Um prego no caixão da democracia
Publicado em 06/08/2009 por Träsel
Rodrigo Alvares, o último membro da orquestra a abandonar o navio, decidiu hoje encerrar o blog A Nova Corja. Por um ou dois anos fui membro da trupe, certamente um dos menos dedicados, mas pude ao menos compartilhar a alegria de fazer reportagem política incondicional, no melhor estilo “jornalismo é oposição, o resto é balcão de secos e molhados”. Desejo a todos os jornalistas que tenham essa experiência ao menos uma vez na vida.
O motivo principal para o encerramento das operações é o desânimo causado pelos processos de Políbio Braga, Felipe Vieira e Banrisul. Não que os processos metessem medo. O problema é que eles custam dinheiro, mesmo quando o juiz decide a seu favor, e, principalmente, tomam muito tempo. Todos os membros atuais e antigos da Corja têm empregos e famílias para cuidar. O jornalismo político era algo como uma prestação de serviços à sociedade, um voluntariado. Quando os poderosos foram perturbados e resolveram se aproveitar do Judiciário para tentar calar a Corja, porém, a sociedade mostrou-se incapaz de ajudar. O tempo livre antes dedicado ao jornalismo passou a ser dedicado a defender-se da litigância de má-fé. Algumas famílias até mesmo sofreram ameaças.
Algumas lições importantes podem ser tiradas desse caso. Primeiro, percebe-se que o bom jornalismo ainda faz diferença. A luz do dia incomoda aos poderosos e, no contexto da comunicação em rede mediada por computador, está ao alcance de qualquer cidadão expor os fatos ao sol. É o que chamo de webjornalismo cidadão, uma prática cada vez mais incensada como panacéia para os problemas do jornalismo. Pois bem, esse caso mostra os limites do webjornalismo cidadão.
Expostos ao sol, os políticos e sua entourage costumam sentir-se acuados e apelam ao Judiciário para tentar calar seus inimigos. Não precisam nem mesmo vencer um processo: os trâmites legais em si mesmos já têm um enorme poder disruptivo sobre o trabalho de pessoas que não vivem para a política e precisam se dedicar à vida real. Repórteres funcionários de empresas de comunicação podem contar com o setor jurídico para defendê-los nestes processos e seguir com sua rotina produtiva. Também não precisam pagar os custos judiciais. Repórteres amadores ou sem apoio institucional, por outro lado, são alvos fáceis para a intimidação jurídica.
Casos desse tipo de intimidação têm se acumulado. À medida que os canais disponíveis para a manifestação do cidadão se multiplicam e ganham influência, políticos e empresas — especialmente aqueles envolvidos em atitudes imorais, antiéticas ou ilegais — passam a combater a liberdade de expressão com o instrumento favorito dos canalhas: a Justiça. É lamentável que as leis possam ser usadas em prejuízo da democracia, mas o Estado de Direito ainda é preferível à barbárie. Cabe à sociedade fiscalizar e organizar-se para impedir ou diminuir esse tipo de tramóia.
Desde o primeiro processo iniciado contra a Corja, cristalizou-se em meu ponto de vista a necessidade de uma organização como a Electronic Frontier Foundation no Brasil. Seu objetivo seria a educação da sociedade quanto aos direitos e deveres do cidadão na Internet e também o apoio técnico e jurídico a repórteres amadores e demais vítimas de litigância de má-fé e outras injustiças. Um dia, quem sabe, a idéia sai do papel.
Esta entrada foi publicada em jornalismo, política e marcada com a tag ativismo, Banrisul, blog, Felipe Vieira, Judiciário, liberdade de expressão, Nova Corja, Políbio Braga, Rio Grande do Sul, webjornalismo participativo. Adicione o link permanenteaos seus favoritos.
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37 respostas a Um prego no caixão da democracia
zani disse:
06/08/2009 às 20:10
quer dizer que a diferença entre o “jornalismo profissional” e o “webjornalismo cidadão” é suporte jurídico?
onde é que eu dôo a minha colaboração? isenta de IR rs.
triste fim mesmo. abs
Cardoso disse:
07/08/2009 às 14:54
Só acho que não precisava TAXAR Políbio e Felipe Vieira de PODEROSOS. Muito PORTO ALEGRE STATE OF MIND.
Yuri Almeida disse:
07/08/2009 às 15:30
É uma pena, o fim da Corja…
Mas, realmente, a questão jurídica influencia muito o tipo de cobertura possível de ser realizada, ainda mais se falando de jornalismo colaborativo.
Mauricio Caleiro disse:
07/08/2009 às 15:41
Em primeiro lugar, lamento e me solidarizo com o pessoal do Nova Corja.
O fim da Nova Corja revela o quanto é necessária a criação de alguma forma institucional de representação entre blogueiros independentes, sobretudo no sentido de se constituir uma malha de proteção jurídica à atividade deles (com advogados voluntários, talvez?). Do contrário, é isso: um blog que teve grande importância na denúncia dos desmandos no RS, cai ante os primeiros processos judiciais.
Porque, ainda mais num momento em que políticos estão contratando profissionais de toll para atuar contra blogueiros e colunistas, seria muita ingenuidade achar que “os poderosos” vão ficar inertes vendo suas falcatruas serem reveladas.
É triste, é lamentável, mas é essa a realidade.
Um outro ponto que gostaria de abordad: partir da premissa (atribuída a Millôr Fernandes) de que “jornalismo é oposição, o resto é balcão de secos e molhados” me parece um equívoco. É a mesmíssima desculpa que a Folha usa pra só bater no governo Lula.
Jornalismo não é partido político, pra ser situação (como a Folha é em relação a Serra) nem oposição; jornalismo é apuração a mais fiel possível dos fatos: um programa social tira milhões de pessoas da miséria?O jornalismo deve reportar isso, saudando como um fato positivo. Esse mesmo programa tem aspectos negativos, como fraudes? O jornalismo teve retratar isso também, e de forma crítica.
Do contrário, não é jornalismo, é ativismo político (o que é perfeitamente lícito, desde que assumido como tal).
marcelo da silva duarte disse:
07/08/2009 às 16:21
A Nova Corja incomodando poderosos?
O caixão poderia ter sido fechado sem essa pérola.
o que aconteceu entre a Nova Corja e os jornalistas citados foi mero conflito de interesses corporativos.
Esta semana está mesmo divertida.
Träsel disse:
07/08/2009 às 16:29
Teoria interessante, Marcelo. Quais seriam os interesses corporativos da Nova Corja?
marcelo da silva duarte disse:
07/08/2009 às 17:16
Ora, Träsel, que interesses mais seriam, a não ser os do jornalismo-padrão gaúcho? Precisas de um desenho para entenderes uma ironia?
Pensava que, para bom entendedor, meia palavra bastava.
Träsel disse:
07/08/2009 às 17:28
Sim, preciso de um desenho. Até porque:
“Enquanto figura, a ironia, no seu uso mais corrente, postula significar o contrário do que se diz, tanto no contexto como no texto, dizer o contrário do que se pensa ou do que se quer seja pensado.”
http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/volumes/31/htm/comunica/CiII40a.htm
marcelo da silva duarte disse:
07/08/2009 às 17:40
Não entendeste o que “no seu uso mais corrente” significa ou precisas de outro desenho?
Farei melhor, mas iluminarei teu caminho. Prestes atenção no 3º (terceiro) significado do termo:
“[Do gr. eironeía, 'interrogação', 'dissimulação', pelo lat. ironia.]
S. f.
1. Modo de exprimir-se que consiste em dizer o contrário daquilo que se está pensando ou sentindo, ou por pudor em relação a si próprio ou com intenção depreciativa e sarcástica em relação a outrem: Voltaire foi um mestre da ironia.
2. Contraste fortuito que parece um escárnio: ironia do destino.
3. Sarcasmo, zombaria”.
Termines o doutorado e conversamos.
Träsel disse:
07/08/2009 às 17:52
Sigo sem entender. Talvez eu seja muito burro para compreender uma afirmação quando não é fundamentada em argumentos consistentes. Esperarei pelo desenho.
marcelo da silva duarte disse:
07/08/2009 às 18:14
Não é uma hipótese a ser descartada, afinal de contas uma ironia é um belo exemplo de uma afirmação não fundamentada em argumentos consistentes.
Fim de papo.
Träsel disse:
07/08/2009 às 18:21
Agradeço pela contribuição iluminadora ao debate. Bom ver que o movimento da ultra-esquerda ainda consegue fazer afirmações com substância, não apenas acusações superficiais e paranóicas. Fico feliz em saber que intelectuais tão preparados estão zelando pela democracia.
Claudio Lopes disse:
07/08/2009 às 19:24
Faltou só uma coisinha…Quem realmente tem um firme compromisso com a verdade, a qual é fundamental para um jornalismo sério?
Respondo: NINGUÉM – TODOS TÊM APENAS INTERESSES PRÓPRIOS E MAIS NADA…
Mas hein!!!
Tiago disse:
07/08/2009 às 20:13
Vocês são uns coitados mesmo…
3 processinhos e abrem as pernas…
Políbio, entre outros, penou anos sofrendo DE VERDADE dezenas de processos como essas mentirinhas que vcs superlativam aqui. O processo que vcs sofreram do Políbio foi rapidamente decidido e acabado. Que piada é essa??
Bem vindo ao mundo real, o qual já é conhecido desses que vc chamou de ‘poderosos’ desde a época do Fidel Dutra: processo em cima de processo. Vocês trabalharam, ingenuamente é óbvio, a favor da camarilha que processa jornalistas por vocação (Tarso Genro, Olivio, Luciana Periguete..)… mesmo que mintam a si mesmos achando que fizeram o contrário.
Enfim, espero que o papai renove a mesada e possibilite continuidade a essse silviço que vcs prestam… o humor é a melhor contribuição que os megalomaníacos como vc podem nos dar.
marcelo da silva duarte disse:
08/08/2009 às 00:09
Disponha, Träsel.
Mas não te acabrunhes, pois isso tudo não há de ser nada. Existem coisas bem piores. Cátedras de Comunicação, por exemplo, são entregues a analfabetos políticos.
Träsel disse:
08/08/2009 às 00:10
Prezado Tiago M. Neumann,
Sugiro ler o diálogo acima, no qual o Marcelo Duarte mostra com argumentos irrefutáveis que a Nova Corja era comprometida com os interesses corporativistas dos poderosos — algo difícil de concilar com fazer parte da camarilha petista.
Apesar de ele não ter fornecido o desenho prometido, tenho certeza de que um rapaz esperto como você será capaz de compreender.
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Rodrigo Alvares disse:
09/08/2009 às 19:04
“O que aconteceu entre a Nova Corja e os jornalistas citados foi mero conflito de interesses corporativos.”
“Enfim, espero que o papai renove a mesada e possibilite continuidade a essse silviço que vcs prestam… o humor é a melhor contribuição que os megalomaníacos como vc podem nos dar.”
Até fico embevecido que as pessoas pensem que o A Nova Corja era movido por algum interesse corporativo (não faço ideia do que querem dizer com isso) ou que todo mundo que participou do blog seja sustentado pelos pais, o que é de um absurdo demente.
Aliás, adoraria que alguém me apontasse em qual parte do último post eu escrevi que fechei o blog por causa dos processos.
Ninguém ali leu “Por conta de compromissos profissionais, não posso mais manter atualizações como gostaria, e prefiro fechar o blog a fazer um trabalho meia boca.”?
Camilo disse:
10/08/2009 às 18:01
Analfabetismo funcional pega forte, Suruba.
Nem desenho resolveria.
Aliás, esse Tiago Neumann comentou algumas vezes n’ANC, não?
Marcelo Amorim disse:
11/08/2009 às 08:47
É uma pena. Visitava o NC quase todos os dias. Nem sempre concordei com o que era escrito, mas considerava o melhor blog de política do RS. O resto é lixo, ou patrocinado por estatais gaúchas, ou tocados por esquerdistas que consideram Cuba um modelo de democracia.
Olair Vaz disse:
11/08/2009 às 14:18
Trasel, acho que em parte o outro Marcelo tem razão. Por várias vezes vi o pessoal da NC desenvolver matérias para a RBS e agora por último parece que o RA estava iniciando um trabalho na Folha. Caso isso seja verdadeiro, é de se esperar que esses compromissos profissionais acabem inviabilizando um trabalho independente e por vezes contra os interesses desses grupos.
martina disse:
11/08/2009 às 23:22
Grande Marcelo da Silva Duarte! Disse tudo.
Eis a finada Nova Corja (que Deus a tenha). Vai lá: http://ow.ly/jKKh
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Marcus Padilha disse:
16/08/2009 às 13:36
Ué, processar jornalistas não era coisa do Petê???
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Lucas C. disse:
23/08/2009 às 12:16
Curto muito o trabalho da EFF.
Se um dia quiser começar, conte comigo.
Pingback: Global Voices ??? » ?????????????????
Pingback: BLOG CELLA » Blog Archive » Liberdade de expressão no Brasil?
Almanakut Brasil disse:
12/03/2010 às 04:40
Pensar com o mouse, para não pensar com o spray!
De volta aos muros brancos?
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André disse:
08/10/2010 às 13:54
Puxa, que perda! (ironia – sem desenho)
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