quinta-feira, 18 de novembro de 2010

6157 - ECONOMIA DA ARGENTINA

Por RUDÁ RICCI
Sociólogo, Professor da PUC-Minas e Diretor da CPP (Consultoria em Políticas Públicas). Web Site: www.cpp.inf.br



A Economia Política da Argentina



Várias análises sobre a crise da Argentina insistem em creditar aos erros na condução técnica da economia para justificar o caos que se instalou em nosso vizinho. Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia, nos ensina que a economia é uma derivação da ética e não uma mera técnica de administração das intenções humanas. Mas autores "realistas" continuam desconhecendo os ensinamentos de Amartya. Têm seus motivos. É estarrecedor para um economista formado na escola técnica dos anos oitenta ler nas manchetes dos jornais que é possível faltar farinha na Argentina. No início do século XX, a Argentina era considerada a "panificadora do mundo". A famosa Escola de Frankfurt, de Habermans, Adorno e Horkheimer foi sustentada, no seu início, pelos negócios com trigo que um dos pais dos jovens pesquisadores sociais realizava na Argentina. Beatriz Sarlo, professora de Literatura na Universidade de Buenos Aires, relata a pujança da metrópole argentina nos anos 30: "a cidade vivia uma velocidade sem precedentes. Era uma cidade cosmopolita. Em meados de 1930, em Buenos Aires, os analfabetos nativos somam apenas 2,3% de um total de 6,6%". Absurdamente distinta da Buenos Aires deste início de século XXI.


O tecnicismo econômico sente dificuldades para entender como um país com tal tradição chega à um índice de desemprego de 20%, onde o mercado informal envolve 40% da PEA. Não há certezas para os economistas-técnicos mesmo com a fatal desvalorização da ordem de 50% do peso ou a adoção do duplo câmbio. O fim da paridade do peso com o dólar atingirá duramente a economia argentina. No Brasil, a desvalorização do real significou um aumento da dívida pública de 34% do PIB para 50%.


O grande problema da Argentina é político. O regime militar desmontou as redes de organização partidária daquele país e aniquilou com as preparadas e tradicionais lideranças políticas. Com Perón, a participação de capital e trabalho na renda nacional era de 49% para trabalho e 51% para capital. Com Menem a relação se alterou profundamente: 23% para trabalho e 77% para capital. Mas não foi apenas a política neoliberal que desarticulou a economia argentina, mas a crise de lideranças políticas. Os partidos tradicionais, União Cívica Radical e Justicialista, demonstram claramente suas dificuldades para acomodar caciques de mera expressão regional ou elaborar projetos de desenvolvimento para o país. A oposição, que havia criado uma tênue alternativa com a FREPASO (Frente País Solidário), desmantelou-se em vários outros agrupamentos, como ARI (Alternativa para uma República de Iguais) e Pólo Social (liderado por Padre Farinello, ao lado de ex-frepasistas e ex-peronistas). A Argentina não consegue se governar e vive uma profunda crise de identidade.


Nas várias listas de discussão na Internet que foram criadas no final do ano passado e início deste, onde argentinos procuravam trocar impressões sobre a crise e relatar as manifestações regionais, foi possível perceber um país procurando se encontrar, mas profundamente desconfiado de suas lideranças políticas. Concluo este artigo reproduzindo uma mensagem enviada em uma das listas de discussão. Em minha opinião, é um texto emblemático, relatando as reuniões diárias que envolveram vizinhos em praças públicas, em cada bairro das grandes cidades. O excerto que reproduzo a seguir refere-se a uma mensagem que partiu da cidade de Rosário e foi enviado em 03 de janeiro último:


"Às 19 horas começou a chegar muita gente no Anfiteatro Municipal de Rosário. Às 19h30 já era evidente que a convocatória teria sucesso. Mais de 600 pessoas, a maior parte moradores da zona central da cidade. Havia gente de todas as idades, sobretudo jovens. Desde o início as pessoas diziam que deveríamos manter este espaço. Um espaço aberto a todos moradores ou cidadãos. Falaram na importância de se criar um meio de difusão, uma página na internet. Muitos gritavam: Fora a Corte! Que seja expulsa toda a Corte Suprema! Uma mulher propôs que deixássemos de pagar impostos e disse que os prestadores de serviços privatizados eram usurpadores. Um produtor agropecuário de Arroyo Seco foi muito aplaudido. Calculou que a produção de grãos corresponde a toneladas anuais por habitante e, por este motivo, não entendia porque existe fome na Argentina. Denunciou que 70% da produção da região sul de Santa Fé é exportada."

É da política econômica, da reconstrução de laços de confiança entre governantes e governados e da criação de uma nova estrutura de gestão pública, radicalmente democrática, que surgirá a solução para a crise. É necessário canalizar as frustrações de tantos cidadãos argentinos que, como o que escreveu a mensagem acima, estão perplexos com os rumos de seu país. Que o Brasil aprenda com nosso vizinho: a técnica é um mero instrumento da política.




RUDÁ RICCI












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