domingo, 23 de setembro de 2012
O CONCEITO DA ALMA EM PLATÃO
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O conceito de alma em Platão: do mundo das idéias ao mundo dos interesses - Paulo R. R. Passos
Apesar da influência do Orfismo na filosofia platônica, a qual apregoava o corpo como o cárcere da alma e uma vida de continências, abstinências e privações como elementos purificantes desta, Platão foi além. A concepção platônica se desvencilha da mística religiosa pitagórica, traz o processo de purificação da alma para a convivência social, espaço este que oferece as condições de aprimoramento da alma. Nessa linha de pensamento o sofrimento não representava mais o arcabouço pedagógico de lapidação do espírito humano. O processo evolutivo ocorria a partir da vida correta e justa do indivíduo em sociedade.
O conceito de salvação alcança uma racionalidade a partir do momento que, o desígnio da alma encontra-se totalmente condicionado as escolhas da vida. Ou seja, quanto mais o indivíduo tomasse consciência da realidade social, do outro, do conjunto associativo, da República, e trabalhasse no sentido de preservá-la e protegê-la, concomitantemente estaria num processo de desenvolvimento da alma. Isto seria um círculo virtuoso, pois, na medida em que a conduta de justiça adotada pelo indivíduo fosse crescendo, como num movimento de retroalimentação sua racionalidade aflorava com mais intensidade. Assim, quanto maior sua interação com a vida e com as pessoas, mais se pensa, quanto mais se pensa mais próximo do mundo das idéias.
Para Platão a alma era composta por três partes, com base nessa divisão ele acaba por explicitar a essência da sua tese. A primeira e, segundo o filósofo, a mais importante de todas, está a parte racional ou cognitiva. Esta seria responsável pela contemplação, pelo raciocínio, aprendizagem. É, ao mesmo tempo, responsável pela vida intelectual e serve de freio das outras duas partes. A segunda parte seria a irascível, nesta reside o ímpeto pelas veleidades da vida, do prazer e do poder, das sensibilidades. Na compreensão do filósofo a parte irascível representa a ira, a discórdia e a violência. E, por último, a parte apetitiva, responsável pelos desejos fisiológicos, pelas necessidades vegetativas e outras paixões.
Na lógica da filosofia de Platão, cabe à racionalidade o governo da vida, do espírito, da alma. As outras partes não estando à altura da parte racional devem subordinar-se a ela. Transplantando esse modelo para o plano político, somente aqueles que pensam, leia-se, os filósofos, estariam isentos e aptos para governar a República. Com Platão o conceito de alma foi traduzido como algo acessível ao homem, bastava para isso se conscientizar da sua própria consciência, das suas escolhas, das suas ações refletidas no cotidiano social.
A concepção de Platão para o aperfeiçoamento da alma não é algo fechado, nem tampouco preestabelecido. Todo ser humano pode desenvolver a sua alma por meio da educação. O processo educacional levaria o indivíduo a aprender viver de forma justa e digna em sociedade. Sendo assim, toda sociedade que queira viver em harmonia e justiça em seu seio social deveriam desenvolver as “almas” dos seus membros.
Perplexidade à parte, o fato é que tudo quanto representava algo de importância para a maioria das pessoas no passado, hoje perde sua lógica, seu sentido, sua legitimidade. Esse processo de esvaziamento simbólico das nossas instancias de valor, os quais orientavam nossas vidas entre o plano espiritual e o material, torna-se a cada dia mais racional, objetivo, metódico e essencialmente humano. A transcendência, a salvação, vida eterna, paraíso, julgamento final, são expressões cada vez menos empregadas pelas pessoas na contemporaneidade, a não ser com acepções distintas de suas etimologias, totalmente ressemantizadas e ajustadas ao pragmatismo da vida.
Até mesmo para os mais desavisados, não há dúvida de que muita coisa mudou e continua mudando. E o mais impactante desse processo é que esclarecido ou não quanto às transformações, elas alcançam a todos, todos as sentem, todos se adaptam a elas. Aqueles valores que em outrora eram passados de geração em geração, considerados patrimônio das famílias, tão sólidos e seguros que alicerçavam a vida, dirimiam as duvidas, arrefeciam as angústias, estabeleciam as certezas e balizavam o caminho, estão desaparecendo. Isso não significa que estamos vivendo sem um substrato simbólico para as nossas vidas, apenas que, não são mais os mesmos, não propõem as mesmas representações, não sustentam as mesmas verdades.
Ao contrário do que propunha Platão, de que a alma encontraria o seu desenvolvimento na relação de justiça com o outro, e assim sucessivamente o processo de racionalização e harmonia avançaria, isto não se aplica a contemporaneidade. Vivemos o paroxismo da racionalidade, contudo, fomos esvaziados simbolicamente das virtudes associativas. Buscamos as igrejas para nos fortalecermos como indivíduos, para digladiarmos com outros indivíduos. O processo dialético na “pós-modernidade” se tornou um instrumento de disputas de espaços de poder, não de conhecimento. A República moderna está com a sua alma corrompida.
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Paulo Rogério Rodrigues Passos é doutorando em Ciências da Religião pela PUC-GO, bolsista da FAPEG.
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