sexta-feira, 30 de março de 2012

LENDAS DO ELDORADO

Análise da lenda do El Dorado



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A lenda do Eldorado: paraíso edênico

Por Denise do Nascimento
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Introdução A lenda do Eldorado Uma lenda, várias versões

Introdução


Sobre mitos nunca é demais reforçar sua importância ainda hoje na contemporaneidade. Contudo, a importância dos mitos não está apenas na definição de sua mensagem, mas no modo como esta é proferida; ou nas palavras de Roland Barthes (1989): “o mito não pode ser um objeto, um conceito ou uma idéia: ele é um modo de significação, uma forma".

Daí a importância de se ir além dos significados óbvios e buscar-lhe os sentidos profundos, ou melhor, a parte abstrata. Sendo assim, o mito não só tem o poder de determinar uma realidade, mas também de manifestar essa realidade. Segundo Mircéia Eliade (1972) o mito é uma história sagrada que narra a origem das coisas e dos seres. Assim, os mitos seriam as manifestações, as formas sensíveis, as atualizações múltiplas do mundo dos deuses que são recriadas e ressignificadas pelo homem. Grande maioria dos relatos mitológicos conhecidos são releituras de histórias judaico-cristãs e greco-romana, com outros significados (SOUSA, 1996).

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A Lenda do Eldorado

No final do século XV, por volta dos anos de 1490, Portugal e Espanha abriram grande concorrência mercantil a fim de expandir seus negócios. Nesse período iniciam-se as grandes expedições marítimas, a idéia era chegar ao Oriente, nas Índias especificamente, mas no ano de 1492 o genovês Cristóvão Colombo, navegando sob bandeira espanhola, aportou em uma terra totalmente nova. Grande parte das narrativas acerca do descobrimento e colonização da América, escritas entre o final do século XV e o século XVIII revelam a importância e a forte influência da Igreja; sendo assim não é difícil imaginar o tamanho do espanto dos europeus ao aportarem no Novo Mundo, e se depararem com o Jardim do Éden, tal como descrito nas Sagradas Escrituras. A natureza exuberante, animais exóticos, além de homens e mulheres que andavam nus mostrando suas vergonhas, e sem vergonha! Era com certeza o Paraíso.

Com o passar dos tempos e com a chegada de mais desbravadores, a idéia de Paraíso ganhou outros contornos, outros nomes e localizações diversas. De Jardim do Éden ou Paraíso Terrestre passou a ser descrito como um lugar encantado, à beira de um lago, o Guatavita, que parece ter sido um centro cerimonial importante para a iniciação dos jovens que seriam coroados reis. Falavam de uma cidade cujas construções seriam todas feitas de ouro maciço e cujos tesouros existiriam em quantidades inimagináveis.

Assim nasceu a lenda do Eldorado. Várias são as histórias em torno dessa lenda narrada pelos índios aos espanhóis; os espanhóis, por sua vez, que já haviam iniciado o processo de invasão, começavam a conhecer as riquezas daqueles povos. Deduziram que cidades inteiras de ouro estavam à sua espera no interior da América do Sul. Os povos das culturas sul americanas trabalharam diversos metais, desde o cobre, bronze ou ferro, no entanto o ouro foi o que atraiu maior interesse, pois sua cor era a concretização do sol, o astro sólido, deus maior que fecundava a terra gerando frutos ricos que alimentava e dava vida ao homem. Naquela época o valor do ouro estava associado a valores religiosos e não materiais como o conhecemos hoje.

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Uma lenda, várias versões

Várias são as versões dessa lenda, vejamos algumas delas:

Segundo uma das versões contada por Enrique de Gandía na Historia Critica de los Mitos de la Conquista Americana (Buenos Aires: Juán Roldán, 1929), o candidato à sucessão do cacique dos chibcha ficava preso numa gruta por seis anos, sem comer carne, sal ou pimenta; as mulheres lhe eram proibidas, assim como a luz do dia. No dia da entronização, seu primeiro ato consistia em entrar no lago para oferecer sacrifícios aos deuses.

No lago de Guatavita faziam uma grande balsa de juncos, e a enfeitavam até deixá-la tão vistosa quanto podiam, depois cercavam toda lagoa e a iluminavam toda sua circunferência. Os índios e índias todos coroados de ouro, plumas e enfeites de nariz. Despiam o candidato e o untavam com uma liga pegajosa, e cobriam tudo com ouro em pó, de maneira que ia todo coberto desse metal. Metiam-no na balsa, na qual ia de pé, e aos seus pés colocavam um monte de ouro e esmeraldas para que oferecesse a seu deus. Acompanhavam-no na barca quatro caciques, os mais importantes, enfeitados de plumas, coroas, braceletes, adereços de nariz e orelhas de ouro. O índio dourado fazia sua oferenda lançando no meio da lagoa todo o ouro e as esmeraldas que levava aos pés, e logo o imitavam os caciques que o acompanhavam. Com tal cerimônia ficava reconhecido o novo escolhido para ser senhor e príncipe.

Outra versão, referida por Gandía, dizia que um cacique enganado pela mulher descobriu a traição e a obrigou a comer, numa festa, "os órgãos com os quais seu amante havia pecado" e ordenou aos índios que cantassem o crime diante de toda a aldeia enquanto durasse a bebedeira. Incapaz de suportar a humilhação, a mulher tomou a filha nos braços e jogou-se com ela no lago Guatavita. O cacique foi tomado pelo remorso, até que os sacerdotes lhe disseram que a mulher vivia em um palácio escondido no fundo das águas e podia ser honrada com oferendas de ouro e esmeraldas. O cacique arrependido teria então passado a realizar a cerimônia.

Uma das versões mais conhecidas é aquela cujo significado para Eldorado é: “aquele que é recoberto de ouro” e refere-se especificamente a um cacique do reino Chibcha localizado hoje na Colômbia. Para essa tribo o ouro era o suor do deus Sol. Nos dias de festa o cacique Chibcha tinha seu corpo untado com uma resina pegajosa sobre a qual era pulverizado ouro em pó. Seu corpo resplandecia como raios de sol. Após os rituais ele mergulhava na laguna de Guatavita e ia retirando aos poucos o ouro da pele para lançá-lo às águas. Nesse momento os homens da tribo atiravam ainda mais ouro e esmeraldas à laguna.

O rei mergulhava então para retirar os últimos resíduos do metal e ofertá-lo aos deuses. Nesta versão há também a variante Manoa del Dorado, que narra a mesma história, mas que inicialmente enfatiza o lago (manoa); dois outros mitos se desdobram dessa vertente, o mito de Paitíti ou Candire, que também seria uma cidade cheia de riquezas, mas costuma ser localizada muito mais ao sul, entre as selvas da Bolívia e Peru ou no Brasil, no Acre, Rondônia ou Mato Grosso.

Acreditou-se que o Eldorado fosse em várias regiões do Novo Mundo: uns diziam estar onde atualmente é o Deserto de Sonora no México. Outros acreditavam ser na região das nascentes do Rio Amazonas, ou ainda em algum ponto da América Central ou do Planalto das Guianas, região entre a Venezuela, a Guiana e o Brasil (no atual estado de Roraima).

Embora seja conhecida por toda América Latina essa lenda guarda em sua essência o ponto que nos une e ao mesmo tempo nos tornam tão diversos em nossa cultura. As várias formas de se narrar a mesma história, mas com elementos diferenciados, representam uma de nossas características mais marcantes: a oralidade. O fato é que essas suposições da possível localização do Eldorado alimentaram a ambição dos europeus durante a colonização do continente americano, e hoje continuam alimentando a imaginação dos povos que buscam reatar suas histórias.

Apesar da lenda, muito ouro e prata foram descobertos nas Américas, em territórios como o Alto Peru, nas regiões onde viviam as civilizações azteca, inca e maia e no Brasil. O fato é que os povos sul americanos viram com tristeza a profanação das tumbas de seus antepassados, o saque de peças de ouro sagradas, a violação de suas crenças. Após a sangrenta conquista os espanhóis verificaram com decepção que o ouro não era tanto quanto o esperado.

Nos dias de hoje muitas dessas peças violentamente “arrancadas” das entranhas da terra colombiana estão expostas em museus da Europa. No entanto é triste imaginar que a maior parte delas sem dúvida já foi derretida e transformada em moeda ou objetos “modernos”. Se há algum mérito nas ações praticadas pelos exploradores, apesar das atrocidades, está na divulgação dessas terras, populações e geografia. O Velho Mundo começou a conhecer a América do Sul seu povo e suas riquezas não apenas materiais, mas também sua diversidade cultural.

Hoje em pleno século XXI ainda há estudiosos que buscam o Eldorado, assim como há aqueles que buscam por outros mitos edênicos, tais como Aztlan, Atlântida, por exemplo; contudo por serem lugares míticos, resta saber se o que realmente buscam é por um espaço físico ou geográfico.

O mestre da mitologia adverte de que o mito não é uma criação aleatória, mas responde a uma necessidade e preenche uma função: revelar nossos medos, desejos e expectativas, enfim “revelar as mais secretas modalidades do ser” (ELIADE, 1989).



Bibliografia

BARTHES,Roland. O mito hoje. In.: Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Rio de Janeiro: Editora 70, 1989.
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso. Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
MACHADO, Ana Mª. Explorando a América Latina. São Paulo: Ed. Ática, 1997.
MAZIERO, Dalton Delfini. El Dorado: em busca dos antigos mistérios Amazônicos.
SOUSA, Celeste H. M. Ribeiro de. Retratos do Brasil: Hetero-imagens literárias alemãs. São Paulo: Arte & Cultura. (Coleção Universidade Aberta: V. 16). 1996.
STEVENSON, Roland W. Vermehren. Uma Luz nos Mistérios Amazônicos. Manaus, 1994.

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