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► Revolução Inglesa do Século XVII
Introdução
A Revolução Inglesa do século XVII representou a primeira manifestação de crise do sistema da época moderna, identificado com o absolutismo. O poder monárquico, severamente limitado, cedeu a maior parte de suas prerrogativas ao Parlamento e instaurou-se o regime parlamentarista que permanece até hoje. O processo começou com a Revolução Puritana de 1640 e terminou com a Revolução Gloriosa de 1688. As duas fazem parte de um mesmo processo revolucionário, daí a denominação de Revolução Inglesa do século XVII e não Revoluções Inglesas.
Esse movimento revolucionário criou as condições indispensáveis para a Revolução Industrial do século XVIII, limpando terreno para o avanço do capitalismo. Deve ser considerada a primeira revolução burguesa da história da Europa.
A Revolução Inglesa
A Grande Rebelião, A Revolução Puritana e a Guerra Civil são três expressões consagradas historicamente, sempre que se pensa na Revolução Inglesa do século XVII. Se a elas juntarmos a República Cromwell e a Restauração, estamos indicando os componentes básicos e as etapas percorridas por esta revolução. A Grande Rebelião (1640-1642) designa a revolta do Parlamento contra a Monarquia Absolutista, após uma disputa pela posse da soberania. A Revolução Puritana designa tanto os conflitos religiosos entre a Igreja Anglicana e a ideologia puritana – calvinista – quanto uma das bases intelectuais do processo revolucionário. A Guerra Civil (1642-1648) indica o confronto entre o Parlamento e a Monarquia. A República de Cromwell (1649-1658) indica o desdobramento lógico do processo, fruto da criação de um exército revolucionário (New Model Army), e do aparecimento da ideologia radical dos Niveladores (Levellers), que conduziu ao julgamento e execução do rei e à proclamação da República. A Restauração (1660), aponta para o encerramento e os limites da revolução.
As Transformações Econômicos – Sociais
Durante os séculos XV e XVI a Inglaterra passou por grandes e decisivas transformações econômicas. Passou a ter neste período, a maior indústria têxtil da Europa e a produzir mais de quatro quintos de todo o carvão do continente. A indústria têxtil, havia se espalhado pelas aldeias dando início ao chamado sistema de produção doméstica. Neste sistema, a técnica de produção permanece ainda artesanal, existindo já uma divisão (especialização) do trabalho e o capital dominou a produção. O carvão servia de base a toda uma série de indústrias, novas e velhas, que exigiam enormes somas de capital. As construções navais se desenvolviam rapidamente. No campo, o desenvolvimento capitalista, também era intenso, estimulado tanto pelos negócios de lã quanto pela criação de um mercado para os produtos agrícolas. Se o comércio era até bem pouco a única atividade econômica sob domínio do capital, agora também a indústria e a agricultura começavam a ser por ele dominadas. A partir de uma expansão do mercado interno e de uma crescente divisão do trabalho, havia se originado no interior de uma estrutura econômica ainda feudal um incipiente mais dinâmico núcleo capitalista.
As rápidas mudanças econômicas, de um lado, e a inflação de outro, provocaram uma grande redistribuição de renda de uma classe à outra e um intenso processo de mobilidade social. O que se passou na Inglaterra "nos fins do século XVI foi um deslocamento das riquezas da Igreja e da Coroa, e das pessoas muito ricas ou muito pobres, para as mãos da classe média alta".
As mudanças sociais que estavam transformando a sociedade inglesa da época tinham por base a terra, sua posse e seu uso. A propriedade da terra ainda a principal forma e fonte de riqueza, dava a quem a possuía prestígio social (status) e poder (político). Na Inglaterra, como de resto em todo continente, havia uma verdadeira compulsão, por parte da burguesia, para adquirir terras. Este fenômeno, ao invés de provocar uma refeudalização; acelerou a desintegração da propriedade e das relações feudais.
Na hierarquia social inglesa, a gentry formava uma nobreza de status mais do que de sangue. Seus membros, os gentlemen, eram proprietários de terras, mas muitos tinham suas origens e suas fortunas ligadas a outros setores que não a terra.
Acima da gentry, estavam os pares, a alta nobreza ou aristocracia. Grandes proprietários de terras, eram os únicos que ainda gozavam de privilégios legais.
Entre os camponeses, enquanto a camada mais rica dos pequenos e médios proprietários livres (yeomen) prosperou, a maioria, constituída de arrendatários e jornaleiros, caiu no pauperismo. Foram as principais vítimas do desenvolvimento econômico, do conhecido processo de cercamento das propriedades, uma vez iniciado, no século XVI, continuou de forma intermitente e espasmódica até meados do século XIX. Uma vez posto em movimento este processo contínuo de desarticulação da comunidade aldeã, que separava o camponês da terra, fez com que o país fosse o primeiro à não possuir, desde o século XIX, uma classe camponesa. Daí a razão do campesinato inglês ter deixado de ser desde muito cedo uma força política.
Nas cidades, existia de um lado, uma poderosa e rica burguesia mercantil e, de outro, um numeroso contingente de trabalhadores urbanos e também de deserdados. Na Inglaterra apenas uma pequena fração da burguesia, dependia dos monopólios e da proteção da Coroa para a realização de seus grandes lucros.
A Monarquia, o Parlamentarismo e a Reforma
Quando a dinastia Stuart subiu ao trono em 1603, recebeu como herança da dinastia anterior, Tudor (1485 – 1603), um Estado que, embora tivesse acompanhado o processo de centralização e fortalecimento do poder monárquico, havia fracassado na consecução dos três instrumentos básicos, necessários à sua plena efetivação: exército permanente, autonomia financeira e burocracia (corpo de funcionários dependentes do Estado e a ele fiéis). Os reis Stuart receberam também, um Parlamento ampliado em seu número e fortalecido em seu poder e uma Igreja Reformada, a Igreja Anglicana, incapaz de controlar e abrigar em seu seio os poucos católicos à direita e os numerosos puritanos à esquerda. Estes elementos negativos às pretensões absolutistas dos dois primeiros reis Stuart, Jaime I (1603 – 1625) e Carlos I (1625 – 1649), tiveram sua origem, nos reinado de Henrique VIII (159 – 1547) e Elisabeth I (1558 – 1603). Algumas razões e circunstâncias históricas explicam esta evolução particular da monarquia inglesa.
A ausência de um poderoso e permanente exército. Durante o reinado de Henrique VIII, a Inglaterra sofreu uma sucessão de desastres militares e um recuo diplomático catastrófico na posição de grande potência que o país havia desfrutado na Idade Média. Com a evolução na técnica e arte militar, as guerras do Renascimento exigiam cada vez mais a mobilização de granes exércitos cuja manutenção, abastecimento e transporte tornavam seu custo exorbitante. Ora, no momento crítico da transição para o Absolutismo, enquanto para as monarquias continentais a constituição de poderosos exércitos era uma condição indispensável para sua sobrevivência, para a monarquia inglesa, graças à sua posição geográfica insular, não era necessário nem possível construir uma máquina militar comparável à do Absolutismo francês e espanhol. Tampouco os Tudor dispunham naquele momento dos recursos econômicos e financeiros dos dois primeiros.
Sua filha, a rainha Elisabeth, cujo governo foi marcado por uma política externa menos ambiciosa, abandonou toda pretensão de manter um grande exército e realizar grandes façanhas, fixando-se na realização de objetivos bem delimitados e de caráter defensivo. De um lado, impedir a Espanha de reconquistar as Províncias Unidas, impedir os franceses de se instalarem nos Países Baixos e impedir a vitória da Liga Católica na guerra civil francesa. De outro, na guerra sem quartel travada com a Espanha, impedir que esta realizasse a invasão da ilha. Para sustentar estes objetivos não eram necessários grandes exércitos. A atenção foi toda dirigida à construção de uma grande esquadra naval, capaz de enfrentar o perigo espanhol.
Ao mesmo tempo em que o país se preparava para a futura hegemonia marítima, a desmilitarização precoce da nobreza inglesa reforçava a tendência já em andamento, no interior da classe, no sentido do comércio, pois, agora, podia também dirigir seus interesses para a marinha. As conseqüências das inúteis e custosas guerras em que Henrique VIII se envolveu também foram decisivas. Para sustentar seu esforço de guerra o rei recorreu não apenas aos empréstimos forçados e à desvalorização da moeda, como, o que é mais importante, viu-se obrigado a lançar no mercado os enormes fundos provenientes dos bens confiscados à Igreja durante a Reforma (1536 – 1539) e que representavam um quarto das terras do reino. Ao se desfazer destes bens, a monarquia não só desperdiçava uma preciosa oportunidade para estabelecer uma base econômica sólida, independente dos impostos votados pelo Parlamento, como aumentava a força da gentry, os principais compradores das terras alienadas. No reinado de Elisabeth a situação, neste plano, manteve-se inalterada, pois, embora a rainha tivesse reduzido os gastos com o exército, a construção de uma poderosa marinha exigia enormes recursos. Seu governo continuou recorrendo à venda dos bens da Coroa e aos empréstimos do Parlamento. A outra fonte de recursos para o Estado consistia na concessão e venda de monopólios de comércio e indústria. Mas sua utilização, ao mesmo tempo em que favorecia mais os grupos encastelados na Corte do que a própria monarquia, suscitava enorme oposição entre os grupos partidários da liberdade econômica. Os Tudor não conseguiram desenvolver fontes alternativas e permanentes de recursos, como o fizeram as demais potências européias.
A burocracia era muito reduzida na Inglaterra. Embora os Tudor tivessem submetido à administração local a um certo controle, graças à interferência na escolha dos juízes de paz e vigilância sobre seu comportamento, não foram até a etapa decisiva. Esta consistia em substituir os juízes de paz por seus próprios funcionários remunerados. Como isto não aconteceu, os juízes de paz expressavam, naturalmente, muito mais os interesses da aristocracia rural do que os da Coroa. A revolução político – administrativa empreendida pelos Tudor criação de uma Administração central unificada, através do estabelecimento de novos tribunais judiciários (como a Câmara Estrelada) e órgãos políticos (como o Conselho Privado), ficou a meio caminho, justamente pela ausência de uma burocracia remunerada e vinculada ao Estado. Na Inglaterra a existência de uma monarquia relativamente poderosa e centralizada na Idade Média e as dimensões territoriais reduzidas da ilha impediram o surgimento de potentados locais semi – independentes e de autonomias regionais, como foi comum no continente. Em suma, não existiam no país forças centrífugas ameaçadoras à unidade política e cuja submissão exigisse a constituição de uma poderosa máquina burocrática e militar. O único perigo, aquele representado pelas tendências anárquicas dos barões feudais, foi em grande parte eliminado, durante e logo após a guerra das Duas Rosas (1455 – 1485).
Os mesmos fatores que durante a Idade Média permitiram à Inglaterra possuir um poder monárquico relativamente forte e centralizado, garantiram também a existência de uma Assembléia de vassalos, que logo se transformaria numa instituição coletiva e unificada da classe dirigente feudal da ilha – o Parlamento. Mas o que transformou numa instituição particular, distinta das demais, foi, de um lado. O fato de que na Inglaterra só existia uma única assembléia deste tipo, coincidindo com as fronteiras do país, e não várias, correspondendo cada uma às diferentes províncias; de outro, o fato de que no Parlamento inglês não existia a tradicional divisão ternária que havia no continente – clero, nobreza e burguesia. Por sua vez, os sistemas de duas Câmaras – dos Lordes e dos Comuns –, que é um desenvolvimento posterior, estabelecia uma distinção no seio da própria nobreza. A Câmara dos Lordes era reservada ao alto clero e à alta nobreza. A Câmara dos Comuns pertenciam aos burgueses das cidades e a gentry do campo. A aristocracia rural dominava não só a administração local, através dos juízes de paz, como também o Parlamento. O Parlamento inglês, desde a Idade Média, gozou também da prerrogativa – negativa – de limitar o poder legislativo real. Por ocasião do avanço do poder real, durante a dinastia Tudor, o Parlamento conseguiu preservar tanto o direito de votar as leis quanto o de fazer aprovar os impostos. E enquanto no reinado de Henrique VIII as guerras e a Reforma obrigaram o rei a buscar no Parlamento sustento econômico e apoio político, fortalecendo – o, a rainha permitiu que o número de deputados subisse de 300 a 500 aproximadamente.
No que se refere à Reforma, as razões que levaram Henrique VIII a realizá-la foram todas, basicamente, muito mais de caráter político do que religioso. Para consolidar o Estado Nacional, Henrique VIII procurou submeter à força da religião e o poder da Igreja aos interesses do Estado. Para as monarquias absolutistas da época moderna, a Igreja era, ou deverá vir a ser, um verdadeiro aparelho ideológico do Estado realizando as funções de controle social e de legitimação política. Neste sentido constituía-se um instrumento do poder absoluto.Também, Henrique VIII e Elisabeth não foram bem sucedidos, apesar dos esforços empreendidos na criação de uma Igreja Nacional consciente de si mesma e que unificasse o país em torno do rei. Isto porque a Igreja Anglicana, fundamentada numa idéia política e não religiosa, permaneceu num meio termo perigoso entre o Catolicismo e o Protestantismo. O Anglicanismo viu-se obrigado a sustentar uma luta em duas frentes: contra o Catolicismo, porque o rompimento com ele tinha sido com o Papa e não som seus princípios e o perigo de uma recatolização do país permanecia possível; contra o Protestantismo, porque, não podendo satisfazer as necessidades de uma população faminta de alimento espiritual, o Anglicanismo não podia impedir o crescimento do puritanismo, apesar de toda a repressão.
Depois da breve restauração do Catolicismo ordenada por Maria Tudor (1553 – 1558), Elisabeth voltou ao Anglicanismo, mas manteve – o afastado de qualquer contato com as idéias protestantes. Embora convencida da importância da hierarquia da Igreja e da necessidade de uma subordinação ao Estado, a rainha não fez nada no sentido de dotar a Igreja Anglicana de meios econômicos e morais que a tornassem capaz de competir no domínio religioso com os católicos e os puritanos. O vazio de zelo religioso que caracterizou a Igreja Anglicana, que não pregava nem fazia prosélitos, foi preenchido pelos católicos e principalmente pelos puritanos. Sobre o longo reinado de Elisabeth, aparentemente cheio de êxitos, pode – se afirmar que "alguns dos problemas dos Stuarts tinham sua causa direta no próprio êxito da política de Elisabeth. A rainha ganhou muitas batalhas, mas morreu antes de perder a guerra" (L. Stone).
A Política Absolutista dos Reis Stuart: 1603 – 1640
Jaime I e Carlos I governaram com base numa única diretriz: estabelecer na Inglaterra, uma verdadeira monarquia absolutista. Procuraram reverter aquelas tendências negativas examinadas anteriormente. Ambos fracassaram. Jaime I conseguiu transmitir o cargo ao filho ao filho Carlos I, este mergulhou o país numa guerra civil e pagou com a vida sua determinação de governar como absolutista. O governo de Jaime I, com sua política de aproximação com a Espanha, suas tentativas fracassadas de criar uma base econômica independente, acompanhadas pela extravagância e corrupção da Corte, provocou violenta disputas com o Parlamento e suscitou enorme descontentamento entre a gentry e a burguesia urbana.
Foram três bases intelectuais da revolução que se aproximava, estas idéias foram ganhando corpo justamente nas três primeiras décadas do século XVII e expressavam, no plano político e ideológico, tanto as transformações econômico – sociais quanto a reação a política absolutista dos reis Stuart. A primeira destas idéias tinha como foco o puritanismo. Embora o processo de sua difusão entre as classes sociais não seja ainda bem conhecido, não há duvida de que sua penetração maior se verificou entre os grupos ligados à manufatura. O puritanismo também se difundiu intensamente entre a gentry e seus praticantes, desenvolveram a convicção da necessidade de uma independência de juízo baseada na consciência e na leitura bíblica, ofereceu não só idéias e convicção moral, mas também, a partir do reinado de Elisabeth, direção e organização.
A outra vertente intelectual da revolução foi a do Direito Comum. Na Inglaterra, ao contrário do que ocorreu no continente, o direito romano não foi adotado. Mais tarde, embora os Tudor e Stuart tivessem introduzido novas instituições jurídicas inspiradas no direito romano, não conseguiram suplantar o Direito Comum. O conflito que se desenvolveu entre a monarquia e o Parlamento teve por base estes dois sistemas jurídicos. A vitória do Parlamento consagrou a vitória do Direito Comum. O Direito Comum era o direito tradicional, de caráter rural, que regulava as relações jurídicas entre a nobreza e os camponeses e as formas de propriedade da terra.
A terceira componente intelectual da revolução foi a ideologia do "país" em oposição a da "Corte" – court versus country –, segundo a qual o país era virtuoso, a corte depravada, o país defensor dos velhos hábitos e liberdades, a Corte de novidades administrativas e práticas tirânicas, o país puritano, a corte inclinada ao papismo, etc.
Quando Carlos I subiu ao trono em 1625, a Inglaterra vivia uma situação geral, um clima ideológico e uma correlação de forças nitidamente desfavorável a toda tentativa de se implantar no país um programa político de caráter absolutista. Mas foi o que o rei se empenhou em fazer. Já em 1628 sua política de imposição de empréstimos forçados, encarcerando arbitrariamente os que se recusavam a pagar, levou o Parlamento a aprovar a famosa Petição de Direitos que declarava a fixação de taxas sem o seu consentimento e a prisão arbitrária, atos ilegais. Frente a este rompimento declarado do Parlamento, o rei passou a ofensiva, respondendo com a sua dissolução em 1629 e com uma política de poder pessoal baseada apenas nas prerrogativas da monarquia. Durante onze anos consecutivos (1629 – 1640), com base nesta política, conhecida pelo nome de Política Global, Carlos I com a ajuda de dois energéticos ministros, o arcebispo Laud e de Thomas Wentworth, procurou criar os instrumentos de que o poder monárquico carecia para controlar as forças econômicas, sociais e religiosas cujo desenvolvimento e direção caminhavam em sentido contrário aos interesses do Absolutismo. O resultado desta política terminou num desastre completo e permitiu que todas as forças de oposição se unissem contra o rei.
Para controlar a vida econômica e obter os recursos financeiros necessários a seu programa, isto é, capazes de sustentar uma máquina de Estado ampliada e sem passar pelo Parlamento, o rei recorreu a todos os expedientes possíveis, de caráter feudal e neofeudal, restaurando taxas e tributos, multiplicando monopólios, impondo multas, regulamentações de toda ordem e vendendo ofícios. Um destes impostos, o ship money, foi transformado num tributo nacional anual. Sua aplicação causou uma verdadeira onda de descontentamento nacional entre todas as classes proprietárias. E a recusa, em 1637, de um dos líderes do Parlamento, John Hampden, de pagar o ship money, sendo por isso julgado e condenado acabou se transformando no início de uma revolta geral em 1639/1640 contra o pagamento desta taxa.
Para pôr um freio à mobilidade social existente, Carlos I proibiu os cercamentos de terras e restringiu a venda de títulos; expulsou a gentry da Corte, fortaleceu os privilégios dos pares e reforçou a hierarquia das classes, fixando suas funções, acesso à Corte e outros órgãos de poder. Estas medidas, insuficientes para atrair as simpatias dos camponeses para o lado da monarquia, foram suficientes para descontentar a maioria da gentry.
Para recuperar o poder e o prestígio da Igreja Anglicana, o arcebispo Laud procedeu, de um lado, a revisão do valor dos dízimos e a recuperação dos bens territoriais da Igreja, e, de outro, a uma reorganização da hierarquia do clero e a fixação de um ritual solene para as cerimônias e outros cultos religiosos. Com isto escandalizou os puritanos.
Com uma política externa de aliança com a Espanha, de não envolvimento na guerra dos Trinta Anos ao lado dos protestantes, de aproximação com o Papado (sua esposa francesa era católica), escandalizou a nação que passou a considerá-lo cada vez mais como papista. Por outro lado, sua política de colonização da Irlanda, realizada com eficiência e brutalidade pelo conde de Strafford, contrariava os interesses da burguesia londrinense, já que sua finalidade era a de implantar naquela ilha um regime autoritário e feudal e constituir um exército poderoso.
Carlos I utilizou-se dos Tribunais de privilégio (Câmara Estrelada, Conselho do Norte e de Gales, Corte de Alta Comissão) e do Conselho Privado, ou seja, das prerrogativas monárquicas, para reprimir, processar e encarcerar todos aqueles que lhe faziam oposição, ou resistiam a seus atos.
Nos últimos anos de 1630, a política absolutista de Carlos I tinha conduzido a nação a um beco sem saída. A revolta política crescente, somava-se, para agravá-la, uma crise econômica responsável, a partir de 1620, pela retração no comércio de exportação e na manufatura de tecidos. Em 1638, quando Carlos I e o arcebispo Laud, ao procurarem estender à Escócia presbiteriana o Anglicanismo, provocaram entre o clero presbiteriano e a nobreza uma revolta em grande escala contra a Inglaterra. A formação do Covenant (pacto religioso-militar) seguiu-se a invasão escocesa da Inglaterra em 1639. Ora, a Inglaterra carecia de forças militares suficientes para enfrentar o poderoso e disciplinado exército escocês. Mas a Inglaterra carecia também de vontade política para enfrentar os escoceses.
Falido economicamente, com o exército presbiteriano escocês estacionado no país, exigindo resgate para se retirar, e com a burguesia em greve, recusando-se a pagar o ship money, Carlos I estava completamente batido e isolado. Sem outra alternativa, convocou o Parlamento, mas quando viu que não podia negociar um acordo com os Comuns sem fazer pesadas concessões em suas prerrogativas, dissolveu-o. A seguir, reuniu um Grande Conselho da nobreza do reino para assessorá-lo frente à crise existente. E os nobres aconselharam-no a convocar novamente o Parlamento. Quando em 1640 o Longo Parlamento entrou em funcionamento, a grande rebelião parlamentar contra o Absolutismo ia começar.
A Grande Rebelião: 1640 – 1642
Com a convocação do Parlamento Longo, em novembro de 1640, a iniciativa política passava às mãos da oposição parlamentar, centrada na Câmara dos Comuns. Contando com uma grande maioria de deputados, com uma liderança experiente e com uma unidade de pontos de vista contra a Coroa, a oposição estava decidida a conquistar para o Parlamento a soberania política. Sua primeira providência, nesse sentido, foi impugnar os ministros Strafford e Laud. O Parlamento aboliu os principais instrumentos do poder monárquico, os tribunais de privilégio ou Cortes de prerrogativas de mais de 150 anos de existência. Também aboliu o ship money e todos os outros impostos e taxas utilizados pelo rei nos onze anos de governo pessoal e não votados pelo Parlamento. E, para assegurar sua própria independência como poder, o Parlamento aprovou dois atos: o Trienal Act, que tornava automática a convocação do Parlamento se a monarquia não o fizesse no prazo de três anos, e o Ato Contra a Dissolução do Longo Parlamento Sem Seu Próprio Consenso. Com todas estas medidas a oposição realizava uma revolução político-constitucional cuja preparação vinha sendo elaborada há décadas. Embora Carlos I não teve forças para reagir a esta revolução que o despojava de toda a autoridade e enquanto a oposição manteve sua unidade, a luta entre os dois poderes não transbordou do terreno constitucional. E era isso que a maioria parlamentar desejava. Mas o radicalismo puritano forneceu a pólvora e a revolta da Irlanda o estopim que fez explodir a unidade da oposição. Com a divisão, o rei, até então isolado, ganhou forças para contra – atacar e a guerra civil tornou-se irremediável.
A revolta católica da Irlanda criava para o Parlamento um problema extremamente delicado. Quem iria comandar o exército para esmagar a rebelião e reconquistar a Irlanda? Legalmente o comandante das forças armadas era o rei. Se o Parlamento lhe confiasse o exército, punha em risco a vitória recém – conquistada sobre a monarquia. Carlos I, procurando explorar a situação, não abriu mais do direito de comandar o exército.
Pym e outros líderes dos Comuns estavam dispostos a aceitar o apoio popular da capital para derrotar definitivamente Carlos I. para obrigá-lo a capitular fizeram aprovar um documento à nação, a Solene Advertência, que continha violentas acusações a Carlos I. Assustados com a agitação popular de Londres, muitos deputados votaram contra a Solene Advertência, aprovada por apenas 11 votos de diferença. Animado com a divisão do Parlamento, Carlos I imediatamente contra – atacou. Com um grupo armado, invadiu a Câmara dos Comuns para prender Pym, Hampden e outros três líderes da oposição. Avisados a tempo, os cinco se refugiaram na capital. Com este insucesso e tendo perdido o controle sobre Londres, Carlos I retirou-se para o Norte. Lá reuniu um exército de realistas e preparou-se para a guerra civil.
A Guerra Civil: 1642 – 1648
Do ponto de vista religioso é bastante evidente e nítida a divisão que separou os ingleses, durante a guerra civil, entre partidários da causa realista e da causa parlamentar. Praticamente todos os anglicanos e católicos ficaram do lado da monarquia e todos os puritanos moderados (presbiterianos) e radicais (as seitas) do lado do Parlamento. Do ponto de vista social a divisão apresenta-se obscura e complicada. Porque os integrantes de um e de outro bando pertenciam basicamente às mesmas classes sociais, a gentry, à alta nobreza (aristocracia) e à burguesia e todas as três eram classes proprietárias, economicamente dominantes. As classes exploradas, ou ficaram fora do conflito, ou, quando dele participaram, ao lado do Parlamento, estiveram longe de representar o mesmo papel dos sansculottes na revolução francesa. E também a controvérsia que opõe os historiadores não marxistas da revolução inglesa aos marxistas. Os primeiros negam (ao contrário dos segundos) que a guerra civil tenha tido um caráter de luta de classes. Para eles a guerra civil foi um conflito basicamente de natureza política (constitucional) e religiosa (ideológica) entre as mesmas classes dominantes. As regiões e os homens ainda predominantemente feudais estavam com o rei e aquelas regiões em que o capitalismo predominava estavam com o Parlamento. "Não se podem encontrar divisões sociais fundamentais numa Assembléia tradicional como a Câmara dos Comuns, destinada a representar a classe proprietária e escolhida segundo um sistema eleitoral que não mudava há dois séculos. As verdadeiras divisões existiam fora do Parlamento e sua natureza social é difícil de ser negada. As regiões partidárias do Parlamento eram o Sul e o Leste, economicamente avançadas; a força dos realistas residia no Norte e no Oeste, ainda semifeudais. Todas as grandes cidades eram ‘parlamentares’; freqüentemente, contudo, suas oligarquias privilegiadas sustentaram o rei... Só uma ou duas cidades episcopais, Oxford e Chester, eram realistas. Os portos eram todos pelo Parlamento... A marinha manteve-se solidamente do lado parlamentar... A mesma divisão encontramos no interior dos condados... os setores industriais eram pelo Parlamento, mas os agrícolas pelo rei". (Christopher Hill)
Na guerra, a relação de forças era substancialmente favorável à causa parlamentar, dada sua superioridade de recursos econômicos, humanos e estratégicos (marinha e portos). Mas até 1644-45 as forças parlamentares não souberam explorar esta superioridade, pois procuraram enfrentar os realistas utilizando-se apenas das milícias tradicionais dos condados e seus respectivos aparelhos financeiros e administrativos. Por isso, a iniciativa das ações esteve com os realistas, os quais não conseguiriam, contudo, obter nenhuma vitória decisiva.
Do lado das forças parlamentares, durante a guerra, formaram-se dois partidos, os dos Independentes e o dos Presbiterianos. Esta divisão era ao mesmo tempo de natureza religiosa e política. Por detrás destas divergências religiosas e políticas entre presbiterianos e independentes manifestavam-se diferenças sociais acentuadas.
Para enfrentar os realistas, presbiterianos e independentes procuraram a aliança com os escoceses do Covernant, cujo exército era poderoso. O partido presbiteriano inglês estava pronto a aceitar o preço da ajuda escocesa: estabelecimento de uma Igreja oficial idêntica à escocesa. Quando em 1644 o exército do Parlamento, ajudado pelo rei da Escócia, derrotou os realistas, na batalha de Maston Moor, mudando o curso da guerra em favor do Parlamento, quem desempenhou um papel decisivo na luta foi a cavalaria dos Independentes, liderada pelo deputado Oliver Cromwell. O exército chefiado por Cromwell tinha uma estrutura revolucionária e democrática. Isto porque, de um lado, seus membros, todos voluntários, eram recrutados principalmente entre os pequenos e médios proprietários rurais de tendências puritanas radicais e, de outro, o critério de promoção se baseava no mérito, no talento e eficiência militar dos soldados. Cromwell estimulava as discussões religiosas entre os soldados a fim de que todos tivessem "as raízes da questão"; "prefiro ter um capitão simples e rústico, que saiba por que luta e ame aquilo que sabe, do que um daqueles a quem chamais gentil – homem e que não passa disso".
Este novo exército, New Model Army, era visto com desconfiança pelo partido presbiteriano, cujos chefes militares eram escolhidos dentro do Parlamento por critérios aristocráticos. Os presbiterianos temiam o avanço democrático, e, sempre buscando um compromisso com o rei, não tinham pressa em ganhar a guerra. Ou melhor, não desejavam uma vitória absoluta, não queriam levar a guerra até suas últimas conseqüências. Durante todo o curso da guerra, até a execução do rei em 1649, os presbiterianos procuraram incessantemente um compromisso com o rei.
Mas os primeiros sucessos militares do New Model Army, imbatível no campo de batalha, e a própria lógica dos acontecimentos que exigiam uma definição da luta forçaram os resultados: "chegou à hora de falar, ou de calar a boca para sempre", disse Cromwell ao Parlamento. Em 1645, o Parlamento aprovou o Ato de Abnegação pelo qual renunciava ao comando do exército, entregando-o aos militares, aos generais. Sob a pressão dos acontecimentos, também o velho sistema estatal foi parcialmente destruído e modificado.
Graças a estas medidas, militares e políticas, impostas pelo partido Independente, "da guerra até a vitória" o exército realista foi definitivamente derrotado em 1645 na batalha de Naseby.
Com a vitória militar sobre os realistas criava-se uma nova situação política: de um lado, saía de cena o perigo representado pelo Absolutismo, e, de outro, entrava em seu lugar uma nova força: o New Model Army e em sua esteira um novo partido, os niveladores (Levellers), partido democrático que se formou em Londres em 1646. A derrota do inimigo comum acirrou, entre presbiteriano e independentes, a luta pelo poder. Enquanto os primeiros continuavam a controlar o Parlamento onde tinham maioria, os segundos tinham o controle do exército. Estes dois poderes coexistiam como poderes rivais. Os presbiterianos, visando assumir o controle da situação, entraram em negociações com o rei prisioneiro (Carlos I tinha-se rendido em 1646 aos escoceses, que o negociaram com o Parlamento). Para se livrarem do exército, insuflado pelos niveladores, que tinham penetrado em sua fileiras, amotinou-se, recusando-se a se desmobilizar e partir para a Irlanda. "Conduzidos pela cavalaria formada pelos pequenos proprietários rurais, os soldados rasos organizaram-se, nomearam-se deputados de cada regimento (‘agitadores’) para um conselho central, empenhados em manter solidariedade e não entrarem de licença até as suas exigências serem satisfeitas". (Christopher Hill)
Por um certo tempo (1646 – 1647) os generais líderes do partido independente hesitaram entre os presbiterianos do Parlamento e os soldados do exército. Mas quando viram que os primeiros negociavam com o rei e que os segundos estavam determinados a avançar em suas reivindicações, aliaram-se a estes últimos, procurando, contudo, controlar seu programa democrático. Como resultado desta aliança entre independentes e niveladores em 1647 o rei foi retirado da prisão controlada pelo Parlamento e mantido como refém nas mãos dos independentes. Ao mesmo tempo, dentro do New Model Army formava-se um Conselho do Exército, no qual sentavam-se lada a lado representantes eleitos dos soldados e oficiais, com a finalidade de decidirem sobre as questões políticas. Os niveladores cuja influência crescia dentro do exército, apresentaram ao Conselho reunido em Putney uma proposta de constituição, chamada de Agreement of the People. Neste projeto estava formulado o programa político dos niveladores: extinção da monarquia e da Câmara dos Lordes e em seu lugar a República, com a extensão dos direitos políticos (participação no Parlamento) e de voto para todos os homens livres; no plano religioso, a supressão dos dízimos e a separação completa entre Estado e Igreja, e no plano econômico queriam o livre comércio, a proteção da pequena propriedade e a reforma da lei dos devedores.
Com o exército ocupando Londres, os chefes presbiterianos afastaram-se da Câmara dos Comuns, permitindo que Cromwell e os independentes assumissem o controle da situação. Em novembro de 1647 a tentativa dos niveladores de assumir o controle do exército foi frustrada pelos generais e o Conselho do Exército foi dissolvido (e isto significava o fim da democracia no exército e o fim dos niveladores). Mas a fuga do rei fez recomeçar a guerra civil e manteve a aliança entre independentes e niveladores. Com a nova, e desta vez definitiva, derrota do rei em 1648 (Carlos I foi capturado pelo exército), Cromwell e o exército, apoiados pelos niveladores, decidiram expurgar o Parlamento de todos os realistas (a partir deste momento o Longo Parlamento passou a ser conhecido pelo de Rump Parliament, isto é, Expurgado) e acabar com a monarquia declarada "desnecessária, opressiva e perigosa para a liberdade, segurança e interesse público do povo". A Câmara dos Lordes igualmente foi abolida, era simplesmente "inútil e perigosa". Em 19 de maio foi proclamada a República.
Apesar destas medidas, os independentes, com Cromwell à frente, não estavam procurando atender às reivindicações dos niveladores, os quais, pelo contrário, foram brutalmente esmagados por Cromwell e os generais em 1649. A partir deste momento a revolução inglesa entrava em refluxo. As razões da guinada a direita dos generais independentes e da derrota dos niveladores não são difíceis de explicar. Os primeiros, uma vez alcançados seus objetivos políticos imediatos: guerra até a vitória e capitulação completa da monarquia, superaram as divergências que os separavam dos presbiterianos conservadores. Seus interesses sociais coincidiam, já que ambos defendiam os direitos da propriedade e sua livre exploração. Eram, portanto, inimigos da democracia.
Cromwell foi chamado com certa razão o Robespierre e o Napoleão da revolução inglesa. Como o primeiro, conduziu a revolução à vitória e, como o segundo, esmagou a democracia, preservando seu caráter original.
De sua parte os niveladores não tinham força econômica e consistência ideológica suficientes para impor seu programa. Representavam os interesses dos artesãos e jornaleiros urbanos e sua ideologia radical era tipicamente pequeno – burguesa e como tal contraditória. Queriam a democracia, os direitos políticos para todos os homens livres, mas sua concepção de homens livres não era universal. As mulheres, e todos aqueles que não fossem proprietários de seus meios de produção e de seu próprio corpo ficavam de fora de sua democracia. Em 1649, quando o movimento nivelador já estava derrotado, surgiu de seu rescaldo um outro movimento ainda mais utópico e restrito, mas ao mesmo tempo mais radical e democrático, o dos Diggers (cavadores) ou "verdadeiros niveladores", cujo líder, Gerrard Winstanley, chegou à formulação de uma verdadeira sociedade comunista baseada na propriedade comum da terra. Embora derrotados, as idéias dos niveladores e dos cavadores subterraneamente continuaram vivas e seu legado reapareceu tanto na revolução francesa quanto no movimento cartista inglês do século XIX.
A República de Cromwell: 1649 – 1658
O governo ditatorial de Cromwell foi importantíssimo pelas suas realizações internas e externas. No plano interno, foram suprimidas de vez as estruturas feudais ainda vigentes, eliminando-se todos os obstáculos institucionais para o livre desenvolvimento das forças capitalistas. No plano externo, a Inglaterra consolidou sua vocação natural, de potência marítima e imperialista.
A República, não obstante todas as realizações do governo Cromwell, não sobreviveram a morte de seu fundador. Não conseguiu se afirmar porque representava apenas o poder do exército e este, para governar, precisava do apoio do Parlamento, tradicional representante político dos interesses das classes dominantes. Por isso, Cromwell não pôde deixar de recorrer ao Parlamento. Por outro lado, enquanto o exército viveu do capital obtido com o confisco dos bens da Coroa, Igreja e realistas, sua permanência não pesou sobre os contribuintes, isto é, a classe dominante. Mas, depois que o dinheiro acabou, seu custo tornou-se elevado para os proprietários ingleses habituados a não pagarem pesados impostos. Com o exército no poder, tinha não só que pagar agora impostos mais elevados, como também que aceitar uma centralização do poder que tolhia sua tradicional autonomia local.
A Restauração e a Revolução Gloriosa de 1688
Com a Restauração, o conservadorismo social e político, em aumento no país desde os anos 50, chegava ao seu termo lógico. Mas o retorno da monarquia, apesar de todo o conservadorismo que ela representava, não significou a volta ao Antigo Regime. O Absolutismo está definitivamente derrotado na Inglaterra. Com a Restauração o país voltava a situação jurídica existente em 1642, isto é, com o Parlamento como o soberano político da nação. Mas não de todos os ingleses, pois era um Parlamento oligárquico que representava apenas os interesses das classes proprietárias, sobretudo rurais. Carlos II, o novo rei, estava privado de todos os instrumentos do poder absoluto. Embora se autodenominasse rei pela graça de Deus, sabia que era rei pela vontade do Parlamento. Seu filho Jaime II pretendeu desconhecer as limitações de sua posição e bastou isso para que tivesse que viajar em 1688, abandonando o trono.
Os grandes derrotados da Revolução foram o movimento democrático e o movimento puritano. Ambos tinham, durante a Revolução, evoluído e se alimentado juntos. O medo que suscitaram nas classes dominantes explica a Restauração e a volta ao Anglicanismo, a uma Igreja Oficial e aos dízimos. Este ressuscitado Anglicanismo foi privado pelo Parlamento do antigo poder e teve que renunciar à pretensão de ser a única Igreja da Inglaterra. Estado e Igreja, isto é, política e religião foram separador. Contudo, e nisto se manifesta todo o caráter conservador da Restauração, só os membros da Igreja oficial tinham acesso ao poder local e central e às universidades. Os não conformistas, os dissidentes (pessoas que professassem outra religião que não a Anglicana), embora oficialmente reconhecidos e tolerados, tornaram-se uma espécie de "cidadãos passivos", excluídos da vida política. Os dissidentes de convicção religiosa superficial puderam retornar ao seio do Anglicanismo, os demais entregaram suas energias ao mundo dos negócios.
"Jaime II foi afastado pela ‘Gloriosa Revolução’ de 1688, ‘gloriosa’ porque sem derramamento de sangue nem desordens sociais, sem ‘anarquia’, sem possibilidades de revivescências das exigências revolucionárias – democráticas.
Desde então, os historiadores ortodoxos têm feito os possíveis por acentuar a ‘continuidade’ da história inglesa, por minimizar as irrupções revolucionárias, por pretender que o ‘interregno’ (a própria palavra mostra o que eles procuraram fazer) foi um acidente infeliz, que em 1660 voltamos a velha Constituição no seu desenvolvimento normal, que 1688 apenas corrigiu as aberrações de um rei demente. Ao passo que, na realidade, o período entre 1640 e 1660 viu a destruição de um tipo de Estado e a introdução de uma nova estrutura política dentro da qual o capitalismo poderia desenvolver-se livremente. Por razões táticas, a classe dominante simulou, em 1660, que se tratava simplesmente da restauração de velhas formas da Constituição. Porém, com essa restauração pretendiam conferir um caráter sagrado e um traço social a uma nova ordem social. O que era realmente importante era o fato de a ordem social ser nova e não poder ter sido alcançada sem revolução". (Christopher Hill)
Autoria: Márcia Minoro Harada
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