quarta-feira, 18 de julho de 2012

FURACÃO INIKI: HAVAI

A Wikimedia Foundation vai expandir o Projeto Wikipédia na Universidade no segundo semestre de 2012 e gostaria de convidar os wikipedistas a participarem do projeto como Embaixadores da Wikipédia. Leia a página dos embaixadores e veja como participar. Furacão InikiOrigem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Ir para: navegação, pesquisa Furacão Iniki Categoria 4 (EFSS) O furacão Iniki em 11 de Setembro de 1992 Formação: 5 de Setembro de 1992 Dissipação: 13 de Setembro de 1992 Vento mais forte (1 min): 120 nós (222 km/h, 138 mph) Pressão mais baixa: 938 hPa (mbar) ou 704 mmHg Danos: $1,8 bilhões de dólares (valores em 1992) Inflação: $2,6 bilhões de dólares (valores em 2007) Fatalidades: 6 (diretas) Áreas afetadas: Havaí Parte da Temporada de furacões no Pacífico de 1992 O furacão Iniki (Iniki é um nome havaiano para ventos fortes e penetrantes[1]) foi o furacão mais intenso a atingir o estado estadunidense do Havaí em toda a história registrada. Formando-se durante o forte El Niño de 1991-1994, Iniki foi um de onze ciclones tropicais durante a temporada de 1992. O olho de Iniki passou diretamente sobre a Ilha de Kauai em 11 de Setembro como um furacão de categoria 4 na escala de furacões de Saffir-Simpson. Iniki foi o primeiro furacão a atingir diretamente o arquipélago desde o furacão Iwa na temporada de 1982 e o primeiro "furacão maior" desde o furacão Dot, em 1959. Iniki causou cerca de $1,8 bilhões de dólares em prejuízos e seis fatalidades diretas.[2] Naquele momento, Iniki estava entre os furacões estadunidenses que causaram mais prejuízos na história e continua como um dos furacões que causaram mais prejuízos no Pacífico nordeste. A tempestade atingiu apenas algumas semanas depois do furacão Andrew - o furacão que provocou mais prejuízos nos Estados Unidos naquele momento - que atingiu o estado estadunidense da Flórida. Por causa dos avisos bem elaborados, Iniki causou apenas seis mortes. Os danos foram maiores em Kauai, onde o furacão destruiu mais de 1.400 casas e danificou severamente outras 5.000.[3] Embora não estivesse diretamente na trajetória do furacão, a Ilha de Oahu ainda experimentou danos moderados da maré ciclônica do furacão. [editar] Ver também A Wikipédia possui o portal: Portal de meteorologia {{{Portal2}}} {{{Portal3}}} {{{Portal4}}} {{{Portal5}}} Furacão Ioke Kauai Havaí Referências↑ Central Pacific Hurricane Center (1992). The 1992 Central Pacific Tropical Cyclone Season (em inglês). Página visitada em 13-03-2006. ↑ National Hurricane Center (2004). Costliest U.S. Hurricanes 1900–2004 (unadjusted) (em inglês). Página visitada em 18-03-2006. ↑ Al Kamen (1992). Hawaii Hurricane Devastates Kauai (em inglês). Washington Post. Página visitada em 13-03-2006. Este artigo sobre ciclones tropicais é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o. Obtida de "http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Furacão_Iniki&oldid=25904996" Categoria: Ciclones tropicais no Oceano Pacífico nordesteCategorias ocultas: !Esboços sobre ciclones tropicais!Artigos destacados na Wikipédia em inglês Ferramentas pessoaisCriar conta Entrar Espaços nominaisArtigo Discussão VariantesVistasLer Editar Ver histórico AçõesBusca NavegaçãoPágina principal Conteúdo destacado Eventos atuais Esplanada Página aleatória Portais Informar um erro ColaboraçãoBoas-vindas Ajuda Página de testes Portal comunitário Mudanças recentes Estaleiro Criar página Páginas novas Contato Donativos Imprimir/exportarCriar um livroDescarregar como PDFVersão para impressãoFerramentasPáginas afluentes Alterações relacionadas Carregar ficheiro Páginas especiais Ligação permanente Citar esta página Noutras línguasEnglish 日本語 Simple English Esta página foi modificada pela última vez à(s) 21h14min de 2 de julho de 2011. Este texto é disponibilizado nos termos da licença Atribuição-Partilha nos Mesmos Termos 3.0 não Adaptada (CC BY-SA 3.0); pode estar sujeito a condições adicionais. Consulte as condições de uso para mais detalhes. Política de privacidade Sobre a Wikipédia Avisos gerais Versão móvel COPYRIGHT WIKIPÉDIA

FURACÃO DE CUBA:> 1910

Furacão de Cuba de 1910Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Ir para: navegação, pesquisa Furacão de Cuba de 1910 / Ciclone dos Cinco Dias Categoria 4 (EFSS) Mapa de superfície da tempestade em 10 de outubro de 1910 Formação: 9 de outubro de 1910 Dissipação: 23 de outubro de 1910 Vento mais forte (1 min): 150 mph (240 km/h) Pressão mais baixa: 924 hPa (mbar) ou 693 mmHg Danos: US$ 1,25 milhão (em valores de 1910) Fatalidades: ≥ 113 Áreas afetadas: Cuba, Flórida Parte da Temporada de furacões no Atlântico de 1910 O Furacão de Cuba de 1910, popularmente chamado de Ciclone dos Cinco Dias, foi um ciclone tropical altamente destrutivo e de trajetória incomum que atingiu Cuba e a Região Sudeste dos Estados Unidos em outubro daquele ano. A tempestade formou-se no sul do Mar do Caribe, ao norte do Panamá, em 9 de outubro e intensificou-se ao mesmo tempo em que se movia em sentido noroeste, tornando-se um furacão apenas três dias mais tarde. Depois de atravessar o extremo oeste de Cuba pela primeira vez, o sistema meteorológico atingiu seu pico máximo em 16 de outubro, correspondente a um furacão de categoria 4, a segunda mais forte na escala de Saffir-Simpson. Após concluir um giro em sentido anti-horário, ele adentrou novamente em solo cubano, provocando mais destruição. Em seguida, seguiu para a Flórida, aproximando-se do litoral na altura de Cabo Romano. Também passou pela costa sudeste dos Estados Unidos antes de ir para o Oceano Atlântico e finalmente se dissipar. Devido a sua trajetória incomum, alguns relatórios iniciais sugeriram a existência de duas tempestades, ao invés de um só sistema. Na época, essa controvérsia foi objeto de muitos debates entre especialistas, mas posteriormente ficou constatado que se tratou de um único ciclone. A análise desse fenômeno meteorológico proporcionou uma maior compreensão de sistemas tropicais que tomaram caminhos semelhantes. A tempestade é considerada um dos piores desastres naturais da história cubana. Os danos foram enormes e milhares de pessoas ficaram desabrigadas, além de ter provocado prejuízos para a agricultura local, especialmente para as lavouras de tabaco. Ela também teve grande impacto na Flórida, incluindo a destruição de casas e diversos pontos de alagamentos. Embora o dano monetário total causado pelo ciclone seja desconhecido, as estimativas de perdas em Havana, a capital de Cuba, ultrapassam um milhão de dólares e, em Florida Keys, 250 mil. Pelo menos 100 mortes em Cuba foram relacionadas ao furacão. Índice [esconder] 1 História meteorológica 2 Impacto 2.1 Cuba 2.2 Holliswood 2.3 Sul da Flórida 2.4 Nordeste da Flórida e sul dos Estados Unidos 3 Ver também 4 Notas e referências 4.1 Notas 4.2 Referências 4.3 Bibliografia 5 Ligações externas [editar] História meteorológicaA quinta depressão tropical da temporada de furacões no Atlântico de 1910 começou a se formar em 9 de outubro daquele ano, a partir de uma perturbação tropical no extremo sul do Caribe, ao norte do Panamá. O fenômeno foi se intensificando a medida em que seguia uma trajetória em sentido noroeste, atingindo a intensidade de tempestade tropical em 11 de outubro. Continuou a se fortalecer e no dia seguinte alcançou status de furacão.[1] Em 13 de outubro, o sistema foi observado a sudoeste de Cuba,[2] e na manhã do outro dia, por um breve período de tempo, o furacão atingiu uma intensidade correspondente à categoria 3 dentre as cinco possíveis da atual escala de Saffir-Simpson. Em seguida, o ciclone percorreu a extremidade ocidental de Cuba, reduzindo um pouco sua intensidade durante essa travessia por terra. Ao sair da ilha em direção ao Golfo do México, a tempestade diminuiu sua força consideravelmente.[1] Trajetória do furacão. O fenômeno surgiu no norte do Panamá, seguiu em sentido noroeste até Cuba, onde fez um giro, e depois tomou rumo nordeste, atravessando a Flórida.Guiado por correntes de uma área de alta pressão ao norte, o furacão começou a se movimentar para noroeste e rapidamente se intensificou sobre as águas quentes do Golfo. Ele fez um giro no sentido anti-horário e continuou a amadurecer;[3] em 16 de outubro atingiu seu pico com ventos de 240 km/h e pressão barométrica mínima de 924 hPa (mbar) ou 27,29 inHg, enquadrando-se assim na categoria 4 da escala de Saffir-Simpson.[1] A partir daí, o sistema começou a mover-se para nordeste, aproximando-se mais uma vez do oeste de Cuba, e acelerou em direção ao Panhandle da Flórida em 17 de outubro.[1] O centro do fenômeno passou a oeste da ilha de Key West e chegou em terra firme próximo a Cabo Romano, quando mudou-se para o norte.[3] Em seguida, o furacão moveu-se para o interior do continente, deteriorando-se numa tempestade tropical. Do nordeste da Flórida, o ciclone fez uma curva para o leste e deixou a costa do Sudeste dos Estados Unidos antes de sair para o Oceano Atlântico. Acredita-se que a tempestade tenha se dissipado no dia 23 de outubro.[1] O furacão é considerado incomum em função do seu giro próximo a Cuba, tendo alguns relatórios iniciais sugerido a existência de duas tempestades distintas.[3] A Monthly Weather Review, uma publicação da Sociedade Americana de Meteorologia, descreveu o evento como distúrbios múltiplos, sendo que o primeiro furacão dissipou-se no centro do Golfo do México depois de atravessar Cuba, enquanto que o segundo formou-se posteriormente e atingiu a Flórida.[2] Na época, a trajetória atípica da tempestade foi objeto de vários debates entre especialistas. O furacão foi identificado mais tarde como sendo um único fenômeno, e sua análise proporcionou uma maior compreensão de sistemas meteorológicos que tomaram caminhos semelhantes.[3] Na edição do dia 19 de outubro de 1910, o jornal The Washington Post trouxe em suas páginas: " Se duas tempestades derramaram fúria em águas cubanas na semana passada, ou se a mesma tempestade revisitou Cuba, atravessando o sul da Flórida em seu trajeto de retorno, é algo que ainda precisa ser determinado. Se a [última] suposição for confirmada mais tarde, o giro da tempestade, após a sua entrada no Golfo do México, deve ter sido extraordinariamente súbito e acentuado."[4][nota 1] [editar] ImpactoEm 15 de outubro, todas as embarcações dentro de um raio de 500 milhas (800 km) de Key West foram informadas da aproximação de uma tempestade, e muitos navios permaneceram ancorados nos portos.[5] Em toda a região, avisos e alertas de tempestade foram emitidos.[1] O fenômeno também ficou conhecido com o nome de "Ciclone dos Cinco Dias" devido a sua passagem por Cuba entre 13 e 17 de outubro.[6] [editar] CubaA tempestade provocou grande destruição em Cuba, sendo considerada um dos piores ciclones tropicais já registrado na ilha em todos os tempos. Ventos fortes e chuvas torrenciais inundaram ruas, destruíram celeiros,[2] e danificaram lavouras. Em particular, a tempestade causou prejuízos substanciais às plantações de tabaco na região do distrito de Vuelta Abajo, na província de Pinar del Río.[7] O mau tempo provocou destruição em muitos vilarejos cubanos.[8] O vilarejo de Casilda foi devastado,[9] enquanto que a localidade de Batabanó foi inundada devidos às enchentes. O furacão cortou as comunicações em várias regiões do interior da ilha.[10] A maioria das fatalidades e danos materiais foram registrados na província de Pinar del Río, no extremo oeste da principal ilha cubana.[11] O jornal norte-americano The New York Times escreveu à época que Cuba "provavelmente sofreu o maior desastre material de toda a sua história".[12][nota 2] Milhares de camponeses ficaram desabrigados devido ao ciclone. As perdas em Havana também foram importantes, e ao longo da costa dezenas de navios que transportavam cargas valiosas naufragaram. A tempestade ainda danificou seriamente produtos armazenados no cais local e em barcaças.[13] Enormes ondas atingiram a terra firme e causaram inundações.[11] Diversos navios e pequenas embarcações foram destruídas pelo ciclone.[14][15] As ondas inundaram cerca de 2,6 km2 de terra costeira de Havana.[12] Estima-se que pelo menos 100 pessoas perderam a vida, principalmente devido a deslizamentos de terras, incluindo cinco pessoas em Havana.[16][17] No entanto, alguns relatos afirmam que o número de mortos chegou a 700.[6] As estimativas iniciais dos prejuízos financeiros causados ​​pela tempestade chegaram a casa dos milhões de dólares, incluindo as perdas de US$ 1 milhão em Havana, em grande parte devido a destruição da alfândega, onde se encontravam muitos produtos de valor.[12] Alguns destes edifícios foram varridos para 800 metros de distância, e os ventos arrancaram o telhado do armazém principal.[11] [editar] HolliswoodA escuna de quatro velas Holliswood ficou presa na tempestade enquanto navegava no Golfo do México. A embarcação partiu de Nova Orleães em 1º de outubro e transportava madeira de cipreste. A tripulação lutou contra o mau tempo provocado pela tempestade durantes vários dias, e a equipe precisou cortar os mastros para evitar o naufrágio.[18] Alagada, a escuna foi desviada vários quilômetos da sua rota original.[19] O proprietário do Holliswood, Paul Mangold, deu o seguinte depoimento para o The New York Times: " Na quarta-feira, dia 12, fomos atingidos pela primeira vez pelo furacão. Navegávamos com apenas uma pequena vela. Na manhã de sábado sentimos toda a força da tempestade. O vento soprava em nossa direção, por vezes a uma velocidade de cem milhas. A água do mar vinha contra nós de todos os lados, embora fosse à estibordo [lado direito] que o verdadeiro problema parecia vir"[18][nota 3] Um barco a vapor chamado Harold avistou a escuna e resgatou toda a tripulação, a exceção do capitão E. E. Walls, que optou por ficar para trás.[18] Naquele momento, o Holliswood estava bastante danificado: sua cabine havia sido destruída e seu leme arrancado. A tripulação, aparentemente, avisou ao capitão que a embarcação não poderia permanecer à tona por mais de cinco horas, mas ele descartou esta possibilidade. Depois que a tripulação foi resgatada, o capitão Walls lutou durante dias contra a tempestade, sem comida ou água doce. Em 20 de outubro, o Parkwood resgatou Walls inconsciente, embora o temor inicial era de que ele já estivesse morto. Uma vez a bordo, ele recuperou a consciência e, aparentemente em meio a um episódio de delírio, pediu para ser devolvido ao Holliswood. Por fim, o capitão do Parkwood concordou em rebocar o navio danificado até a costa.[19] [editar] Sul da FlóridaEm Key West, a pressão atmosférica começou a baixar à meia-noite de 12 de outubro, enquanto a tempestade se aproximava de sudeste. Na noite seguinte, o ciclone provocou fortes chuvas, e os ventos aumentaram gradativamente, chegando a 80 km/h em 14 de outubro.[2][17] As rajadas atingiram 180 km/h e a maré de tempestade chegou a 4,6 metros; alcançando níveis "anormalmente elevados" para aquela região. Muitas docas foram destruídas, e em 17 de outubro, o porão do escritório do Weather Bureau ficou completamente submerso pelas águas da enchente.[20] Antes do pluviômetro ser levado pelo mar, ele registrava 99 mm de precipitação. Os danos ao longo das ilhas do arquipélago de Florida Keys foram moderados, atingindo quase que somente construções ao longo da costa. O prejuízo foi estimado em cerca de 250 mil dólares (em valores de 1910).[2] A medida que a tempestade avançava para o oeste, a cidade de Tampa e adjacências começaram a sofrer com o mau tempo. Os fortes ventos do nordeste sopravam a água da baía de Tampa para o menor nível já registrado. A pressão caiu para 961 mbar (hPa; 28.40 inHg), e ondas altíssimas atingiram a costa do Flamingo até Cabo Romano. A água do mar adentrou a terra firme, forçando os sobreviventes a subir em árvores para se protegerem.[20] Ao norte de Tampa, os efeitos do furacão foram moderados ou leves, enquanto que na parte sudoeste do estado os danos foram consideravelmente maiores. Boa parte da cultura de frutas cítricas local foi destruída.[2] Várias construções foram afetadas na faixa que vai de Tampa até Jacksonville, além de outros pontos mais ao sul. Os ventos fortes arrancaram telhados de diversas casas.[21] Mapa meteorológico da tempestade em 20 de outubro.Sete homens perderam suas vidas em meio aos destroços de várias escunas cubanas em Punta Gorda. Perto dali, um homem e um bebê se afogaram em consequência da tempestade, e outro morreu quando tentava atravessar um rio que havia transbordado.[2] Um navio a vapor francês, o Louisiane, desembarcou com 600 passageiros; todas as pessoas a bordo foram resgatadas pelo Foreward, um cúter da marinha americana.[20] [editar] Nordeste da Flórida e sul dos Estados UnidosOs danos na costa atlântica dos Estados Unidos foram menos graves. Ainda assim, o escritório do Weather Bureau (antigo nome Serviço Nacional de Meteorologia do país) emitiu um relatório sobre a situação na cidade de Jupiter, no qual registra que o nível da água dos rios subiu 2,4 metros acima do normal, graças às fortes chuvas na região.[20] Um grande número de pinheiros foi derrubado nos arredores de Jupiter e um homem morreu ao ser atingindo por um tronco nas proximidades de Little Haiti. Pequenas embarcações, docas e abrigos para botes também sofreram danos; embora os efeitos da tempestade na Costa Leste foram bem menores em comparação com outras áreas. Trechos da Florida East Coast Railway[nota 4] ficaram alagados, e os reparos foram antecipados por serem dispendiosos. Os ventos atingiram uma escuna encalhada em Boca Raton matando três pessoas e deixando o resto da tripulação presa por 12 horas até a chegada do resgate. Estima-se que o impacto do ciclone nas culturas de citrinos na região variou consideravelmente.[2] Em seu caminho para o mar, o furacão passou a oeste de Jacksonville. Embora tenha havido muito pouco dano nos arredores da cidade, ventos persistentes vindos do nordeste causaram inundações em áreas costeiras baixas. Enchentes menores se estenderam para a Geórgia e a Carolina do Sul; inicialmente, as interrupções de comunicação entre as cidades levaram a relatos exagerados sobre danos nesses estados. Iniciada em 18 de outubro, uma precipitação leve começou a cair em Savannah. No dia 19, os ventos atingiram 110 km/h. No entanto, os piores prejuízos à cidade se deram em consequência das marés altas, e não dos fortes ventos. Alguns rios transbordaram, inundando suas margens. Danos menores também ocorreram em Charleston, na Carolina do Sul.[2] [editar] Ver tambémTemporada de furacões no Atlântico de 1910 Notas e referênciasNotas↑ Livre tradução para: "Whether two storms have been raging in Cuban waters within the past week, or whether the same storm has revisited Cuba, traversing southern Florida in its backwards course, remains to be determined. If the later supposition be correct, the recurve of the storm, after its entrance into the Gulf of Mexico, must have been unusually sudden and sharp." ↑ Livre tradução para: "probably suffered the greatest material disaster in all its history" ↑ Livre tradução para: "On Wednesday, the 12th, we began to get the first of the hurricane. We were running under very little canvas. Early Saturday morning we got the full force of the storm. We managed to get the sails fast and ran with the hurricane under bare poles. The wind circled about us sometimes at a hundred-mile rate. The seas came from all directions, though it was from the starboard that the real trouble seemed to come." ↑ A Florida East Coast Railway é um sistema ferroviário para movimentação de cargas com 351 milhas de extensão, localizado ao longo da costa leste da Flórida. É o provedor ferroviário exclusivo aos portos do sul da Flórida e conecta-se com outros sistemas de transporte ferroviário de mesma natureza em todo o país. Tem sede na cidade de Jacksonville.[22] Referências↑ a b c d e f Hurricane Specialists Unit. Easy to Read HURDAT 1851–2009 (em inglês). National Hurricane Center. Arquivado do original em 13 de abril de 2010. Página visitada em 7 de janeiro de 2012. ↑ a b c d e f g h i Charles F. von Herrmann. (Outubro de 1910). "District No. 2, South Atlantic and East Gulf States" (PDF) (em inglês) 38 (10): 1488–1491. American Meteorological Society. Página visitada em 29 de abril de 2010. ↑ a b c d Barnes, p. 93 ↑ (19 de outubro de 1910) "The West Indian Hurricane" (em inglês). The Washington Post. ↑ Hurricane Nears the Florida Coast (em inglês). The New York Times (15 de outubro de 1910). Página visitada em 24/12/2009. ↑ a b Cuba Hurricanes Historic Threats: Chronicle of hurricanes in Cuba (em inglês). Cuba Hurricanes. Página visitada em 17/04/2012. ↑ (16 de outubro de 1910) "Great Storm in Cuba: Severe Damage Done to the Tobacco Crop" (em inglês). The Observer pp. 9. ↑ (18 de outubro de 1910) "West Indian Hurricane" (em inglês). The Scotsman. ↑ Terrific Hurricane (em inglês). The Evening Post (15 de outubro de 1910). Página visitada em 24/12/2009. ↑ Hurricane in Cuba Costs Many Lives. The Spokane Daily Chronicle (17 de outubro de 1910). Página visitada em 24/12/2009. ↑ a b c (18 de outubro de 1910) "Cyclone in Cuba" (em inglês). The Scotsman. ↑ a b c (18 de outubro de 1910) "Cyclone Works Havoc in Cuba" (PDF) (em inglês). The New York Times: 1. ↑ (17 de outubro de 1910) "The Hurricane in Cuba" (em inglês). The Manchester Guardian: 7. ↑ (19 de outubro de 1910) "West Indian Hurricane" (em inglês). The Scotsman. ↑ (20 de outubro de 1910) "The Hurricane Moving North" (em inglês). The Manchester Guardian. ↑ Longshore, p. 109 ↑ a b (15 de outubro de 1910) "Liners Defy Cyclone" (em inglês). The Washington Post: 1. ↑ a b c Sticks to His Ship, a Derelict at Sea (PDF) (em inglês). The New York Times (25 de outubro de 1910). Página visitada em 12/02/2010. ↑ a b Skipper, Who Stood by Ship, Picked Up (em inglês). The New York Times (27 de outubro de 1910). Página visitada em 02/02/2010. ↑ a b c d Barnes, p. 94 ↑ (9 de outubro de 1910) "West Indian Storm and Cold Wave May Meet" (em inglês). The Galveston Daily News. ↑ About - Florida East Coast Railway (em inglês). FEC Railway. Página visitada em 25/03/2012. [editar] BibliografiaEste artigo foi inicialmente traduzido do artigo da Wikipédia em inglês, cujo título é «1910 Cuba hurricane», especificamente desta versão. Barnes, Jay. Florida's Hurricane History. [S.l.]: Chapel Hill Press, 2007. ISBN 0807830682 Longshore, David. Encyclopedia of Hurricanes, Typhoons, and Cyclones. [S.l.]: Checkmark Books, 2008. ISBN 0816074097 [editar] Ligações externasAtlantic Hurricane Database (em inglês) Monthly Weather Review (em inglês) Portal da meteorologia Portal da Flórida Portal de Cuba Obtida de "http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Furacão_de_Cuba_de_1910&oldid=30722006" Categorias: 1910 em CubaHistória da FlóridaHavanaCiclones tropicais no Oceano AtlânticoCategorias ocultas: !Artigos destacados na Wikipédia em inglês!Artigos destacados na Wikipédia em inglês básico!Artigos destacados Ferramentas pessoaisCriar conta Entrar Espaços nominaisArtigo Discussão VariantesVistasLer Editar Ver histórico AçõesBusca NavegaçãoPágina principal Conteúdo destacado Eventos atuais Esplanada Página aleatória Portais Informar um erro ColaboraçãoBoas-vindas Ajuda Página de testes Portal comunitário Mudanças recentes Estaleiro Criar página Páginas novas Contato Donativos Imprimir/exportarCriar um livroDescarregar como PDFVersão para impressãoFerramentasPáginas afluentes Alterações relacionadas Carregar ficheiro Páginas especiais Ligação permanente Citar esta página Noutras línguasEnglish Français Italiano Bahasa Melayu Simple English Esta página foi modificada pela última vez à(s) 23h17min de 17 de junho de 2012. Este texto é disponibilizado nos termos da licença Atribuição-Partilha nos Mesmos Termos 3.0 não Adaptada (CC BY-SA 3.0); pode estar sujeito a condições adicionais. Consulte as condições de uso para mais detalhes. Política de privacidade Sobre a Wikipédia Avisos gerais Versão móvel COPYRIGHT WIKIPÉDIA

CHOQUES CLIMÁTICOS

2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual “Os países mais vulneráveis são menos capazes de se protegerem. Também contribuem menos para as emissões globais de gases com efeito de estufa. Sem qualquer acção, irão pagar um preço elevado pelas acções dos outros.” Kofi Annan “Tal como a escravatura e o apartheid, a pobreza não é natural. É fruto da acção do homem e pode ser superada e eliminada através das acções dos seres humanos.” Nelson Mandela RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 73 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual “O furacão Jeanne levou-me tudo o que tinha… quei sem emprego e sem casa. Costumava ter comida. Agora ando a pedir no mercado.” Rosy-Claire Zepherin, Gonaives, Haiti, 20051 “Comemos apenas uma vez por dia para que o milho dure mais tempo, ainda assim, irá durar pouco. Nessa altura, iremos passar di culdades.” Margaret Mpondi, Mphako, Malaui, 20022 “Se as chuvas não vierem, como no ano anterior, iremos passar fome. Os ricos têm economias. Têm reservas de comida. Podem trocar bois por dinheiro. Mas o que temos nós? Se vender o meu boi, como plantarei no próximo ano? Se não tivermos colheita, não restará mais nada. É sempre assim. Tudo depende da chuva.” Kaseyitu Agumas, Lat Gayin, sul do Gonda, Etiópia, 20073 “Nunca tínhamos assistido a tais inundações. Muitas casas caram destruídas, muitas pessoas morreram, os nossos terrenos agrícolas caram submersos, perderam-se as colheitas armazenadas. Perdeu-se, igualmente, muito gado. Não estávamos simplesmente preparados para en1 entar tamanhas inundações. Como tal, não tínhamos dinheiro ou comida de reserva.” Pulnima Ghosh Mahishura Panchayat, Distrito de Nadia, Oeste de Bengala, Índia, 20074 “Existem mais inundações agora e as margens dos rios estão a ser rapidamente arrastadas. Não temos para onde ir. O meu terreno está no rio, agora não tenho nada”. Intsar Husain, Antar Para, Noroeste de Bangladesh, 2007.5 CAPÍTULO2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual A ciência climática funciona no âmbito da medição. As emissões de dióxido de carbono (CO2) são equacionadas em toneladas e gigatoneladas. As concentrações de gases com efeitos de estufa na atmosfera terrestre são dimensionadas em partes por milhão (ppm). Em conformidade com os dados, é fácil esquecermo- nos do rosto das pessoas que estão mais vulneráveis às alterações climáticas – pessoas como as que foram acima citadas. O rosto humano das alterações climáticas não pode ser captado e incluído em estatísticas. É impossível separar muitos dos actuais impactos de pressões mais vastas. Outros irão ocorrer no futuro. Não existem certezas quanto ao local, tempo e magnitude É fácil esquecermo-nos do rosto das pessoas que estão mais vulneráveis às alterações climáticas 74 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual de tais impactos. No entanto, a incerteza não é uma causa para a complacência. Estamos conscientes de que os riscos climáticos constituem uma poderosa causa do sofrimento humano, da pobreza e da escassez de oportunidades. Sabemos que as alterações climáticas estão implicadas. E também sabemos que esta ameaça se irá intensi car ao longo do tempo. No capítulo 1 apontamos os futuros riscos devastadores para toda a humanidade como um dos mais fortes fundamentos para a urgente acção no campo das alterações climáticas. Neste capítulo focamos uma potencial catástrofe mais imediata: a prospecção de uma recessão do desenvolvimento humano, em larga escala, nos países mais pobres do mundo. Essa catástrofe não se anunciará como um evento apocalíptico do género “big bang”. O que os pobres do mundo enfrentam é um inexorável aumento dos riscos e vulnerabilidades associados ao clima. A fonte destes crescentes riscos poderá ser detectada desde as alterações climáticas aos padrões de consumo e escolhas políticas nos países ricos. O clima surge, já, como uma poderosa força que in uencia as oportunidades de vida dos mais pobres. Em muitos países, a pobreza está intimamente ligada à contínua exposição aos riscos climáticos. Para as pessoas que dedicam as suas vidas à agricultura, a precipitação variável e incerta constitui uma poderosa fonte de vulnerabilidade. Para os habitantes das áreas urbanas mais pobres, as inundações constituem uma ameaça constante. Por todo o mundo, as vidas dos pobres são marcadas pelos riscos e vulnerabilidades provocados por um clima incerto. As alterações climáticas irão, gradualmente, aumentar estes riscos e vulnerabilidades, pressionando estratégias de intervenção já largamente utilizadas e aumentando as disparidades baseadas no género e em outros indicadores de desvantagem. A escala dos potenciais retrocessos do desenvolvimento humano que as alterações climáticas irão provocar tem vindo a ser amplamente subestimada. Fenómenos climáticos extremos como secas, inundações e ciclones são, efectivamente, acontecimentos terríveis. Proporcionam sofrimento, a ição e miséria às vidas de todos os que são afectados, submetem comunidades inteiras a forças que estão para além do seu controlo e contribuem para uma constante consciencialização da fragilidade humana. Quando os choques climáticos se manifestam, as pessoas devem, primeiramente, enfrentar as consequências imediatas: riscos de saúde e nutrição, perda de bens e poupanças, danos de propriedades ou destruição de colheitas. Os custos a curto prazo poderão ter elevadas e manifestas consequências para o desenvolvimento humano. Os impactos a longo prazo são menos visíveis, porém, não menos devastadores. Para os 2.6 mil milhões de pessoas que vivem com menos de US$2 por dia, os impactos climáticos poderão desencadear poderosas quebras no desenvolvimento humano. Enquanto que os ricos podem enfrentar tais impactos através de seguros privados, venda de bens ou do recurso às suas poupanças, os pobres enfrentam um conjunto de opções diferente. Poderão não ter outra alternativa senão reduzir o consumo, diminuir a nutrição, retirar as crianças da escola ou vender os bens de produção, dos quais depende a sua reabilitação. Estas opções limitam as capacidades humanas e constituem um reforço das desigualdades. Tal como Amartya Sen escreveu: “ A melhoria das capacidades humanas está, também, relacionada com a expansão da produtividade e com a aquisição de poder.”6 A erosão das capacidades humanas produz o efeito contrário. Os retrocessos na nutrição, saúde e educação são intrinsecamente negativos, uma vez que reduzem as prospecções para o progresso da economia e do emprego. Quando as crianças são retiradas das escolas para ajudar os pais, têm falhas no seu rendimento ou sofrem mal nutrições devido à escassa disponibilidade de alimentos, as consequências podem permanecer para o resto das suas vidas. Quando os pobres perdem os bens que foram adquirindo ao longo da vida, há um agravamento do seu estado de pobreza e um abrandamento dos esforços para reduzir vulnerabilidades e privações extremas a médio e longo prazo. Os impactos climáticos isolados podem, por conseguinte, criar ciclos cumulativos de desvantagem, que são transmitidos geração após geração. As alterações climáticas são importantes porque podem aumentar a intensidade e a frequência dos impactos climáticos. A médio e longo prazo, as consequências serão in uenciadas pelo esforço de mitigação internacional. Os profundos e atempados cortes nas emissões de carbono diminuirão os progressivos riscos associados às alterações climáticas, a partir de 2030. Até lá, o mundo, em geral, e os pobres, em particular, terão de viver com as consequências das emissões do passado. É por esta razão que, tal como é referido no capítulo 4, as estratégias de adaptação são cruciais para as prospecções do desenvolvimento humano. O que os pobres do mundo enfrentam é um inexorável aumento dos riscos e vulnerabilidades associados ao clima RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 75 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual Neste capítulo observamos os impactos dos choques climáticos no desenvolvimento humano, de forma a lançar uma luz sobre as futuras ameaças. Traçamos uma distinção fundamental entre risco e vulnerabilidade. O risco climático constitui um facto da vida externo para o mundo inteiro. A vulnerabilidade é algo bastante diferente. Descreve uma incapacidade em lidar com os riscos, sem que haja uma obrigação de tomar decisões que comprometam o bem-estar humano ao longo do tempo. As alterações climáticas irão fortalecer os mecanismos de transmissão que convertem os riscos em vulnerabilidades, agindo contra os esforços dos pobres em fazer progredir o desenvolvimento humano. A primeira secção deste capítulo coloca em evidência um conjunto de impactos climáticos. Há uma análise da distribuição da exposição a desastres climáticos e das consequências a longo prazo destes atentados contra o desenvolvimento humano. Na segunda secção, utilizamos cenários climáticos desenvolvidos pelo PIAC, bem como outros, para avaliar os mecanismos através dos quais os progressivos riscos gerados pelas alterações climáticas poderão causar impactos sobre o desenvolvimento humano, ao longo do século XXI. Os desastres climáticos têm sido um tema recorrente ao longo da história da Humanidade. O mito da Atlântida, de Platão, capta o poder destrutivo das inundações. O desaparecimento da civilização Maia foi desencadeado por uma sucessão de secas. O século XXI possui, já, poderosos marcadores da fragilidade humana face a fenómenos climáticos extremos. Os desastres climáticos estão a aumentar na sua frequência e a in uenciar a vida de mais pessoas. As consequências imediatas são terríveis. Porém, os choques climáticos estão, também, a promover riscos e vulnerabilidades mais vastos, gerando retrocessos de longo prazo para o desenvolvimento humano. Desastres climáticos – uma tendência crescente Os fenómenos climáticos extremos são uma fonte de preocupação progressiva por todo o mundo. Em décadas recentes, o número de pessoas afectadas por desastres climáticos como secas, inundações e tempestades, tem vindo a aumentar. Seguem-se, a quase todos os desastres, especulações sobre as possíveis ligações às alterações climáticas. À medida que a ciência climática se desenvolve, fornecerá perspectivas mais claras sobre a relação entre o aquecimento global e os efeitos do sistema climático. No entanto, as actuais evidências apontam, claramente, para uma direcção: as alterações climáticas irão, designadamente, aumentar o risco de exposição aos desastres climáticos. Os registos dos desastres climáticos estão tendencialmente a crescer. Entre 2000 e 2004 foi registada uma média de 326 desastres climáticos por ano. No mesmo período, cerca de 262 milhões de pessoas foram, anualmente, afectadas, mais do dobro do que foi registado na primeira metade da década de 80 ( - gura 2.1). 7 Os desastres climáticos afectam mais pessoas Figura 2.1 Fonte: Cálculos do GRDH, com base no OFDA e no CRED 2007. 0 Pessoas afectadas por desastre hidrometeorológico (milhões por ano) 50 100 150 200 250 1975–79 1980–84 1985–89 1990–94 1995–99 2000–04 Países em vias de desenvolvimento Países de altos rendimentos da OCDE, a Europa Central e de Leste e a CEI O risco climático constitui um facto da vida externo para o mundo inteiro. A vulnerabilidade é algo bastante diferente 2.1 Os choques climáticos e as armadilhas de baixo desenvolvimento humano 76 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual Os países desenvolvidos têm registado um crescente rol de desastres climáticos. Em 2003, a Europa defrontou a mais intensa onda de calor em mais de 50 anos – um fenómeno que causou milhares de mortes de idosos e de outras pessoas mais vulneráveis. Um ano depois, o Japão debateu-se com mais ciclones tropicais do que em qualquer ano do século anterior.8 Em 2005, o Furacão Katrina, um fenómeno que ocorreu na pior época de furacões do Atlântico de que existe registo, forneceu a aterradora consciência de que mesmo as nações mais ricas do mundo não estão imunes aos desastres climáticos.9 A intensa cobertura da imprensa que acompanha estes desastres nos países ricos garante a propagação de uma consciencialização pública dos impactos. Cria, igualmente, uma perspectiva destorcida. Enquanto que os desastres climáticos afectam um número crescente de pessoas por todo o mundo, a esmagadora maioria vive nos países em vias de desenvolvimento ( gura 2.2). No período 2000-2004, numa base média anual, um em cada 19 habitantes do mundo em vias de desenvolvimento foi afectado por um desastre climático. O cenário de comparação para os países da OCDE foi de um em 1.500 – um risco diferencial de 79.10 As inundações afectaram a vida de cerca de 68 milhões de pessoas no leste da Ásia e 40 milhões no sul. Na África Subsariana, 10 milhões foram afectados pelas secas e 2 milhões pelas inundações, em muitos casos, quase em episódios simultâneos. Eis alguns exemplos de fenómenos que sustentam os números apresentados: 11 • A época de monção de 2007, no leste asiático, obrigou à deslocação de 3 milhões de habitantes da China, em que as vastas áreas do país atingiam os maiores níveis de precipitação de que há registo. Segundo a Associação Meteorológica da China, as inundações e os tufões do ano anterior causou a segunda taxa mais mortífera registada, em termos de vidas perdidas. • As inundações e tempestades na Ásia do Sul, durante a época de 2007, deslocaram mais de 14 milhões de pessoas na Índia e 7 milhões no Bangladesh. Mais de 1000 de pessoas perderam a vida no Bangladesh, Índia, sul do Nepal e Paquistão. • A época de ciclones de 2006-2007, no leste da Ásia, assistiu à inundação de vastas áreas de Jacarta, levando à deslocação de 430000 pessoas. O Furacão Durian causou deslizamentos de lama e extensas perdas de vida nas Filipinas, seguidos de um rastro de destruição de tempestade no Vietname. • Em termos de actividade geral, a época de furacões atlânticos de 2005 foi a mais activa de que há registo. O Furacão Katrina constou na maioria dos cabeçalhos, tendo provocado uma vasta destruição em Nova Orleães. No entanto, as 27 tempestades identi cadas, dessa época, – incluindo Stan, Wilma e Beta – afectaram comunidades por toda a América Central e Caraíbas. O Furacão Stan provocou a morte de mais de 1600 pessoas, na sua maioria, Maias residentes nas Terras Altas da Guatemala Central – um número mais elevado do que o do Furacão Katrina.12 • Secas no Corno de África e no sul de África, em 2005, ameaçaram as vidas de mais de 14 milhões de pessoas, ao longo de vários países: desde a Etiópia e Quénia a Malaui e Zimbabué. No ano seguinte, a seca deu lugar a extensas inundações, que se propagaram pelos países mencionados.13 Os dados registados, referentes aos números afectados pelos desastres, proporcionam perspectivas importantes. No entanto, os dados apenas revelam a ponta do iceberg. Muitos desastres climáticos locais são pouco conhecidos ou não se conhe- Os riscos de desastres pendem para os países em desenvolvimento Figura 2.2 Fonte: Cálculos do GRDH, com base no OFDA e no CRED 2007. Risco de ser afectado por um desastre climático (por 100.000 de pessoas) 1980–84 2000–04 Países em vias de desenvolvimento Países de altos rendimentos da OCDE 50 pessoas por 100.000 No período 2000-2004, numa base média anual, um em cada 19 habitantes do mundo em vias de desenvolvimento foi afectado por um desastre climático RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 77 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual Os números associados aos desastres climáticos são fundamentados a partir da EM-DAT – Base de Dados Global sobre Emergências, controlada pelo Centro de Investigação de Desastres Epidémicos (CRED). Esta base de dados tem desempenhado um papel crucial na melhoria do fl uxo de informação sobre desastres ao longo do tempo. No entanto, encerra algumas limitações. As fontes para a EM-DAT vão desde agências governamentais, sistema das NU, às ONG, companhias de seguros e agências de imprensa. Alguns fenómenos são mais notifi cados do que outros: aparatosas catástrofes como o Furacão Katrina atraem uma maior atenção por parte da imprensa do que secas locais. De igual modo, alguns grupos têm, quase de certeza, pouca visibilidade: habitantes de bairros degradados e pessoas de zonas rurais remotas ou marginais constituem alguns exemplos. Os critérios para que um fenómeno seja classifi cado como desastre são limitados. Os requisitos de elegibilidade incluem o número de mortes ou de pessoas afectadas (pelo menos 10 e 100, respectivamente), a declaração de um estado de emergência nacional, ou um pedido de assistência internacional. Alguns desastres climáticos não cumprem estes critérios. Por exemplo, ao longo de 2007, mais de 1 milhão de pessoas na Etiópia recebeu assistência nos efeitos da seca, ao abrigo de programas de ajuda internacional, registados na base de dados dos desastres climáticos. O mesmo número, multiplicado por sete, recebeu apoio de um programa nacional de protecção dos níveis de nutrição, em zonas propensas à seca. Tal programa não constou da base de dados porque não foi contabilizado como ajuda humanitária. Existem fontes mais vastas de subnotifi cação. Em 2006 a crise causada por chuvas tardias na Tanzânia não constaram na base de dados do CRED. No entanto, uma avaliação nacional da vulnerabilidade da segurança alimentar concluiu que o fenómeno e o aumento dos preços dos alimentos deixaram 3,7 milhões de pessoas em risco de fome e 600 000 indigentes. As estatísticas relativas aos desastres também falharam na exposição dos riscos eminentes, enfrentados pelos mais pobres. No Burkina Faso, por exemplo, uma boa colheita em 2007 signifi cava que o país não recorrera a um pedido de ajuda de emergência alimentar. Ainda assim, a avaliação da segurança alimentar reali zada pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) alertou que, em caso de ocorrência de alguma anomalia associada à precipitação, mais de 2 milhões de pessoas correriam riscos de segurança alimentar. Por último, a base de dados referente aos desastres fornece uma lista dos números afectados imediatamente após o fenómeno, mas não subsequentemente. Quando o Furacão Stan atingiu a Guatemala, em Outubro de 2005, afectou meio milhão de pessoas, a maioria residente em habitações pobres e indigentes nas Terras Altas Ocidentais. Constaram na base de dados desse ano. Em 2006, as avaliações de segurança alimentar demonstraram que muitos dos afectados não conseguiam restabelecer os seus bens e que os agricultores de produção de subsistência não tinham recuperado. Entretanto, os preços dos alimentos aumentaram signifi cativamente. O resultado foi um acréscimo da subnutrição crónica nas áreas afectadas pelo Furacão Stan. Este facto representou um desastre local, que não fi cou registado na base de dados. Caixa 2.1 Subnotifi cação dos desastres climáticos Fonte: Hoyois et al. 2007; Maskrey et al. 2007; USAID NET 2006. cem – e muitos outros nem sequer cam registados, uma vez que não correspondem aos critérios de um desastre humanitário (caixa 2.1). A propensão associada ao género, no impacto de desastres é, também, pouco conhecida. Quando os desastres ocorrem, prejudicam comunidades inteiras – mas as mulheres sofrem, frequentemente, as consequências. As inundações provocam, em grande parte, um maior número de vítimas do sexo feminino devido à sua limitada mobilidade e porque não foram ensinadas a nadar. Quando o Bangladesh se defrontou com um ciclone, acompanhado de inundações, em 1991, a taxa de mortalidade foi, estatisticamente, cinco vezes mais elevada entre as mulheres. Posteriormente ao desastre, as restrições relativas a títulos e direitos legais das mulheres a terras e propriedades podem limitar o acesso ao crédito, necessário à recuperação. 14 As perdas económicas registadas também conferem um quadro distorcido. Embora mais de 98% das pessoas afectadas pelos desastres climáticos residam nos países em vias de desenvolvimento, os impactos económicos pendem para os países desenvolvidos. A razão é de que os custos são equacionados com base nos valores de propriedade e em perdas seguradas, que, por sua vez, têm vindo a aumentar signi cativamente ( gura 2.3). Os oito desastres climáticos que provocaram mais de US$10 mil milhões de prejuízo, desde 2000, ocorreram em países ricos, seis dos quais nos Estados Unidos. Os mercados de seguros subnoti cam as perdas nos países desenvolvidos, especialmente as suportadas pelos pobres. Isto porque as indemnizações de perdas re ectem o valor dos bens e o bem-estar dos que foram afectados. Quando os ciclones tropicais varrem a Flórida, atingem um dos espaços físicos de luxo do mundo, com propriedades protegidas por seguros com elevados níveis de cobertura. Quando os mesmos ciclones atingem zonas degradadas no Haiti ou na Guatemala, o valor de mercado é mais baixo e o espaço físico dos pobres é pouco segurado. Estarão as alterações climáticas envolvidas no aumento dos desastres climáticos? É impossível haver uma implicação directa. Cada fenómeno climático é fruto de forças aleatórias e de factores sistémicos. Se o Furacão Katrina tivesse permanecido na zona do 78 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual mar, teria apenas constituído mais um terrível ciclone tropical. No entanto, as alterações climáticas estão a criar condições sistémicas para fenómenos climáticos mais extremos. Todos os furacões concentram a sua força a partir do calor dos oceanos – e os oceanos do mundo estão a aquecer devido às alterações climáticas. Mais tempestades intensas, com a velocidade dos ventos a atingirem valores mais elevados e precipitações mais fortes, são os resultados previsíveis. De modo semelhante, embora as secas isoladas na África Subsariana não possam ser atribuídas às alterações climáticas, os modelos climáticos prevêem decréscimos das precipitações em áreas subtropicais – mais de 20% em algumas regiões. O papel preciso das alterações climáticas na in- uência do número de pessoas afectadas por desastres climáticos está, igualmente, aberto à discussão. Os factores sociais tiveram um claro contributo. O aumento da população, a expansão de construções humana em locais de risco – por exemplo, em bairros degradados, construídos em encostas, e em aldeias localizadas em zonas propensas a inundações. Os registos demonstram que as secas na África Subsariana se tornaram mais frequentes e prolongadas. As tempestades tropicais aumentaram de intensidade. As alterações climáticas podem não constituir a justi cação total – mas estão signi cativamente implicadas.15 Os debates sobre as atribuições irão continuar. Tal como é demonstrado no capítulo 1, a ciência climática não fornece certezas. No entanto, a incerteza não constitui uma razão para a inacção. A indústria global de seguros tem, forçosamente, vindo a reapreciar, radicalmente, as implicações dos riscos climáticos para os seus modelos de negócios (caixa 2.2). Por todo o mundo, as pessoas são obrigadas a adaptarem- -se, no seu quotidiano, aos riscos climáticos emergentes. Para os agricultores de pequena escala, habitantes de áreas urbanas degradadas e pessoas residentes em zonas ribeirinhas, estes riscos ameaçam ser um poderoso obstáculo ao desenvolvimento humano. Risco e vulnerabilidade Os cenários das alterações climáticas fornecem um quadro para a identi cação de mudanças estruturais nos sistemas climáticos. A forma como estas mudanças se transmitem nos resultados do desenvolvimento humano, é condicionada através da interacção entre riscos e vulnerabilidades. O risco afecta todos. Pessoas, famílias e comunidades estão em permanente exposição a riscos que podem ameaçar o seu bem-estar. A saúde-doença, o desemprego, crimes violentos e uma mudança repentina nas condições de mercado podem, em princípio, afectar toda a gente. O clima cria um conjunto especí co de riscos. As secas, inundações, tempestades e outros fenómenos têm potencial para destruir a vida das pessoas, conduzindo a perda de rendimentos, bens e oportunidades. Os riscos climáticos não se distribuem de um modo uniforme, mas têm um preço bastante elevado. A vulnerabilidade é diferente do risco. A base etimológica da palavra advém do verbo latino “ferir”. Enquanto que o risco implica a exposição a perigos externos em relação aos quais as pessoas têm um controlo limitado, a vulnerabilidade mede a capacidade de combate a tais perigos sem que se sofra, a longo prazo, uma potencial perda de bem-estar. 16 Esta extensa ideia pode ser reduzida ao “sentimento de insegurança de um potencial sofrimento que as pessoas poderão temer – de que “algo terrível” pode acontecer e que “lançará a ruína”. 17 As ameaças das alterações climáticas ilustram a distinção entre risco e vulnerabilidade. 18 As pessoas que vivem no Delta do Ganges e na baixa de Manhattan partilham os riscos de inundações associados ao Figura 2.3 Os desastres climáticos propiciam a perda de bens segurados Perdas seguradas anuais (mil milhões de dólares) Fonte: ABI 2005b. 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Perdas anuais seguradas Média de deslocações em cada cinco anos 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 79 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual aumento do nível das águas. Não partilham as mesmas vulnerabilidades. Eis a razão: o Delta do Ganges é marcado por níveis de pobreza elevados e por baixos níveis de protecção de infra-estruturas. Quando os ciclones tropicais e inundações atingem Manila, nas Filipinas, expõem a cidade inteira aos riscos. No entanto, as vulnerabilidades concentram-se nas habitações provisórias, com excesso de pessoas, das zonas degradadas que se estendem ao longo das margens do rio Pasig e não nas zonas mais abastecidas.19 Os processos através dos quais o risco se converte em vulnerabilidade, em qualquer país, são modelados pelo estado latente do desenvolvimento humano, que inclui as desigualdades dos rendimentos, as oportunidades e o poder político que marginaliza os mais pobres. Os países em vias de desenvolvimento e os seus cidadãos mais pobres estão mais vulneráveis às alterações climáticas. Elevados níveis de dependência económica na agricultura, média de rendimentos mais baixa, condições ecológicas já fragilizadas e a localização em áreas tropicais que enfrentam padrões climáticos mais extremos são, todos eles, factores de vulnerabilidade. Os factores que se seguem estão entre os que criam uma predisposição para a conversão do risco em vulnerabilidade: • Pobreza e baixo desenvolvimento humano. As elevadas concentrações de pobreza entre a população exposta aos riscos climáticos são uma fonte de vulnerabilidade. Os 2,6 mil milhões de pessoas – 40% da população do mundo – que vivem com menos de US$2 por dia estão intrinsecamente vulneráveis porque têm menos recursos para fazerem face aos riscos. De modo semelhante, para os 22 países com uma população total de 509 milhões de pessoas a viverem na categoria de baixo desenvolvimento humano do Índice do Desenvolvimento Humano (IDH), mesmo os pequenos acréscimos dos riscos climáticos podem conduzir à vulnerabilidade em massa. Em grande parte do mundo desenvolvido (incluindo países da categoria de médio desenvolvimento humano), existe uma interacção bilateral entre vulnerabilidade associada ao clima, pobreza e desenvolvimento humano. Os mais pobres estão, frequentemente, subnutridos porque, em parte, habitam áreas marcadas por secas Os pedidos de indemnização às seguradoras relacionados com o clima sofreram um rápido aumento nas passadas duas ou três décadas. Enquanto que os cépticos nas questões climáticas e alguns governos insistem em questionar as relações entre as alterações climáticas e os desastres climáticos, muitas companhias de seguros gerais traçam um percurso contrário. Nos cinco anos que precederam 2004, as perdas seguradas sofridas devido a fenómenos climáticos atingiram uma média de US$17 mil milhões por ano – o quíntuplo (a preços de 2004) comparativamente aos quatro anos anteriores a 1990. Os pedidos de indemnização às seguradoras relacionados com o clima estão a crescer mais do que a população, rendimentos e prémios dos seguros, incitando a indústria a reavaliar a viabilidade dos modelos de negócio actuais. Essa reapreciação adoptou formas distintas nos vários países. Em alguns casos, a indústrias têm surgido como poderosas defensoras do desenvolvimento de infra-estruturas vocacionadas para a redução das perdas seguradas. No Canadá e no Reino Unido, por exemplo, as companhias de seguros elaboraram pedidos para que houvesse um aumento dos investimentos públicos em sistemas de protecção contra tempestades e inundações e pediram aos governos para cobrirem as perdas, na qualidade de seguradores de último recurso. Nos Estados Unidos, as companhias de seguros já reapreciavam activamente a exposição aos riscos climáticos, mesmo antes do Furacão Katrina ter entrado para a História em termos de custos dos prejuízos causados pela tempestade. Têm vindo a estabelecer plafonds na indemnização de perdas, a transferir grande parte dos riscos para os consumidores e a evitar zonas de alto risco. Um dos efeitos secundários do Furacão Katrina foi o aumento dos títulos de riscos catastrófi cos, que transfere os riscos das seguradoras para os mercados fi nanceiros: a remuneração dos proprietários dos títulos cessa na ocorrência de uma catástrofe climática. O mercado, em 2006, manteve-se nos US$3.6 mil milhões, em comparação com US$1 milhar de milhão nos dois anos anteriores. Os programas de seguros desenvolvidos pelo governo federal e estadual não fi caram imunes às pressões associadas ao clima. A apresentação de dois programas fundamentais – The National Flood Insurance Programme (exposição de cerca de US$1 bilião) e o Federal Crop Insurance Programme (exposição de cerca de US$44 mil milhões) – incitou o Gabinete de Contabilidade Governamental a prevenir que as “ As alterações climáticas têm implicações para a saúde fi scal do Governo Federal.” A experiência nos mercados de seguros dos países desenvolvidos realça um problema mais vasto. As alterações climáticas geram grandes incertezas. O risco é uma característica inerente a qualquer mercado segurador. Os prémios são calculados com base na avaliação dos riscos. Com as alterações climáticas, é provável que os pedidos de indemnização aumentem ao longo do tempo. Segundo uma estimativa realizada pela Associação das Seguradoras Britânicas, o dobro do CO2 poderia maximizar as perdas seguradas – causadas por tempestades extremas – para a indústria global em US$ 66 mil milhões por ano (a preços de 2004). A difi culdade para a indústria é que esta tendência será pontuada por fenómenos catastrófi cos que irão arruinar os contratos mútuos de riscos. Caixa 2.2 A indústria global de seguros – reavaliação dos riscos climáticos Fonte: ABI 2004, 2005b;Brieger,Fleck e Macdonald 2001;CEI 2005; GAO 2007; Mills 2006; Mills, Roth e Leomte 2005; Thorpe 2007. 80 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual e baixas produções; estão vulneráveis a riscos climáticos porque são pobres e estão subnutridos. Em alguns casos, essa vulnerabilidade está directamente relacionada com os choques climáticos. Dados do IDH desagregados referentes ao Quénia demonstram, por exemplo, um ajustamento próximo entre emergências alimentares associadas a secas e distritos onde o desenvolvimento humano é baixo (tabela 2.1). No Gana, metade das crianças da região Norte, propensa a secas, estão subnutridas, em comparação com os 13%, em Acra. 20 • Disparidades no desenvolvimento humano.As desigualdades dentro dos países são outro marcador de vulnerabilidade aos choques climáticos. Uma recente avaliação dos impactos humanos das catástrofes concluiu que os “países com elevados níveis de desigualdade económica sentem os efeitos dos desastres climáticos com maior profundidade do que as sociedades mais igualitárias. 21 Os níveis médios de desenvolvimento humano podem esconder elevados níveis de privação. A Guatemala, por exemplo, é um país de desenvolvimento humano médio, marcado por grandes disparidades sociais entre indígenas e não indígenas. A subnutrição entre os indígenas representa o dobro da dos não indígenas. Quando o Furacão Stan atingiu as terras altas do ocidente da Guatemala, em 2005, o seu impacto foi mais intensamente sentido pelos indígenas, na sua maioria, camponeses de subsistência ou agricultores. A perda de cereais básicos, o esgotamento de reservas alimentares e a queda das oportunidades de emprego ampli caram os já rigorosos níveis de privação, com as desigualdades a constituírem barreira a uma atempada recuperação. 22 As disparidades do desenvolvimento humano expõem, também, as populações mais vulneráveis aos riscos climáticos, em alguns dos países mais ricos do mundo. Quando o Furacão Katrina atingiu Nova Orleães, foram afectadas algumas das mais pobres comunidades da América. A recuperação foi di cultada pelas profundas desigualdades subjacentes (caixa 2.3). • Falta de in1 a-estruturas de protecção aos impactos climáticos. As disparidades de infra-estruturas ajudam a justi car a razão pela qual os impactos climáticos semelhantes produzem diferentes resultados. O elaborado sistema de diques, nos Países Baixos, constitui um poderoso atenuador entre risco e vulnerabilidade. Os sistemas de defesa contra as inundações, as infra-estruturas hídricas e atempados sistemas de prevenção reduzem a vulnerabilidade. O Japão enfrenta uma maior exposição a riscos associados com ciclones e inundações, comparativamente às Filipinas. No entanto, entre 2000 e 2004, a média de fatalida- Figura 2.4 A provisão de seguro social é bem maior nos países desenvolvidos Despesas da segurança social (% do PIB) 14 12 10 8 6 4 2 0 Fonte: World Bank 2006g. África Subsariana Médio Oriente e Norte de África Europa e Ásia Central Ásia Oriental e Pacífico África do Sul América Latina e Caraíbas OCDE Distritos quenianos Valor do índice do Desenvolvimento Humano 2005 Distritos em emergência alimentar (Novembro 2005 – Outubro 2006) Garissa 0,267 Isiolo 0,580 Mandera 0,310 Masrabit 0,411 Mwingi 0,501 Samburu 0,347 Turkana 0,172 Wajir 0,256 Outros Mombaça 0,769 Nairobi 0,773 Média nacional do Quénia 0,532 Tabela 2.1 As emergências alimentares associadas às secas e o desenvolvimento humano estão intimamente relacionados no Quénia Fonte: PNUD 2006a; USAID FEWS NET 2007. RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 81 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual des chegou às 711 nas Filipinas contra apenas 66 no Japão.23 • Limitado acesso ao seguro. O seguro pode contribuir para o aumento da capacidade das pessoas lidarem com os riscos, sem terem de reduzir o consumo ou perder bens. Os mercados privados e as políticas públicas podem desempenhar um papel importante. As famílias dos países ricos têm acesso ao seguro privado, para uma autoprotecção contra as perdas associadas ao clima. A maioria das famílias mais pobres, nos países em vias de desenvolvimento, não tem este acesso. A segurança social constitui outro atenuador da vulnerabilidade. Permite que as pessoas possam lidar com os riscos, sem que afectem as oportunidades do desenvolvimento humano a longo prazo. Pode auxiliar os idosos, assegurar a protecção em períodos de doença ou desemprego, apoiar o desenvolvimento de crianças e proteger a nutrição básica. Os países variam bastante no apoio à segurança social ( gura 2.4). São os países Quando o Furacão Katrina destruiu os diques de Nova Orleães, houve um sofrimento humano e danos físicos em larga escala. À medida que o nível das águas das inundações diminuía, colocava a descoberto as graves vulnerabilidades associadas aos elevados níveis de desigualdades sociais já existentes. Os danos causados pelas inundações sobrepuseram-se a uma cidade dividida, assim como as alterações climáticas se irão sobrepor a um mundo dividido. Dois anos após a tragédia, as desigualdades continuam a travar a recuperação. Situada na Costa do Golfo do México dos Estados Unidos, Nova Orleães está numa das zonas de furacões de alto risco do mundo. Em Agosto de 2005, as protecções contra inundações, que atenuavam este risco, foram destruídas, com consequências trágicas. O Furacão Katrina retirou cerca de 1500 vidas, deslocou 780000 pessoas, destruiu ou danifi cou 200000 casas, danifi cou as infra-estruturas da cidade e traumatizou a sua população. O furacão causou impacto nas vidas de algumas das pessoas mais pobres e vulneráveis da nação mais rica do planeta. As taxas de pobreza infantil, anteriores ao fenómeno Katrina, em Nova Orleães, constavam entre as mais altas nos Estados Unidos, com uma criança, em cada três, a viver abaixo do limite da pobreza. As provisões para a saúde eram limitadas, com cerca de 750 000 pessoas sem cobertura de seguro. O Furacão Katrina seleccionou incisivamente as suas vítimas nas áreas mais desvantajosas da cidade. Os distritos mais pobres sofreram as consequências. Os danos causados pelas inundações cruzavam-se com as profundas desigualdades raciais (taxas de pobreza entre pessoas de raça negra três vezes mais altas do que entre as de raça branca). Estima-se que 75 % da população residente em bairros inundados era de raça negra. Duas das mais pobres e vulneráveis comunidades da cidade, Lower Ninth Ward e Desire/Florida, foram totalmente devastadas pelo Katrina. As imagens do sofrimento humano em Nova Orleães foram transmitidas em todo o mundo, uma vez que a cidade se tornava no centro das atenções da imprensa internacional. Porém, à medida que as pessoas se preparavam para reconstruir as suas vidas, após a retirada das câmaras, as desigualdades existentes anteriores ao furacão surgiam como uma barreira à recuperação. O sector da saúde fornece um exemplo chocante. Muitas instalações de saúde do sistema de rede de segurança que recebiam os mais pobres fi caram danifi cadas pelo Furacão Katrina, com o Charity Hospital, que fornecia a maioria dos cuidados médicos a este sector – urgência, intermédio e geral – ainda encerrado. Enquanto se aplicava um programa de isenção da Medicaid, para proporcionar uma cobertura temporária a todas as pessoas evacuadas sem seguro, as suas regras de elegibilidade restringiam os títulos para famílias de baixo rendimento sem crianças, conduzindo a um substancial número de pedidos indeferidos. O Congresso e a Administração demoraram 6 meses para autorizar uma provisão de US$ 2 mil milhões para a Medicaid cobrir os custos de saúde não segurados. Uma pesquisa conduzida pela Kaiser Family Foundation, 6 meses após a tempestade, revelou que muitas pessoas não tinham capacidade para manter tratamentos já existentes ou aceder aos cuidados necessários para lidar com as suas novas condições. Em entrevistas domiciliárias, mais de 80% dos inquiridos identifi caram a necessidade de mais provisões de saúde alargadas e melhoradas como um desafi o vital para a cidade. Dois anos depois, o desafi o mantém-se. Dos muitos factores que impedem a recuperação social e económica de Nova Orleães, o sistema de cuidados de saúde poderá constituir o mais importante. Apenas um dos sete hospitais gerais estão em estado de funcionamento normal; dois estão em funcionamento parcial e quatro permanecem encerrados. O número de camas de hospital, em Nova Orleães, sofreu uma quebra de dois terços. Existem, actualmente, menos 16 800 empregos do sector médico, menos 27%, em comparação com o período anterior à tempestade, em parte devido à escassa oferta de enfermeiros e outros profi ssionais de saúde. Há duas importantes lições a retirar do Furacão Katrina e que exercem uma infl uência signifi cativa nas estratégias das alterações climáticas. A primeira é a de que os elevados níveis de pobreza, marginalização e desigualdade criam uma predisposição para que os riscos se convertam em vulnerabilidades em massa. O segundo é a de que as políticas públicas são importantes. As políticas que proporcionem direitos de saúde e provisões habitacionais podem facilitar uma recuperação rápida, enquanto que a falta de direitos poderão gerar o efeito contrário. Caixa 2.3 Furacão Katrina – as questões sócio-demográfi cas de uma catástrofe Fonte: Perry et al. 2006; Rowland 2007; Turner e Zedlewski 2006; Urban Institute 2005. Pobreza em Nova Orleâes Pessoas em estado de pobreza, 2000 (%) Nova Orleães Estados Unidos População total 28 12 População com 18 anos ou menos 38 18 Brancos 12 9 Afro-americanos 35 25 Fonte: Perry et al. 2006. 82 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual Durante muitas gerações, os Inuits observaram de perto o ambiente, prevendo o clima com precisão, de forma a proporcionarem segurança às viagens pelos mares gelados. No entanto, a nossa capacidade de ler e prever as condições e os padrões climáticos à nossa volta enfrenta, actualmente, um enorme desafi o devido às alterações climáticas. Durante décadas, os nossos caçadores registavam degelos no solo gelado, reduções da espessura do gelo, diminuição dos glaciares, novas espécies invasoras, rápidas erosões costeiras e climas perigosamente imprevisíveis. Da nossa perspectiva longínqua do Norte, observámos que o debate sobre as alterações climáticas globais foca, mais frequentemente, questões económicas e técnicas do que os impactos humanos e as consequências das alterações climáticas. Os Inuis sentem, já, estes impactos e irão, brevemente, ter de enfrentar deslocações sociais e culturais dramáticas. As alterações climáticas são o nosso maior desafi o: para além de extenso e complexo, exige uma acção imediata. Representa, ainda, uma oportunidade de relacionamento entre as pessoas, uma humanidade em comum que ultrapassa todas as diferenças. Tendo isto em conta, decidi consultar os regimes internacionais de direitos humanos, concebidos para proteger os povos da extinção cultural – o mesmo problema que nós, os Inuits, poderíamos estar a enfrentar. A questão colocada foi sempre a mesma: como poderemos nós trazer alguma clareza de objectivos e de enfoque a um debate que parece estar sempre preso a argumentos técnicos e a ideologias opositoras de curto prazo? Penso que é pertinente, a nível internacional, que as alterações climáticas globais sejam debatidas e analisadas no âmbito dos direitos humanos. Tal como Mary Robinson referiu “os direitos humanos e o ambiente são interdependentes e estão interrelacionados”. É por esta razão que, juntamente com mais 61 Inuits, trabalhei para lançar a Petição Direitos Humanos e Alterações Climáticas, em Dezembro de 2005. Na sua essência, a petição afi rma que os governos deveriam desenvolver as suas economias usando tecnologias apropriadas que diminuam, de forma signifi cativa, as emissões de gases com efeito de estufa. Alcançámos, porém, muito mais do que isso. Através deste trabalho, tornámos os rostos humanos – e os nossos destinos – no centro das atenções. No discurso internacional, alterámos as frias discussões técnicas para debates sobre valores, desenvolvimento e direitos humanos. Concedemos um ritmo às conferências das Nações Unidas e um renovado sentido de urgência. Fizemo-lo lembrando às pessoas distanciadas do Árctico que estamos todos ligados: os caçadores Inuits que caem através do gelo fi no estão ligados às pessoas que enfrentam o degelo dos glaciares dos Himalaias e as inundações dos pequenos estados insulares; porém, este facto também se relaciona com a forma como o mundo segue o seu dia-a-dia, em termos dos automóveis que conduzimos, das indústrias que sustentamos e das políticas que adoptamos e incentivamos. Há uma pequena janela de oportunidade que ainda permanece aberta para salvar o Árctico e, em última análise, o planeta. Uma acção coordenada poderá prevenir o futuro projectado na Avaliação do Impacto Climático no Árctico. As nações poderão unir-se novamente, como fi zemos em Montreal, em 1987, e em Estocolmo, em 2001. A nossa camada de ozono está já a restabelecer- -se; os químicos tóxicos que contaminavam o Árctico estão já a diminuir. Agora, os maiores emissores do planeta devem estabelecer compromissos de obrigação de forma a actuar. Apenas espero que as nações aproveitem esta oportunidade para, mais uma vez, se unirem através da consciência da nossa ligação, da nossa partilha de atmosfera e, em última instância, da nossa humanidade. Sheila Watt-Cloutier Representante das Alterações climáticas no Árctico Contributo especial As alterações climáticas enquanto questão de direitos humanos ricos a gastar a maior fatia das suas receitas, em média, mais elevadas, na segurança social. Em termos de gestão dos riscos globais das alterações climáticas, isto signi ca que há uma relação inversa entre vulnerabilidade (que se concentra nos países pobres) e segurança (que se concentra nos países ricos). As desigualdades associadas ao género cruzamse com os riscos e vulnerabilidades climáticos. As desvantagens históricas das mulheres – o seu acesso limitado a recursos, a restrição de direitos e a falta de voz na formulação de decisões – tornam-nas altamente vulneráveis às alterações climáticas. A natureza dessa vulnerabilidade varia bastante, alertando para as generalizações. Porém, é provável que as alterações climáticas agravem os padrões da desvantagem de género existentes. No sector agrícola, as mulheres rurais dos países em vias de desenvolvimento são as principais produtoras de alimentos básicos, um sector fortemente exposto a riscos causados por secas e precipitação incerta. Em muitos países, as alterações climáticas obrigam mulheres e jovens do sexo feminino a percorrerem distâncias maiores para se abastecerem de água, especialmente na estação seca. Para além disso, é possível que as mulheres se dediquem mais ao trabalho relacionado com o combate aos riscos climáticos, como a conservação do solo e da água, a construção de reservas e o crescente emprego fora do âmbito da agricultura. Um corolário da vulnerabilidade associada ao género é a importância da participação da mulher em qualquer processo de planeamento para a adaptação às alterações climáticas.24 As alterações climáticas proporcionam, também, um marcador da relação simbiótica entre cultura humana e sistemas ecológicos. Esta relação é bastante evidente no Árctico, onde estão a ser afectados alguns dos mais frágeis ecossistemas do mundo devido ao rápido aquecimento. Os indígenas do Árctico tornaram-se as sentinelas de um mundo que passa por alterações RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 83 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual climáticas. Tal como um dos líderes da comunidade Inuit comentou: “O Árctico é o barómetro das alterações climáticas do mundo. Os Inuits são o mercúrio desse barómetro.”25 Para o povo Inuit, o aquecimento, fruto da trajectória actual, irá romper ou mesmo destruir uma cultura baseada na caça e na partilha de alimentos, uma vez que a redução dos mares de gelo tornam os animais que deles dependem menos acessíveis, podendo levá-los, possivelmente, à extinção. Em Dezembro de 2005, representantes de organizações Inuit entregaram uma petição à Comissão Inter-americana de Direitos Humanos, reiterando que as emissões ilimitadas dos Estados Unidos violavam os direitos humanos dos Inuits. O objectivo não era procurar danos, mas antes repará-los, liderando na mitigação das alterações climáticas perigosas. As armadilhas de baixo desenvolvimento humano O desenvolvimento humano prende-se com a expansão da liberdade e da escolha. Os riscos associados ao clima geram dilemas, que limitam a liberdade substantiva e anulam o poder de escolha das pessoas. Estes dilemas podem constituir uma ida sem retorno em armadilhas de baixo desenvolvimento humano – espirais descendentes de desvantagem que destroem as oportunidades. Os choques climáticos afectam a subsistência de várias formas. Varrem colheitas, reduzem as oportunidades de emprego, obrigam ao aumento do preço dos alimentos e destroem propriedades, confrontando as pessoas com decisões difíceis. As famílias mais abastadas podem fazer face aos choques apoiando-se nos seguros privados, usando as suas poupanças ou vendendo alguns dos seus bens. Têm capacidade de proteger o seu consumo habitual – “aligeirar o consumo” – sem diminuir as suas capacidades de produção ou reduzir as suas aptidões humanas. Os pobres têm menos opções. Com um acesso limitado ao seguro formal, com baixos rendimentos e bens de pouco valor, as famílias pobres têm de se adaptar aos choques climáticos sob condições mais restritas. Num esforço para diminuir o habitual consumo, são, frequentemente, obrigadas a vender bens de produção, comprometendo futuras criações de rendimento. Quando os já baixos rendimentos diminuem, podem não ter outra escolha senão reduzir o número de refeições que tomam, cortar as despesas de saúde ou retirar as crianças da escola de forma a aumentar a mão-de-obra laboral. As estratégias utilizadas variam. No entanto, os dilemas que se seguem aos choques climáticos podem destruir rapidamente as capacidades humanas, estabelecendo uma série de ciclos de privação. As famílias pobres não são passivas face aos riscos climáticos. Por falta de acesso ao seguro formal, desenvolvem mecanismos de auto-segurança. Um deles é criar bens – como o gado – durante os períodos “normais”, para vender na eventualidade de uma crise. Outra é o investimento de recursos familiares na prevenção de catástrofes. Sondagens domiciliárias em áreas urbanas degradadas, propensas a inundações, em El Salvador, registaram que as famílias gastavam mais de 9% dos seus rendimentos no reforço das suas casas contra as inundações e aproveitavam o trabalho da família para construir paredes de retenção e fazer a manutenção dos canais de drenagem. 26 A diversi cação de produção e as fontes de rendimentos são outras formas de auto-segurança. Por exemplo, as famílias rurais procuram reduzir o seu risco de exposição criando uma associação de culturas de alimentos básicos e comerciais e praticando comércio de pequena escala. O problema é que os mecanismos de auto-segurança se degradam, frequentemente, em confronto com os severos e recorrentes choques climáticos. A pesquisa aponta para quatro grandes canais ou “multiplicadores de risco”, através dos quais os choques climáticos podem prejudicar o desenvolvimento humano: “perdas de produtividade “anteriores ao fenómeno”, custos de recuperação antecipados, erosão de activos do capital físico e erosão de oportunidades humanas. Perdas de produtividade “anteriores ao fenómeno” Nem todos os custos de desenvolvimento humano dos choques climáticos ocorrem depois do fenómeno. Para pessoas com um modo de subsistência precário, residentes em áreas de variabilidade climática, os riscos não segurados constituem um forte impedimento ao aumento da produtividade. Com menos capacidade para lidar com os riscos, os pobres enfrentam obstáculos para adoptarem o investimento alto rendimento, alto risco. De facto, são excluídos das oportunidades de criarem a sua saída da pobreza. Por vezes a rma-se que os pobres são pobres porque são menos “empreendedores” e que optam por Os riscos associados ao clima geram dilemas, que limitam a liberdade substantiva e anulam o poder de escolha das pessoas 84 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual evitar investimentos de risco. A falácia desta ideia reside na confusão entre aversão ao risco e capacidade de inovação. À medida que as famílias se aproximam da pobreza extrema, tornam-se adversas ao risco por uma boa razão: os maus resultados podem afectar as oportunidades de vida em muitos níveis. Ao habitar, sem um seguro formal, em áreas de exposição de alto risco – planícies de inundação, regiões propensas a secas ou encostas frágeis – as famílias pobres optam, de um modo consciente, por investimentos com rendimentos potencialmente maiores, em função dos interesses da segurança familiar. Os agricultores poderão ser obrigados a tomar decisões relativas à produção, que sejam menos sensíveis à variação da precipitação, mas também menos lucrativos. Pesquisas realizadas em aldeias indianas, nos anos 90, revelaram que mesmo as mais leves variações na duração da precipitação poderiam reduzir os lucros agrícolas do quartil mais pobre dos respondentes para um terço, enquanto que, no quartil mais rico, provocariam um imperceptível impacto nos lucros. Confrontados com o alto risco, os agricultores pobres penderam para um excesso de segurança: as decisões sobre a produção conduziram a uma média de lucros mais baixa da que poderia atingir no âmbito de riscos segurados. 27 Na Tanzânia, uma pesquisa a nível da aldeia descobriu agricultores pobres a especializarem-se na produção de colheitas resistentes às secas – como o sorgo e a mandioca – que proporcionam uma maior segurança alimentar, embora menores rendimentos nanceiros. A gama de colheitas dos quintis mais ricos apresenta mais 25 % do que a do quintil mais pobre. 28 Isto faz parte de um padrão mais vasto relativo ao verdadeiro seguro de riscos, que, em interacção com outros factores, aumenta a desigualdade e prende as famílias pobres em sistemas de produção de baixos rendimentos. 29 À medida que as alterações climáticas avançam no terreno, a produção agrícola, em muitos países em vias de desenvolvimento tornar-se-á mais arriscada e menos lucrativa (ver, mais abaixo, a secção sobre agricultura e segurança alimentar). Estando três quartos dos pobres do mundo dependentes da agricultura, este facto tem implicações para os esforços na redução da pobreza global. Os pobres do mundo não são os únicos a terem de se adaptar aos novos padrões climáticos. Os produtores agrícolas, nos países ricos, também terão de lidar com as consequências, porém, os riscos são menos severos e são bastante atenuados através de subsídios de grande escala – cerca de US$225 mil milhões, nos países da OCDE, em 2005 – e do apoio público ao seguro privado. 30 Nos Estados Unidos, as indemnizações do seguro do Governo Federal para os danos de colheitas eram, em média, de US$4 mil milhões por ano, de 2002 a 2005. A combinação de subsídios e seguro permite aos produtores dos países desenvolvidos adoptarem investimentos de alto risco, de forma a obterem rendimentos mais elevados do que teriam sob as condições de mercado. 31 Os custos humanos da “resolução” A incapacidade das famílias pobres em lidarem com os choques climáticos re ecte-se nos impactos humanos imediatos e na pobreza crescente. As secas constituem um bom exemplo. Quando a chuva falha, a corrente de efeitos alastra-se por diversas áreas. As perdas de produção podem gerar escassez de alimentos, aumento dos preços, falta de emprego e diminuição dos salários agrícolas. Os impactos re ectem-se nas estratégias de resolução, que variam desde a nutrição à venda de bens (tabela 2.2). No Malaui, a seca de 2002 deixou perto de 5 milhões de pessoas em necessidade de ajuda alimentar urgente. Muito antes da ajuda chegar, as famílias foram obrigadas a tomar medidas extremas de sobrevivência, incluindo o furto e a prostituição. 32 As acentuadas vulnerabilidades que podem Comportamentos adoptados para enfrentar a seca, 1999 (% de pessoas) Cidade de Blantyre (%) Zomba rural (%) Adaptações de dieta • Substituíram carne por vegetais 73 93 • Comeram porções mais pequenas para que as refeições durassem mais tempo 47 91 • Reduziram o número de refeições por dia 46 91 • Comiam alimentos diferentes, como mandioca, em vez de milho 41 89 Redução da despesa • Compraram menos lenha ou parafi na 63 83 • Compraram menos fertilizante 38 33 Obtenção de dinheiro para comida • Esgotaram poupanças 35 0 • Pediram dinheiro emprestado 36 7 • Procuraram trabalho precário (ganyu) para obterem dinheiro e comida 19 59 • Venderam gado e aves domésticas 17 15 • Venderam bens de família e roupas 11 6 • Mandaram as crianças em busca de dinheiro 10 0 Tabela 2.2 A seca no Malaui – como lutam os pobres Fonte: Devereux 1999. RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 85 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual ser desencadeadas pelos choques climáticos, em países com baixos níveis de desenvolvimento humano, foram fortemente demonstrados na crise de segurança alimentar de 2005, em Níger (caixa 2.4). As secas são, muitas vezes, registadas como fenómenos isolados de curto prazo. Esta prática esconde alguns impactos importantes em países cujas secas múltiplas ou sequenciais criam repetidos choques durante vários anos. Pesquisas na Etiópia ilustram este facto. O país passou por, pelo menos, cinco grandes secas nacionais, desde 1980, juntamente com várias dúzias de secas locais. Os ciclos de seca geram armadilhas de pobreza para muitas famílias, frustrando os esforços de criação de bens e de aumento de rendimentos. Os dados da sondagem demonstram que, entre 1999 e 2004, mais de metade das famílias do país sentiram um grande choque de seca. 33 Estes choques são uma causa importante para a pobreza transitória: se as famílias tivessem sido capazes de controlar o consumo, a pobreza, em 2004, teria sido, pelo menos 14% mais baixa (tabela 2.3) – um cenário que se traduz numa redução de 11 milhões de pessoas abaixo do limiar de pobreza. 34 Pessoas em pobreza (%) Pobreza observada 47,3 Pobreza prevista sem choques de seca 33,1 Pobreza prevista sem nenhum choque 29,4 Tabela 2.3 O impacto das secas na Etiópia Fonte: Dercon 2004. O Níger é um dos países mais pobres do mundo. Posiciona-se perto do fundo do IDH, com uma esperança média de vida de cerca de 56 anos, em que 40% das crianças tem, numa média anual, pouco peso para a sua idade, e em que mais de uma em cada cinco crianças morre antes do seu quinto aniversário. A vulnerabilidade aos choques climáticos no Níger está ligada a vários factores, incluindo a vasta pobreza, os elevados níveis de subnutrição, a precária segurança alimentar em “anos normais”, a restrita cobertura de saúde e os sistemas de produção agrícolas que têm de enfrentar precipitações incertas. Durante 2004 e 2005, as implicações destas vulnerabilidades latentes foram fortemente demonstradas através de um choque climático, com o fi m precoce das chuvas e o alastramento de prejuízos causados pela praga de gafanhotos. A produção agrícola foi imediatamente afectada. Os produtos diminuíram signifi cativamente, criando um défi ce de cereais de 223 000 toneladas. Os preços do sorgo e do milheto aumentaram 80% acima da média de 5 anos. Para além dos elevados preços dos cereais, a deterioração das condições relacionadas com o gado privou as famílias de uma fonte imprescindível de rendimento e de segurança de riscos. A perda de pastagens e de cerca de 40% das colheitas de forragem, a juntar ao preço crescente dos preços de ração para animais e às “vendas de emergência”, fi zeram diminuir os preços do gado, privando as famílias de uma fonte indispensável de rendimento e de segurança de riscos. Com as famílias vulneráveis tentando vender animais subnutridos para obterem rendimentos e comprarem cereais, a queda dos preços afectou, pelo contrário, a sua segurança alimentar em termos de comércio. Em meados de 2005, cerca de 56 zonas do país enfrentavam riscos de segurança alimentar. Perto de 2.5 milhões de pessoas – cerca de um quinto da população do país – solicitaram assistência de emergência alimentar. Doze zonas em regiões como Maradi, Tahoua e Zinder foram classifi cadas como “extremamente críticas”, o que signifi ca que as pessoas reduziram o número de refeições tomadas por dia, consumindo raízes selvagens e sementes e vendendo gado de reprodução e equipamentos de produção. A crise na agricultura conduziu a graves custos humanos, incluindo: • A emigração para países vizinhos e para zonas menos criticamente afectadas. • Em 2005, os Médicos Sem Fronteiras (MSF) voltaram a registar uma grave taxa de subnutrição, composta por 19% de crianças com 6-59 meses em Maradi e Tahoua, representando uma acentuada quebra dos níveis médios. Os MSF registaram, também, um número quatro vezes superior de crianças em estado de subnutrição severa nos centros terapêuticos de alimentação. • A equipa de sondagem da USAID registou mulheres recolhendo, durante dias inteiros, anza, um alimento selvagem. De certo modo, o baixo nível de desenvolvimento humano no Níger torna o país um caso extremo. No entanto, os desenvolvimentos de 2005 demonstraram, na íntegra, os mecanismos através dos quais os crescentes riscos associados ao clima podem destruir estratégias de resolução e criar extensas vulnerabilidades. Caixa 2.4 Secas e segurança alimentar em Níger Fonte: Chen e Meisel 2006; Mousseau e Mittal 2006; MSF 2005; Seck 2007a. Os impactos humanos dos actuais choques climáticos fornecem um quadro, largamente ignorado, para uma compreensão das implicações das alterações climáticas para o desenvolvimento humano. Os níveis de subnutrição aumentam e as pessoas cam presas em armadilhas de pobreza. Se os cenários das alterações climáticas estiverem correctos (previsão de secas e inundações mais intensas), as consequências poderão constituir grandes e rápidos retrocessos no desenvolvimento humano nos países afectados. Erosão dos bens – capital físico Os choques climáticos podem ter consequências devastadoras para os bens e poupanças de família. Bens 86 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual como animais vivos representam mais do que uma rede de segurança para enfrentar os choques climáticos. Constituem um recurso de produção, nutrição, uma garantia colateral de crédito e uma fonte de rendimento para cobrir os custos de saúde e educação, fornecendo também segurança na eventualidade de estragos nas colheitas. A sua perda aumenta a vulnerabilidade futura. Os choques climáticos geram uma notável amea ça às estratégias de solução. Ao contrário, por exemplo, da saúde-doença, muitos choques climáticos são covariados: ou seja, afectam comunidades inteiras. Se todas as famílias afectadas venderem, simultaneamente, os seus bens para proteger o consumo, é possível que os preços dos bens decresçam. A resultante perda do valor pode, de um modo rápido e severo, destruir estratégias de resolução, reforçando desigualdades do processo mais amplas. A pesquisa sobre as secas de 1999/2000, na Etiópia, ilustra este facto. A catástrofe começou com a falha das chuvas de curta duração ou belg, que podem ocorrer entre Fevereiro e Abril. Isto frustrou as tentativas dos agricultores de lavrar e semear produções. A redução da precipitação durante a estação de chuvas (as chuvas meher de Junho-Setembro) causou a ruína alastrada das colheitas. Quando a estação belg seguinte, no início de 2000, assistiu, igualmente, a uma fraca precipitação, o resultado foi uma enorme crise de segurança alimentar. As vendas de bens de emergência – maioritariamente gado – come çaram mais cedo e prolongaramse por 30 meses. No nal de 1999, os vendedores de gado recebiam menos de metade do preço do período anterior à seca, constituindo uma perda enorme de capitais. No entanto, nem todos os agricultores adoptaram as mesmas estratégias de recuperação. Os dois quartis de topo, com gado bastante mais numeroso, venderam, atempadamente, os animais no clássico padrão de “ aligeirar o consumo”, investindo no prémio do seguro de riscos, de forma a poderem ter acesso à comida. Por outro lado, os dois quartis mais baixos mantiveram, obstinadamente, o seu reduzido número de animais, apenas com pequenas descidas de posses de gado até ao nal do período de seca. Eis a razão: os animais constituíam um recurso vital para o semeio. De facto, os ricos conseguiram aligeirar o consumo sem dissipar os bens de produção, enquanto que os pobres foram obrigados a optar por um dos dois. 35 As famílias pastoris e agropastoris, para quem o gado tem uma importância ainda maior no seu modo de subsistência, também sofrem graves perdas de bens durante as secas. Tal como a experiência na Etiópia tem vindo, repetidamente, a demonstrar, é provável que as consequências incluam impactos adversos nas suas condições de comércio, com os preços do gado em acentuado decréscimo, relativamente aos preços dos cereais. Outro exemplo advém das Honduras. Em 1998, o Furacão Mitch deixou um rastro de destruição por todo o país. Neste caso, os pobres foram obrigados a vender uma fatia dos seus bens signi cativamente maior do que as famílias mais abastadas, de forma a enfrentar o aumento abismal da pobreza. Gerando a diminuição dos bens produtivos dos pobres, o choque climático, neste caso, criou condições para um aumento das desigualdades futuras (caixa 2.5). Erosão de bens – oportunidades humanas As imagens de imprensa relativas ao sofrimento humano durante os choques climáticos não captam os devastadores dilemas a que as famílias pobres estão sujeitas. Quando secas, inundações, tempestades e outros fenómenos climáticos destroem produções, cortam rendimentos e dissipam bens, os pobres enfrentam um grave dilema: devem compensar as perdas de bens ou cortar nas despesas. Independentemente da escolha, as consequências constituem custos a longo prazo que podem colocar em risco os progressos do desenvolvimento humano. Os dilemas que os choques climáticos trazem às pessoas reforçam e perpetuam maiores desigualdades baseadas no rendimento, género e outras disparidades. Eis alguns exemplos: • Nutrição. Choques climáticos como secas e inundações podem causar graves retrocessos no estado nutricional: à medida que a oferta de alimentos decresce, os preços aumentam e as oportunidades de emprego diminuem. O declínio da nutrição fornece a mais relatada prova de que as estratégias de recuperação estão a falhar. A seca que se alastrou pelas vastas áreas do leste de África, em 2005, ilustra este facto. No Quénia, as vidas de cerca de 3,3 milhões de pessoas, de 26 distritos, estiveram em risco de fome. Em Kajiado, o distrito mais afectado, o efeito cumulativo das duas estações de chuva mais fracas de 2003 e a total falta de precipitação de 2004 estragaram, quase completamente, as produções. De um modo particular, o declínio da produção nas colheitas dependentes da chuva, como o milho e o feijão, prejudica- Os dilemas que os choques climáticos trazem às pessoas reforçam e perpetuam maiores desigualdades baseadas no rendimento, género e outras disparidades RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 87 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual ram a dieta das pessoas e o seu poder de compra. Os centros de saúde do distrito registaram um aumento da subnutrição, em que 30% das crianças que procuravam assistência médica, tinham pouco peso, comparado com os 6 % dos anos nor - mais. 36 Em alguns casos, os dilemas entre consumo e sobrevivência podem agravar a in uência do género na nutrição. Pesquisas realizadas na Índia revelaram que a nutrição das raparigas enfrenta um número maior de períodos de baixo consumo e de aumento dos preços dos alimentos e que a escassez da chuva está mais fortemente relacionada com as mortes de raparigas do que de rapazes. 37 • Educação. Para as famílias mais pobres, aumentar a mão-de-obra pode representar a transferência de crianças das salas de aula para o mercado de trabalho. Mesmo em anos “normais”, as famílias pobres são, muitas vezes, forçadas a recorrer ao trabalho infantil, por exemplo, durante a estação mais fraca, antes das colheitas. As secas e inundações intensi cam estas pressões. Na Etiópia e Malaui, as crianças são, habitualmente, retiradas da escola para participarem em actividades de obtenção de rendimentos. No Bangladesh e na Índia, as crianças de famílias pobres trabalham no campo, guardam o gado ou praticam outras actividades em troca de alimento durante os períodos de crise. Na Nicarágua, no período após o Furacão Mitch, a porção de crianças que trabalhava em vez de frequentar a escola aumentou de 7,5 para 15,6% em famílias afectadas. 38 Não são apenas os países de baixos rendimentos a sofrerem tais consequências. Uma pesquisa domiciliária realizada no México, durante o período 1998-2000, demonstrou um aumento do trabalho infantil em consequência da seca. • Saúde. Os choques climáticos são uma forte ameaça aos bens mais valiosos dos pobres – a saúde e o trabalho. O declínio da nutrição e a queda de rendimentos geram uma dupla ameaça: uma crescente vulnerabilidade à doença e menos recursos As alterações climáticas irão trazer um maior número de tempestades tropicais intensas à medida que a temperatura das águas for aumentando. Os riscos adicionais constituem um peso que sociedades terão de suportar. No entanto, as famílias pobres, com uma capacidade limitada de gestão de riscos, irão sofrer mais. Evidências observadas na América Central, que será uma das regiões mais afectadas, demonstram a forma como as tempestades podem destruir bens e maximizar as desigualdades. Ao contrário das secas, que surgem em crises de “lento rastilho”com duração de vários meses, as tempestades criam efeitos instantâneos. Quando o Furacão Mitch atingiu as Honduras em 1998, produziu um impacto imediato e devastador. Dados recolhidos logo após o furacão, demonstraram que as famílias rurais mais pobres tinham perdido 30% a 40 % dos seus rendimentos de produção de colheitas. A pobreza aumentou 8%, de 69% a 77 %, a nível nacional. As famílias de baixos rendimentos também perderam, em média, 15% a 20% dos seus bens produtivos, comprometendo as suas projecções de recuperação. Cerca de 30 meses após o Furacão Mitch, uma sondagem domiciliária forneceu perspectivas elucidativas sobre as estratégias de gestão de bens num ambiente de esforços de recuperação da tragédia. Quase metade das famílias registou uma perda de bens produtivos. Como seria de se esperar, especialmente num país altamente desigual como as Honduras, o valor das perdas aumentou com o nível de riqueza: a média do valor dos bens no período anterior ao furacão, registado pelo quartil mais rico, foi de 11 vezes maior do que no quartil mais pobre. No entanto, o quartil mais pobre perdeu cerca de um terço do valor dos seus bens, em comparação com os 7% do quartil mais rico (ver tabela). No esforço de reconstrução, a média da assistência ao quartil mais rico perfez um total de US$320 por família – quase mais do dobro do nível para o quartil mais pobre. Uma detalhada análise da recuperação de bens após o período de choque realçou o modo como o Furacão Mitch acentuou as desigualdades baseadas nos rendimentos. Quando as taxas de crescimento do valor dos bens, nos dois anos e meio após o furacão, foram comparadas com a tendência prevista baseada em dados anteriores ao desastre, concluiu-se que, enquanto que os ricos e os pobres reconstruíam uma base de bens, a taxa líquida de crescimento para o quartil mais pobre era de 48% abaixo da tendência prevista no período anterior ao Mitch, enquanto que para o quartil mais rico era apenas de 14%. O aumento nas desigualdades de bens tem implicações importantes, as Honduras é um dos países com maiores disparidades do mundo, com um índice de Gini para a distribuição de rendimentos de 54. Os 20% mais pobres são responsáveis por 3% dos rendimentos nacionais. A perda de rendimentos entre os pobres irá traduzir-se na diminuição de oportunidades de investimento, no aumento de vulnerabilidades e na crescente desigualdade de rendimentos no futuro. Caixa 2.5 Vendas de emergência nas Honduras Fonte: Carter et al. 2005; Morris et al. 2001. O Furacão Mitch arruinou os bens dos pobres Fonte: Carter et al. 2005. Mais pobres 25% Segundos 25% Terceiros 25% Mais ricos 25% Parcela de bens perdidos devido ao Furacão Mitch (%) 31.1 13.9 12.2 7.5 Os choques climáticos são uma forte ameaça aos bens mais valiosos dos pobres – a saúde e o trabalho 88 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual para tratamentos médicos. As secas e inundações são, frequentemente, catalisadores de um variado leque de problemas de saúde, incluindo o aumento da diarreia entre as crianças, cólera, problemas de pele e grave subnutrição. Entretanto, a capacidade de resolver velhos problemas e de lidar com os novos é di cultado pela crescente pobreza. A pesquisa para este Relatório demonstra que, no México Central, no período entre 1998 e 2000, as crianças menores de cinco anos tinham maior probabilidade de adoecerem após sofrerem um choque climático: a probabilidade de doença aumentou 16% com as secas e 41% com as inundações. 39 Durante a crise alimentar de 2002, no sul de África, mais de metade das famílias de Lesoto e Suazilândia registaram uma redução das despesas de saúde. 40 A quebra ou o atraso no tratamento de doenças é uma opção forçada que pode ter consequências fatais. Os dilemas forçados em áreas como a nutrição, educação e saúde têm consequências que se estendem pelo futuro. A análise detalhada de uma sondagem realizada no Zimbabué demonstra que a longevidade dos impactos do desenvolvimento humano está relacionada com os choques climáticos. Depois de escolherem um grupo de crianças com idades compreendidas entre 1 e 2 anos, durante uma série de secas entre 1982 e 1984, os investigadores entrevistaram as mesmas crianças entre 13 a 16 anos mais tarde. Descobriram que a seca tinha diminuído a estatura média em 2,3 centímetros, atrasado o início da escola, resultando numa perda de 0,4 anos de escolaridade. As perdas na educação traduziram-se numa perda de 14% nos ganhos de uma vida inteira. Os impactos do Zimbabué foram mais severos em crianças de famílias com pouco gado – o principal bem de auto-segurança para aligeirar o consumo. 41 A precaução deve ser praticada através da interpretação de resultados de um caso especí co. Porém, a experiência do Zimbabué revela os mecanismos de transmissão desde os choques climáticos à nutrição, à privação educacional e de crescimento e às perdas do desenvolvimento humano a longo prazo. Quando o Bangladesh foi atingido por uma inundação devastadora, em 1998, as famílias mais pobres foram forçadas a adoptar estratégias de recuperação que levaram a perdas de longo prazo na nutrição e saúde. Actualmente, muitos adultos vivem com as consequências da privação que as crianças sofreram no período imediatamente posterior à inundação (caixa 2.6). Dos choques climáticos de hoje às privações de amanhã – as armadilhas de baixo desenvolvimento humano em acção A ideia de que um choque isolado externo pode provocar resultados permanentes fornece uma ponte de ligação que vai desde os choques climáticos – e as alterações climáticas – à relação entre riscos e vulnerabilidades, abordada neste capítulo. O impacto directo e imediato de secas, furacões, inundações e outros choques climáticos pode ser terrível. Porém, os desenvolvimentos posteriores ao choque interagem com forças mais extensas que atrasam as capacidades do desenvolvimento humano. Estes desenvolvimentos podem ser entendidos através da analogia da armadilha de pobreza. Os economistas já se aperceberam da presença de armadi- As inundações constituem uma parte normal da ecologia de Bangladesh. Com as alterações climáticas, é provável que as inundações “anormais”se tornem uma característica permanente da futura ecologia. As experiências vividas após o fenómeno de inundação de 1998 – designada de “a inundação do século” – realçam o perigo de que o crescente número de inundações irá dar lugar a retrocessos de longo prazo no desenvolvimento humano. A inundação de 1998 foi um fenómeno extremo. Num ano normal, cerca de um quarto do país passa por inundações. No seu auge, a inundação de 1998 cobriu dois terços do país. Mais de 1 000 pessoas morreram e 30 milhões fi caram desalojadas. Perdeu-se, aproximadamente, 10% do total das colheitas de arroz do país. Com a duração da inundação a evitar a replantação, dezenas de milhares de milhões de famílias enfrentaram a crise de segurança alimentar. As importações de alimentos em larga escala e as transferências de ajuda alimentar governamentais contornaram a catástrofe humanitária. No entanto, não evitaram alguns retrocessos vitais do desenvolvimento humano. A porção de crianças a sofrer subnutrição duplicou depois da inundação. Quinze meses depois da catástrofe, 40% das crianças com um débil estado nutricional no período da inundação, ainda não tinham recuperado o já pobre nível de nutrição que tinham no período anterior ao fenómeno natural. As famílias adaptaram-se às inundações de várias formas: através da contenção de despesas, da venda de bens e do aumento de empréstimos, tudo combinado. Era mais provável que as famílias pobres vendessem bens e contraíssem dívidas. Quinze meses depois do fi nal das inundações, a dívida familiar, para os 40% da população mais pobre, rondava uma média de 150% da despesa mensal – o dobro do nível anterior à inundação. A gestão das inundações de 1998 é, por vezes, vista como uma história de sucesso na gestão de desastres. Na medida em que se pôde evitar um número maior de perdas de vidas, esta percepção é parcialmente justifi cada. No entanto, as inundações provocaram impactos negativos de longo prazo, principalmente no estado de nutrição de crianças já subnutridas. As crianças afectadas poderão nunca estar em posição de se recuperarem das consequências. As famílias pobres sofreram a curto prazo, através da quebra de consumo, do aumento das doenças e do peso de elevados níveis de dívidas familiares – uma estratégia que se poderá juntar à vulnerabilidade. Caixa 2.6 A “inundação do século” em Bangladesh Fonte: del Ninno e Smith 2003; Mallick et al. 2005. RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 89 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual lhas de pobreza nas vidas dos pobres. Embora haja várias versões da armadilha de pobreza, estas tendem a focar o rendimento e o investimento. Nalguns registos, a pobreza é entendida como o resultado da auto-subsistência, em consequência de restrições de crédito que limitam a capacidade de investimento dos pobres.42 Outros registos apontam para um ciclo de auto-reforço de baixa produtividade, baixo rendimento, baixos investimentos e de poupanças escassas. Relacionados com estes factos estão a débil saúde e as oportunidades limitadas de educação, que, por sua vez, restringem as oportunidades de aumento de rendimentos e produtividade. Quando os desastres climáticos ocorrem, algumas famílias são imediatamente capazes de reconstruir a sua subsistência e restabelecer os seus bens. Para outras famílias, o processo de recuperação é mais lento. Para alguns – especialmente os mais pobres – a reconstrução pode ser algo impossível de concretizar. As armadilhas de pobreza podem ser entendidas como um limite mínimo para bens ou rendimentos, abaixo do qual as pessoas se tornam incapazes de criar bens produtivos, educar as suas crianças, melhorar a sua saúde e nutrição e aumentar os rendimentos ao longo do tempo.43 As pessoas acima desse limite são capazes de lidar com os riscos por caminhos que não conduzem a ciclos descendentes de pobreza e vulnerabilidade. As pessoas abaixo do limiar são incapazes de atingir o ponto crítico, para lá do qual poderão escapar da força gravítica da pobreza. As análises sobre as armadilhas de pobreza de rendimentos têm desviado a atenção para os processos através dos quais a privação se transmite ao longo do tempo. Seguindo a mesma linha, têm desvalorizado a importância das capacidades humanas – o conjunto alargado de atributos que determinam as escolhas à disposição das pessoas. Desviar o enfoque em direcção à capacidade não signi ca que se ignore o papel do rendimento. O baixo rendimento é, claramente, a principal causa da privação humana. No entanto, o rendimento limitado não é o único factor que atrasa o desenvolvimento de capacidades. A exclusão de oportunidades para a educação básica, saúde e nutrição são fontes de privação de capacidade. Estas associam-se, por sua vez, à falta de progresso em outras dimensões, incluindo a capacidade das pessoas de participarem na elaboração de decisões e defender os seus direitos humanos. Tal como as armadilhas de pobreza, as malhas do baixo desenvolvimento humano surgem quando as pessoas não são capazes de ultrapassar o limite acima do qual poderão construir um círculo virtuoso de expansão de capacidades. Os choques climáticos estão entre os muitos factores que sustêm tais armadilhas ao longo do tempo. Interagem com outros fenómenos – saúde-doença, desemprego, con ito e rupturas de mercado. Embora estes sejam importantes, os choques climáticos estão entre as forças mais potentes que sustêm as armadilhas de baixo desenvolvimento humano. A pesquisa realizada para este Relatório fornece evidências relativas ao funcionamento das armadilhas de baixo desenvolvimento humano. De forma a seguir o impacto dos choques climáticos nas vidas dos que foram afectados, ao longo do tempo, desenvolvemos um modelo econométrico para explorar os microníveis dos dados da sondagem domiciliária (Nota Técnica 2). Observámos resultados de desenvolvimento humano especí cos, associados a um choque climático identi cado. Qual a diferença para o estado nutricional das crianças se estas nascerem durante a seca? Através do nosso modelo, colocámos esta questão em vários países que enfrentam secas recorrentes. Os resultados demonstram o devastador impacto da seca nas oportunidades de vida das crianças afectadas: • Na Etiópia, as crianças com cinco ou menos de cinco anos têm uma probabilidade de subnutrição de 36% e de um baixo crescimento de 41%, se tivessem nascido durante um ano de seca e fossem afectados pela mesma. Isto traduz-se em cerca de 2 milhões de crianças subnutridas “adicionais”. • No Quénia, nascer num ano de seca aumenta a probabilidade de subnutrição das crianças em 50 %. • No Níger, as crianças com dois ou menos anos de idade, que nasceram num ano de seca e foram afectadas pela mesma, têm uma probabilidade de baixo crescimento de 72%, apontando para uma conversão rápida das secas em graves dé ces nutricionais. Estas conclusões têm importantes implicações no contexto das alterações climáticas. Mais claramente, demonstram que a incapacidade das famílias pobres em lidar com os choques climáticos “actuais” é, já, uma fonte imprescindível da dissolução das capacidades humanas. A subnutrição não constitui uma efeito negativo que desaparece quando as chuvas regressam ou quando o nível das águas das inundações desce. Cria ciclos de desvantagem que as crianças abarcarão para o resto das suas vidas. As mulheres indianas nascidas durante uma seca ou inundação Os governos podem desempenhar um papel crucial na criação de mecanismos de construção da resiliência, de apoio à gestão de riscos em benefício dos pobres e de redução da vulnerabilidade 90 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual “A previsão é muito difícil, especialmente em termos de futuro”, comentou Niels Bohr, o físico dinamarquês laureado com o prémio Nobel. A observação feita aplica-se, com especial intensidade, ao clima. No entanto, enquanto que os fenómenos especí - cos são incertos, as mudanças, em condições médias associadas às alterações climáticas, podem ser previstas. O Quarto Relatório de Avaliação do PIAC fornece um conjunto devidamente estimado de projecções para o futuro climático. Estas projecções não constituem prognósticos climáticos para cada país. O que oferecem é um conjunto de probabilidades para as grandes alterações dentro dos padrões climáticos. A história subjacente tem implicações importantes para o desenvolvimento humano. Ao longo das futuras décadas irá haver um crescimento continuado na exposição humana a tais fenómenos como secas, inundações e tempestades. Os fenómenos climáticos extremos tornar-se-ão mais frequentes e intensos, com uma menor exactidão e previsibilidade das épocas de chuvas e monções. Nesta secção, concedemos um quadro geral das relações desde as projecções do PIAC aos efeitos para o desenvolvimento humano.44 Focamos os efeitos “prováveis” e “muito prováveis” para o clima, de nidos como resultados com uma probabilidade de ocorrência com mais de 66% e 90%, respectivamente.45 Ainda que estes efeitos correspondam apenas a condições médias globais e regionais, ajudam a identi car fontes emergentes de riscos e vulnerabilidades. Produção agrícola e segurança alimentar Projecção do PIAC: Aumentos da precipitação em elevadas latitudes e decréscimos nas latitudes subtropicais, permanecendo o padrão actual de aridez em algumas regiões. Prevê-se que o aquecimento esteja acima da média geral ao longo da África Subsariana, do leste e sul da Ásia. Em muitas regiões marcadas pela escassez hídrica, prevê-se que as alterações climáticas reduzam bastante a disponibilidade da água através do aumento da frequência de secas, da crescente evaporação e das mudanças nos padrões de precipitação e de escoamento. 46 Projecção para o desenvolvimento humano: Grandes perdas na produção agrícola, que irão levar a uma crescente subnutrição e a escassas oportunidades para a redução da pobreza. De um modo geral, as alterações climáticas irão baixar os rendimentos e reduzir as oportunidades das populações vulneráveis. Em 2080, o número de pessoas acrescidas em risco de fome poderá atingir 600 milhões – o dobro do número de pessoas que vive, actualmente, na pobreza na África Subsariana. 47 As avaliações globais do impacto das alterações climáticas na agricultura escondem variações bastante extensas ao longo e mesmo dentro dos países. Em termos gerais, as alterações climáticas irão aumentar os riscos e reduzir a produtividade da agricultura dos países em vias de desenvolvimento. Por outro lado, 2.2 Um olhar sobre o futuro – os velhos problemas e os novos riscos das alterações climáticas Prevê-se que os países em vias de desenvolvimento se tornem mais dependentes das importações do mundo desenvolvido, com os seus agricultores a perder quotas de mercado no comércio agrícola nos anos 70 tinham uma probabilidade de 19% de nunca frequentarem a escola primária, em comparação com as mulheres, da mesma idade, que não foram afectadas por desastres naturais. Os riscos adicionais associados às alterações climáticas têm potencial para fortalecer estes ciclos de desvantagem. Realçamos a palavra “potencial”. Nem todas as secas são prelúdios de fomes, subnutrições ou de privação educacional. E nem todos os choques climáticos desencadeiam vendas de emergência de bens, aumentos, a longo prazo, de vulnerabilidades ou o alastramento de armadilhas de baixo desenvolvimento humano. Trata- -se de uma área na qual as políticas e instituições públicas marcam a diferença. Os governos podem desempenhar um papel crucial na criação de mecanismos de construção da resiliência, de apoio à gestão de riscos em benefício dos pobres e de redução da vulnerabilidade. As políticas, nestes campos, podem criar um ambiente propício ao desenvolvimento humano. Com as alterações climáticas, a cooperação internacional para a adaptação é a condição principal para levar estas políticas ao encontro dos riscos adicio - nais – um assunto ao qual regressamos no capítulo 4. RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 91 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual a produção poderá aumentar nos países desenvolvidos e, logo, a distribuição da produção alimentar do mundo poderá sofrer uma mudança. Prevê-se que os países em vias de desenvolvimento se tornem mais dependentes das importações do mundo desenvolvido, com os seus agricultores a perder quotas de mercado no comércio agrícola.48 Os padrões emergentes dos riscos das alterações climáticas na agricultura terão importantes implicações para o desenvolvimento humano. Cerca de três em cada quatro pessoas no mundo que vivem com menos de US$1 por dia residem em áreas rurais. O seu sustento depende da agricultura de subsistência, do trabalho de campo ou da pastorícia. 49 O mesmo de aplica à maioria dos 800 milhões de pessoas no mundo em estado de subalimentação. Os impactos das alterações climáticas na agricultura terão, por conseguinte, efeitos multiplicadores importantes. A produção agrícola e o emprego sustêm muitas economias nacionais (tabela 2.4). O sector agrícola é responsável por mais de um terço das receitas de exportação em cerca de 50 países em vias de desenvolvimento e por quase metade dos empregos no mundo em vias de desenvolvimento. 50 Na África Subsariana, em particular, as taxas de crescimento económico estão intrinsecamente relacionadas com as chuvas, tal como foi demonstrado através da experiência na Etiópia ( - gura 2.5). Para além disso, estima-se que cada US$1 Tabela 2.4 A agricultura desempenha um papel crucial nas regiões em vias de desenvolvimento Fonte: Coluna 1: World Bank 2007d; coluna 2: WRI 2007b. Valor acrescentado agrícola (% do GDP) 2005 Força laboral agrícola (% do total da força laboral) 2004 Estados Árabes 7 29 Ásia Oriental e Pacífi co 10 58 América Latina e Caraíbas 7 18 Ásia do Sul 17 55 África Subsariana 16 58 Figura 2.5 A variação dos rendimentos acompanha a variação da precipitação na Etiópia Precipitação anual comparada com a média de 1982-90 Crescimento do PIB Fonte: World Bank 2006e. 0 10 20 30 -10 -20 -30 1982 1985 1988 1991 1994 1997 2000 0 20 40 60 -20 -40 -60 Precipitação, diferença da média (%) PIB (% de mudança) África As alterações climáticas irão prejudicar a agricultura nos países em vias de desenvolvimento Figura 2.6 Mundo Países industriais Países em vias de desenvolvimento Ásia Médio Oriente e Norte de África América Latina v o n Á a Fonte: Cline 2007. –20 –10 0 10 20 Mudanças no potencial de produção agrícola (a década de 2080 como % do potencial de 2000) gerado pelo sector agrícola, na África Subsariana, crie até US$3 no sector não-agrícola.51 Exercícios de modelos climáticos apontam para mudanças bastante extensas nos padrões de produção. Um estudo realizou a média dos resultados de seis exercícios destes, identi cando mudanças no potencial de produção para a década de 2080. 52 Os resultados formam um quadro preocupante. A nível global, o potencial agregado da produção agrícola será relativamente pouco afectado pelas alterações agrícolas. No entanto, a média esconde variações signi cativas. Por volta da década de 2080, o potencial agrícola poderá aumentar em 8% nos países desenvolvidos, fundamentalmente em resultado de ciclos mais prolongados de crescimento de culturas, enquanto que nos países em vias de desenvolvi92 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual mento poderá cair em 9%, com a África Subsariana e a América Latina projectadas para sofrerem as maiores perdas ( gura 2.6). África Subsariana – uma região em risco Sendo a região mais pobre e dependente da chuva do mundo, a África Subsariana é objecto de especial preocupação. Por toda a região, os produtores agrícolas trabalham com recursos limitados em ambientes frágeis, sensíveis às mais pequenas mudanças nos padrões de temperatura e de chuva. Em zonas áridas, os sistemas so sticados de associação de culturas – milho e feijões, feijão-frade e sorgo e milheto e amendoim, por exemplo, têm vindo a ser desenvolvidos para enfrentar os riscos e manter a subsistência. As alterações climáticas constituem uma ameaça a estes sistemas e às vidas que estes que sustentam. Parte desta ameaça advém da expansão das áreas vulneráveis à seca, tal como foi projectado pelo Centro Hadley para Alterações Climáticas (mapa 2.1). Prevê-se que as áreas áridas e semi-áridas aumentem em 60 a 90 milhões de hectares. Por volta de 2090, em algumas regiões, as alterações climáticas terão potencial para causar danos extremos. A África Austral enfrentará ameaças especialmente severas: as produções resultantes da agricultura de sequeiro poderão diminuir até 50% entre 2000 e 2020, segundo o PIAC.53 Os sistemas agrícolas das zonas áridas irão registar alguns dos impactos mais devastadores das alterações climáticas. Um estudo observou as potenciais implicações para as zonas áridas na África Subsariana, conjugando uma subida da temperatura de 2,9º C com uma redução de 4 % na precipitação, em 2060. Eis o resultado: uma redução de lucros por hectare de cerca de 25%, em 2060. Nos preços de 2003, as perdas gerais de lucros representariam cerca de US$26 mil milhões em 2060 54 – um número que representa mais do que a ajuda bilateral à região, em 2005. De um modo mais extenso, o perigo reside no facto de que episódios de insegurança alimentar extremos, como os que têm frequentemente afectado países como Malaui, se tornarão mais comuns (caixa 2.7). A produção de culturas de rendimento, em muitos países, poderia ser posta em causa devido às alterações climáticas. Com um aumento de 2º C na média das temperaturas, prevê-se que o solo disponível para a plantação de café no Uganda diminua.55 Trata-se de um sector responsável por uma grande parcela de rendimentos nas zonas rurais e gura, proeminentemente, nas receitas de exportação. Em alguns casos, os exercícios de modelos geram resultados optimistas que escondem os processos pessimistas. Por exemplo, no Quénia, poderia ser possível manter a produção de chá, mas não nas zonas actuais. A produção no Monte Quénia teria de ser deslocada para as encostas mais altas, actualmente ocupadas por orestas, sugerindo que os danos ambientais poderiam constituir o corolário da produção sustentada. 56 As alterações climáticas, à escala projectada para a África Subsariana, terão consequências que irão para além das do nível agrícola. Em alguns países, existem perigos bastante graves que os alterados níveis climáticos transformarão em forças de con ito, por exemplo, os modelos climáticos para o Cordofão do Norte, no Sudão, indicam que as temperaturas irão aumentar em 1,5º C, entre 2030 e 2060, com a precipitação a descer em 5%. Os possíveis impactos na agricultura incluem uma queda de 70% na produção de sorgo. Este facto vem contrariar o cenário de fundo de um declínio a longo prazo na precipitação Mapa 2.1 Aridez: aumento da área de seca em África Fonte: Met Office 2006. –5 –3 –1 0 1 3 5 Índice de Severidade de Seca de Palmer A severidade da seca num cenário A2 do PIAC (mudança relativa ao período 2000-2090) Nota: Os limites demonstrados e as designações utilizadas neste mapa não implicam uma avaliação oficial ou aceitação por parte das Nações Unidas. Os cenários do PIAC descrevem plausíveis padrões futuros do crescimento da população, do crescimento económico, das mudanças tecnológicas e das emissões de CO2 associadas. Os cenários A1 pressupõem um rápido crescimento económico e populacional conjugado com uma dependência nos combustíveis fósseis (A1FI), na energia não fóssil (A1T) ou numa combinação (A1B). O cenário A2, aqui utilizado, pressupõe um menor crescimento económico, uma menor globalização e um crescimento populacional continuado. Uma mudança negativa no Índice de Severidade de Seca de Palmer, calculado com base nas projecções da precipitação e evaporação, pressupõe secas mais severas. RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 93 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual Os modelos das alterações climáticas pintam um quadro desolador para o Malaui. Prevê-se que o aquecimento global aumente as temperaturas em 2 a 3º C em 2050, com um declínio dos níveis de precipitação e redução da disponibilidade da água. A combinação entre temperaturas mais elevadas e a menor quantidade de água traduzir-se-á numa redução acentuada da humidade do solo, afectando os 90% dos agricultores de subsistência que dependem da produção de sequeiro. Prevê-se que a produção potencial para o milho, a principal cultura alimentar de subsistência, que, num ano normal, é fonte de três quartos do consumo de calorias, sofra uma queda de mais de 10%. É difícil estabelecer as implicações para o desenvolvimento humano. Os impactos das alterações climáticas irão sobrepor-se a um país assinalado por elevados níveis de vulnerabilidade, incluindo a fraca nutrição, e por uma das mais intensas crises de VIH/SIDA: perto de um milhão de pessoas padecem desta doença. A pobreza é endémica. Dois em cada três malauianos vivem abaixo do limite de pobreza nacional. Entre os 177 países avaliados no IDH, Malaui encontra-se em 164º lugar. A esperança média de vida caiu para cerca de 46 anos. As secas e inundações sucessivas nos recentes anos demonstraram as pressões acrescidas que as alterações climáticas poderão gerar. Em 2001/2002, o país sofreu uma das piores crises de fome dos últimos tempos, uma vez que as inundações cortaram um terço das produções de milho. Entre 500 e 1 000 de pessoas do centro e sul do país morreram durante o desastre ou no período imediatamente após o mesmo. Estima-se que cerca de 20 000 pessoas tenham morrido em consequência indirecta de subnutrição e doença associadas. À medida que os preços do milho subiram, a subnutrição aumentou: de 9% a 19% entre Dezembro de 2001 e Março de 2002, no distrito de Salima. A seca de 2001/2002 difi cultou as estratégias de resolução. As pessoas foram não apenas forçadas a cortar as refeições, a retirar as crianças da escola, a vender bens de família e a aumentar o trabalho precário, como também a comer sementes que serviriam para plantar e a transaccionar bens de produção por alimentos. Assim, muitos agricultores não tinham sementes para plantar, em 2002. Em 2005, o país estava novamente preso a uma crise causada pela seca, com mais de 4,7 milhões de pessoas, de uma população de mais de 13 milhões, a sofrerem privações alimentares. As alterações climáticas ameaçam fortalecer os já poderosos ciclos de privação criados pelas secas e inundações. Os riscos adicionais irão sobreporse a uma sociedade assinalada por profundas vulnerabilidades. Num ano “normal”, dois terços das famílias são incapazes de produzir milho sufi ciente para cobrir as necessidades do agregado familiar. O declínio da fertilidade do solo, associado ao acesso limitado a fertilizantes, créditos e outros recursos, reduziu a produção do milho de 2,0 toneladas por hectare a 0,8 toneladas, nas últimas duas décadas. As perdas de produtividade associadas à redução da precipitação irão piorar um quadro já desolador por si só. À parte das consequências imediatas para a saúde, o vírus VIH/SIDA criou novas categorias de grupos vulneráveis. Estes incluem famílias sem trabalhadores adultos ou lideradas por idosos ou crianças e famílias com membros doentes, incapacitados de manter a produção. As mulheres enfrentam o triplo peso da produção agrícola, dos cuidados prestados às vítimas com o VIH/SIDA e órfãos e do abastecimento de água e lenha. Quase todas as famílias afectadas com o VIH/SIDA, incluídas numa sondagem à região Central, registaram uma diminuição da produção agrícola. Os grupos afectados com o VIH/SIDA estarão na linha da frente, enfrentando os riscos adicionais das alterações climáticas. Para um país como Malaui, as alterações climáticas têm potencial para criar retrocessos extremos no desenvolvimento humano. Prevê-se que mesmo os mais pequenos aumentos dos riscos, causados pelas alterações climáticas, poderão criar rápidas espirais descendentes. Alguns riscos poderão ser mitigados através de uma melhor informação, de infra-estruturas de gestão de inundações e de medidas de resposta às secas. A resiliência social tem de ser desenvolvida através da provisão social, de subsídios de assistência social e de redes de segurança que aumentem a produtividade das famílias mais vulneráveis, capacitando-os para enfrentarem os riscos de um modo mais efi caz. Caixa 2.7 As alterações climáticas em Malaui – mais e piores que, juntamente com o sobrepastoreio, tem assistido a um avanço dos desertos de 100 quilómetros, em algumas regiões do Sudão, nos últimos 40 anos. A interacção entre as alterações climáticas e a contínua degradação ambiental possui potencial para agravar um vasto leque de con itos, di cultando os esforços para a construção de uma base de segurança humana e de paz a longo prazo. 57 Ameaças mais abrangentes Estas ameaças extremas na África Subsariana não deverão desviar a atenção de riscos mais abrangentes para o desenvolvimento humano. As alterações climáticas terão importantes, embora incertas consequências para os padrões de precipitação no mundo em vias de desenvolvimento. Muitas incertezas rondam o El Niño/Oscilação Sul (ENSO) – um ciclo atmosférico a nível das águas dos oceanos que abrange um terço do globo Em termos gerais, o El Niño aumenta o risco de seca no sul e leste da Ásia e acresce a actividade de furacões no Atlântico. Uma pesquisa realizada na Índia reuniu evidências de ligações existentes entre o EL Niño e a época de monção, da qual depende a viabilidade de todo um sistema agrícola. 58 Mesmo as pequenas alterações na intensidade das monções podem gerar consequências dramáticas para a segurança alimentar no sul da Ásia. As projecções globais das alterações climáticas podem esconder efeitos locais importantes. Consi- Fonte: Devereux 2002, 2006c; Menon 2007a; Phiri 2006; República de Malaui 2006. 94 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual dere o caso da Índia. Algumas projecções apontam para aumentos agregados substanciais na precipitação de todo o país. No entanto, é provável que haja mais precipitação durante os períodos de monções intensas em partes do país já com abundância de água (criando um risco crescente de inundação), enquanto que outras zonas extensas registarão uma menor precipitação. Estas incluem zonas propensas a secas em Andhra Pradesh, Guzerate, Madhya Pradesh e Rajastão. A pesquisa do micronível climático, realizada para Andhra Pradesh, demonstra temperaturas a subir em 3,5º C, em 2050, levando a um declínio de 8% a 9% nos rendimentos de culturas intensamente dependentes da água, como o arroz.59 Perdas a esta escala representariam uma fonte de vulnerabilidades bastantes acrescidas no modo de subsistência rural. A diminuição da produção reduziria o total de alimentos produzidos pelas famílias para o seu próprio consumo, cortaria os abastecimentos dos mercados locais e diminuiria as oportunidades de emprego. Nesta área, também as evidências do passado poderão lançar uma luz sobre as futuras ameaças. Em Andhra Pradesh, uma sondagem em oito distritos de zonas áridas revelou que as secas ocorriam, em média, uma vez em 3 a 4 anos, conduzindo a perdas no valor de produção de 5% a 10%. Isto é o su ciente para colocar muitos agricultores abaixo da linha de pobreza. Os modelos para os rendimentos agrícolas, na Índia, sugerem que uma subida da temperatura de 2º C a 3,5º C poderia estar associada a uma redução dos rendimentos líquidos agrícolas de 9% a 25%. 60 As implicações desta projecção não deveriam ser subestimadas. Embora a Índia seja uma economia de elevado crescimento, os lucros têm vindo a ser distribuídos de uma forma desigual e existe um grande atraso no desenvolvimento humano. Cerca de 28% da população, 320 milhões de pessoas, vive abaixo do limite de pobreza, com três quartos dos pobres a residir em zonas rurais. O desemprego entre os trabalhadores rurais, um dos grupos mais pobres, está a aumentar, e quase metade das crianças do meio rural têm um peso insu ciente para a sua idade. 61 A imposição de riscos adicionais das alterações climáticas neste grande dé- ce de desenvolvimento humano iria comprometer a ambição do “crescimento inclusivo”, estabelecido no décimo-primeiro Plano 5 Anos da Índia. As projecções para outros países da Ásia Austral também não são animadoras: • Os exercícios dos cenários climáticos para Bangladesh sugerem que uma subida de temperatura de 4ºC poderia reduzir a produção do arroz em 30% e a produção de trigo em 50%. 62 • No Paquistão, os modelos climáticos simulam perdas de produções agrícolas de 6% a 9% para o trigo, com a subida de 1º C de temperatura. 63 As projecções nacionais para as alterações climáticas em outras regiões con rmam as perdas económicas em larga – escala e danos para as famílias. Na Indonésia, os modelos climáticos que simulam o impacto das alterações de temperatura, o teor da humidade do solo e a precipitação na produtividade agrícola demonstram uma enorme dispersão de resultados, com as produções a diminuírem em 4% para o arroz e em 50% para o milho. As perdas serão especialmente assinaladas nas zonas costeiras, onde a agricultura é vulnerável à incursão da água salgada. 64 Na América Latina, a agricultura de subsistência é particularmente vulnerável, por um lado devido ao acesso limitado à irrigação e por outro porque o milho, um alimento básico em quase toda a região, é altamente sensível ao clima. Há uma considerável incerteza quanto às projecções para a produção de colheitas. No entanto, modelos recentes apontam como plausíveis os resultados que se seguem: • Para a agricultura de subsistência, as perdas de produção de milho irão rondar uma média de 10% por toda a região, mas irão atingir os 25% no Brasil. 65 • As perdas na produção de milho em regime de sequeiro serão bem maiores do que na produção em regime de irrigação, com alguns modelos a preverem perdas até 60% no México. 66 • Crescente erosão do solo e deserti cação causadas pelo aumento das chuvas e da temperatura no sul da Argentina, com precipitações intensas e uma crescente exposição à dani cação de produções de soja devido a inundações no distrito húmido e central de Pampas. 67 As mudanças na produção agrícola associadas às alterações climáticas terão importantes implicações para o desenvolvimento humano da América Latina. Embora a agricultura seja responsável por uma pequena parcela do emprego regional e do PIB, permanece como fonte de subsistência para uma grande parte dos pobres. No México, por exemplo, cerca de 2 milhões de produtores de baixo rendimento dependem do cultivo do milho de sequeiro. O milho é As perdas de produtividade associadas às alterações climáticas agravarão as desigualdades entre os produtores de culturas comerciais e de sequeiro, difi cultarão os modos de subsistência e contribuirão para as pressões que estão a conduzir a migrações forçadas RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 95 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual o principal alimento básico para os produtores nos estados do “cintura de pobreza” do sul do México, como o estado de Chiapas. A produtividade nestes estados anda, actualmente, à volta de um terço do nível na agricultura comercial de irrigação, di cultando os esforços de redução da pobreza. As perdas na produtividade associadas às alterações climáticas agravarão as desigualdades entre os produtores de culturas comerciais e de sequeiro, di cultarão os modos de subsistência e contribuirão para as pressões que estão a conduzir a migrações forçadas. Stress e escassez hídricos Projecção do PIAC: As mudanças dos padrões climáticos terão importantes implicações na disponibilidade da água. É bastante provável que os glaciares de montanha e as camadas de gelo continuem a decrescer. Com a subida das temperaturas, as mudanças nos padrões de escoamento e na crescente evaporação da água, as alterações climáticas terão um forte impacto na distribuição da água do planeta e no período dos seus uxos. Projecção para o desenvolvimento humano: Existem vastas zonas do mundo em vias de desenvolvimento que enfrentam a iminente perspectiva do aumento do stress hídrico. É provável que os uxos de água para as instalações humanas e para a agricultura diminuam, somando-se às já graves pressões nas zonas de stress hídrico. O degelo dos glaciares apresenta distintas ameaças para o desenvolvimento humano. No curso do século XXI, a água disponível armazenada nos glaciares e nas camadas de gelo irão escassear, colocando vários riscos para a agricultura, para o ambiente e para as instalações humanas. O stress hídrico irá gurar de um modo proeminente nas armadilhas de baixo desenvolvimento humano, esgotando os recursos ecológicos dos quais os pobres dependem e restringindo opções de emprego e de produção. A água é fonte de vida e de subsistência. Tal como demonstrámos no Relatório de Desenvolvimento Humano de 2006, é vital para a saúde e para o bem-estar das famílias e constitui um recurso essencial para a agricultura e para outras actividades produtivas. O acesso seguro e sustentável à água – a segurança hídrica no seu sentido mais vasto – é uma condição para o desenvolvimento humano. As alterações climáticas irão sobrepor-se a pressões mais amplas sobre os sistemas hídricos. Muitas bacias uviais e outros recursos hídricos estão já a ser insustentavelmente “explorados”. Actualmente, cerca de 1,4 mil milhões de pessoas vivem em bacias uviais “fechadas”, onde a utilização da água excede os níveis dos caudais, criando sérios danos ecológicos. Os sintomas do stress hídrico incluem o colapso de sistemas uviais no norte da China, a rápida queda dos níveis das águas subterrâneas no sul da Ásia e no Médio Oriente e os crescentes con itos referentes ao acesso à água. As alterações climáticas irão intensi car muitos destes sintomas. Ao longo do século XXI, estes poderão transformar os caudais de água que sustêm os sistemas ecológicos, a agricultura de irrigação e os abastecimentos domésticos de água. Num mundo que já enfrenta pressões cada vez maiores sobre os recursos hídricos, as alterações climáticas poderão adicionar cerca de 1,8 mil milhões de pessoas à população que vive num ambiente de escassez hídrica – de nida em termos de um limite de 1000 metros cúbicos per capita por ano – em 2080. 68 Os cenários para o Médio Oriente, que já é, actualmente, a região com maior stress hídrico do mundo, apontam na direcção de uma crescente pressão. Nove de catorze países na região apresentam, já, uma média de água disponível per capita abaixo do limite da escassez hídrica. Prevê-se uma diminuição da precipitação no Egipto, Israel, Jordão, Líbano e Palestina. Entretanto, as crescentes temperaturas e mudanças nos padrões de escoamento irão in uenciar o uxo dos rios dos quais dependem os países da região. De seguida estão alguns resultados que emergem dos exercícios nacionais de modelos relativos ao clima: • No Líbano, prevê-se que uma subida na temperatura de 1,2º C irá fazer descer a disponibilidade da água em 15% devido à mudança dos padrões de escoamento e de evaporação. 69 • No Norte de África, mesmo as mais pequenas subidas da temperatura poderão alterar dramaticamente a disponibilidade da água. Por exemplo, uma subida de 1º C poderia reduzir o escoamento da água da bacia de drenagem do rio Ouergha de Marrocos, em 10%, em 2020. Se os mesmos resultados se mantiverem para as outras bacias de drenagem, o efeito será equivalente à perda de água armazenada numa grande represa, todos os anos. 70 • As projecções para a Síria apresentam reduções ainda mais profundas: um declínio de 50% na As alterações climáticas irão sobrepor-se a pressões mais amplas sobre os sistemas hídricos. Muitas bacias fl uviais e outros recursos hídricos estão já a ser insustentavelmente “explorados” 96 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual disponibilidade de água renovável, em 2050 (baseado em níveis de 1997). 71 Os cenários das alterações climáticas para a água no Médio Oriente não podem ser vistos de uma forma isolada. O rápido crescimento populacional, o desenvolvimento industrial, a urbanização e a necessidade de água de irrigação para alimentar uma população em crescente número, estão já a exercer imensa pressão sobre os recursos hídricos. Os efeitos adicionais das alterações climáticas irão somar-se a esta pressão dentro dos países, gerando, potencialmente, tensões sobre os uxos hídricos entre países. Os acessos às águas do rio Jordão, aos aquíferos transfronteiriços e ao rio Nilo poderão constituir alvos de tensões políticas na ausência de fortes sistemas de gestão hídrica. O recuo dos glaciares O degelo glaciar apresenta ameaças para mais de 40% da população mundial. 72 A hora e a magnitude especí cas destas ameaças permanece incerta. No entanto, não são uma prospecção distante. Os glaciares estão já em degelo a um nível galopante. É pouco provável que esta tendência se reverta nas próximas duas ou três décadas, mesmo sob uma mitigação urgente. Os cenários das alterações climáticas apontam para um aumento dos uxos hídricos a curto prazo, seguido de uma aridez a longo prazo. Os milhares de glaciares situados ao longo de 2400 quilómetros da cadeia montanhosa dos Himalaias constituem o epicentro de uma crise emergente. Estes glaciares formam extensos tanques de água. Armazenam água e neve em forma de gelo, desenvolvendo reservatórios durante o Inverno e libertando o conteúdo durante o Verão. O caudal sustenta os sistemas uviais que constituem a fonte de subsistência de muitos sistemas ecológicos e agrícolas. Himalaias é uma palavra sânscrita que se traduz por “morada da neve” Actualmente a morada dos glaciares, a maior massa de gelo fora das camadas polares, está a diminuir a uma taxa de 10 a15 metros por ano.73 As evidências demonstram que o ritmo do degelo é incerto. Porém, o caminho da mudança é transparente. Em taxas actuais, dois terços dos glaciares da China – incluindo o Tian Shan – irão desaparecer em 2060, com um degelo total em 2100.74 O glaciar Gangotri, uma das maiores reservas de água que abastece 500 milhões de pessoas a viverem na bacia do Ganges, está a diminuir em 23 metros por ano. Um estudo recente realizado pela Agência Espacial Indiana, utilizando imagens de satélite e abrangendo 466 glaciares, observou 20% de redução nas dimensões dos mesmos. Os glaciares do planalto Qinghai – Tibete, um barómetro mundial das condições climáticas e fonte dos rios Amarelo e Yangtze, têm vindo a derreter em 7% por ano. 75 Em qualquer cenário referente às alterações climáticas que exceda o perigoso limite de mudanças climatéricas de 2º C, haverá um aceleramento do nível do recuo glacial. O rápido degelo glacial cria alguns riscos imediatos para o desenvolvimento humano. As avalanches e inundações criam especiais riscos para as regiões montanhosas com uma elevada densidade populacional. Actualmente, um dos países que enfrenta graves riscos e o Nepal, onde os glaciares estão a recuar a uma taxa de vários metros por ano. Lagos formados por águas de glaciares em degelo estão a aumentar a um ritmo alarmante – o Lago Tsho Rolpa constitui um desses casos e tem aumentado sete vezes mais nos últimos 50 anos. Uma abrangente avaliação realizada em 2001 identi cou 20 lagos glaciares que poderão potencialmente exceder as suas reservas, com consequências devastadoras para as pessoas, agricultura e infra-estruturas hidroeléctricas, caso não sejam tomadas medidas urgentes. 76 À medida que os reservatórios glaciares se esgotarem, os caudais irão diminuir. Sete dos grandes sistemas uviais da Ásia – Bramaputra, Ganges, Amarelo, Indo, Mekong, Salwin e Yangtze – serão afectados. Estes sistemas uviais fornecem água e garantem o abastecimento de alimentos para mais de 2 mil milhões de pessoas. 77 • O caudal do Indo, que recebe perto de 90% da sua água a partir de reservatórios das altas montanhas, poderá diminuir cerca de 70% em 2080. • O Ganges poderá perder dois terços do seu caudal do período Julho – Setembro, causando a diminuição de água para mais de 500 milhões de pessoas e para um terço do solo de irrigação da índia. • As projecções para o rio Bramaputra apontam para reduções dos caudais entre 14% e 20%, em 2050. Na Ásia Central, os efeitos das perdas recorrentes do degelo glaciar nos rios Amu Dária e Sir Dária poderiam restringir o caudal de água para irrigação no Uzbequistão e Cazaquistão e comprometer os planos de desenvolvimento de energia hidroeléctrica no Quirguistão. Os últimos 25 anos assistiram à transformação de alguns sistemas glaciares dos trópicos. O seu inevitável desaparecimento acarreta implicações potencialmente devastadoras para o crescimento económico e para o desenvolvimento humano RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 97 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual Ao longo das duas últimas décadas, a China tem vindo a emergir como a fábrica do mundo. O rápido crescimento económico tem andado lado a lado com um acentuado declínio na pobreza e com um melhoramento dos indicadores do desenvolvimento humano. No entanto, a China é altamente vulnerável às alterações climáticas. Em 2020, prevê-se que a média das temperaturas na China sejam 1,1º C e 2º C acima dos níveis do período 1961 – 1990. Neste país tão vasto, os efeitos serão diversos e complexos, estendendo-se por várias zonas climáticas. No entanto, uma Avaliação Nacional das Alterações Climáticas prevê mais secas, uma maior extensão de desertos e uma redução de recursos hídricos. As projecções para a agricultura sugerem que a produção do arroz, milho e trigo poderão cair em 10% em 2020 e até 37% durante a segunda metade do século devido aos factores associados ao clima. Tal como em outros países, as alterações climáticas na China fornecem uma poderosa demonstração das pressões ecológicas criadas pelo rápido crescimento económico. As bacias fl uviais do Hai, Huai e Huang (Amarelo) (as bacias dos 3 Hs) abastecem pouco menos de metade da população da China. Com as crescentes exigências da indústria, dos centros urbanos e da agricultura, a água que está a ser retirada das bacias representa o dobro da taxa do seu reabastecimento. Eis o resultado: rios que já não chegam ao mar e decréscimo das águas subterrâneas. Qualquer redução nos caudais das bacias dos 3 Hs poderia rapidamente transformar uma crise ecológica num franco desastre socio-económico. Cerca de um terço do PIB da China tem a sua origem nas bacias, juntamente com uma vasta parcela da sua produção de grãos. Um em cada dois pobres rurais vive aqui – a sua maioria é directamente dependente da agricultura. Tal como a seca, as crescentes temperaturas e o reduzido escoamento, em resultado das alterações climáticas, criam efeitos, e o claro perigo é que os custos de adaptação serão suportados primeiramente pelos pobres. No oeste da China todos os sistemas ecológicos estão sob ameaça. Os aumentos de temperatura projectados para esta região são de 1º C a 2,5º C, em 2050. O planalto Qinghai- Tibete cobre uma superfície do tamanho da Europa Ocidental e contêm mais de 45 000 glaciares. Estes glaciares estão a recuar a uma taxa de 131,4 quilómetros quadrados por ano. Segundo as tendências actuais, a maioria irá desaparecer completamente no final do século. O que está a ocorrer com os glaciares da China constitui uma crise de segurança ecológica nacional de primeira ordem. A curto prazo, é provável que os crescentes caudais de água resultantes do degelo conduzam a um maior número de inundações. A longo prazo, o recuo dos glaciares privará as comunidades que habitam as montanhas dos seus recursos de água e transformará grandes faixas do meio ambiente da China. A desertifi cação irá marcar passo à medida que as crescentes temperaturas e as actividades de utilização do solo aceleram a erosão do mesmo. Fenómenos como as 13 maiores tempestades de areia registadas em 2005, tendo uma depositado 330 000 toneladas de areia em Beijing, irão tornar-se mais comuns. Entretanto, os caudais do rio Yangtze, do rio Amarelo e de outros rios que têm a sua origem no planalto Qinghai – Tibete irão sofrer um declínio, somando-se ao stress dos sistemas ecológicos hídricos. Não são apenas os ambientes rurais que irão sofrer. A cidade de Xangai é particularmente vulnerável aos acontecimentos associados ao clima. Situado na foz do rio Yangtze, a uma altitude de apenas 4 metros acima do nível da água, a cidade enfrenta graves riscos de inundação. Os tufões de Verão, os surtos de tempestades e o excessivo escoamento dos rios contribuem para as inundações extremas. Os 18 milhões de habitantes da cidade de Xangai enfrentam, sem excepção, riscos de inundações. A subida dos níveis da água do mar e os crescentes surtos de tufões colocaram a cidade costeira na lista de perigo. No entanto, a vulnerabilidade está principalmente concentrada entre os estimados 3 milhões de residentes temporários que migraram das zonas rurais. Vivendo em acampamentos provisórios à volta de locais de construção ou em zonas propensas a inundações e com direitos e títulos limitados, esta população está sujeita a uma enorme exposição aos riscos, apresentando uma vulnerabilidade extrema. Caixa 2.8 As alterações climáticas e a crise hídrica da China Fonte: Cai 2006; O’Brien e Leichenco 2007; República Popular da China 2007; Shen e Liang 2003. Os cenários das alterações climáticas para o degelo dos glaciares irão interagir com os já graves problemas ecológicos e exercer pressão sobre os recursos hídricos. Na Índia, a competição entre a indústria e a agricultura está a criar tensões sobre a distribuição das águas entre os estados. A redução dos caudais recorrentes dos glaciares irá intensi car as tensões. O norte da China é já uma das regiões com maior stress hídrico do mundo. Em partes das bacias do Huai, Hai e Huang (Amarelo) (as bacias dos “3 Hs”), a actual extracção de águas constitui 140% de abastecimento renovável – um facto que explica a rápida diminuição dos principais sistemas uviais e a redução das águas subterrâneas. A média prazo, os alterados padrões do degelo dos glaciares irão juntarse a esse stress hídrico. Numa zona que alberga cerca de metade dos 128 milhões de pobres rurais, que contém cerca de 40% do solo agrícola do país e é responsável por um terço do PIB, esta situação acarreta sérias implicações para o desenvolvimento humano (caixa 2.8). 78 Os glaciares tropicais estão também a diminuir Os glaciares tropicais estão a recuar de um modo ainda mais rápido do que os dos Himalaias. No tempo de existência de um glaciar, um quarto de século representa um piscar de olhos. Porém, os últimos 25 anos assistiram à transformação de alguns sistemas glaciares dos trópicos. O seu inevitável desaparecimento acarreta implicações potencialmente devastadoras para o crescimento económico e para o desenvolvimento humano. 98 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual Sondagens realizadas por geólogos sugerem que o nível a que os glaciares da América Latina recuam está a aumentar. Existem 2500 quilómetros quadrados de glaciares nos Andes tropicais, de entre os quais 70% se situam no Peru e 20% na Bolívia. A restante massa distribui- se pela Colômbia e Equador. Desde o início dos anos 70 que se estima que a área da superfície dos glaciares do Peru tenha reduzido entre 20% e 30%, com a superfície de gelo de Quelcaya na vasta Cordilheira Branca a perder quase um terço da sua área. Alguns dos mais pequenos glaciares na Bolívia desapareceram A redução dos glaciares da América Latina Figura 2.7 Fonte: Painter 2007, basedo em dados da Comunidade dos Andes. Peru 2006 1,370 km2 1970 1,958 km2 Bolívia 2006 396 km2 1975 562 km2 Equador 2006 79 km2 1976 113 km2 Colômbia 2006 76 km2 1950 109 km2 Venezuela 2006 2 km2 1950 3 km2 ( gura 2.7). Uma pesquisa realizada pelo Banco Mundial prevê que muitos dos mais pequenos glaciares dos Andes serão, dentro de uma década, matéria de discussão nos livros de História. 79 Um dos perigos imediatos é o facto do degelo levar à formação de lagos glaciares mais amplos, causando um crescente risco de inundações, avalanches, deslizamentos de lamas e o rebentamento de represas. Os sinais do aquecimento são já bastante evidentes: por exemplo, a área de superfície do Lago Safuna Alta, na Cordilheira Branca, no Peru, aumentou por um factor, de entre cinco, desde 1975. 80 Muitas bacias hidrográ cas alimentadas por glaciares têm sofrido, nos últimos anos, um aumento do escoamento. No entanto, os modelos prevêem uma rápida queda dos caudais após 2050, especialmente na estação seca. Este facto constitui uma especial preocupação para o Peru. As populações que vivem nas zonas áridas costeiras, incluindo a capital, Lima, dependem, de um modo crítico, dos recursos hídricos dos glaciares em degelo dos Andes. Num país que se encontra já na luta do fornecimento de serviços hídricos básicos às populações urbanas, o degelo dos glaciares constitui uma real e eminente ameaça ao desenvolvimento humano (caixa 2.9). Aumento do nível do mar e exposição a riscos climáticos extremos Projecção do PIAC: É provável que os ciclones tropicais – tufões e furacões – se tornem mais intensos à medida que os oceanos aquecem, com picos de velocidade mais elevados e com precipitações mais intensas. Todos os tufões e furacões são desencadeados pela energia glacial libertada dos oceanos – e os níveis de energia irão aumentar. Um estudo revelou o dobro do poder de dissipação nos ciclones tropicais, ao longo das últimas décadas. 81 Os níveis das águas do mar continuarão a subir, embora não se saiba quanto. Os oceanos absorveram mais de 80% do crescente calor gerado pelo aquecimento global, prendendo o mundo a uma contínua expansão ter - mal. 82 As secas e inundações irão tornar-se mais frequentes e alastradas por uma grande parte do mundo. Projecção para o desenvolvimento humano: Os cenários dos riscos emergentes ameaçam muitas dimensões do desenvolvimento humano. Os fenómenos climáticos extremos e imprevisíveis são já uma enorme fonte de pobreza. Proporcionam uma insegurança a curto prazo e destroem os esforços de longo prazo RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 99 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual vocacionados para o aumento da produtividade, melhoria da saúde e desenvolvimento da educação, perpetuando, assim, as armadilhas de baixo desenvolvimento humano, caracterizadas anteriormente neste capítulo. Muitos países têm populações numerosas e bastante vulneráveis que irão enfrentar um aumento acentuado dos riscos associados ao clima, em que as pessoas residentes em zonas costeiras, deltas, zonas urbanas degradadas e regiões propensas a secas, enfrentarão as ameaças imediatas. As alterações climáticas são apenas uma das forças que irão in uenciar o per l da exposição aos riscos nas próximas décadas. Outros processos globais, entre eles o stress ecológico, a urbanização e o crescimento da população, irão, igualmente, ser importantes. No entanto, as alterações climáticas irão recon gurar os padrões de riscos e vulnerabilidades pelas regiões. É provável que a combinação entre os crescentes acidentes climáticos e a decrescente resiliência demonstre ser uma mistura letal para o desenvolvimento humano. Qualquer aumento da exposição aos riscos associados com o clima tem de ser avaliado à luz do quadro geral da actual exposição. Este quadro inclui os seguintes números de pessoas que enfrentam acidentes associados ao clima: 83 Durante séculos, o escoamento dos glaciares na cadeia montanhosa dos Andes tem irrigado os solos agrícolas e abastecido as instalações humanas com um caudal previsível. Actualmente, os glaciares estão entre os primeiros perigos das alterações climáticas. Estão a derreter depressa e o seu eminente desaparecimento tem implicações potencialmente negativas para o desenvolvimento humano na região Andina. O Peru e a Bolívia são os locais com a maior superfície de glaciares tropicais do mundo – cerca de 70% do total, da América Latina, situa-se no Peru e 20% na Bolívia. Estes países albergam também algumas das maiores concentrações de pobreza e de desigualdades socio-económicas da América Latina – a região mais desigual do mundo. O degelo dos glaciares ameaça não apenas diminuir a disponibilidade da água como também ameaça acentuar estas disparidades. A geografi a constitui uma parte da explicação para os riscos que países como o Peru enfrentam. O Peru Oriental tem 98% dos recursos hídricos do país, porém, dois em cada três peruanos vivem na costa do deserto ocidental – umas das regiões mais áridas do mundo. Os abastecimentos urbanos de água e a actividade económica são suportados por cerca de 50 rios que correm desde os Andes, com cerca de 80% dos recursos de água doce resultantes do derretimento glacial ou da neve. As águas de superfície alimentadas pelos glaciares constituem uma fonte hídrica, não apenas para muitas zonas rurais, como também para as principais cidades e para a produção da energia hidroeléctrica. O Peru tem registado algumas das taxas mais rápidas do recuo dos glaciares do mundo. Entre 20% e 30% da área de superfície glaciar desapareceu nas últimas três décadas. Essa área é equivalente à superfície glaciar total do Equador. A capital, Lima, com uma população de aproximadamente 8 milhões, situa-se na costa. Lima recebe a água a partir do Rio Rimac e de outros rios da Cordilheira Central, todos dependentes, a diversos níveis, do degelo glaciar. Existe, já, um enorme espaço entre a oferta e a procura de água. A população, em geral, está a crescer em 100 000 pessoas por ano, aumentando a procura de água. O racionamento é já comum durante os meses de Verão. Com reservas limitadas e com o aumento da exposição às secas, a cidade irá deparar-se, a curto prazo, com um maior racionamento. A rápida recessão glacial na vasta Cordilheira Branca, no norte dos Andes, iria colocar em questão o futuro da agricultura, da extracção mineral, da produção eléctrica e dos abastecimentos de água ao longo de extensas áreas. Um dos rios alimentados pela Cordilheira Branca é o Rio Santa. O rio é responsável por um vasto conjunto de modos de subsistência e de actividades económicas. Em altitudes entre os 2 000 e os 4 000 metros, o rio fornece a água que irriga, maioritariamente, a agricultura de subsistência. Nos vales mais baixos, irriga, principalmente, a agricultura comercial de grande escala e contribui para dois grandes projectos de irrigação destinados a colheitas de exportação. Os seus caudais geram energia hidroeléctrica e fornecem água potável a duas grandes áreas urbanas na costa do Pacífi co – Chimbote e Trujillo – com uma população conjunta de mais de um milhão de pessoas. O problema é que até 40% do caudal da estação seca do Rio Santa resulta do degelo da superfície gelada, que não é reabastecida por meio da precipitação anual. As consequências poderiam incluir grandes perdas económicas e prejuízos para os modos de subsistência. O projecto de irrigação Chavimochic, no Rio Santa, tem contribuído para um notável boom nacional na agricultura não-tradicional. O total de exportações do sector aumentou de US$302 milhões, em 1998, a US$1 mil milhões, em 2005. O boom tem vindo a ser suportado por produtos de irrigação intensiva como alcachofras, espargos, tomates e outros vegetais. O degelo glaciar ameaça destruir a viabilidade dos investimentos na irrigação, difi cultando o emprego e o crescimento económico no processo. Monitorizar o recuo dos glaciares tropicais na Andes peruanos é algo relativamente linear. Desenvolver uma resposta é um desafi o maior. A compensação pelas perdas dos fl uxos dos glaciares, a médio prazo, iria exigir milhares de milhões de dólares de investimento na construção de túneis por baixo dos Andes. A compensação pelas perdas de energia iria exigir investimentos na produção de energia termal, que, segundo a estimativa do Banco Mundial seriam de US$1,5 mil milhões. O preço estipulado coloca sérias questões relativamente à partilha de custos, tanto a nível doméstico como a nível internacional. No Peru, as pessoas não são responsáveis pelo degelo glaciar: respondem por 0,1% das emissões de carbono do mundo. No entanto, enfrentam a prospecção de pagarem um elevado preço fi nanceiro e humano pelas bem mais elevadas emissões de carbono dos outros países. Caixa 2.9 O degelo dos glaciares e a redução das prospecções pra o desenvolvimento humano Fonte: Carvajal 2007; CONAM 2004; Coudrain, Francou e Kundzewicz 2005; Painter 2007. 100 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual • 344 milhões expostos a ciclones tropicais; • 521 milhões expostos a inundações; • 130 milhões expostos a secas; • 2,3 milhões expostos a deslizamentos de terra. Tal como estes cenários indicam, mesmo os mais pequenos aumentos de exposição a riscos ao longo do tempo irão afectar números bastante alargados de pessoas. Tal como as próprias alterações climáticas, as potenciais ligações entre as alterações dos padrões climáticos e as tendências de progressão dos riscos e vulnerabilidades são complexas. São, igualmente, não-lineares. Não existem cálculos preparados para avaliar o impacto que uma subida do nível do mar de 2 metros, a par com um aumento da intensidade das tempestades tropicais possa ter no desenvolvimento humano. Porém, é possível identi car algumas das ligações e mecanismos de transmissão. Seca A crescente exposição a secas constitui uma especial preocupação na África Subsariana, embora existam outras regiões, como o sul da Ásia e a América Latina, que poderão, também, ser afectadas. É provável que, nestas regiões, a produção agrícola seja prejudicada, especialmente as que são dominadas por produções de sequeiro. Na África Subsariana, prevê-se que as áreas adequadas para a actividade agrícola, a duração dos ciclos de crescimento e o potencial de produção de alimentos básicos diminuam (ver, acima, a secção sobre a Produção agrícola e a segurança alimentar). Em 2020, entre 75 milhões a 250 milhões de pessoas na África Subsariana poderão ter as suas prospecções de subsistência e de desenvolvimento humano comprometidas devido à combinação de secas, crescentes temperaturas e aumento do stress hídrico. 84 Inundações e tempestades tropicais Existem largas margens de incerteza nas projecções para as populações expostas aos riscos de inundações. 85 A desintegração acelerada da superfície gelada da Antártida Ocidental poderia multiplicar as subidas dos níveis da água do mar por um entre cinco factores acima ou abaixo do máximo previsto pelo PIAC. No entanto, mesmo os cenários mais optimistas constituem uma fonte de preocupação. Ao longo dos últimos 15 anos, o Vietname tem traçado um notável progresso no desenvolvimento humano. Os níveis de pobreza diminuíram e os indicadores sociais melhoraram, colocando o país na linha da frente de quase todos os ODMs. As alterações climáticas colocam um eminente e real perigo para estas metas – e o Delta do Mekong é o melhor exemplo disso. O Vietname tem uma longa história de experiência com alterações climáticas. Situado numa zona de tufões, com uma longa linha de costa e deltas extensos, o país está perto do topo da lista dos desastres climáticos. Em média, existem seis a oito tufões por ano. Muitos deixam um rastro de destruição, matando e ferindo pessoas, danifi cando casas e barcos de pesca e destruindo colheitas. Os 8 000 quilómetros de diques marítimos e fl uviais do país, alguns dos quais desenvolvidos através do trabalho cooperativo ao longo dos séculos, são uma prova da escala do investimento nacional no âmbito da gestão de riscos. O Delta do Mekong constitui uma zona de especial preocupação. Sendo uma das partes com maior densidade populacional do Vietname, alberga 17,2 milhões de pessoas. Constitui, igualmente, o “cesto de arroz” do país, desempenhando um papel crucial na segurança alimentar nacional. O Delta do Mekong produz metade do arroz do Vietname e uma parcela ainda maior de produtos de pesca e fruta. O desenvolvimento da agricultura tem desempenhado um papel central na redução da pobreza do Delta do Mekong. Os investimentos nos sistemas de irrigação e o apoio aos serviços de mercado e de extensão têm permitido aos agricultores intensifi carem a produção, desenvolvendo duas ou mesmo três colheitas por ano. Os agricultores têm, igualmente, construído diques e represas para proteger os seus terrenos das inundações que poderão acompanhar os tufões ou as chuvas intensas. As alterações climáticas provocam ameaças a vários níveis. Prevê-se que a precipitação aumente e que o país enfrente tempestades tropicais mais intensas. Espera-se que o nível das águas do mar suba 33 cm em 2050 e 1 metro em 2100. Para o Delta do Mekong de baixa altitude este facto representa um cruel prognóstico. A subida do nível das águas do mar previsto para 2030 iria expor cerca de 45% do território do Delta do Mekong a uma salinização extrema e a prejuízos nas colheitas devido às inundações. O prognóstico para a produtividade das colheitas de arroz revela uma queda de 9%. Se os níveis das águas do mar subirem 1 metro, grande parte do Delta do Mekong fi caria completamente inundado em alguns períodos do ano. Como poderão estas alterações produzir impactos no desenvolvimento humano do Delta do Mekong? Enquanto que os níveis de pobreza têm vindo a descer, a desigualdade tem vindo a aumentar, conduzida, em parte, por elevados níveis de ausência de superfície terrestre. No Delta do Mekong, existem, ainda, 4 milhões de pessoas a viverem na pobreza. Muitas destas pessoas carecem de uma protecção básica de saúde e as taxas de abandono escolar das crianças são elevadas. Para este sector, mesmo a mais pequena descida no rendimentos ou a perda de oportunidades de emprego associados às inundações provocariam consequências adversas na nutrição, saúde e educação. Os pobres enfrentam um duplo risco. Têm uma maior probabilidade de residirem em zonas vulneráveis às inundações e têm uma menor probabilidade de residirem em habitações sólidas permanentes. Caixa 2.10 As alterações climáticas e o desenvolvimento humano no Delta do Mekong Fonte: Chaudhry e Ruysschaert 2007; Nguyen; UNDP e AusAID 2004. RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 101 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual Um modelo que utiliza um cenário do PIAC para o elevado crescimento da população estima que o número de pessoas adicionais que irão sofrer inundações costeiras será de 134 a 332 milhões de pessoas, a uma subida da temperatura entre 3ºC a 4ºC. 86 Considerando a actividade das tempestades tropicais como mais um factor, os números afectados subiriam para 371 milhões no nal do século XXI. 87 De entre as consequências do aumento dos níveis da água do mar para 1 metro destacam-se os seguintes: • No Baixo Egipto, haverá uma potencial deslocação de 6 milhões de pessoas e inundações de 4,500 km2 de solo agrícola. Trata-se de uma região marcada por elevados níveis de privação em muitas zonas rurais, com 17% da população – cerca de 4 milhões de pessoas – a viver abaixo do limiar de pobreza. 88 • A deslocação até 22 milhões de pessoas no Vietname, com perdas até 10% do PIB. As inundações e tempestades mais intensas poderão abrandar o progresso do desenvolvimento humano em grandes zonas populacionais, incluindo o Delta do Mekong (caixa 2.10). • No Bangladesh, a subida de um metro nos níveis das águas do mar inundaria 18% do território, ameaçando, directamente, 11 % da população. O impacto da subida das águas do mar nos níveis uviais poderia afectar mais de 70 milhões de pessoas. 89 Ainda que a maioria das pessoas afectadas pela subida dos níveis da água do mar residam num pequeno número de países com um largo número de população, os impactos distribuir-se-ão de um modo bem mais extenso (tabela 2.5). Para muitos estados insulares de baixa altitude, a subida dos níveis das águas do mar e as tempestades apontam para uma crise socioeconómica e ecológica altamente previsível. Para as Maldivas, onde 80% do território está a menos de um metro acima do nível da água, mesmo os cenários das alterações climáticas mais optimistas apontam para profundas vulnerabilidades. Os pequenos Estados insulares em vias de desenvolvimento estão na linha da frente das alterações climáticas. São já altamente vulneráveis aos desastres climáticos. Estima-se que os danos anuais para as ilhas do Pací co de Fiji, Samoa e Vanuatu rondem os 2% a 7% do PIB. Em Kiribati, uma estimativa do custo combinado anual de danos relativo às alterações climáticas e às subidas do nível das águas do mar, sem Magnitude da subida do nível da água do mar (m) Impacto (% do total global) Superfície terrestre População PIB Área urbana Zona agrícola Zona húmida 1 0,3 1,3 1,3 1,0 0,4 1,9 2 0,5 2,0 2,1 1,6 0,7 3,0 3 0,7 3,0 3,2 2,5 1,1 4,3 4 1,0 4,2 4,7 3,5 1,6 6,0 5 1,2 5,6 6,1 4,7 2,1 7,3 Tabela 2.5 O aumento dos níveis do mar provocaria elevados impactos sociais e económicos Fonte: Dasgupta et al. 2007. a adaptação, forma um cenário com um nível equivalente a 17%-34% do PIB. 90 Algumas ilhas das Caraíbas correm, igualmente, riscos. Com uma subida de 50 centímetros dos níveis das águas do mar, mais de um terço das praias das Caraíbas se perderiam, implicando prejuízos para a indústria turística da região. Com um aumento de 1 metro, cerca de 11% do território das Bahamas poderia car permanentemente submerso. Entretanto, a intrusão da água do mar iria comprometer a disponibilidade de água doce, forçando os governos a assumir investimentos dispendiosos na dessalinização. 91 A actividade mais intensa das tempestades tropicais é uma das certezas resultantes das alterações climáticas. O aquecimento dos oceanos irá impulsionar ciclones mais intensos. Simultaneamente, as temperaturas mais elevadas dos oceanos e as alterações climáticas mais vastas poderão, também, alterar a direcção da rota dos ciclones e a distribuição da actividade das tempestades. O primeiro furacão da história do sul do Atlântico atingiu o Brasil em 2004 e, o ano de 2005, assinalou o primeiro furacão a passar pela Península Ibérica desde a década de 1820. Os cenários da actividade das tempestades tropicais demonstram a importância da interacção com os factores sociais. De modo particular, a rápida urbanização está a colocar a crescente população na direcção da calamidade. Há, aproximadamente, mil milhões de pessoas que vivem já em habitações urbanas informais, com números em contínuo crescimento. O UN- -HABITAT estima que, se as tendências actuais continuarem, cerca de 1,4 mil milhões de pessoas irão viver em zonas degradadas em 2020, chegando aos 2 mil milhões em 2030, ou seja, um em cada três habitantes urbanos. Embora mais de metade da população das zonas degradadas resida na Ásia, a África Subsariana regista 102 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual algumas das zonas degradadas com crescimento mais rápido do mundo. 92 Vivendo em habitações improvisadas, fre quentemente situadas em encostas vulneráveis a inundações e deslizamentos de terra, os habitantes das zonas degradadas estão altamente expostos e vulneráveis aos impactos das alterações climáticas. Estes impactos não serão somente determinados por processos físicos. As políticas públicas podem melhorar a resiliência em muitas zonas, desde o controlo de inundações à protecção infraestrutural contra os deslizamentos de terra e à provisão de direitos formais de habitação aos habitantes das áreas urbanas degradadas. Em muitos casos, a ausência de direitos formais constitui um entrave ao investimento em materiais de construção mais sólidos. As alterações climáticas irão gerar ameaças crescentes. A consistente mitigação será, ainda assim, insu ciente para amenizar estas ameaças até 2020. Até lá, os pobres urbanos terão de se adaptar às alterações climáticas. As políticas públicas de apoio poderão auxiliar nessa adaptação. Eis os pontos de partida: criar direitos de posse mais seguros, investir no melhoramento das áreas degradadas e fornecer água potável e saneamento básico aos pobres das áreas urbanas. Ecossistemas e biodiversidade Projecção do PIAC: Existe uma probabilidade de alta abilidade de que a resiliência de muitos ecossistemas será di cultada pelas alterações climáticas, devido ao aumento dos níveis de CO2 a reduzir a biodiversidade, dani cando ecossistemas e comprometendo os serviços que estes proporcionam. Projecção do desenvolvimento humano: O mundo caminha em direcção a perdas de biodiversidade sem precedentes e ao colapso dos sistemas ecológicos ao longo do século XXI. Com subidas das temperaturas a mais de 2º C, as taxas de extinção começarão a subir. A degradação ambiental irá acelerar o ritmo, com os sistemas de corais, orestais e de zonas húmidas a sofrerem rápidas perdas. Os processos estão em andamento. As perdas de ecossistemas e biodiversidade são intrinsecamente más para o desenvolvimento humano. O ambiente é, por seu direito, importante para as gerações actuais e futuras. No entanto, os ecossistemas vitais que fornecem um vasto leque de serviços também se perderão. Os pobres, que dependem mais intensamente desses serviços, suportarão o peso dos custos. Tal como em outras áreas, os processos das alterações climáticas irão interagir com pressões mais vastas sobre os ecossistemas e a biodiversidade. Muito dos grandes ecossistemas do mundo estão já sob ameaça. As perdas da biodiversidade estão a acumular-se em muitas regiões. As alterações climáticas constituem uma das forças que provocam estas tendências. Ao longo do tempo, tornar-se-á uma força mais poderosa. O estado de rápida deterioração do ambiente global fornece o contexto para a avaliação do impacto das alterações climáticas futuras. Em 2005, a Avaliação Ecossistemica do Milénio revelou que 60% da totalidade dos serviços de ecossistemas estavam ora degradados ora a ser utilizados de uma forma insustentável. 93 A perda de pântanos de mangue, sistemas de recifes de corais, orestas e zonas húmidas foi realçada como uma preocupação crucial, com a agricultura, o crescimento da população e o desenvolvimento industrial em acção conjunta para destruir a base dos recursos ambientais. Cerca de um em cada quatro mamíferos encontra-se em grave declínio. 94 As perdas dos recursos ambientais irão comprometer a resiliência humana face às alterações climáticas. As zonas húmidas são um exemplo. As zonas húmidas do mundo fornecem um esplêndido conjunto de serviços ecológicos. Detêm biodiversidade, fornecem produtos medicinais e madeireiros e sustêm stocks de peixe. Para além disso, protegem as zonas costeiras e as margens dos rios das tempestades e inundações, defendendo as instalações humanas das vagas do mar. Ao longo do século XX, o mundo perdeu metade das suas zonas húmidas devido à drenagem, à conversão à agricultura e à poluição. Actualmente, a destruição permanece a um ritmo acelerado, numa altura em que as alterações climáticas ameaçam criar tempestades mais intensas e vagas marítimas. 95 No Bangladesh, a contínua erosão das áreas de mangue no Sundabarns e em outras regiões, tem di cultado os modos de subsistência, aumentando a exposição à subida dos níveis das águas do mar. As alterações climáticas estão a transformar a relação entre as pessoas e a natureza. Muitos ecossistemas e a maioria das espécies são altamente susceptíveis a mudanças no clima. Os animais e plantas estão adaptados a zonas climáticas especí cas. Existe apenas umas espécie capaz de se adaptar ao clima através de termóstatos com aparelhos de aquecimento ou arrefecimento – trata-se da espécie responsável pelo As perdas de biodiversidade estão a acumular-se em muitas regiões. As alterações climáticas constituem uma das forças que provocam estas tendências. Ao longo do tempo, tornar-se-á uma força mais poderosa RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 103 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual aquecimento global. As plantas e animais têm de se adaptar através da deslocação. Os mapas ecológicos estão a ser recon gurados. Nas últimas três décadas, as linhas que assinalavam as regiões nas quais prevalecem as temperaturas médias – “isotérmicas” – têm-se deslocado em direcção aos pólos Norte e Sul, a um nível de cerca de 56 km por década.96 As espécies tentam seguir as suas zonas climáticas. As mudanças nas estações de orescimento, nos padrões de migração e na distribuição da fauna e ora têm vindo a ser detectadas por todo o mundo. As plantas alpinas estão a ser empurradas em direcção a altitudes mais elevadas, por exemplo. Porém, quando o ritmo do clima se tornar demasiadamente rápido ou quando as barreiras naturais, como os oceanos, bloquearem as rotas de migração, a extinção surgirá no horizonte. As espécies de maior risco são as dos climas polares, uma vez que não têm para onde ir. As alterações climáticas estão, literalmente, a empurrálas para fora do planeta. As alterações climáticas têm já contribuído para a perda de espécies – e o aquecimento global, na mesma linha de conduta, irá contribuir para essa perda. Porém, irão ocorrer impactos bem maiores a 2º C sobre os níveis pré-industriais. Este é o limite para que as taxas de extinção previstas comecem a subir. Segundo o PIAC, prevê-se que 20% a 30% das espécies animais e vegetais estejam em risco acrescido de extinção, caso as subidas das temperaturas médias globais excedam 1,5º C a 2,5º C, incluindo os ursos polares e os peixes que se alimentam nos recifes de corais. Cerca de 277 mamíferos de médio ou grande porte, em África, estariam em risco caso ocorresse um aquecimento de 3º C. 97 O Árctico sob ameaça A região do Árctico proporciona um antídoto à visão de que as alterações climáticas constituem uma ameaça futura incerta. Aqui, os frágeis sistemas ecológicos entraram em contacto com as subidas extremas de temperatura. Nos últimos 50 anos, a temperatura média anual à superfície em zonas desde o Alaska à Sibéria, tem aumentado em 3,6º C – mais do dobro da média total. A camada de neve desceu em 10% nos últimos 30 anos e a média da superfície gelada do mar em 15% a 20%. O perma1 ost está a derreter e a linha das árvores está a mudar em direcção ao norte. Os cenários das alterações climáticas apontam para um caminho preocupante. Prevê-se que as temperaturas médias de superfície aumentem em 3º C, em 2050, com reduções dramáticas na superfície gelada do mar no Verão intrusões de orestas em regiões de tundra, extensas perdas de ecossistemas e de vida selvagem. Existem várias espécies em risco. Tal como a Avaliação do Impacto Climático no Árctico a rma: “É provável que as espécies marinhas dependentes dos mares gelados, incluindo ursos polares, focas, morsas e algumas aves marinhas, diminuam e algumas delas se extingam”. 98 Os Estados Unidos reconheceram o impacto das alterações climáticas no Árctico. Em Dezembro de 2006, o Departamento do Interior dos Estados Unidos da América formulou uma proposta com base nas “melhores evidências cientí cas”, colocando o urso polar na Lista de Espécies Ameaçadas. Este acto reconhece, efectivamente, o papel desempenhado pelas alterações climáticas no aumento da sua vulnerabilidade – sendo necessárias agências governamentais para proteger as espécies. Mais recentemente, a somar aos ursos polares, foram anexadas 10 espécies de pinguim à lista que, por sua vez, estão também sob ameaça. Infelizmente, a melhor “evidência cientí ca” aponta para uma preocupante direcção: dentro de algumas gerações, os únicos ursos polares do planeta poderão ser os que estão nos jardins zoológicos do mundo. O mar gelado do Árctico de Verão, do qual dependem para a caça, tem vindo a diminuir em mais de 7% por década, desde o nal dos anos 70. Estudos cientí cos recentes sobre ursos polares adultos no Canadá e Alaska apresentaram uma perda de peso desta espécie, uma reduzida sobrevivência das crias e um aumento do número de ursos afogados, devido ao facto de terem de nadar mais longe em busca de presas. Na Baía de Hudson ocidental, as populações caíram em 22%. 99 As acções do Departamento do Interior dos Estados Unidos da América estabelecem um importante princípio de partilha de responsabilidades além fronteiras. Tal princípio possui rami cações mais vastas. Os ursos polares não podem ser tratados em isolamento. Fazem parte de um sistema ecológico e social mais extenso. E, se os impactos das alterações climáticas e as responsabilidades associadas dos governos são reconhecidos no caso do Árctico, o princípio deveria ser aplicado a exemplos mais vastos. As pessoas que vivem em zonas propensas a secas na África e em regiões propensas a inundações na Ásia são também afectadas. Seria inconsistente a aplicação de um conjunto A melhor “evidência científi ca” aponta para uma preocupante direcção: dentro de algumas gerações, os únicos ursos polares do planeta poderão ser os que estão nos jardins zoológicos do mundo 104 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual de regras para os ursos polares e outro para as pessoas vulneráveis, no âmbito da abordagem da mitigação e adaptação das alterações climáticas. O simples ritmo das alterações climáticas ao longo do Árctico está a criar desa os a muitos níveis. A perda do perma1 ost poderá libertar grandes quantidades de metano – um poderoso gás com efeito de estufa que poderia constituir uma barreira aos esforços de mitigação, agindo contra as “retrospectivas positivas”. O rápido derretimento do gelo do Árctico abriu novas zonas de exploração de petróleo e gás natural, dando origem a tensões entre os estados relativamente à interpretação da Convenção da Lei do Mar, de 1982. 100 No interior dos países, as alterações climáticas poderão levar a enormes prejuízos socio-económicos, dani cando infra-estruturas e ameaçando as construções humanas. Os cenários para a Rússia ilustram este facto. Com as alterações climáticas, a Rússia irá viver efeitos climáticos que poderiam desenvolver a produção agrícola, ainda que a elevada exposição às secas possa impedir quaisquer lucros. Uma das consequências mais previsíveis das alterações climáticas para a Rússia é o crescente derretimento do perma1 ost, que cobre aproximadamente 60% do país. O derretimento já causou subidas nos caudais de Inverno dos principais rios. O degelo acelerado irá afectar as construções humanas nas margens uviais e costeiras, expondo muitas pessoas ao risco de inundação. Irá, igualmente, exigir enormes investimentos na adaptação de infra-estruturas, como estradas, linhas de transmissão eléctrica e caminhos- de-ferro de Baikal Amur, potencialmente afectados. Estão já a ser traçados caminhos para proteger o planeado oleoduto de exportação de petróleo Sibéria Oriental – Pací co, através de uma extensa escavação, de modo a combater a erosão costeira associada ao derretimento do perma1 ost – mais uma demonstração de que as alterações ecológicas provocam verdadeiros custos económicos. 101 O recife de corais – um barómetro das alterações climáticas As regiões do Árctico oferecem ao mundo um sistema de alerta precoce bastante visível para as alterações climáticas. Existem outros ecossistemas que proporcionam um barómetro igualmente sensível, embora com uma visibilidade menos imediata. Os recifes de corais constituem um exemplo. Durante o século XXI, o aquecimento das águas do mar e a crescente acidi cação poderão destruir grande parte dos corais do planeta, gerando consequências socio-económicas e ecológicas devastadoras. O aquecimento das águas do mar têm contribuído para a destruição de recifes de corais a uma larga escala, com metade dos sistemas em declínio.102 Mesmo os períodos bastante curtos de temperaturas anormalmente elevadas – ainda que seja 1º C acima da média a longo prazo – podem levar os corais a expelirem as algas que fornecem grande parte do seu alimento, causando o seu “branqueamento” e a rápida morte do recife. 103 Os sistemas de recifes de corais do mundo já suportam cicatrizes causadas pelas alterações climáticas. Cerca de metade destes sistemas já foram afectados pelo branqueamento. Os 50 000 km2 de extensão do recife de corais na Indonésia, 18% do total do planeta, estão em acelerada deterioração. Uma sondagem ao Parque Nacional de Bali Barat, em 2000, revelou que grande parte do recife tinha sido deteriorada, maioritariamente devido ao branqueamento.104 As observações aéreas da Grande Barreira de Recife, na Austrália, também captam a extensão do branqueamento. Porém, o pior poderá estar para vir. Com as subidas das temperaturas médias acima dos 2º C, tornar- se-á comum a ocorrência de branqueamentos anuais. Os principais fenómenos de branqueamento que acompanharam o El Niño de 1998, altura em que 16% dos corais do mundo caram destruídos em apenas 9 meses, tornar-se-ão regra e não excepção. Os episódios de detecção de branqueamentos estão a tornar- se mais frequentes em muitas regiões. Por exemplo, em 2005, o leste das Caraíbas sofreu um dos piores episódios de branqueamento de que há registo.105 O branqueamento constitui apenas uma das ameaças provocadas pelas alterações climáticas. Muitos organismos marinhos, incluindo o coral, obtêm as suas conchas e esqueletos a partir de carbonato de cálcio. A camada superior dos oceanos encontra-se com excesso destes minerais. No entanto, os aumentos da acidez dos oceanos causados por 10 mil milhões de toneladas de CO2 por eles absorvidos atacam o carbonato, removendo um dos materiais de construção essenciais aos corais.106 Os cientistas marinhos apontaram para um preocupante facto semelhante. Os sistemas oceânicos reagem de uma forma lenta e a longo prazo a mudanças no ambiente atmosférico. A trajectória actual das alterações climáticas no século XXI poderia tornar Os recifes de corais não abrigam, apenas uma biodiversidade excepcional, mas também constituem uma fonte de subsistência, nutrição e crescimento económico para mais de 60 países RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 105 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual os oceanos mais ácidos ao longo dos próximos séculos do que jamais poderiam ter estado, em 300 milhões de anos, com uma excepção: um único episódio catastró co que ocorreu há 55 milhões de anos. Esse episódio resultou da rápida acidi cação oceânica causada pela libertação de 4500 gigatoneladas de carbono.107 Foram necessários cerca de 100.000 anos para que os oceanos retomassem os níveis de acidez anteriores. Entretanto, os registos geológicos assinalam uma extinção em massa de criaturas marinhas. Tal como um dos principais oceanógrafos do mundo a rma: “Quase todos os organismos marinhos que obtêm a sua concha ou o seu esqueleto a partir de carbonato de cálcio desapareceram dos registos geológicos…se as emissões de CO2 não diminuírem, poderemos tornar os nossos oceanos mais corrosivos para os minerais de carbonato do que qualquer outro período desde a extinção dos dinossauros. Pessoalmente, acredito que isto causará a extinção dos corais.”108 O colapso dos sistemas de corais representaria um fenómeno catastró co para o desenvolvimento em muitos países. Os recifes de corais não abrigam, apenas uma biodiversidade excepcional, mas também constituem uma fonte de subsistência, nutrição e crescimento económico para mais de 60 países. A maioria dos 30 milhões de pequenos pescadores no mundo em vias de desenvolvimento depende, de alguma forma, dos recifes de corais para garantir as bases de alimentação e de criação. Mais de metade das proteínas e dos nutrientes essenciais às dietas de 40 milhões de pessoas residentes nas zonas costeiras tropicais são fornecidas pelos peixes. Os recifes de corais constituem uma parte vital dos ecossistemas marinhos que sustentam os stocks de peixe, apesar do aquecimento dos oceanos proporcionarem ameaças mais abrangentes. Na Namíbia, as correntes de águas anormalmente quentes – a corrente Niño de Benguela –, em 1995, provocou a deslocação de stocks de peixe a 4º – 5º de latitude sul – um efeito que destruiu a indústria piscatória de pequena escala de sardinhas. 109 Para além do valor que representam nas vidas e nutrição dos pobres, os corais têm um valor económico mais vasto. Geram rendimentos, exportações e, em regiões como o Oceano Índico e as Caraíbas, constituem um suporte do turismo. O reconhecimento do importante papel dos corais na vida ecológica e socio-económica incitou muitos governos e benfeitores a investirem na reabilitação. O problema reside no facto das alterações climáticas constituírem uma força poderosa que actua na direcção contrária. Saúde humana e fenómenos climáticos extremos Projecção do PIAC: As alterações climáticas irão afectar a saúde humana através de sistemas complexos que envolvem mudanças na temperatura, exposição a fenómenos extremos, acesso à nutrição, qualidade do ar e outros vectores. Poderá prever-se, com uma abilidade bastante alta, que os actuais pequenos efeitos de saúde irão progressivamente aumentar em todas os países e regiões, com os mais adversos efeitos nos países de baixo rendimento. Projecção do desenvolvimento humano: o clima irá interagir com a saúde humana de diversos modos. Os que estão menos capacitados para responder às ameaças de mudanças na saúde – predominantemente os pobres em países pobres – irão suportar o peso dos retrocessos na saúde. A saúde-doença é uma das mais poderosas forças que atrasa o potencial do desenvolvimento humano das famílias pobres. As alterações climáticas irão intensi car o problema. É provável que as alterações climáticas tenham implicações mais vastas para saúde humana no século XXI. Existem grandes áreas de incerteza à volta das avaliações, re ectindo a complexa interacção entre a doença, o ambiente e as pessoas. No entanto, na saúde, tal como em outras áreas, o reconhecimento da incerteza não é um motivo su ciente para a inacção. A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que o impacto geral será negativo. 110 Os efeitos da saúde pública associados às alterações climáticas serão modelados por vários factores. A epidemiologia preexistente e os processos locais serão importantes. Com a mesma importância, serão, igualmente, os níveis de desenvolvimento preexistentes e as capacidades dos sistemas de saúde pública. Muitos dos riscos emergentes para a saúde pública estarão concentrados nos países em vias de desenvolvimento, onde a saúde precária constitui já uma enorme fonte de sofrimento humano e de pobreza e cujos sistemas de saúde pública não têm recursos (humanos e nanceiros) su cientes para fazer face às ameaças. Um claro perigo existente é o de que as alterações climáticas, sob estas condições, irão agravar as já extremas desigualdades gerais na saúde pública. As alterações dos padrões climáticos estão já a criar novos perfi s de doenças em várias regiões 106 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual A malária constitui uma das maiores fontes de preocupação. Trata-se de uma doença que, actualmente, custa cerca de 1 milhão de vidas por ano, mais de 90% em África. Na África Subsariana, morrem aproximadamente 800 000 crianças abaixo dos 5 anos de idade por ano, em resultado da doença da malária, tornando-a na terceira maior causa de morte de crianças em todo o mundo.111 Para além destes cenários gerais, a malária causa um enorme sofrimento, retira oportunidades de educação, emprego e produção, forçando as pessoas a gastarem os seus escassos recursos em tratamentos paliativos. A precipitação, temperatura e humidade são três variáveis que mais in uenciam a transmissão da malária – e as alterações climáticas irão afectar as três. O aumento da precipitação (mesmo com curtos períodos de chuva intensa), as temperaturas mais elevadas e a humidade criam a “tempestade perfeita” no alastramento do parasita Plasmodium, responsável pela malária. As crescentes temperaturas poderão aumentar a abrangência e a elevação das populações de mosquitos, bem como a redução dos períodos de incubação para metade. Na África Subsariana, em particular, qualquer extensão da área abrangida pela doença suscitaria graves riscos para a saúde pública. Cerca de quatro em cinco pessoas na região vivem já em zonas de malária. As projecções para o futuro são incertas, embora permaneça a preocupação de que a zona abrangida pela doença se estenda às áreas mais elevadas. A somar a este desconcertante panorama, é possível que o período sazonal de transmissão aumente, elevando, efectivamente, a média de exposição à infecção da malária per capita em 16% a 28%.112 Estima-se que um número adicional de 220 a 400 milhões de pessoas possam car expostas à malária, em todo o mundo. 113 As alterações dos padrões climáticos estão já a criar novos per s de doenças em várias regiões. No leste de África, a inundação de 2007 gerou novos locais de criação para vectores de doenças como os mosquitos, desencadeando epidemias de Febre do Vale do Ri e aumentando os níveis de malária. Na Etiópia, uma epidemia de cólera, após as extremas inundações em 2006, conduziu a um alastramento de perdas de vidas e de doenças. As condições anormalmente secas e quentes no leste de África têm vindo a estar associadas à proliferação da febre Chikungunya, uma doença viral que se tem alastrado por toda a região.114 As alterações climáticas poderão igualmente aumentar a população exposta à febre de dengue. Trata- -se de uma doença extremamente sensível ao clima que, actualmente, se encontra largamente con nada às zonas urbanas. A expansão latitudinal associada às alterações climáticas poderá aumentar a população em risco de 1,5 mil milhões a 3,5 mil milhões de pessoas, em 2080.115 A febre de dengue encontra-se já em altitudes elevadas, em áreas da América Latina anteriormente libertas desta doença. Na Indonésia, as temperaturas mais elevadas levaram à mutação do vírus Dengue, causando um aumento de fatalidades na época das chuvas. Uma vez que não existem evidências de que as alterações climáticas estão implicadas, no nal da década de 90, os fenómenos El Niño e La Niña foram associados a intensos surtos de dengue e malária, tendo-se esta alastrado em elevadas altitudes das terras altas de Irian Jaya. 116 Os fenómenos climáticos extremos proporcionam outro conjunto de ameaças. Inundações, secas e tempestades causam resultados ligados ao aumento dos riscos de saúde, como a cólera e a diarreia entre as crianças. Existem já evidências dos impactos das crescentes temperaturas nos países em vias de desenvolvimento. Durante 2005, o Bangladesh, a Índia e o Paquistão enfrentaram temperaturas de 5º a 6º C acima da média regional. Só na Índia, foram registadas 400 mortes, embora as mortes não registadas pudessem multiplicar bastante os números deste quadro.117 A saúde pública nos países desenvolvidos não tem estado imune. A onda de calor que se abateu sobre a Europa em 2003 custou entre 22 000 a 35 000 vidas, na sua maioria idosos. Em Paris, a cidade mais afectada, 81% das vítimas registavam mais de 75 anos de idade. 118 É provável que outros fenómenos desta natureza ocorram. Por exemplo, espera- se que a incidência de ondas de calor, na maioria das cidades dos Estados Unidos, duplique em 2050. 119 As autoridades de saúde pública nos países ricos estão a ser forçados a enfrentar os desa os colocados pelas alterações climáticas. A cidade de Nova Iorque fornece o exemplo de um processo mais amplo. As análises dos impactos climáticos apontam para temperaturas de Verão mais elevadas, com um aumento da frequência e duração das ondas de calor. Eis o prognóstico: um projectado aumento da mortalidade causada pelo stress térmico de Verão, de modo particular, entre os idosos pobres. A mortalidade associada ao calor do Verão poderá aumentar 55% na década de 2020, mais do dobro na década de 2050 É necessária uma acção urgente para proceder a avaliações dos riscos provocados pelas alterações climáticas para a saúde pública no mundo em vias de desenvolvimento, bem como mobilizar recursos para criar um ambiente qualifi cado para a gestão dos riscos RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 107 2 Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual “A sabedoria não se constrói através da memória do nosso passado mas através da responsabilidade pelo nosso futuro”, escreveu George Bernard Shaw. Sob a perspectiva do desenvolvimento humano, as alterações climáticas colocam o passado e o futuro lado a lado. Neste capítulo, observámos a “primeira ceifa” das catástrofes das alterações climáticas. Esta ceifa, que já começou, irá inicialmente abrandar o progresso do desenvolvimento humano. À medida que as alterações climáticas se desenvolverem, haverá uma maior probabilidade de surgirem retrocessos em larga escala. As evidências do passado fornecemnos perspectivas dos processos que irão motivar tais recuos, porém, o futuro, com as alterações climáticas, não será semelhante ao passado. Os recuos no desenvolvimento humano não serão lineares, e terão poderosos efeitos retroactivos de reforço mútuo. As perdas na produtividade agrícola irão reduzir os rendimentos, diminuindo o acesso à saúde e educação. Por sua vez, as oportunidades reduzidas na saúde e educação irão restringir as oportunidades de mercado e agravar a pobreza. Fundamentalmente, as alterações climáticas irão dissipar a capacidade das pessoas mais vulneráveis do mundo formarem decisões e processos que exercerão impacto nas suas vidas. Os devastadores retrocessos do desenvolvimento humano são possíveis de evitar. Existem dois requisitos para mudar o cenário do século XXI para um caminho mais favorável. O primeiro é a mitigação das alterações climáticas. Sem que hajam cortes profundos e atempados nas emissões de CO2, as perigosas alterações climáticas irão ocorrer e irão destruir o potencial humano à larga escala. As consequências irão re ectir-se nas desigualdades emergentes dentro de cada país e por todos os países, bem como na crescente pobreza. Os países ricos poderão escapar aos efeitos imediatos. Porém, não escaparão às consequências do rancor, ressentimento e de transformação dos padrões de habitação humana, que acompanharão as perigosas alterações climáticas nos países pobres. O segundo requisito para desviar as ameaças apresentadas neste capítulo é a adaptação. Não há mitigação que possa proteger as pessoas vulneráveis nos países em vias de desenvolvimento dos riscos adicionais provocados pelas alterações climáticas que actualmente enfrentam, ou do aquecimento global com o qual o mundo já estabeleceu compromisso. O aumento da exposição aos riscos é inevitável, mas não os retrocessos do desenvolvimento humano. Em última análise, a adaptação associa-se à construção da resiliência dos pobres do mundo a um problema criado, em grande parte, pelos países ricos do planeta. Conclusão Os devastadores retrocessos do desenvolvimento humano são possíveis de evitar e mais do triplo em 2080.120 As alterações climáticas poderão, ainda, indirectamente contribuir para, pelo menos, três classes de problemas de saúde mais vastos: a incidência de doenças transmitidas por vectores, como o vírus do Nilo Ocidental, a doença de Lyme e a malária, poderão aumentar; os organismos patogénicos transmitidos pela água poderão tornar-se mais prevalentes; e a poluição atmosférica de natureza fotoquímica poderá aumentar.121 Estão a ser desenvolvidas estratégias para fazer face aos riscos. Os governos do mundo desenvolvido têm de dar resposta às ameaças à saúde pública provocadas pelas alterações climáticas. Muitas autoridades – como em Nova Iorque – reconhecem os problemas especiais enfrentados pelos pobres e pelas populações vulneráveis. Porém, não seria correcto o facto dos países com sistemas de saúde de primeira classe e com os necessários recursos nanceiros combaterem as ameaças das alterações climáticas no próprio país e fechar os olhos aos riscos e vulnerabilidade enfrentados pelos pobres no mundo em vias de desenvolvimento. É necessária uma acção urgente para proceder a avaliações dos riscos provocados pelas alterações climáticas para a saúde pública no mundo em vias de desenvolvimento, bem como mobilizar recursos para criar um ambiente quali cado para a gestão dos riscos. O ponto de partida para a acção reside no reconhecimento de que os próprios países ricos detêm grande parte da responsabilidade histórica pelas ameaças que, actualmente, desa am o mundo em vias de desenvolvimento. COPYRIGHT WIKIPÉDIA
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