quinta-feira, 22 de novembro de 2012
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Autor:Plutarco
Vida de Sólon, por Plutarco – Vidas Paralelas
Este texto está dividido em partes: 1 2 3 4 5
SUMÁRIO DA VIDA DE SÓLON
I. Nobreza de Sólon. II. Seus costumes. V. Talento para a poesia. VI. Gosto pela filosofia moral. VII. Encontro dos sete Sábios em Delfos. VIII. Entrevista de Sólon e Anacársis-IX. Palestra com Tales. XI. Assunto da elegia de Salamina. XIII. Sólon faz a conquista dessa ilha. XVII. Arenga para o templo de Delfos. XVIII. Conspiração de Cilon. Mégara recupera a ilha de Salamina. – XIX. Epimênides é consultado. XX. Perturbações em Atenas por causa da desigualdade entre pobres e ricos. XXI. Sólon é escolhido mediador. XXII. Recusa o título de rei. XXIII. Dá leis a Atenas. XXIV. Abolição das dívidas. Mudanças de valor das moedas. XXVII. Sólon é nomeado reformador geral das leis e do estado. XXVIII. Anula as leis de Drácon. XXX. Mantém os ricos no exercício da administração e da magistratura. Estabelecimento das classes proporcionalmente às rendas. XXXII. Permissão dada a cada um para esposar a causa do oprimido. XXXIII. Areópago. XXXV. Nota de infâmia para quem não toma partido numa sedição. XXXVI. Leis do matrimônio. XXXIX.Proibição de falar mal dos mortos. Multa por injúrias. XL. Lei dos testamentos. XLI. Regulamentos para as mulheres. XLII. Para as crianças. XLIV. Observação sobre algumas leis de Sólon. XLVI. Regulamento para as águas. XLVII. Para as plantações de árvores e a venda de frutas. L. Direito de burguesia em Atenas. LI. Refeições de cidade. LII. Leis de Sólon escritas e confirmadas por cem anos. LIII. Regula o mês lunar. LIV. Viagens ao Egito e à ilha de Chipre. LVI. Entrevista com o rei Creso. XL. Perturbações em Atenas durante sua ausência. LXI. Regresso. LXII. Tragédias de Téspis. LXIII. Artifício de Pisístrato. LXIV. Conduta firme e sábia de Sólon. LXVI. Seus nervos sobre a ilha Atlântica. Sua morte.
Desde o segundo ano da 35a. olimpíada até ao segundo ano da 55a., 559 anos antes de Jesus Cristo.
SÓLON
Por Plutarco
Tradução brasileira de Aristides da Silva Lobo conforme a edição francesa de 1818. Notas de Brotier, Vauvilliere e Clavier.
Fonte: Ed. Das Américas.
O gramático Dídimo, num pequeno tratado que escreveu e dedicou a Asclepíades, no tocante às tábuas das leis de Sólon, cita as palavras em que certo (1) Ânficies, contra a opinião comum daqueles que disso fazem menção, diz que o pai de Sólon se chamava Eufórion, pois todos os outros escrevem conformemente que ele era filho de Excestides, homem de recursos e, além disso, das mais nobres e mais antigas casas da cidade de Atenas: pois do lado paterno descendia do rei Codro, e, quanto à mãe, Heráclides do Ponto escreve que era prima-germana da mãe de Pisístrato. De maneira que no começo houve grande amizade entre eles, parte por causa do parentesco e parte também por causa da gentileza e beleza de Pisístrato, do qual se diz que Sólon foi amante durante algum tempo, daí resultando que mais tarde, tendo-se ambos desavindo por causa do governo da coisa pública, a controvérsia não produziu nenhum incidente demasiado acre nem violento, pois ficaram sempre em seus espíritos os deveres e obrigações do passado, que conservaram a memória daquele amor, nem mais nem menos que de um fogo muito grande a chama ainda ardente." .
(1) Há, em todas edições, Filócles C.
II. Que Sólon não tenha sido muito firme para resistir à beleza, nem bastante valente campeão para combater o amor, pode-se evidentemente conhe
cer tanto por outros escritos poéticos de sua autoria como pelo estatuto no qual proíbe que o servo se perfume ou seja amante de meninos, como pondo isso na ordem das coisas honestas e louváveis exercícios e convidando por assim dizer as pessoas dignas àquilo de que excluía as indignas. Também dizem que o próprio Pisístrato, foi amante de Carmo e que foi ele quem doou a pequena imagem de amor que está no parque da Academia, no lugar onde aque
les que correm com o archote sagrado costumam acendê-la.
III. Mas, tendo o pai de Sólon, conforme diz Hermipo, diminuído seus bens em dar e praticar atos semelhantes de liberalidades, ele, embora pudesse facilmente encontrar quem lhe fornecesse dinheiro para as necessidades, teve vergonha de aceitá-lo, porque pertencia a uma casa mais acostumada a dar e ajudar os outros do que a receber; e assim, jovem ainda, foi constrangido a dedicar-se ao comércio. Todavia, dizem outros que foi antes para ver e apren
der do que para traficar e ganhar que Sólon saiu a correr mundo; pois em verdade estava desejoso de saber, como se pode verificar pelo fato de que, sendo já idoso, dizia ordinariamente este verso:
Aprendendo à medida que envelheço.
E, assim, não era avarento nem muito amante da riqueza, como diz em uma passagem:
O mais (2). rico não é quem tem ganância
De ouro e prata em inútil abundância,
Numerosos rebanhos e manadas,
Cavalos, mulos, terras cultivadas,
Mas, ao contrário, o que possui somente
Roupa que o vista e cibo que o sustente;
Se além disso, entretanto, pode ter
De esposa e filho o divinal prazer,
Vendo a beleza à mocidade unida,
Então será perfeita sua vida.
E, em outra passagem, diz também:
Que algo ter eu deseje é bem verdade,
Mas por direito meu, com equidade,
Pois quem de outra maneira tem riqueza
Nas mãos cai da justiça com certeza.
(2) Nas observações sobre o capítulo III, encontrar-se-à tradução mais exata desse fragmento.
IV. Também nada há que proíba que o homem de bem e de honra, assim como não deve atormentar-se para adquirir mais bens do que precisa, também possa e deva esforçar-se por ter o suficiente para as necessidades. Ora, não havia naquela época nenhum estado censurável, como diz Hesíodo (3), nem arte ou mister que pusesse diferença entre os homens; além disso, a mercadoria era tida como coisa honrosa, que permitia frequentar e traficar com as nações estrangeiras e bárbaras, ganhar a amizade dos príncipes e adquirir experiência de várias coisas. De tal maneira que houve comerciantes que foram outrora fundadores de grandes cidades, como (4) aquele que primeiro fundou Marselha, após conquistar a amizade dos Gauleses, habitantes da região ao longo do rio Ródano; e dizem que o sábio Tales de Mileto exerceu também o comércio, outro tanto fez o matemático Hipócrates, e Platão custou as despesas de sua viagem ao Egito com o dinheiro ganho na venda de óleos. Mas também existe a opinião de que Sólon aprendeu a ser excessivo em despesas, delicado no viver e dissoluto no falar das volúpias em seus poemas, um pouco mais licenciosamente do que convém a um filósofo, por ter sido educado nesse estado de comércio, o qual, estando sujeito a azares muito grandes e a grandes perigos, requer também que em recompensa se tenha boa mesa e delicioso tratamento; e, não obstante, ele se incluía no número dos pobres, e não no dos ricos, como demonstram estes versos:
Enquanto maus existem que enriquecem,
Há muitos bons que pobres permanecem;
Todavia, trocar nossa bondade
Não desejamos pela vil maldade,
Pois a virtude é firme e perdurável,
Mas a riqueza incerta e transmutável.
(3) Nenhum trabalho é desonroso, só a ociosidade desonra. Hesíodo. Os trabalhos e os Dias, v. 311.
(4.) No grego: como Proto, que fundou Marselha. Vide Justino, liv. XLIII, cap. 3.
V. Ora, quanto à poesia, no começo só a cultivou por passatempo, quando tinha lazer, sem escrever em verso nenhuma coisa de importância; mais tarde, porém, compôs vários temas graves de filosofia e descreveu a maior parte de tudo o que fizera no governo da coisa pública, não em forma de história ou de memória, mas de discurso; pois a! dá a razão das coisas por ele feitas e em alguns trechos admoesta, crítica e repreende os Atenienses; e assim, há quem queira ainda dizer que ele ensaiou pôr em versos suas ordenanças e leis, recitando-lhes o começo, que era o seguinte:
A Júpiter rogar primeiramente
Quero que, em seu domínio onipotente.
Conceda às minhas leis tamanha glória
Que se conserve delas a memória.
VI. E, quanto à filosofia, amou principal mente a parte da moral que trata do governo das coisas públicas, como também fizeram em sua maior parte os sábios daquela época; mas, quanto à filosofia natural, era nisso maravilhosamente simples e grosseiro, como aparece nestes versos:
Neve e granizo, que a natura encerra,
Vão-se formando no ar e caem na terra,
Ao passo que o trovão é procedente
Do raio e do relâmpago luzente;
O mar por fortes ventos é batido
E, se de qualquer modo enfurecido
Por elemento externo assim não fosse,
Seria ele o mais brando, justo e doce.
Também não houve outro, em suma, senão somente Tales, entre todos os sete sábios da Grécia, cuja sabedoria passasse e procurasse mais além da contemplação das coisas de uso comum dos homens; pois, exceto aquele, todos os outros adquiriram renome de sapiência por serem bem entendidos em matéria de estado e de governo.
VII. Dizem que todos sete um dia se encon traram juntos na cidade de Delfos, e outra vez na de Corinto, onde Periandro os reuniu num festim que ofereceu aos outros seis; mas o que mais lhes aumentou a glória e lhes deu mais fama e renome foi a resti tuição do tripé, quando todos o recusaram, cedendo-o por turno uns aos outros, com honesta humildade. Pois tendo, como dizem, alguns pescadores da ilha de Co lançado a rede ao mar, houve alguns estrangeiros que, de passagem pela cidade de Mileto, compraram a linha da rede antes que ela fosse puxada; mas, quando foi puxada, encontrou-se dentro um tripé de ouro maciço, o qual dizem que Helena, ao voltar de Tróia, atirara naquele lugar como lembrança de um antigo oráculo que então lhe viera à memória. Assim, houve disputa por causa do tripé, primeiro entre os pescadores e os estrangeiros; mais tarde, porém, as próprias cidades continuaram a demanda através de seus respectivos povos, a qual teria prosseguido até à guerra aberta, não tivesse a profetisa Pítia dado a ambas as partes o mesmo oráculo: «Entregassem o tripé ao mais sábio.» Seria ele assim primeiramente enviado a Tales, na cidade de Mileto, mas o cederam de bom grado os de Co a um particular, porque estavam em guerra contra todos os Milésios. Tales declarou estimar Bias mais sábio do que ele, e o tripé lhe foi enviado; este de novo o mandou a outro, como ao mais sábio; e outro ainda a outro, de sorte que, tendo assim passado e dado a volta pelas mãos de todos, foi parar, pela segunda vez, nas mãos de Tales, na cidade de Mileto, e finalmente levado para Tebas e dedicado ao templo de Apolo sobrenomeado Ismênico; todavia, TEJO escreve que ele foi primeiro enviado a Bias, na cidade de Priena, e depois a Tales, na cidade de Mileto, por cessão de Bias, e que, tendo passado pelas mãos de todos, retornou ainda às mãos de Bias, até que por fim foi enviado para a cidade de Delfos.
VIII. Eis como o descreve a maior parte dos antigos autores, dizendo uns que foi, em lugar de um tripé (5); uma copa que o rei Creso enviara para a cidade de Delfos; dizem outros que era um vaso que Baticles ali deixara, e narram ainda outra particular entrevista de Anacársis e Sólon, e outra com Tales, ao contarem que tiveram esta conversa: Anacársis, tendo chegado a Atenas, foi bater à porta de Sólon, dizendo que era estrangeiro e vinha expressamente para travar conhecimento e amizade com ele. Sólon respondeu-lhe que «era melhor cada um conquistar amizades em seu próprio país»; e Anacársis replicou- lhe: «Tu, pois, que estás agora em teu país e em tua casa, começa por fazer amizade comigo». E, então, Sólon, surpreso com a vivacidade e prontidão do seu entendimento, deu-lhe muito boa acolhida e o teve algum tempo consigo em casa, com ele fazendo camaradagem, mesmo no tempo em que mais se empenhava no manejo da coisa pública e compunha suas leis. O que vendo Anacársis, zombou de tal empresa, porque ele pensava com leis escritas refrear e conter a avareza e a injustiça dos homens: «Pois tais leis, dizia, se parecem propriamente com as teias de aranha, prendendo os pequenos e os fracos, enquanto os ricos e poderosos passarão através e as romperão.» Sólon respondeu-lhe «que. os homens cumprem os contratos e acordos que firmam uns com os outros, porque não é expediente para nenhuma das partes transgredi-los; e que, semelhantemente, também ele temperava suas leis de sorte que dava a conhecer aos cidadãos que era mais útil obedecer às leis e à justiça do que violá-las». Não obstante, as coisas foram mais tarde postas à prova, antes segundo a comparação feita por Anacársis do que segundo a esperança concebida por Sólon. Mas Anacársis, tendo um dia comparecido a uma assembléia pública em Atenas disse que «se maravilhava de que nas consultas e deliberações dos Gregos os sábios propusessem as matérias para os tolos decidirem».
(5) No grego: "uma copa que o rei Creso tinha enviado ou, segundo outros, um vaso que Baticles deixara". Esse Baticles era provavelmente o escultor de que íala Pausânias, liv. III, cap. 18. 0
IX. Dizem eles também que Sólon esteve algumas vezes na cidade de Mileto, na residência de Tales, onde se maravilhou de que este não tivesse querido tomar mulher para ter filhos; Tales nada lhe respondeu imediatamente, mas, alguns dias depois, disso encarregou um estrangeiro que informara ter chegado havia pouco de Atenas, pois de lá partira apenas dias antes. Sólon perguntou-lhe incontinenti se havia alguma novidade, e o estrangeiro, que Tales havia assoprado, respondeu: «Nada de novo, além do enterro de um jovem a cujo funeral toda a cidade compareceu, porque era filho de um dos maiores personagens e melhores homens da cidade, que na ocasião não se achava presente, pois fazia muito tempo, pelo que diziam, que estava fora.» «Ó pobre pai infeliz, disse então Sólon; e como se chamava ele?» «Eu ouvi seu nome, disse o estrangeiro, mas só me lembro de que toda a gente dizia tratar-se de um personagem de grande sabedoria e probidade.» Afinal, cada vez mais aterrorizado com as respostas daquele homem, Sólon não pôde conter-se e, inteiramente perturbado, sem ter dito seu nome ao estrangeiro, perguntou-lhe se era o filho de Sólon, que tinha morrido, «Sim», respondeu o estrangeiro. Então, Sólon pôs-se a esmurrar a própria cabeça e a fazer e dizer tudo aquilo a que se acostumaram os que estão mortificados pelo sofrimento e que impacientemente suportam sua aflição. Mas Tales, rindo, o conteve e lhe disse: «Eis aí, Sólon, a causa que me impediu de casar e gerar filhos, a qual é tão violenta que logo te transtornou, embora no mais tu sejas rijo e forte para a luta; mas, quanto ao que te disse esse homem, não te perturbes, pois não é verdade.» Hermipo escreve que Pateco, o tal que dizia ter a alma de Esopo, o conta também.
X. Não obstante, é falto de bom-senso e de bom coração o homem que não ousa adquirir as coisas necessárias por medo de perdê-las, porque desse jeito não estimaria nem a honra, nem os bens, nem a ciência, quando os possuísse, por medo de privar-se deles; pois vemos que a própria saúde, que é a maior e a mais doce riqueza que o homem poderia adquirir, perdesse muitas vezes por doença ou por algumas medicinas ou bebidas; e, mais, o próprio Tales não estaria isento desse medo por não ter sido casado, a não ser que desejasse confessar que não tinha afeição nenhuma aos amigos, aos parentes e ao país; mas, ao contrário, teve um filho adotivo e adotou um sobrinho chamado Cibisto, filho de uma irmã. Pois nossa alma, tendo em si uma faculdade naturalmente amorosa e nascida para amar, nem mais nem menos do que possui outras para sentir, entender e reter, desprende-se às vezes e se liga à parte afetiva e estimável dos objetos que não lhe são próprios e que em nada lhe pertencem; nem mais nem menos do que se fosse uma casa ou uma herdade destituída de legítimos herdeiros, que estrangeiros ou bastardos encontrassem, por adulações, meio de ocupar e invadir: os quais fazem de sorte que, sendo a alma inclinada a amá-los, também receia e teme perdê-los. De tal maneira que vereis, às vezes, homens revessos de natureza repelirem para longe aqueles que lhes falam de casamento e geração de filhos legítimos; e mais tarde morrem de medo e arrependimento, quando vêem os filhos que tiveram de escravas ou de concubinas caírem doentes ou morrerem, e se deixam escapar palavras indignas de homens de coragem; e alguns há que, pela morte de cães ou cavalos, se desconfortam tão cobarde e miseravelmente que ficam quase para morrer. Mas, ao contrário, também há outros que por terem perdido os filhos, homens de bem e de honra, não fizeram nem disseram nada de pusilânime nem de feio, antes se portaram todo o resto da vida como homens sábios, constantes e virtuosos; pois é a imbecilidade, e não a caridade, a causa desses desgostos infinitos e desses temores desmesurados em pessoas não exercitadas nem acostumadas a combater com a razão contra a fortuna, o que é motivo também de não gozarem do prazer do que amam ou desejam, mesmo quando está presente, pelos contínuos temores, angústias e terrores que sofrem pensando que serão um dia privados desse bem. Ora, é preciso, não se armar e fazer pavês de pobreza contra a dor da privação de bens, nem de falta de afeição contra o perigo de perder os amigos, nem de fuga do casamento contra a morte de filhos; antes é preciso prover-se da razão contra todos os acidentes.
XI. Mas, por enquanto, já discorremos bastante, e mais do que o bastante, sobre o assunto. Tendo pois os Atenienses sustentado longa e fastidiosa guerra contra os Mégaros, no tocante à possessão da ilha de Salamina, por fim se cansaram e fizeram um édito pelo qual proibiram houvesse homem tão ousado ou tão atrevido para submetera ao conselho da cidade a necessidade de querelar mais a dita possessão, e isso sob pena de morte. Sólon, não podendo suportar tal vergonha e vendo que os jovens, pela maior parte, não pediam outra coisa senão a abertura da guerra, mas que não ousavam abrir a boca para falarem sobre isso por causa do édito, fez parecer que estava fora do senso, mandou divulgar pela cidade a notícia de que enlouquecera e, tendo composto secretamente alguns versos elegíacos, aprendeu-os de cor para pronunciá-los em público. Então, lançou-se um dia subitamente fora de casa, tendo um chapéu à cabeça, e correu para a praça, onde se reuniu incontinenti grande número de populares em torno dele, e, subindo à pedra de onde era costume fazer os apelos e proclamações públicas, começou a pronunciar, cantando, a elegia que assim começa:
De Salamina, arauto satisfeito,
Venho para exaltar o grande feito;
Mas, ao invés de em prosa vos falar,
Prefiro os belos versos meus cantar.
Essa elegia é intitulada Salamina e contém cem versos, muitos belos e bem feitos: os quais, tendo sido então publicamente pronunciados por Sólon, seus amigos puseram-se incontinenti a louvá-los em altas vozes, mesmo Pisístrato, e foram exortando e suscitando o povo assistente a crer no que ele dissera; assim fizera, de sorte que na mesma hora o édito foi revogado e de novo a guerra prosseguida com mais ardor do que antes, sob a directo e a superintendência de Sólon.
XII. Ora, o que sobre isso se conta, mais vulgar e mais comumente, é que ele foi por mar, com Pisístrato, até ao templo de Vênus sobrenomeada Colíada, onde encontrou todas as mulheres fazendo uma festa solene e um sacrifício ordinário à deusa; e, aproveitando a ocasião, enviou um homem de confiança aos Mégaros, que então ocupavam Salamina, tendo-o instruído para se fingir traidor, expressamente vindo para adverti-los de que, se quisessem surpreender todas as principais damas de Atenas, bastaria seguirem com ele. Os Mégaros facilmente acreditaram e fizeram incontinenti embarcar certo número de homens; mas, logo que Sólon percebeu que o navio partira de Salamina, mandou que as mulheres se retirassem e, em lugar delas colocou homens jovens e ainda imberbes, os quais fez enfeitar de toucas, vestidos e sapatos femininos, com curtas adagas escondidas debaixo das roupas, e ordenou- lhes que brincassem e bailassem juntos ao longo do mar, até que os inimigos descessem em terra e o seu navio fosse capturado. O que foi feito, pois os Mégaros, enganados pelo que viam de longe, desembarcaram e em seguida se lançaram em massa à terra, na suposição de que iriam aprisionar mulheres; mas não escapou um, pois foram todos mortos em ação. Isso feito, os Atenienses ganharam logo o mar e seguiram para a ilha de Salamina, a qual foi por eles surpreendida e tomada sem dificuldade.
XIII. Dizem outros que tal surpresa não se verificou, mas que Apolo Deifico lhe dera primeiramente este oráculo:
Primeiro tornarás, com sacrifícios,
Todos os semideuses mais propícios,
Patronos do lugar, presentemente
Sepultos em Asopo, no ocidente.
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