sexta-feira, 1 de abril de 2011

10203 - HISTÓRIA DA FISSÃO NUCLEAR

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História da Energia Nuclear
HISTÓRICO
A Teoria Atomística foi edificada inicialmente no quinto século antes de Cristo pelos filósofos gregos Leucipo e Demócrito.

Na sua Teoria Atomística, Demócrito afirma que o Universo tem uma constituição elementar única que é o átomo, partícula indivísivel, invisível. impenetrável e animada de movimento próprio. As vibrações dos átomos provocam todas as nossas sensações. Lito Lucrécio Caso, célebre poeta romano (95-52 AC), reproduziu em seus poemas as idéias de Demócrito no seu livro "DE RERUM NATURA", muito divulgado na época do Renascimento.

Somente no início do século XIX, os pesquisadores em química retornaram à hipótese atômica. Esta hipótese foi proposta por John Dalton em 1803 e a teoria atómica apresentada no livro "A NEW SYSTEM OF CHEMICAL PHILOSOPHY". Os postulados fundamentais de Dalton são os seguintes:

i ) — Os elementos químicos consistem de partículas discretas de matéria, os átomos, que não podem ser subdivididos por qualquer processo químico conhecido e que preservam a sua individualidade nas reações químicas;

ii) — Todos os átomos do mesmo elemento são idênticos em todos os aspectos, particularmente em seus pesos; elementos diferentes têm átomos diferentes em peso. Cada elemento é caracterizado pelo peso dos seus átomos;

iii) — Os compostos químicos são formados pela união de átomos de diferentes elementos em proporções numéricas simples, isto é: 1:1, 1:2, 2:1, 2:3, etc. Com a finalidade de interpretar as leis volumétricas de Gay-Lussac (1805-1808), em 1811, Amadeo Avogadro, Conde de Quaregna e Cerreto, professor de foiça de Turim, Itália, estabeleceu a hipótese da existência de moléculas que correspondem ao agrupamento de átomos. Os gases que têm moléculas formadas de um único átomo são monoatômicos, de dois átomos, diatômicos. etc. Após o ano de 1834. a interpretação das leis de Eletrólise, de Michael Faraday, permitiu que se concluísse que os átomos transportavam cargas elétricas.No ano de 1869,o químico russo Dmitri Men-deleev apresentou uma classificação periódica dos elementos na qual os átomos eram distribuídos em função dos seus pesos atômicos.

O primeiro modelo de átomo foi apresentado por J. J. Thomson (*1856- +1940). O modelo é conhecido como o do "pudim de ameixas". O átomo é constituído por um núcleo positivo (o pudim) no qual se acham inscrustados os elétrons (as ameixas). J. J. Thomson é um dos principais físicos do período de transição entre a Física Clássica do Século XIX e a Física Moderna do Século XX. Foi o fundador da Escola Ele-trônica de Cambridge e dirigiu o Laboratório de Física dessa universidade até 1918. sendo substituído por seu assistente Rutherford. Dividiu com Loreniz a honra de haver iniciado o estudo do elétron, um dos capítulos da física de maior fecundidade no início do século, tendo recebido por seus trabalhos o Prémio Nobel em 1906. Por intermédio da utilização de campos elétricos e magnéticos, determinou a relação entre a carga e a massa das partículas constituintes dos raios catódicos, e identificou que eram feixes de elétrons. Robert A. Millikan. físico americano, professor da Universidade de Chicago, trabalhou durante nove anos (1909-1917) na determinação da carga do elétron na sua célebre experiência da gotícula de óleo. Teve também grande importância para o desenvolvimento da física atómica, as descobertas do RAIO-X e da RADIOATIVIDADE.

Roentgen, em 1895, descobriu um tipo de radiação que atravessava corpos opacos, apesar de serem absorvidos em parte por eles. Esses raios têm a propriedade de excitar substâncias fosforizantes e fluorescentes, impressionam placas fotográficas e aumentam a condutividade elétrica do ar que atravessam. Como eram de natureza desconhecida, foram denominados de Radiação X ou Raios X. H. Poincarré apresentou, em 1896, na Academia de Ciências de Paris e na "Revue Génerale des Sciences" os resultados desses estudos.

Henri Becquerel (*1852-+1908), entusiasmado com a apresentação de Poincarré. intensificou seus estudos sobre materiais fosforecentes e fluorescentes. Nos seus trabalhos, Becquerel. no mesmo ano de 1896. estabeleceu que os sais de urânio emitem radiações análogas às dos Raios-X e que impressionavam chapas fotográficas. Quase trinta anos antes ,(1867),Niepce de Saint Victor descobriu que radiações emitidas por um sal de urânio impressionavam uma chapa fotográfica. Infelizmente, os conhecimentos científicos da época não permitiram tirar maiores proveitos da descoberta.

Os raios de Becquerel foram estudados, também, por Kelvin, Beattle, Smoluchwski, Elster, Geitel, Schmidt e o célebre casal Curie (Pierre Curie * 1859-+ 1906, e Maria Slodowska Curie * 1867-+1934). Em 1898, Madame Curie, em Paris, descobriu, ao mesmo tempo que Schmidt,na Alemanha, que entre os elementos conhecidos, o Tório apresentava características radioativas do urânio. O casal Curie já explicava a ra-dioatividade como uma propriedade atómica. Ajudados por Bemont, separaram quimicamente vários elementos radioativos e descobriram, em 18 de julho de 1898, o Polónio, nome que foi dado em homenagem à pátria de Maria Slodowska Curie. O rádio foi descoberto por Madame Curie em 1910, após longo trabalho, já que,para extrair 1 grama do elemento,teve que tratar aproximadamente 10 toneladas de mineral.

No estudo da radioatividade natural,veriticou-se a existência de 3 tipos de radiação: RAIOS OU PARTÍCULAS a — Partículas positivas são desviadas em um campo magnético em sentido contrário dos raios catódicos. Foi Rutherford,em 1903, que determinou o seu desvio através de um campo elétrico ou um campo magnético, e que as partículas alfa constituem núcleos de hélio. A interpretação da desintegração alfa foi realizada por Gamow em 1927. utilizando a teoria do efeito túnel. RAIOS OU PARTÍCULAS 3 — São mais penetrantes que as partículas a. São elé-trons, e foram estudados inicialmente por Giesel. Meyer, Schweidler. Becquerel. Kauf mann e Bragg. O estudo da desintegração beta, um dos trabalhos mais importantes da física nuclear, foi realizado por Fermi em 1934.

RAIOS Y — São radiações eletromagnéticas emitidas pelo núcleo. Inicialmente foram confundidas com os Raios-X.

Rutherford verificou que eram radiações eletromagnéticas,pois não sofriam desvio ao atravessar campos elétricos ou magnéticos e não apresentavam massa de repouso.

Ernest Rutherford (nasceu em Nelson, Nova Zelândia, em 1871, e morreu na Inglaterra em 1937) estabeleceu o modelo atual de átomo. Foi um dos físicos mais importantes do nosso século. Fez seus estudos na Austrália e na Inglaterra. Em 1898, foi nomeado professor em Montreal e,em 1907, em Manchester. Como dissemos anteriormente, ocupou a cátedra deixada por J. J. Thomson em Cambridge,em 1918,e foi Diretor do Laboratório Cavendish. Recebeu o Prêmio Nobel em 1908 e,em 1931,foi tornado nobre pelo Rei da Inglaterra. Sua experiência,para a determinação do modelo de átomo de J. J. Thomson,constituiu um dos capítulos mais interessantes da física nuclear. Foi realizada em 1911, utilizando o espalhamento de partículas alfa por núcleos pesados. Resultados dos desvios das trajetórias, as partículas alfa permitiram o estabelecimento do seu modelo nuclear, que é análogo ao nosso sistema planetário. O núcleo central é positivo;e em torno dele gravitam partículas negativas: os elétrons.

Entre 1913 e 1915, Niels Bohr, em Copenhague, estudando o problema da estabilidade do átomo de Rutherford, estabeleceu uma teoria na qual havia a aplicação de hipóteses quânticas no movimento dos elétrons. Ficaram célebres, em Ciência, os postulados de Bohr relativos às órbitas eletrônicas. O átomo de Bohr apresentou uma perfeita aplicação ao estudo da espectroscopia atómica de núcleos hidrogenóides. Os postulados de Bohr têm os seguintes enunciados:

i ) — Um sistema atômico possui um número de estados (órbitas) nos quais os elétrons não emitem radiação. São chamados de estados estacionários do sistema, isto é, a energia permanece constante. O primeiro postulado contraria as leis da eletrodinâmica clássica;

ii) — Qualquer emissão ou absorção de radiação deve corresponder à uma transição entre dois estados estacionários. A variação de energia entre dois estados estacionários é um número inteiro de quanta*.

iii) — O momento angular do elétron em órbita é um número inteiro de h (constante de Planck) dividido por 211.
*Quantum — produto da constante de Planck pela frequência da radiação. A ideia original da teoria de quantum é de Max Planck (1901) e foi utilizada no estudo da radiação do corpo negro.

A idéia original de quantização da energia foi apresentada por Max Planck,em 1901. no estudo da radiação do corpo negro. A mecânica quântica ou mecânica ondulatória começou a ser estruturada por L. de Broglie, em 1924, com o seu postulado que resolvia o problema da dualidade onda-corpúsculo: — A toda onda está associado um corpúsculo e a todo corpúsculo está associada uma onda. A mecânica ondulatória deve seu desenvolvimento a Schrõdinger (1926) e a Heisemberg,com a mecânica das matrizes (1925). A mecânica quântica e a Teoria da Relatividade de A. Einstein (1905) constituem poderosas ferramentas para o desenvolvimento da micro física, tanto no campo da física atómica como da física nuclear.

O problema da constituição do núcleo foi um dos capítulos mais importantes e difíceis da física nuclear. Em 1916, Prout sugeriu,como Dalton, que todos os pesos atómicos deveriam ser números inteiros. Como o hidrogênio era o átomo mais leve, os átomos deveriam ser constituídos de átomos de hidrogénio. Posteriormente, como na radioatividade natural, verificou-se a saída de partículas negativas(elétrons)do núcleo, e foi estabelecida uma hipótese da constituição do núcleo por prótons e elétrons. A primeira desintegração artificial foi obtida por Rutherford,em 1919, bombardeando átomos de nitrogênio com partículas alfa. Verificou Rutherford que havia a produção de oxigénio 17 e a saída de um próton. Determinou-se posteriormente, por razões quânticasra impossibilidade da existência de elétrons no interior do núcleo.

Rutherford propôs existência, no núcleo, de uma partícula neutra, composta de um próton e um elétron. à qual deu o nome de nêutron. Em virtude de problemas relacionados as conservações de momento angular intrínseco e energia, foi proposto a existência de novas partículas: o neutrino e o anti-neutrino. Assim, poderemos escrever que:

nêutron — próton + elétron + anti-neutrino próton — nêutron + positron + neutrino

O neutrino e o anti-neutrino foram evidenciados por R. Davis,em 1955,e Cowan, Reines, Harrison, Kruse e McGuire,em 1956.

O positron, que é uma partícula de massa igual a do elétron e de carga positiva, foi imaginada por Dirac na resolução da sua equação relativa ao estudo do momento angular intrínseco do elétron (SPIN). O positron foi determinado,experimentalmente, em 1932, por Anderson,no estudo de radiação cósmica. Em 1935, Yukawa apresentou a sua TEORIA DO CAMPO MESÔNICO para explicar o problema das forças nucleares. Em 1947, na Inglaterra, no estudo de raios cósmicos, e em 1948 nos Estados Unidos da América, em laboratório, foi descoberto o MESONII. Nestas experiências, devemos destacar o nome do brasileiro Cezar Lattes que participou ativamente nesta descoberta. Este acontecimento foi de grande importância para o desenvolvimento da Física no Brasil e motivou a Criação do CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS FÍSICAS (C.B.P.F.), atualmente um dos centros de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (C.N.P.q).

A existência do nêutron foi verificada experimentalmente em 1932. por Chadwik. Hoje, aceitamos como constituintes do núcleo as partículas próton e nêutron: é a hipótese próton-nêutron. Essas partículas constituintes do núcleo são denominadas nucleons.

A ENERGIA NUCLEAR

PEQUENA HISTÓRIA DA VIDA DE FERMI
Não poderemos dissociar do desenvolvimento e aproveitamento da energia nuclear o nome de Enrico Fermi, um dos maiores físicos do século. Enrico Fermi nasceu,em Roma, no dia 29 de setembro de 1901. Stefano Fermi. o avô paterno, foi o primeiro de uma família de camponeses a abandonar o trabalho da terra. Alberto Fermi. o 2o filho de Stefano, pai de Enrico Fermi, trabalhava na Companhia Ferroviária — "Alta Itália".

Cedo,Enrico Fermi, auxiliado por sua irmã, aprendeu a ler e escrever, e tendo uma memória prodigiosa, guardou trechos longos de "Orlando Furioso". Em 14 de novembro de 1918, fez concurso para a Escola Normal Superior de Pisa. A sua tese de "Laurea" defendida em 1922. foi sobre "Difração de Raio-X em Cristais", tendo recebido da Banca Examinadora a "magna cum laude' Em 1923. recebeu uma bolsa de estudos para trabalhar no Instituto de Max Bom, em Gothing. Born ensinava Física Teórica,e James Franck. Física Experimental. Encontrou,em Gothing,os físicos (ainda jovens, mas já brilhantes )Werun Heisenberg e Pascual Jordan. Voltando da Alemanha, foi convidado por Corbino para ensinar Matemática para os Químicos da Universidade de Roma. Na Universidade reencontrou Pérsico, um amigo de juventude e um dos maiores matemáticos italianos.

No dia 7 de novembro de 1926, a Banca Examinadora do Concurso para Professor de Física Teórica da Universidade de Roma composta dos Professores Garbasso, Maggi, Cantone, Q. Majorana e Corbino. por unanimidade, apresentou como vencedores: Fermi. o primeiro: Pérsico, o segundo-, e Aldo Pontremoli. o terceiro. Fermi permaneceu como professor em Roma. Pérsico foi para Florença e Pontremoli para Milão. No ano de 1929, Benito Mussolini nomeou Fermi "Académico d'Itália". A indicação de Fermi como Acadêmico teve a finalidade de atrair para o fascismo a Ciência Italiana.

Todavia, a atuação de Fermi. quer como acadêmico, quer como político, foi praticamente insignificante. A "Academia d'talia" tinha por finalidade se opor à "Academia dei Lincei" que era composta por uma maioria de cientistas antifascistas.

Fermi visitou os Estados Unidos pela primeira vez em 1930. tendo sido convidado para lecionar em Ann Arbor, onde está situada a Universidade de Michigan. Nessa Universidade,ministrou um Curso de Verão em Física Teórica. Voltou posteriormente, nos anos de 1933 e 1935, e se tornou um grande amigo da América e dos americanos.

A atuação de Fermi como professor da Universidade de Roma foi fundamental para a mudança dos destinos da Física na Itália. Até 1928, não existiam livros de Física Moderna adaptados aos estudos universitários. O único livro utilizado por toda uma geração de física era em alemão: "Atombau und Spektrallinien" de Sommerfeld. Fermi começou a escrever em 1927 e publicou,em 1928, em italiano, uma "Introduzione alia Física Atómica".

A sede de toda a modificação científica de Roma, e da própria Itália, era o velho Instituto de Física da Universidade de Roma, situado na rua Panis-perna 89a. Neste Instituto, dirigido pelo professor Corbino. Fermi pôde concentrar os melhores estudantes de Física da época. Foram discípulos e colegas de Fermi: Amaldi, Bruno Pontecorvo. Basetti. Majorana e Emilio Segre. Fermi introduziu na velha Universidade o estudo de mecânica quântica e mostrou a importância dos trabalhos de Rutherford na física nuclear. Corbino, apoiando as ideias de Fermi, em 1929. apresentou na "Societã Italiana per il Progresso delle Scienze", em Florença, um trabalho profético que viria modificar os destinos da Física Italiana. Poderemos citar alguns trechos desse trabalho:

... "A única possibilidade de novas grandes descobertas da Física reside no fato de podermos modificar o núcleo interno do átomo. Este será um trabalho verdadeiramente digno da física futura".

... "O único caminho que poderá permitir, a agressão do núcleo do átomo é aquela que permite a aceleração artificial dos projéteis naturais dos elementos radioativos em grande número e com grande velocidade, o que exigirá tubos carregados e alimentados a uma diferença de potencial de dez milhões de volts. Somente dificuldades técnicas e financeiras, não a priori insuperáveis, se opõem a realização deste grande pro-jeto. O objetivo não é somente a transmutação dos elementos químicos em quantidades sensíveis, mas a constatação da grande produção energética que deverá se manifestar na pulverização ou reconstituição dos núcleos atômicos".

Estavam previstas a Fissão e a Fusão nucleares.

Em 1933, Fermi escreveu uma teoria sobre o decaimento beta. O seu trabalho "Tentativo di una Teoria dellEmissione dei Raggi Beta" foi rejeitado pela revista "Na-ture". pois segundo a revista, apresentava muitas hipóteses que estavam longe de uma realidade física. Seu trabalho, que constitui a base das Interações Fracas e do estudo da Desintegração Beta. foi publicado nas revistas "Zeitschrift fúr Physik" e "Ricerca Scientifica". Em março de 1934, Fermi sugeriu a Rasetti que irradiasse vários elementos com nêutrons de uma fonte de Polônio-Berílio. que era muito fraca. Posteriormente, após quase 2 anos de trabalho.

Fermi, com o auxílio do Instituto de Saúde Pública, construiu uma fonte de Rádio-Berílio. Com esta fonte mais possante, Fermi bombardeou, sistematicamente, diversos elementos em ordem crescente de peso atômico. Publicou o trabalho em 25 de março de 1934. intitulado: "Radioattività Provo-cata da Bombardeamento de Neutroni — I". O / indicava que haveria uma série de trabalhos sobre o mesmo assunto. Solicitou o auxilio de Amaidi e Segre. Telegrafou a Rasetti. que estava de férias em Marrocos, para que voltasse rapidamente. Por felicidade, ou infelicidade do grupo, chegava à Roma,nesta época,o químico Oscar D'Agos-tino que recebera uma bolsa para trabalhar no Laboratório de Marie Curie. Feliz ou infelizmente, porque Oscar D'Agostino. se interpretasse bem os resultados das experiências de Reações de Neutrons com o Urânio, deveria ter chegado, vários anos antes, à descoberta da Fissão. É interessante a carta de Lord Rutherford a Fermi no ano de 1934.

"Caro Fermi.
Agradeço a gentileza de me enviar uma resenha de suas recentes experiências nas quais tem provocado uma radioatividade em muitos elementos utilizando nêutrons como partículas incidentes. Os seus resultados são de grande interesse, e não duvido que obteremos rapidamente maiores informações sobre o verdadeiro mecanismo dessas transformações. Não está claro que em todos os processos as explicações sejam tão simples como as das observações de Juliot Curie. Congratulo-me com você pela sua fuga da esfera da Física Teórica. Parece que você encontrou um bom filão para começar. É bom saber, também, que o Prof. Dirac está fazendo experiências. Isto parece um bom augúrio para a Física Teórica.

Congratulações e muitas felicidades
Rutherford

Nesta época (1934), acreditava-se que a eficiência dos nêutrons para produzir novos núcleos aumentasse com a sua energia. Nesse mesmo ano. foi descoberto que esta idéia estava errada.

No verão de 1934, Fermi esteve no Brasil e, em São Paulo, encontrou o Físico de Turim Gleb Wataghin* e um velho companheiro da Escola Normal de Pisa. o matemático Luigi Fantappie. Wataghin e Occhialini criaram uma florescente Escola de Física que muito contribuiu para o desenvolvimento da Ciência Brasileira.

O ano letivo de 1934-1935 foi um dos mais produtivos para o grupo de Fermi.

Os trabalhos sobre nêutrons foram reunidos por Rutherford e publicados nos "Proceedings" da "Royal Sociery" de Londres. No trabalho apresentado a "Royal SocietyV a atividade produzida nos vários elementos é classificada em: fraca, média e forte. Com a finalidade de otimizar essa classificação um tanto grosseira, Fermi indicou Amaidi e Pontecorvo para estudar as seções de choque das reações com nêutrons. O elemento escolhido inicialmente para o estudo foi a prata, que apresentava uma meia-vida de decaimento de 2,3 minutos. Verificaram que os resultados obtidos para a radioatividade induzida eram diferentes quando se mudava a mesa que suportava o pesado espectroscópio Hilger, isto é, dependia do fato da mesa ser de madeira ou de mármore. Verificou-se mais tarde que o fato poderia ser explicado pela moderação de velocidade dos nêutrons no hidrogênio da madeira.

No dia 18 de outubro de 1934, para esclarecer este "mistério", começaram a estudar, sistematicamente, este problema. Para evitar a dispersão de nêutrons na experiência, foi constituído um pequeno anteparo de chumbo. Sem que ninguém soubesse o porquê, Fermi substituiu o pesado anteparo por parafina. Muitos anos mais tarde, contou ao astrônomo Chan-drasekhar o modo fortuito como são feitas as descobertas científicas: "Desejo contar como fiz a descoberta mais importante da minha vida. Um dia. indo ao laboratório, estava pensando em estudar a absorção de nêutrons por um bloco de chumbaQuan-do, finalmente, estava para começar a experiência,eu pensei: não quero um bloco de chumbo mas um de parafina. Foi verdadeiramente uma inspiração improvisada, sem uma razão premeditada".

O certo de tudo isto é que, no dia 22 de outubro de 1934, foi utilizada pela primeira vez parafina na moderação de nêutrons. Numa outra parte do Instituto, enquanto Fermi trabalhava, estava sendo realizado um exame,do qual participavarn,como Membros da Banca Examinadora,quase todos os componentes do grupo de Fermi. Pérsico, em visita a Roma, e Bruno Rossi, assistiam às experiências. Ao meio-dia, Fermi convocou todos os membros do Instituto para verificar um estranho fenómeno: a parafina multiplicava grandemente o efeito dos nêutrons. Todos foram para o almoço ainda confusos com os resultados da parte da manhã. Quando voltaram, às 3 da tarde. Fermi já havia apresentado uma hipótese que explicava a ação da parafina: I — os nêutrons lentos eram mais eficazes que os rápidos na produção de reações nucleares em certos elementos; II — a parafina agia como moderador, isto é, o choque dos nêutrons com os núcleos de hidrogênio (elementos leves) da parafina perdiam grande parte de suas energias cinéticas.

À noite, na casa de Amaldi, foi preparada uma "lettera" para comunicar a descoberta, que seria publicada na "Ricerca Scientifica". Como a esposa de Amaldi era redatora da revista, enviou para a redação,na manhã seguinte,o artigo que tinha como título "Azione di Sostanze Idrogenate sulla Radioatività Provocata da Neutroni — I". São autores: E. Fermi, E. Amaldi, B. Pontecorvo. F. Rasetti, E. Segre.

Foi um verdadeiro pandemônio a preparação da breve comunicação na casa de Amaldi. Fermi ditava. Segre escrevia. Rasetti, Amaldi e Pontecorvo andavam pela sala fazendo comentários em altas vozes. A empregada do casal Amaldi perguntou a Ginestra Amaldi se estavam todos malucos. Corbino considerou muito importante a descoberta que foi patenteada, tendo recebido o número de patente italiana N. 324458, no dia 26 de outubro de 1935. Os inventores registrados foram: Fermi, Amaldi, Pontecorvo, Rasetti, e Segre, que decidiram, caso houvesse qualquer lucro em dinheiro, dividir a quantia, em partes iguais, também com os químicos Trabachi e D'Agostino.

Foi realmente um problema legal muito difícil,a cobrança dos direitos da patente. A termaliza-ção de nêutrons foi utilizada na construção do primeiro reator nuclear, em 1942, nos Estados Unidos. Os advogados do Governo Americano lutaram, até 1953, para não pagar os direitos sobre a patente. Além do mais, em 1950, Pontecorvo, no mês de setembro, fugira para a União Soviética. No verão de 1953, o Governo Americano perdeu a questão e pagou aos inventores quatrocentos mil dólares, que correspondia à uma quantia de vinte e cinco mil dólares para cada um. Os anos de 1936 e 1937 apresentaram uma atmosfera pesada na Itália. A retórica de Mussolini, mesmo para pessoas apolíticas como Fermi, ressoava de maneira desagradável. A conquista da mísera Etiópia era para o fascismo a restauração das glórias do Império Romano.

Veio, posteriormente, a aliança com a Alemanha, que desgostou os intelectuais italianos. A gota d'água para Fermi foi o "Manifesto delia razza" que apresentava a bandeira do anti-semitismo na Itália. A esposa de Fermi era semita e,como o marido, começou a pensar, cautelosamente, em se deslocar para a América. A morte de Corbino em 1937, com 61 anos, talvez tenha também contribuído para esta decisão. Foi escolhido, para substituí-lo no Instituto de Física,o professor Lo Surdo, inimigo de Fermi que apresentava total apoio ao governo de Mussolini.

O Prêmio Nobel recebido por Fermi, em Estocolmo, contribuiu de maneira categórica para a sua ida à América. Fermi recebeu uma comunicação reservada de Niels Bohr. no verão de 1938. de que seria agraciado com o Prêmio Nobel pela produção de elementos transuranianos resultantes do bombardeamento de urânio por nêutrons. A comunicação contrariava o sigilo que cerca o Prêmio Nobel. Foi feita com a finalidade de evitar as represálias que haviam sido postas em prática pelo governo da Alemanha, com outros pesquisadores agraciados pelo prêmio.

No dia 10 de novembro de 1938. recebeu por telefone o convite oficial para re ceber o Prémio Nobel. Partiu de trem. de Roma, no dia 6 de dezembro, juntamente com Laura.sua esposa.e os dois filhos. Nelia e Giulio.Compareceram ao embarque Amal-di e Raserti. que perceberam que a partida representava o fim de uma época memorável da Universidade de Roma.

Enquanto se desenrolavam em Estocolmo as cerimônias da entrega do Prêmio Nobel, na Alemanha. Otto Hahn e Fritz Strassman faziam a descoberta mais importante da Física Nuclear: a fissão do núcleo. A comunicação foi apresentada à Revista "Naturwissenschaften" no dia 22 de dezembro de 1938. Eles determinaram, sem qualquer sombra de dúvida, a presença de bário como produto do bombardeamento do urânio por nêutron. Antes de publicar o trabalho, Hahn e Strassman comunicaram a descoberta a Frisch e a Lise Meitner que se encontravam na Dinamarca, pois foram obrigados a abandonar a Alemanha. Pela presença de bário, Lise Meitner, que trabalhara muitos anos com Otto Hahn, concluiu então que o bário era um dos fragmentos que resultavam da fissão do urânio. Meitner trabalhava com Niels Bohr,em Copenhague. Este fato terá grande importância na História da Energia Nuclear. Da Suécia. Fermi dirigiu-se a Copenhague, tendo sido recebido cordialmente na casa da família de Niels Bohr. Partiu da Europa no navio Franconia e desembarcou,no dia 2 de janeiro de 1939, em New York. Disse, ao desembarcar, para Laura: "Fundamos o ramo americano da família Fermi". Foi recebido,no desembarque, pelo Professor G. B. Pegram. Chefe do Departamento de Física da Universidade de Columbia.

Fatos da história no uso da energia nuclear
1896 - Descoberta a radioatividade;
1898 - Isolados o polônio e o rádio. Descoberta a radiação gama;
1902 - Confirmada a desintegração radioativa espontânea;
1910 - Uso ingênuo a de materiais;
1920 - radioativos na medicina e indústria;
1911 - Concebida a idéia de usar traçadores radioativos;
1926 - Uso de radiação para o tratamento de câncer;
1934 - Primeiro radionuclídeo artificial. Primeira fissão do urânio com nêutrons;
1936 - Uso em terapia de radioisótopos produzidos em ciclotron;
1939 - Carta de Einstein sobre a possibilidade de os alemães construírem a bomba atômica;
1941 - Início do programa nuclear norte-americano;
1942 - Início da construção de um reator nos Estados Unidos;
1945 - Lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki;
1967 - Brasil assina Tratado para a Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e Caribe;
1968 - Estabelecido pela AIEA o Tratado de Não-proliferação;
1972 - Assinado com os Estados Unidos acordo para a construção de Angra 1;
1981 - Autorizado funcionamento provisório de Angra 1;
1982 - Brasil passa a produzir bolo amarelo (yellow cake);
1984 - Angra 1 entra em operação comercial;
1987 - Brasil inicia produção de urânio enriquecido. Acidente em Goiânia com césio-137
1988 - Inaugurado o reator MB/01 concebido e construído no Brasil;
1991 - Brasil e Argentina assinam acordo para uso pacífico da energia nuclear;
1994 - Entra em vigor o Tratado para a Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e Caribe;
1995 - Brasil passa a produzir o radiofármaco tálio-201;
2000 - Início de operação de Angra 2;
2004 - Entra em operação a usina de enriquecimento nuclear em Resende (RJ).



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