar discordância do modelo religioso vigente. O autor centralizou suas pesquisas nos aspectos sociais, políticos e econômicos da Reforma Religiosa, foram analisados e comparados cada um dos aspectos nas diferentes regiões européias. Cabe ainda um aporte especial para o florescimento cultural europeu representado pelo Renascimento, originário do Norte Italiano, como fator de influência sobre a burguesia e nobreza. Destacamos ainda o crescente enfraquecimento da Igreja Romana frente aos governos locais, haja vista a centralização de poder e riqueza nas mãos da Cúria Romana. É possível encontrar no texto uma breve descrição acerca do Luteranismo, Calvinismo e Anglicanismo, três novas vertentes da religião cristã ocidental. Ressaltamos no texto que não se trata de novas religiões, mas sim reinterpretações e renovação dos dogmas da fé cristã.
Palavras – chave: Reformistas; Igreja; Burguesia.
1 INTRODUÇÃO
A Reforma Religiosa ocorrida durante a modernidade tem suas raízes no medievo. O desgaste da Igreja Católica Romana como única representante do cristianismo no ocidente, começava a mostrar sinais claros de enfraquecimento e perda de poder para os governos locais, que sinalizam em direção a desejos nacionalistas. O plano de um ocidente cristão unido através da fé católica já não atendia as necessidades da população e os descontentamentos afloravam.
São três os prismas analisados e abordados no texto, economia, política e sociedade. É necessária uma decantação apurada sobre estes elementos de influência e influenciáveis, para a compreensão do efeito dos reformadores sobre os mesmos. A muito a Europa estava pronta para as mudanças, necessitava sim de um catalisador para impulsionar o rompimento do modelo judaico-cristão – católico. A sociedade representada por uma burguesia cada vez mais exigente e ávida pela expansão do comércio, aliada a soberanos locais que viam no modelo de Igreja vigente um empecilho ou fardo por demais oneroso e, finalizando, o povo que ansiava por liberdade.
A forma como a Igreja tratava suas províncias fora da Península Itálica também acelerou o processo de desgaste, enquanto tolerava o comportamento dos comerciantes do Norte Italiano, pressionava intensamente o restante da Europa católica com impostos, tomada de terras, venda de indulgências e ameaçasconstantes promovidas pela Inquisição. A total soberania da Igreja Católica sofre à medida que suas riquezas aumentam, a perda de prestígio perante os governantes e a constante interferência do clero nos assuntos locais faz da igreja um estrangeiro, gerando amplo descontentamento.
Com os reflexos do Humanismo e a posteriori o movimento denominado Renascimento, difundido em toda a Europa a partir do Norte da Itália, a aversão ao domínio da Igreja Romana é potencializado. A burguesia e a nobreza são abastecidas pelos lampejos de questionamentos oriundos do florescimento cultural europeu. A vontade de formação de uma cultura própria, conforme os modelos do Norte da Itália, se espalham por todos os recantos europeus e com estes o nacionalismo.
Para a elaboração do presente artigo foram consultadas, pesquisadas e analisadas obras clássicas de autores distintos. Além da bibliografia, a web-bibliografia também foi usada para informações complementares.O aspecto temporal obedeceu principalmente o período Moderno da Historiografia Universal a partir do modelo quatripartite francês, poucas foram às menções feitas ao período medievo, porém, necessárias para a compreensão do contexto descrito.
2 REFORMA RELIGIOSA
Compreendemos como Reforma Religioso, o movimento que reflexiona a respeito do vasto poder do cristianismo representado pela Igreja Católica Romana, os questionamentos surgem a partir de pensadores pertencentes ao próprio clero, como o fez, Martinho Lutero e também pela crescente de outros reformadores. Dogmas da Igreja Católica são questionados pela burguesia que sente - se amordaçada e impedida de aumentar suas margens de lucro e conseqüente expansão, aos moldes do que vem ocorrendo na sociedade luterana, anglicana e calvinista. Neste período a Igreja Católica é a grande senhora das terras européias e o grande capacitor de riquezas, ambiente propício para reinterpretações de dogmas e da própria escritura sagrada. Aceitar o enriquecimento, desde que proveniente do trabalho, atende os anseios da poderosa burguesia européia ávida por uma fatia maior da riqueza. A despeito da Reforma Religiosa Becker (1971, p. 376) descreve:
A Reforma foi um movimento revolucionário – religioso e político – da primeira metade do século XVI, que quebrou a secular unidade católica da Europa Ocidental e subtraiu à Igreja, e portanto à autoridade do Papa, a maior parte dos países setentrionais da Europa. A Reforma – denominada, em geral, Protestante – tem como personagem central o monge alemão Lutero. Imitadores deste surgiram na Suíça, França, Escandinávia e Grã-Bretanha. Nos primeiros tempos do movimento foram criadas, sucessivamente, três novas igrejas cristãs: a luterana, a calvinista e a anglicana.
A Reforma Religiosa nasce e é orquestrada como um movimento contrário às ações e práticas da Igreja Católica Romana, no que diz respeito à política, economia e sociedade. É ela que dita todas as regras sociais e de produção. O Direito Canônico representado pela cúpula Papal sobrepõe-se aos estados e seus governantes. Sua capacidade de concentração de bens e propriedades inibe o crescimento dos estados e das demais castas sociais. O órgão de controle e opressão usado pela Igreja Católica Romana são os tribunais da Santa Inquisição que aterroriza, persegui, assassina e excomunga aqueles que discordam da hegemonia clerical. Pessoas até então perfeitamente inseridas nas sociedades locais são identificadas como hereges e obrigadas a abandonar seus ideais questionadores acerca da distribuição de riquezas e poder ou arder nas fogueiras em praças públicas.
Os movimentos de Reforma Religiosa apresentam êxito em diferentes pontos da Europa simplesmente porque receberam total apoio da burguesia local e dos governantes. O desejo da burguesia é o mesmo em todos os núcleos reformadores, ou seja, aumentar a lucratividade sem correrriscos de vida ou de não entrar no reino dos céus. Quanto aos governantes, os motivos da simpatia pelos reformadores religiosos divergiam, no caso dos ingleses, o desejo de um novo casamento de seu monarca, para os franceses a recuperação das terras tomadas ou doadas aos representantes da igreja, para os governantes dos Países Baixos o desejo de fomentar o processo de industrialização e comercialização de tecidos.
3 DIÁSPORA DE FÉ
Um dos efeitos da Reforma Religiosa e posterior Contra – Reforma foram às perseguições a praticantes de outras denominações cristãs que ameaçavam o poder da Igreja Romana. Os atos de violência e segregação foram praticados por reformistas e contra – reformistas, porém, é a ação dos estados católicos incentivados pela Igreja que atuaram mais incisivamente. Não podemos deixar de lembrar que os representantes de São Pedro criaram durante o medievo uma instituição que legalizou e legitimou tais ações nos países de fé católica – a Inquisição.
Esta onda de terror religioso que varreu a Europa na modernidade levou milhares de pessoas a cruzar o oceano Atlântico na busca de liberdade religiosa. São vários os exemplos da diáspora religiosa ocorrida neste período da História Universal, os calvinistas [puritanos] deixaram a Inglaterra perseguidos pelos anglicanos e os calvinistas franceses atacados pelos católicos, aportaram na América do Norte. Os judeus portugueses e espanhóis abrigaram-se no Novo Mundo para discretamente viver sua fé. A respeito da perseguição aos calvinistas franceses leiamos o que escreveu Becker (1971, p. 382):
[...] Catarina de Médicis, acumpliciada com Henrique, duque de Guise (filho de Francisco de Lorena), após malograda tentativa de assassínio de Coligni, maquinou a pavorosa "matança de São Bartolomeu" (1572). Coligni foi uma das primeiras vítimas. 25.000 hunguenotes[1] foram assassinados. Mas a luta não cessou. De Paris alastrou-se para toda a França. Em 1574, Henrique III subiu ao trono. Desejando pacificar os ânimos, concedeu certas regalias aos hunguenotes. Isto provocou a animosidade dos católicos, que organizaram a Santa Liga, chefiada por Henrique de Guise e apoiada por Felipe II da Espanha.
A Espanha de Isabel de Castela e Fernando Aragão merecem um aporte especial, diferentemente de outros governantes europeus e católicos que administravam politicamente as relações com a poderosa Igreja Romana, minimizando quanto e quando possível às ações da Inquisição, os governantes espanhóis incorporaram os instrumentos da Santa Inquisição ao aparato legal de seu estado monárquico. Os efeitos foram devastadores, perseguições implacáveis, fuga de capital estrangeiro, perda da pouca mão - de - obra especializada, acirramento das relações com as comunidades muçulmanas da Península Ibérica, entre outros. A Espanha passou a ser um a rota indesejada para todos os não católicos. Comparativamente analisando a influência da igreja em Portugal percebemos que a mesma era enorme, no entanto, as relações comerciais com a Inglaterra e com a Holanda, países reformadores, não sofreu abalos significativos, o que beneficio enormemente os lusos frente aos espanhóis.
4 AÇÕES IMPULSIONADORAS DA REFORMA RELIGIOSA
Para que um movimento tido por muitos como revolucionário atinja seu êxito é necessário que determinadas condições hajam de maneira congruente. Neste caso o aspecto temporal nos apresentou a união das condições econômicas, políticas e sociais para fomentar e possibilitar tais modificações. A presença de um clero único – o cristão, em todo o ocidente, que através da coerção física e principalmente espiritual explorava o povo inculto, a burguesia "avarenta" e os governantes submissos, começou a dar mostras de esgotamento.
Habilmente, pensadores, muitos clérigos, iniciaram uma campanha, não contra a fé cristã, mas sim contra seus representantes na terra. O poder representado pelo Papa começa a ser visto como o de um governante estrangeiro, os impostos destinados a Roma como ações abusivas, a venda de indulgências passa a ser transgressão e o lucro, reconhecido como condição humana e não mais pecaminosa. Esta mixórdia de variantes aliada a velhas divergências entre o poder de Roma e o poder local faz pipocar os movimentos reformistas em toda a Europa.
4.1 ASPECTOS ECONÔMICOS
Dentre os vários motivos para o sucesso da Reforma, o que com certeza uniu a todos, foi à questão econômica. A presença de uma Igreja forte, detentora das melhores e mais produtivas terras dos países católicos, além do que, a cobrança desmedida de impostos aos fiéis e seu encaminhamento para Roma, sem o devido retorno para a população, tornavam esta mesma Igreja sinônimo de um poder real estrangeiro. A concentração de riqueza nas mãos da Cúria Romana era tal, que os nobres e a burguesia local começavam a questionar os representantes divinos na terra. Becker (1971, p. 377) descreve com muita propriedade as condições impostas pelo clero católico aos países alinhados em sua fé:
A grande riqueza da Igreja. Reis e nobres viram na Reforma um modo fácil de apoderar-se das propriedades eclesiásticas: terras (que constituíram, em extensão territorial, 1/3 da Alemanha e 1/5 da França), jóias, metais preciosos, etc. Ressentimento contra impostos da Igreja católica. As arrecadações do Papa esgotavam os países setentrionais e enriqueciam a Itália. A Europa do norte sentia-se como conquistada por uma potência estrangeira, que lhe impusesse tributo.
Não podemos de destacar a ação da burguesia principalmente em países como a Alemanha, França e Países Baixos. Esta burguesia desejava maiores lucros sem a ameaça constante do eterno inferno imposto aos hereges avarentos. A situação destes burgueses em relação ao tratamento dispensado a poderosa burguesia italiana também fomentava os movimentos reformistas. Eram claros os privilégios dos banqueiros e comerciantes do Norte da Itália [Florença, Gênova e Veneza] em detrimento aos demais cantões católicos.
4.2 ASPECTOS POLÍTICOS
A muito as quizilas entre o Papado e os governos locais apontavam para um distanciamento, porém, o que faltava nesta efervescência política era um motivador para a independência dos estados, em relação ao governo centralizador da Santa Sé. A faísca necessária para a desfragmentação do catolicismo na Europa Ocidental foi o aparecimento dos reformadores. Na Alemanha a Igreja de Lutero foi bem aceita pelos reis locais para fazer frente ao poder da Áustria católica. Na França as lembranças da derrota e humilhação imposta por Felipe IV – o Belo, na Idade Média, ainda pairavam na atmosfera e com o surgimento do calvinismo a aceitação e doutrinação foi rápida. Em toda a Europa o anseio pela formação dos estados nacionais era grande. Das cidades - estados do Norte da Itália, passando por França, Alemanha, Países Baixos e Escandinávia, o desejo era único, independência total em relação a qualquer forma de governo estrangeiro.
O desgaste do Papado é decorrente de sua própria sede de poder. Durante todo o medievo os Papas Romanos tentaram subjugar os territórios europeus cristãos sob uma única bandeira – a do Papado. Ao se confrontarem com os soberanos locais sofreram significativas perdas que culminaram com o sucesso da Reforma Religiosa na Idade Moderna. A partir das análises de Toynbee (1982, p. 611) podemos compreender o processo que levou a Reforma Religiosa na Europa Ocidental:
A principal alteração política na Cristandade Ocidental, no decorrer do quarto milênio entre 1303 – 1563, foi a transferência de poder e renda do Papado e de outros órgãos da Igreja Ocidental (por exemplo, mosteiros) para governos seculares locais. O Papado passara de instituição ecumênica dominante, que presidia e mantinha unida toda a Respublica Christiana ocidental, a um dos principados locais secundários do Mundo Ocidental e, lutando contra poderes locais mais fortes, perdera a confiança espiritual da comunidade cristã ocidental; sua autoridade eclesiástica enfraquecera, mesmo nos estados ocidentais que ainda a reconheciam.
4.3 ASPECTOS SOCIAIS
O comportamento e as motivações para a aceitabilidade da Reforma Religiosa diferem de acordo com a sociedade local. Na Alemanha o povo estava apto para receber os reformistas e seus novos dogmas dentro de uma igreja renovada. Para os cavaleiros significava possibilidade de luta e enriquecimento, para as cidades o desejo de liberdade de seus senhores eclesiásticos, para os artesões um aumento de lucrabilidade e para os camponeses, melhorias na sua condição de servos.
A sociedade européia sofreu a influência do Humanismo, este considerado precursor do Renascimento. Durante o Renascimento Europeu, principalmente no Norte da Itália e nos Países Baixos. ocorreu o resgate da cultura clássica pré-cristã e por conseqüente o confrontamento entre a Igreja Católica e os renascentistas. É esta nova cultura pré-moderna que influenciará e instigará a burguesia e a nobreza contra a supremacia da Igreja Católica. Leiamos o que nos escreveu Toynbee (1982, pp 606 -607) acerca do Renascimento europeu:
A contribuição de Florença ao Renascimento do Ocidente moderno foi tão notável quanto a de Atenas o fora para o florescimento da civilização grega helênica após 480 a.C. [...]. Todavia, nem Florença nem mesmo todo o Norte da Itália foi o único foco do florescimento cultural moderno do Ocidente. Flandres equiparava-se com o Norte da Itália como segundo pólo da vida ocidental, nos planos cultural e econômico.
5 CONCLUSÃO
A Reforma Religiosa pode ser descrita como um movimento religioso, social, político e econômico. Produto de um modelo religioso desgastado que ambicionava unificar a Europa Ocidental em torna da única igreja cristã – a Católica Romana. Os acúmulos de riqueza e terras provenientes de conquistas, doações, usurpações, impostos, venda de indulgência e isenção de impostos por parte dos governantes, tornou a Igreja Romana uma das Instituições de maior poder a partir do medievo.
São duas as fontes inspiradoras dos reformistas, à vontade de instituir e valorar a cultura local aos moldes do Norte Italiano e claro a ação decorrente do desejo de uma nova igreja cristã. O Renascimento oriundo de Florença se espalha pela Europa, contaminando os representantes da burguesia e da nobreza com idéias que logo impregnam o espírito nacionalista. A Reforma Religiosa atende a vontade libertária de um modelo religioso unitário que despreza seus súditos além das fronteiras itálicas.
A economia do período moderno sofria com a estagnação imposta pela Igreja Católica, com exceção do Norte da Itália e Países Baixos. No Norte Italiano a força dos banqueiros e comerciantes florentinos, venezianos e genoveses dobrava até mesmo a poderosa Igreja de São Pedro. Os Países Baixos valiam-se de seu forte comércio de tecidos para ignorar os dogmas impositivos da Cúria Romana. As ações mais restritivas voltavam-se para Portugal, Espanha, Áustria e através desta pela Alemanha. A França dera seu grito de independência parcial com Felipe IV – o Belo que impôs uma derrota humilhante ainda no medievo. Já a Inglaterra utilizou a onda reformista para criar um estado teocrático anglicano para satisfazer o desejo de seu soberano, Henrique VIII, assim desposando Ana Bolena.
As perseguições efetuadas por reformistas e contra – reformista foram intensas. Mesmo antes da Reforma Religiosa iniciada por Lutero a Igreja católica fazia uso desde a Idade Média dos tribunais da Inquisição, para perseguir aqueles que discordavam dos dogmas religiosos. Este mecanismo foi amplamente usado na perseguição aos reformistas especialmente em países como Portugal, Espanha e Itália. Todavia países como a França foram palco de assassinatos em massa, basta lembrar da Noite de São Bartolomeu onde milhares de calvinistas foram eliminados por católicos com o apoio da Igreja Romana. A própria Alemanha berço do Luteranismo sofreu com as perseguições impostas pelo seu vizinho católico da casa da Áustria. Enfim, a Idade Moderna carrega o estigma de mudanças através da religião manchadas por sangue.
REFERÊNCIAS
BECKER, Idel. Pequena história da civilização ocidental. 5. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.
TOYNBEE, Arnold. A humanidade e a mãe – terra: uma história narrativa do mundo. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
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Autor: Mauri Daniel Marutti
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