quarta-feira, 18 de julho de 2012
FURACÃO INIKI: HAVAI
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Furacão InikiOrigem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
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Furacão Iniki Categoria 4 (EFSS)
O furacão Iniki em 11 de Setembro de 1992
Formação: 5 de Setembro de 1992
Dissipação: 13 de Setembro de 1992
Vento mais forte (1 min): 120 nós (222 km/h, 138 mph)
Pressão mais baixa: 938 hPa (mbar) ou 704 mmHg
Danos: $1,8 bilhões de dólares (valores em 1992)
Inflação: $2,6 bilhões de dólares (valores em 2007)
Fatalidades: 6 (diretas)
Áreas afetadas: Havaí
Parte da
Temporada de furacões no Pacífico de 1992
O furacão Iniki (Iniki é um nome havaiano para ventos fortes e penetrantes[1]) foi o furacão mais intenso a atingir o estado estadunidense do Havaí em toda a história registrada. Formando-se durante o forte El Niño de 1991-1994, Iniki foi um de onze ciclones tropicais durante a temporada de 1992. O olho de Iniki passou diretamente sobre a Ilha de Kauai em 11 de Setembro como um furacão de categoria 4 na escala de furacões de Saffir-Simpson. Iniki foi o primeiro furacão a atingir diretamente o arquipélago desde o furacão Iwa na temporada de 1982 e o primeiro "furacão maior" desde o furacão Dot, em 1959.
Iniki causou cerca de $1,8 bilhões de dólares em prejuízos e seis fatalidades diretas.[2] Naquele momento, Iniki estava entre os furacões estadunidenses que causaram mais prejuízos na história e continua como um dos furacões que causaram mais prejuízos no Pacífico nordeste. A tempestade atingiu apenas algumas semanas depois do furacão Andrew - o furacão que provocou mais prejuízos nos Estados Unidos naquele momento - que atingiu o estado estadunidense da Flórida.
Por causa dos avisos bem elaborados, Iniki causou apenas seis mortes. Os danos foram maiores em Kauai, onde o furacão destruiu mais de 1.400 casas e danificou severamente outras 5.000.[3] Embora não estivesse diretamente na trajetória do furacão, a Ilha de Oahu ainda experimentou danos moderados da maré ciclônica do furacão.
[editar] Ver também A Wikipédia possui o portal:
Portal de meteorologia
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Furacão Ioke
Kauai
Havaí
Referências↑ Central Pacific Hurricane Center (1992). The 1992 Central Pacific Tropical Cyclone Season (em inglês). Página visitada em 13-03-2006.
↑ National Hurricane Center (2004). Costliest U.S. Hurricanes 1900–2004 (unadjusted) (em inglês). Página visitada em 18-03-2006.
↑ Al Kamen (1992). Hawaii Hurricane Devastates Kauai (em inglês). Washington Post. Página visitada em 13-03-2006.
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Categoria: Ciclones tropicais no Oceano Pacífico nordesteCategorias ocultas: !Esboços sobre ciclones tropicais!Artigos destacados na Wikipédia em inglês
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FURACÃO DE CUBA:> 1910
Furacão de Cuba de 1910Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
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Furacão de Cuba de 1910 /
Ciclone dos Cinco Dias Categoria 4 (EFSS)
Mapa de superfície da tempestade em 10 de outubro de 1910
Formação: 9 de outubro de 1910
Dissipação: 23 de outubro de 1910
Vento mais forte (1 min): 150 mph (240 km/h)
Pressão mais baixa: 924 hPa (mbar) ou 693 mmHg
Danos: US$ 1,25 milhão
(em valores de 1910)
Fatalidades: ≥ 113
Áreas afetadas: Cuba, Flórida
Parte da
Temporada de furacões no Atlântico de 1910
O Furacão de Cuba de 1910, popularmente chamado de Ciclone dos Cinco Dias, foi um ciclone tropical altamente destrutivo e de trajetória incomum que atingiu Cuba e a Região Sudeste dos Estados Unidos em outubro daquele ano. A tempestade formou-se no sul do Mar do Caribe, ao norte do Panamá, em 9 de outubro e intensificou-se ao mesmo tempo em que se movia em sentido noroeste, tornando-se um furacão apenas três dias mais tarde. Depois de atravessar o extremo oeste de Cuba pela primeira vez, o sistema meteorológico atingiu seu pico máximo em 16 de outubro, correspondente a um furacão de categoria 4, a segunda mais forte na escala de Saffir-Simpson. Após concluir um giro em sentido anti-horário, ele adentrou novamente em solo cubano, provocando mais destruição. Em seguida, seguiu para a Flórida, aproximando-se do litoral na altura de Cabo Romano. Também passou pela costa sudeste dos Estados Unidos antes de ir para o Oceano Atlântico e finalmente se dissipar.
Devido a sua trajetória incomum, alguns relatórios iniciais sugeriram a existência de duas tempestades, ao invés de um só sistema. Na época, essa controvérsia foi objeto de muitos debates entre especialistas, mas posteriormente ficou constatado que se tratou de um único ciclone. A análise desse fenômeno meteorológico proporcionou uma maior compreensão de sistemas tropicais que tomaram caminhos semelhantes.
A tempestade é considerada um dos piores desastres naturais da história cubana. Os danos foram enormes e milhares de pessoas ficaram desabrigadas, além de ter provocado prejuízos para a agricultura local, especialmente para as lavouras de tabaco. Ela também teve grande impacto na Flórida, incluindo a destruição de casas e diversos pontos de alagamentos. Embora o dano monetário total causado pelo ciclone seja desconhecido, as estimativas de perdas em Havana, a capital de Cuba, ultrapassam um milhão de dólares e, em Florida Keys, 250 mil. Pelo menos 100 mortes em Cuba foram relacionadas ao furacão.
Índice [esconder]
1 História meteorológica
2 Impacto
2.1 Cuba
2.2 Holliswood
2.3 Sul da Flórida
2.4 Nordeste da Flórida e sul dos Estados Unidos
3 Ver também
4 Notas e referências
4.1 Notas
4.2 Referências
4.3 Bibliografia
5 Ligações externas
[editar] História meteorológicaA quinta depressão tropical da temporada de furacões no Atlântico de 1910 começou a se formar em 9 de outubro daquele ano, a partir de uma perturbação tropical no extremo sul do Caribe, ao norte do Panamá. O fenômeno foi se intensificando a medida em que seguia uma trajetória em sentido noroeste, atingindo a intensidade de tempestade tropical em 11 de outubro. Continuou a se fortalecer e no dia seguinte alcançou status de furacão.[1] Em 13 de outubro, o sistema foi observado a sudoeste de Cuba,[2] e na manhã do outro dia, por um breve período de tempo, o furacão atingiu uma intensidade correspondente à categoria 3 dentre as cinco possíveis da atual escala de Saffir-Simpson. Em seguida, o ciclone percorreu a extremidade ocidental de Cuba, reduzindo um pouco sua intensidade durante essa travessia por terra. Ao sair da ilha em direção ao Golfo do México, a tempestade diminuiu sua força consideravelmente.[1]
Trajetória do furacão. O fenômeno surgiu no norte do Panamá, seguiu em sentido noroeste até Cuba, onde fez um giro, e depois tomou rumo nordeste, atravessando a Flórida.Guiado por correntes de uma área de alta pressão ao norte, o furacão começou a se movimentar para noroeste e rapidamente se intensificou sobre as águas quentes do Golfo. Ele fez um giro no sentido anti-horário e continuou a amadurecer;[3] em 16 de outubro atingiu seu pico com ventos de 240 km/h e pressão barométrica mínima de 924 hPa (mbar) ou 27,29 inHg, enquadrando-se assim na categoria 4 da escala de Saffir-Simpson.[1] A partir daí, o sistema começou a mover-se para nordeste, aproximando-se mais uma vez do oeste de Cuba, e acelerou em direção ao Panhandle da Flórida em 17 de outubro.[1] O centro do fenômeno passou a oeste da ilha de Key West e chegou em terra firme próximo a Cabo Romano, quando mudou-se para o norte.[3] Em seguida, o furacão moveu-se para o interior do continente, deteriorando-se numa tempestade tropical. Do nordeste da Flórida, o ciclone fez uma curva para o leste e deixou a costa do Sudeste dos Estados Unidos antes de sair para o Oceano Atlântico. Acredita-se que a tempestade tenha se dissipado no dia 23 de outubro.[1]
O furacão é considerado incomum em função do seu giro próximo a Cuba, tendo alguns relatórios iniciais sugerido a existência de duas tempestades distintas.[3] A Monthly Weather Review, uma publicação da Sociedade Americana de Meteorologia, descreveu o evento como distúrbios múltiplos, sendo que o primeiro furacão dissipou-se no centro do Golfo do México depois de atravessar Cuba, enquanto que o segundo formou-se posteriormente e atingiu a Flórida.[2] Na época, a trajetória atípica da tempestade foi objeto de vários debates entre especialistas. O furacão foi identificado mais tarde como sendo um único fenômeno, e sua análise proporcionou uma maior compreensão de sistemas meteorológicos que tomaram caminhos semelhantes.[3] Na edição do dia 19 de outubro de 1910, o jornal The Washington Post trouxe em suas páginas:
" Se duas tempestades derramaram fúria em águas cubanas na semana passada, ou se a mesma tempestade revisitou Cuba, atravessando o sul da Flórida em seu trajeto de retorno, é algo que ainda precisa ser determinado. Se a [última] suposição for confirmada mais tarde, o giro da tempestade, após a sua entrada no Golfo do México, deve ter sido extraordinariamente súbito e acentuado."[4][nota 1]
[editar] ImpactoEm 15 de outubro, todas as embarcações dentro de um raio de 500 milhas (800 km) de Key West foram informadas da aproximação de uma tempestade, e muitos navios permaneceram ancorados nos portos.[5] Em toda a região, avisos e alertas de tempestade foram emitidos.[1] O fenômeno também ficou conhecido com o nome de "Ciclone dos Cinco Dias" devido a sua passagem por Cuba entre 13 e 17 de outubro.[6]
[editar] CubaA tempestade provocou grande destruição em Cuba, sendo considerada um dos piores ciclones tropicais já registrado na ilha em todos os tempos. Ventos fortes e chuvas torrenciais inundaram ruas, destruíram celeiros,[2] e danificaram lavouras. Em particular, a tempestade causou prejuízos substanciais às plantações de tabaco na região do distrito de Vuelta Abajo, na província de Pinar del Río.[7] O mau tempo provocou destruição em muitos vilarejos cubanos.[8] O vilarejo de Casilda foi devastado,[9] enquanto que a localidade de Batabanó foi inundada devidos às enchentes. O furacão cortou as comunicações em várias regiões do interior da ilha.[10] A maioria das fatalidades e danos materiais foram registrados na província de Pinar del Río, no extremo oeste da principal ilha cubana.[11]
O jornal norte-americano The New York Times escreveu à época que Cuba "provavelmente sofreu o maior desastre material de toda a sua história".[12][nota 2] Milhares de camponeses ficaram desabrigados devido ao ciclone. As perdas em Havana também foram importantes, e ao longo da costa dezenas de navios que transportavam cargas valiosas naufragaram. A tempestade ainda danificou seriamente produtos armazenados no cais local e em barcaças.[13] Enormes ondas atingiram a terra firme e causaram inundações.[11] Diversos navios e pequenas embarcações foram destruídas pelo ciclone.[14][15] As ondas inundaram cerca de 2,6 km2 de terra costeira de Havana.[12]
Estima-se que pelo menos 100 pessoas perderam a vida, principalmente devido a deslizamentos de terras, incluindo cinco pessoas em Havana.[16][17] No entanto, alguns relatos afirmam que o número de mortos chegou a 700.[6] As estimativas iniciais dos prejuízos financeiros causados pela tempestade chegaram a casa dos milhões de dólares, incluindo as perdas de US$ 1 milhão em Havana, em grande parte devido a destruição da alfândega, onde se encontravam muitos produtos de valor.[12] Alguns destes edifícios foram varridos para 800 metros de distância, e os ventos arrancaram o telhado do armazém principal.[11]
[editar] HolliswoodA escuna de quatro velas Holliswood ficou presa na tempestade enquanto navegava no Golfo do México. A embarcação partiu de Nova Orleães em 1º de outubro e transportava madeira de cipreste. A tripulação lutou contra o mau tempo provocado pela tempestade durantes vários dias, e a equipe precisou cortar os mastros para evitar o naufrágio.[18] Alagada, a escuna foi desviada vários quilômetos da sua rota original.[19] O proprietário do Holliswood, Paul Mangold, deu o seguinte depoimento para o The New York Times:
" Na quarta-feira, dia 12, fomos atingidos pela primeira vez pelo furacão. Navegávamos com apenas uma pequena vela. Na manhã de sábado sentimos toda a força da tempestade. O vento soprava em nossa direção, por vezes a uma velocidade de cem milhas. A água do mar vinha contra nós de todos os lados, embora fosse à estibordo [lado direito] que o verdadeiro problema parecia vir"[18][nota 3]
Um barco a vapor chamado Harold avistou a escuna e resgatou toda a tripulação, a exceção do capitão E. E. Walls, que optou por ficar para trás.[18] Naquele momento, o Holliswood estava bastante danificado: sua cabine havia sido destruída e seu leme arrancado. A tripulação, aparentemente, avisou ao capitão que a embarcação não poderia permanecer à tona por mais de cinco horas, mas ele descartou esta possibilidade. Depois que a tripulação foi resgatada, o capitão Walls lutou durante dias contra a tempestade, sem comida ou água doce. Em 20 de outubro, o Parkwood resgatou Walls inconsciente, embora o temor inicial era de que ele já estivesse morto. Uma vez a bordo, ele recuperou a consciência e, aparentemente em meio a um episódio de delírio, pediu para ser devolvido ao Holliswood. Por fim, o capitão do Parkwood concordou em rebocar o navio danificado até a costa.[19]
[editar] Sul da FlóridaEm Key West, a pressão atmosférica começou a baixar à meia-noite de 12 de outubro, enquanto a tempestade se aproximava de sudeste. Na noite seguinte, o ciclone provocou fortes chuvas, e os ventos aumentaram gradativamente, chegando a 80 km/h em 14 de outubro.[2][17] As rajadas atingiram 180 km/h e a maré de tempestade chegou a 4,6 metros; alcançando níveis "anormalmente elevados" para aquela região. Muitas docas foram destruídas, e em 17 de outubro, o porão do escritório do Weather Bureau ficou completamente submerso pelas águas da enchente.[20] Antes do pluviômetro ser levado pelo mar, ele registrava 99 mm de precipitação. Os danos ao longo das ilhas do arquipélago de Florida Keys foram moderados, atingindo quase que somente construções ao longo da costa. O prejuízo foi estimado em cerca de 250 mil dólares (em valores de 1910).[2]
A medida que a tempestade avançava para o oeste, a cidade de Tampa e adjacências começaram a sofrer com o mau tempo. Os fortes ventos do nordeste sopravam a água da baía de Tampa para o menor nível já registrado. A pressão caiu para 961 mbar (hPa; 28.40 inHg), e ondas altíssimas atingiram a costa do Flamingo até Cabo Romano. A água do mar adentrou a terra firme, forçando os sobreviventes a subir em árvores para se protegerem.[20] Ao norte de Tampa, os efeitos do furacão foram moderados ou leves, enquanto que na parte sudoeste do estado os danos foram consideravelmente maiores. Boa parte da cultura de frutas cítricas local foi destruída.[2] Várias construções foram afetadas na faixa que vai de Tampa até Jacksonville, além de outros pontos mais ao sul. Os ventos fortes arrancaram telhados de diversas casas.[21]
Mapa meteorológico da tempestade em 20 de outubro.Sete homens perderam suas vidas em meio aos destroços de várias escunas cubanas em Punta Gorda. Perto dali, um homem e um bebê se afogaram em consequência da tempestade, e outro morreu quando tentava atravessar um rio que havia transbordado.[2] Um navio a vapor francês, o Louisiane, desembarcou com 600 passageiros; todas as pessoas a bordo foram resgatadas pelo Foreward, um cúter da marinha americana.[20]
[editar] Nordeste da Flórida e sul dos Estados UnidosOs danos na costa atlântica dos Estados Unidos foram menos graves. Ainda assim, o escritório do Weather Bureau (antigo nome Serviço Nacional de Meteorologia do país) emitiu um relatório sobre a situação na cidade de Jupiter, no qual registra que o nível da água dos rios subiu 2,4 metros acima do normal, graças às fortes chuvas na região.[20]
Um grande número de pinheiros foi derrubado nos arredores de Jupiter e um homem morreu ao ser atingindo por um tronco nas proximidades de Little Haiti. Pequenas embarcações, docas e abrigos para botes também sofreram danos; embora os efeitos da tempestade na Costa Leste foram bem menores em comparação com outras áreas. Trechos da Florida East Coast Railway[nota 4] ficaram alagados, e os reparos foram antecipados por serem dispendiosos. Os ventos atingiram uma escuna encalhada em Boca Raton matando três pessoas e deixando o resto da tripulação presa por 12 horas até a chegada do resgate. Estima-se que o impacto do ciclone nas culturas de citrinos na região variou consideravelmente.[2]
Em seu caminho para o mar, o furacão passou a oeste de Jacksonville. Embora tenha havido muito pouco dano nos arredores da cidade, ventos persistentes vindos do nordeste causaram inundações em áreas costeiras baixas. Enchentes menores se estenderam para a Geórgia e a Carolina do Sul; inicialmente, as interrupções de comunicação entre as cidades levaram a relatos exagerados sobre danos nesses estados. Iniciada em 18 de outubro, uma precipitação leve começou a cair em Savannah. No dia 19, os ventos atingiram 110 km/h. No entanto, os piores prejuízos à cidade se deram em consequência das marés altas, e não dos fortes ventos. Alguns rios transbordaram, inundando suas margens. Danos menores também ocorreram em Charleston, na Carolina do Sul.[2]
[editar] Ver tambémTemporada de furacões no Atlântico de 1910
Notas e referênciasNotas↑ Livre tradução para: "Whether two storms have been raging in Cuban waters within the past week, or whether the same storm has revisited Cuba, traversing southern Florida in its backwards course, remains to be determined. If the later supposition be correct, the recurve of the storm, after its entrance into the Gulf of Mexico, must have been unusually sudden and sharp."
↑ Livre tradução para: "probably suffered the greatest material disaster in all its history"
↑ Livre tradução para: "On Wednesday, the 12th, we began to get the first of the hurricane. We were running under very little canvas. Early Saturday morning we got the full force of the storm. We managed to get the sails fast and ran with the hurricane under bare poles. The wind circled about us sometimes at a hundred-mile rate. The seas came from all directions, though it was from the starboard that the real trouble seemed to come."
↑ A Florida East Coast Railway é um sistema ferroviário para movimentação de cargas com 351 milhas de extensão, localizado ao longo da costa leste da Flórida. É o provedor ferroviário exclusivo aos portos do sul da Flórida e conecta-se com outros sistemas de transporte ferroviário de mesma natureza em todo o país. Tem sede na cidade de Jacksonville.[22]
Referências↑ a b c d e f Hurricane Specialists Unit. Easy to Read HURDAT 1851–2009 (em inglês). National Hurricane Center. Arquivado do original em 13 de abril de 2010. Página visitada em 7 de janeiro de 2012.
↑ a b c d e f g h i Charles F. von Herrmann. (Outubro de 1910). "District No. 2, South Atlantic and East Gulf States" (PDF) (em inglês) 38 (10): 1488–1491. American Meteorological Society. Página visitada em 29 de abril de 2010.
↑ a b c d Barnes, p. 93
↑ (19 de outubro de 1910) "The West Indian Hurricane" (em inglês). The Washington Post.
↑ Hurricane Nears the Florida Coast (em inglês). The New York Times (15 de outubro de 1910). Página visitada em 24/12/2009.
↑ a b Cuba Hurricanes Historic Threats: Chronicle of hurricanes in Cuba (em inglês). Cuba Hurricanes. Página visitada em 17/04/2012.
↑ (16 de outubro de 1910) "Great Storm in Cuba: Severe Damage Done to the Tobacco Crop" (em inglês). The Observer pp. 9.
↑ (18 de outubro de 1910) "West Indian Hurricane" (em inglês). The Scotsman.
↑ Terrific Hurricane (em inglês). The Evening Post (15 de outubro de 1910). Página visitada em 24/12/2009.
↑ Hurricane in Cuba Costs Many Lives. The Spokane Daily Chronicle (17 de outubro de 1910). Página visitada em 24/12/2009.
↑ a b c (18 de outubro de 1910) "Cyclone in Cuba" (em inglês). The Scotsman.
↑ a b c (18 de outubro de 1910) "Cyclone Works Havoc in Cuba" (PDF) (em inglês). The New York Times: 1.
↑ (17 de outubro de 1910) "The Hurricane in Cuba" (em inglês). The Manchester Guardian: 7.
↑ (19 de outubro de 1910) "West Indian Hurricane" (em inglês). The Scotsman.
↑ (20 de outubro de 1910) "The Hurricane Moving North" (em inglês). The Manchester Guardian.
↑ Longshore, p. 109
↑ a b (15 de outubro de 1910) "Liners Defy Cyclone" (em inglês). The Washington Post: 1.
↑ a b c Sticks to His Ship, a Derelict at Sea (PDF) (em inglês). The New York Times (25 de outubro de 1910). Página visitada em 12/02/2010.
↑ a b Skipper, Who Stood by Ship, Picked Up (em inglês). The New York Times (27 de outubro de 1910). Página visitada em 02/02/2010.
↑ a b c d Barnes, p. 94
↑ (9 de outubro de 1910) "West Indian Storm and Cold Wave May Meet" (em inglês). The Galveston Daily News.
↑ About - Florida East Coast Railway (em inglês). FEC Railway. Página visitada em 25/03/2012.
[editar] BibliografiaEste artigo foi inicialmente traduzido do artigo da Wikipédia em inglês, cujo título é «1910 Cuba hurricane», especificamente desta versão.
Barnes, Jay. Florida's Hurricane History. [S.l.]: Chapel Hill Press, 2007. ISBN 0807830682
Longshore, David. Encyclopedia of Hurricanes, Typhoons, and Cyclones. [S.l.]: Checkmark Books, 2008. ISBN 0816074097
[editar] Ligações externasAtlantic Hurricane Database (em inglês)
Monthly Weather Review (em inglês)
Portal da meteorologia Portal da Flórida Portal de Cuba
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COPYRIGHT WIKIPÉDIA
CHOQUES CLIMÁTICOS
2
Choques climáticos:
risco e vulnerabilidade
num mundo desigual
“Os países mais vulneráveis são menos
capazes de se protegerem. Também
contribuem menos para as emissões
globais de gases com efeito de estufa.
Sem qualquer acção, irão pagar um preço
elevado pelas acções dos outros.”
Kofi Annan
“Tal como a escravatura e o apartheid,
a pobreza não é natural.
É fruto da acção do homem e pode
ser superada e eliminada através das
acções dos seres humanos.”
Nelson Mandela
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 73
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
“O furacão Jeanne levou-me tudo o que tinha… quei sem emprego e sem casa. Costumava ter
comida. Agora ando a pedir no mercado.”
Rosy-Claire Zepherin, Gonaives, Haiti, 20051
“Comemos apenas uma vez por dia para que o milho dure mais tempo, ainda assim, irá durar
pouco. Nessa altura, iremos passar di culdades.”
Margaret Mpondi, Mphako, Malaui, 20022
“Se as chuvas não vierem, como no ano anterior, iremos passar fome. Os ricos têm economias.
Têm reservas de comida. Podem trocar bois por dinheiro. Mas o que temos nós? Se vender o meu
boi, como plantarei no próximo ano? Se não tivermos colheita, não restará mais nada. É sempre
assim. Tudo depende da chuva.”
Kaseyitu Agumas, Lat Gayin, sul do Gonda, Etiópia, 20073
“Nunca tínhamos assistido a tais inundações. Muitas casas caram destruídas, muitas pessoas
morreram, os nossos terrenos agrícolas caram submersos, perderam-se as colheitas armazenadas.
Perdeu-se, igualmente, muito gado. Não estávamos simplesmente preparados para en1 entar
tamanhas inundações. Como tal, não tínhamos dinheiro ou comida de reserva.”
Pulnima Ghosh Mahishura Panchayat, Distrito de Nadia, Oeste de Bengala, Índia, 20074
“Existem mais inundações agora e as margens dos rios estão a ser rapidamente arrastadas. Não
temos para onde ir. O meu terreno está no rio, agora não tenho nada”.
Intsar Husain, Antar Para, Noroeste de Bangladesh, 2007.5
CAPÍTULO2
Choques climáticos: risco e
vulnerabilidade num mundo desigual
A ciência climática funciona no âmbito da medição.
As emissões de dióxido de carbono (CO2) são equacionadas
em toneladas e gigatoneladas. As concentrações
de gases com efeitos de estufa na atmosfera
terrestre são dimensionadas em partes por milhão
(ppm). Em conformidade com os dados, é fácil esquecermo-
nos do rosto das pessoas que estão mais
vulneráveis às alterações climáticas – pessoas como
as que foram acima citadas.
O rosto humano das alterações climáticas não
pode ser captado e incluído em estatísticas. É impossível
separar muitos dos actuais impactos de pressões
mais vastas. Outros irão ocorrer no futuro. Não
existem certezas quanto ao local, tempo e magnitude
É fácil esquecermo-nos
do rosto das pessoas que
estão mais vulneráveis às
alterações climáticas
74 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
de tais impactos. No entanto, a incerteza não é uma
causa para a complacência. Estamos conscientes de
que os riscos climáticos constituem uma poderosa
causa do sofrimento humano, da pobreza e da escassez
de oportunidades. Sabemos que as alterações
climáticas estão implicadas. E também sabemos que
esta ameaça se irá intensi car ao longo do tempo. No
capítulo 1 apontamos os futuros riscos devastadores
para toda a humanidade como um dos mais fortes
fundamentos para a urgente acção no campo das
alterações climáticas. Neste capítulo focamos uma
potencial catástrofe mais imediata: a prospecção de
uma recessão do desenvolvimento humano, em larga
escala, nos países mais pobres do mundo.
Essa catástrofe não se anunciará como um evento
apocalíptico do género “big bang”. O que os pobres
do mundo enfrentam é um inexorável aumento dos
riscos e vulnerabilidades associados ao clima. A fonte
destes crescentes riscos poderá ser detectada desde as
alterações climáticas aos padrões de consumo e escolhas
políticas nos países ricos.
O clima surge, já, como uma poderosa força que
in uencia as oportunidades de vida dos mais pobres.
Em muitos países, a pobreza está intimamente ligada
à contínua exposição aos riscos climáticos. Para as pessoas
que dedicam as suas vidas à agricultura, a precipitação
variável e incerta constitui uma poderosa fonte
de vulnerabilidade. Para os habitantes das áreas urbanas
mais pobres, as inundações constituem uma ameaça
constante. Por todo o mundo, as vidas dos pobres
são marcadas pelos riscos e vulnerabilidades provocados
por um clima incerto. As alterações climáticas irão,
gradualmente, aumentar estes riscos e vulnerabilidades,
pressionando estratégias de intervenção já largamente
utilizadas e aumentando as disparidades baseadas
no género e em outros indicadores de desvantagem.
A escala dos potenciais retrocessos do desenvolvimento
humano que as alterações climáticas irão
provocar tem vindo a ser amplamente subestimada.
Fenómenos climáticos extremos como secas, inundações
e ciclones são, efectivamente, acontecimentos
terríveis. Proporcionam sofrimento, a ição e miséria
às vidas de todos os que são afectados, submetem comunidades
inteiras a forças que estão para além do
seu controlo e contribuem para uma constante consciencialização
da fragilidade humana. Quando os
choques climáticos se manifestam, as pessoas devem,
primeiramente, enfrentar as consequências imediatas:
riscos de saúde e nutrição, perda de bens e poupanças,
danos de propriedades ou destruição de colheitas. Os
custos a curto prazo poderão ter elevadas e manifestas
consequências para o desenvolvimento humano.
Os impactos a longo prazo são menos visíveis,
porém, não menos devastadores. Para os 2.6 mil
milhões de pessoas que vivem com menos de US$2
por dia, os impactos climáticos poderão desencadear
poderosas quebras no desenvolvimento humano.
Enquanto que os ricos podem enfrentar tais impactos
através de seguros privados, venda de bens ou do
recurso às suas poupanças, os pobres enfrentam um
conjunto de opções diferente. Poderão não ter outra
alternativa senão reduzir o consumo, diminuir a nutrição,
retirar as crianças da escola ou vender os bens
de produção, dos quais depende a sua reabilitação.
Estas opções limitam as capacidades humanas e constituem
um reforço das desigualdades.
Tal como Amartya Sen escreveu: “ A melhoria
das capacidades humanas está, também, relacionada
com a expansão da produtividade e com a aquisição
de poder.”6 A erosão das capacidades humanas produz
o efeito contrário. Os retrocessos na nutrição, saúde e
educação são intrinsecamente negativos, uma vez que
reduzem as prospecções para o progresso da economia
e do emprego. Quando as crianças são retiradas das
escolas para ajudar os pais, têm falhas no seu rendimento
ou sofrem mal nutrições devido à escassa disponibilidade
de alimentos, as consequências podem
permanecer para o resto das suas vidas. Quando os pobres
perdem os bens que foram adquirindo ao longo
da vida, há um agravamento do seu estado de pobreza
e um abrandamento dos esforços para reduzir vulnerabilidades
e privações extremas a médio e longo prazo.
Os impactos climáticos isolados podem, por conseguinte,
criar ciclos cumulativos de desvantagem, que
são transmitidos geração após geração.
As alterações climáticas são importantes porque
podem aumentar a intensidade e a frequência dos impactos
climáticos. A médio e longo prazo, as consequências
serão in uenciadas pelo esforço de mitigação
internacional. Os profundos e atempados cortes
nas emissões de carbono diminuirão os progressivos
riscos associados às alterações climáticas, a partir
de 2030. Até lá, o mundo, em geral, e os pobres, em
particular, terão de viver com as consequências das
emissões do passado. É por esta razão que, tal como
é referido no capítulo 4, as estratégias de adaptação
são cruciais para as prospecções do desenvolvimento
humano.
O que os pobres do mundo
enfrentam é um inexorável
aumento dos riscos e
vulnerabilidades associados
ao clima
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 75
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
Neste capítulo observamos os impactos dos choques
climáticos no desenvolvimento humano, de
forma a lançar uma luz sobre as futuras ameaças. Traçamos
uma distinção fundamental entre risco e vulnerabilidade.
O risco climático constitui um facto da
vida externo para o mundo inteiro. A vulnerabilidade
é algo bastante diferente. Descreve uma incapacidade
em lidar com os riscos, sem que haja uma obrigação
de tomar decisões que comprometam o bem-estar
humano ao longo do tempo. As alterações climáticas
irão fortalecer os mecanismos de transmissão que
convertem os riscos em vulnerabilidades, agindo contra
os esforços dos pobres em fazer progredir o desenvolvimento
humano.
A primeira secção deste capítulo coloca em evidência
um conjunto de impactos climáticos. Há uma
análise da distribuição da exposição a desastres climáticos
e das consequências a longo prazo destes atentados
contra o desenvolvimento humano. Na segunda secção,
utilizamos cenários climáticos desenvolvidos pelo
PIAC, bem como outros, para avaliar os mecanismos
através dos quais os progressivos riscos gerados pelas
alterações climáticas poderão causar impactos sobre o
desenvolvimento humano, ao longo do século XXI.
Os desastres climáticos têm sido um tema recorrente
ao longo da história da Humanidade. O mito
da Atlântida, de Platão, capta o poder destrutivo das
inundações. O desaparecimento da civilização Maia
foi desencadeado por uma sucessão de secas. O século
XXI possui, já, poderosos marcadores da fragilidade
humana face a fenómenos climáticos extremos.
Os desastres climáticos estão a aumentar na sua
frequência e a in uenciar a vida de mais pessoas. As
consequências imediatas são terríveis. Porém, os choques
climáticos estão, também, a promover riscos e
vulnerabilidades mais vastos, gerando retrocessos de
longo prazo para o desenvolvimento humano.
Desastres climáticos – uma tendência
crescente
Os fenómenos climáticos extremos são uma fonte
de preocupação progressiva por todo o mundo. Em
décadas recentes, o número de pessoas afectadas por
desastres climáticos como secas, inundações e tempestades,
tem vindo a aumentar. Seguem-se, a quase
todos os desastres, especulações sobre as possíveis
ligações às alterações climáticas. À medida que a ciência
climática se desenvolve, fornecerá perspectivas
mais claras sobre a relação entre o aquecimento global
e os efeitos do sistema climático. No entanto, as
actuais evidências apontam, claramente, para uma
direcção: as alterações climáticas irão, designadamente,
aumentar o risco de exposição aos desastres
climáticos.
Os registos dos desastres climáticos estão tendencialmente
a crescer. Entre 2000 e 2004 foi registada
uma média de 326 desastres climáticos por ano.
No mesmo período, cerca de 262 milhões de pessoas
foram, anualmente, afectadas, mais do dobro do que
foi registado na primeira metade da década de 80 ( -
gura 2.1). 7
Os desastres climáticos
afectam mais pessoas
Figura 2.1
Fonte: Cálculos do GRDH, com base no OFDA e no CRED 2007.
0
Pessoas afectadas por desastre hidrometeorológico
(milhões por ano)
50
100
150
200
250
1975–79 1980–84 1985–89 1990–94 1995–99 2000–04
Países em vias de desenvolvimento
Países de altos rendimentos da OCDE, a Europa Central e de Leste e a CEI
O risco climático constitui
um facto da vida externo
para o mundo inteiro.
A vulnerabilidade é algo
bastante diferente
2.1 Os choques climáticos e as armadilhas de baixo
desenvolvimento humano
76 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
Os países desenvolvidos têm registado um crescente
rol de desastres climáticos. Em 2003, a Europa
defrontou a mais intensa onda de calor em mais de 50
anos – um fenómeno que causou milhares de mortes
de idosos e de outras pessoas mais vulneráveis. Um
ano depois, o Japão debateu-se com mais ciclones tropicais
do que em qualquer ano do século anterior.8
Em 2005, o Furacão Katrina, um fenómeno que
ocorreu na pior época de furacões do Atlântico de
que existe registo, forneceu a aterradora consciência
de que mesmo as nações mais ricas do mundo não
estão imunes aos desastres climáticos.9
A intensa cobertura da imprensa que acompanha
estes desastres nos países ricos garante a propagação
de uma consciencialização pública dos impactos.
Cria, igualmente, uma perspectiva destorcida.
Enquanto que os desastres climáticos afectam um
número crescente de pessoas por todo o mundo, a
esmagadora maioria vive nos países em vias de desenvolvimento
( gura 2.2). No período 2000-2004,
numa base média anual, um em cada 19 habitantes
do mundo em vias de desenvolvimento foi afectado
por um desastre climático. O cenário de comparação
para os países da OCDE foi de um em 1.500 – um
risco diferencial de 79.10 As inundações afectaram a
vida de cerca de 68 milhões de pessoas no leste da
Ásia e 40 milhões no sul. Na África Subsariana, 10
milhões foram afectados pelas secas e 2 milhões pelas
inundações, em muitos casos, quase em episódios simultâneos.
Eis alguns exemplos de fenómenos que
sustentam os números apresentados: 11
• A época de monção de 2007, no leste asiático,
obrigou à deslocação de 3 milhões de habitantes
da China, em que as vastas áreas do país atingiam
os maiores níveis de precipitação de que há registo.
Segundo a Associação Meteorológica da
China, as inundações e os tufões do ano anterior
causou a segunda taxa mais mortífera registada,
em termos de vidas perdidas.
• As inundações e tempestades na Ásia do Sul, durante
a época de 2007, deslocaram mais de 14 milhões
de pessoas na Índia e 7 milhões no Bangladesh.
Mais de 1000 de pessoas perderam a vida
no Bangladesh, Índia, sul do Nepal e Paquistão.
• A época de ciclones de 2006-2007, no leste da
Ásia, assistiu à inundação de vastas áreas de Jacarta,
levando à deslocação de 430000 pessoas.
O Furacão Durian causou deslizamentos de lama
e extensas perdas de vida nas Filipinas, seguidos
de um rastro de destruição de tempestade no
Vietname.
• Em termos de actividade geral, a época de furacões
atlânticos de 2005 foi a mais activa de que há
registo. O Furacão Katrina constou na maioria
dos cabeçalhos, tendo provocado uma vasta destruição
em Nova Orleães. No entanto, as 27 tempestades
identi cadas, dessa época, – incluindo
Stan, Wilma e Beta – afectaram comunidades
por toda a América Central e Caraíbas. O Furacão
Stan provocou a morte de mais de 1600 pessoas,
na sua maioria, Maias residentes nas Terras
Altas da Guatemala Central – um número mais
elevado do que o do Furacão Katrina.12
• Secas no Corno de África e no sul de África, em
2005, ameaçaram as vidas de mais de 14 milhões
de pessoas, ao longo de vários países: desde a Etiópia
e Quénia a Malaui e Zimbabué. No ano seguinte,
a seca deu lugar a extensas inundações,
que se propagaram pelos países mencionados.13
Os dados registados, referentes aos números afectados
pelos desastres, proporcionam perspectivas
importantes. No entanto, os dados apenas revelam
a ponta do iceberg. Muitos desastres climáticos
locais são pouco conhecidos ou não se conhe-
Os riscos de desastres pendem
para os países em desenvolvimento
Figura 2.2
Fonte: Cálculos do GRDH, com base no OFDA e no CRED 2007.
Risco de ser afectado por um desastre climático
(por 100.000 de pessoas)
1980–84 2000–04
Países em vias
de desenvolvimento
Países de altos rendimentos
da OCDE
50 pessoas por 100.000
No período 2000-2004,
numa base média anual,
um em cada 19 habitantes
do mundo em vias de
desenvolvimento foi afectado
por um desastre climático
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 77
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
Os números associados aos desastres climáticos são fundamentados a partir
da EM-DAT – Base de Dados Global sobre Emergências, controlada pelo
Centro de Investigação de Desastres Epidémicos (CRED). Esta base de dados
tem desempenhado um papel crucial na melhoria do fl uxo de informação sobre
desastres ao longo do tempo. No entanto, encerra algumas limitações.
As fontes para a EM-DAT vão desde agências governamentais, sistema
das NU, às ONG, companhias de seguros e agências de imprensa. Alguns
fenómenos são mais notifi cados do que outros: aparatosas catástrofes como
o Furacão Katrina atraem uma maior atenção por parte da imprensa do que
secas locais. De igual modo, alguns grupos têm, quase de certeza, pouca visibilidade:
habitantes de bairros degradados e pessoas de zonas rurais remotas
ou marginais constituem alguns exemplos.
Os critérios para que um fenómeno seja classifi cado como desastre são
limitados. Os requisitos de elegibilidade incluem o número de mortes ou de
pessoas afectadas (pelo menos 10 e 100, respectivamente), a declaração de
um estado de emergência nacional, ou um pedido de assistência internacional.
Alguns desastres climáticos não cumprem estes critérios. Por exemplo,
ao longo de 2007, mais de 1 milhão de pessoas na Etiópia recebeu assistência
nos efeitos da seca, ao abrigo de programas de ajuda internacional, registados
na base de dados dos desastres climáticos. O mesmo número, multiplicado
por sete, recebeu apoio de um programa nacional de protecção dos níveis de
nutrição, em zonas propensas à seca. Tal programa não constou da base de
dados porque não foi contabilizado como ajuda humanitária.
Existem fontes mais vastas de subnotifi cação. Em 2006 a crise causada
por chuvas tardias na Tanzânia não constaram na base de dados do CRED.
No entanto, uma avaliação nacional da vulnerabilidade da segurança alimentar
concluiu que o fenómeno e o aumento dos preços dos alimentos deixaram 3,7
milhões de pessoas em risco de fome e 600 000 indigentes. As estatísticas
relativas aos desastres também falharam na exposição dos riscos eminentes,
enfrentados pelos mais pobres. No Burkina Faso, por exemplo, uma boa
colheita em 2007 signifi cava que o país não recorrera a um pedido de ajuda de
emergência alimentar. Ainda assim, a avaliação da segurança alimentar reali zada
pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID)
alertou que, em caso de ocorrência de alguma anomalia associada à precipitação,
mais de 2 milhões de pessoas correriam riscos de segurança alimentar.
Por último, a base de dados referente aos desastres fornece uma lista dos
números afectados imediatamente após o fenómeno, mas não subsequentemente.
Quando o Furacão Stan atingiu a Guatemala, em Outubro de 2005,
afectou meio milhão de pessoas, a maioria residente em habitações pobres
e indigentes nas Terras Altas Ocidentais. Constaram na base de dados desse
ano. Em 2006, as avaliações de segurança alimentar demonstraram que muitos
dos afectados não conseguiam restabelecer os seus bens e que os agricultores
de produção de subsistência não tinham recuperado. Entretanto, os preços
dos alimentos aumentaram signifi cativamente. O resultado foi um acréscimo
da subnutrição crónica nas áreas afectadas pelo Furacão Stan. Este facto
representou um desastre local, que não fi cou registado na base de dados.
Caixa 2.1 Subnotifi cação dos desastres climáticos
Fonte: Hoyois et al. 2007; Maskrey et al. 2007; USAID NET 2006.
cem – e muitos outros nem sequer cam registados,
uma vez que não correspondem aos critérios
de um desastre humanitário (caixa 2.1).
A propensão associada ao género, no impacto
de desastres é, também, pouco conhecida. Quando
os desastres ocorrem, prejudicam comunidades inteiras
– mas as mulheres sofrem, frequentemente, as
consequências. As inundações provocam, em grande
parte, um maior número de vítimas do sexo feminino
devido à sua limitada mobilidade e porque não foram
ensinadas a nadar. Quando o Bangladesh se defrontou
com um ciclone, acompanhado de inundações,
em 1991, a taxa de mortalidade foi, estatisticamente,
cinco vezes mais elevada entre as mulheres. Posteriormente
ao desastre, as restrições relativas a títulos e
direitos legais das mulheres a terras e propriedades
podem limitar o acesso ao crédito, necessário à recuperação.
14
As perdas económicas registadas também conferem
um quadro distorcido.
Embora mais de 98% das pessoas afectadas pelos
desastres climáticos residam nos países em vias de desenvolvimento,
os impactos económicos pendem para
os países desenvolvidos. A razão é de que os custos são
equacionados com base nos valores de propriedade e
em perdas seguradas, que, por sua vez, têm vindo a
aumentar signi cativamente ( gura 2.3). Os oito desastres
climáticos que provocaram mais de US$10 mil
milhões de prejuízo, desde 2000, ocorreram em países
ricos, seis dos quais nos Estados Unidos.
Os mercados de seguros subnoti cam as perdas
nos países desenvolvidos, especialmente as suportadas
pelos pobres. Isto porque as indemnizações de
perdas re ectem o valor dos bens e o bem-estar dos
que foram afectados. Quando os ciclones tropicais
varrem a Flórida, atingem um dos espaços físicos de
luxo do mundo, com propriedades protegidas por seguros
com elevados níveis de cobertura. Quando os
mesmos ciclones atingem zonas degradadas no Haiti
ou na Guatemala, o valor de mercado é mais baixo e
o espaço físico dos pobres é pouco segurado.
Estarão as alterações climáticas envolvidas no aumento
dos desastres climáticos? É impossível haver
uma implicação directa. Cada fenómeno climático é
fruto de forças aleatórias e de factores sistémicos. Se
o Furacão Katrina tivesse permanecido na zona do
78 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
mar, teria apenas constituído mais um terrível ciclone
tropical. No entanto, as alterações climáticas estão a
criar condições sistémicas para fenómenos climáticos
mais extremos. Todos os furacões concentram a sua
força a partir do calor dos oceanos – e os oceanos do
mundo estão a aquecer devido às alterações climáticas.
Mais tempestades intensas, com a velocidade dos
ventos a atingirem valores mais elevados e precipitações
mais fortes, são os resultados previsíveis. De
modo semelhante, embora as secas isoladas na África
Subsariana não possam ser atribuídas às alterações
climáticas, os modelos climáticos prevêem decréscimos
das precipitações em áreas subtropicais – mais
de 20% em algumas regiões.
O papel preciso das alterações climáticas na in-
uência do número de pessoas afectadas por desastres
climáticos está, igualmente, aberto à discussão.
Os factores sociais tiveram um claro contributo. O
aumento da população, a expansão de construções
humana em locais de risco – por exemplo, em bairros
degradados, construídos em encostas, e em aldeias
localizadas em zonas propensas a inundações.
Os registos demonstram que as secas na África Subsariana
se tornaram mais frequentes e prolongadas.
As tempestades tropicais aumentaram de intensidade.
As alterações climáticas podem não constituir
a justi cação total – mas estão signi cativamente
implicadas.15
Os debates sobre as atribuições irão continuar.
Tal como é demonstrado no capítulo 1, a ciência climática
não fornece certezas. No entanto, a incerteza
não constitui uma razão para a inacção. A indústria
global de seguros tem, forçosamente, vindo a reapreciar,
radicalmente, as implicações dos riscos climáticos
para os seus modelos de negócios (caixa 2.2). Por
todo o mundo, as pessoas são obrigadas a adaptarem-
-se, no seu quotidiano, aos riscos climáticos emergentes.
Para os agricultores de pequena escala, habitantes
de áreas urbanas degradadas e pessoas residentes em
zonas ribeirinhas, estes riscos ameaçam ser um poderoso
obstáculo ao desenvolvimento humano.
Risco e vulnerabilidade
Os cenários das alterações climáticas fornecem um
quadro para a identi cação de mudanças estruturais
nos sistemas climáticos. A forma como estas mudanças
se transmitem nos resultados do desenvolvimento
humano, é condicionada através da interacção entre
riscos e vulnerabilidades.
O risco afecta todos. Pessoas, famílias e comunidades
estão em permanente exposição a riscos que
podem ameaçar o seu bem-estar. A saúde-doença, o
desemprego, crimes violentos e uma mudança repentina
nas condições de mercado podem, em princípio,
afectar toda a gente. O clima cria um conjunto especí
co de riscos. As secas, inundações, tempestades
e outros fenómenos têm potencial para destruir a
vida das pessoas, conduzindo a perda de rendimentos,
bens e oportunidades. Os riscos climáticos não
se distribuem de um modo uniforme, mas têm um
preço bastante elevado.
A vulnerabilidade é diferente do risco. A base
etimológica da palavra advém do verbo latino “ferir”.
Enquanto que o risco implica a exposição a perigos
externos em relação aos quais as pessoas têm um controlo
limitado, a vulnerabilidade mede a capacidade
de combate a tais perigos sem que se sofra, a longo
prazo, uma potencial perda de bem-estar. 16 Esta extensa
ideia pode ser reduzida ao “sentimento de insegurança
de um potencial sofrimento que as pessoas
poderão temer – de que “algo terrível” pode acontecer
e que “lançará a ruína”. 17
As ameaças das alterações climáticas ilustram a
distinção entre risco e vulnerabilidade. 18 As pessoas
que vivem no Delta do Ganges e na baixa de Manhattan
partilham os riscos de inundações associados ao
Figura 2.3 Os desastres climáticos propiciam a perda de bens segurados
Perdas seguradas anuais (mil milhões de dólares)
Fonte: ABI 2005b.
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Perdas anuais seguradas
Média de deslocações
em cada cinco anos
1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 79
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
aumento do nível das águas. Não partilham as mesmas
vulnerabilidades. Eis a razão: o Delta do Ganges
é marcado por níveis de pobreza elevados e por baixos
níveis de protecção de infra-estruturas. Quando
os ciclones tropicais e inundações atingem Manila,
nas Filipinas, expõem a cidade inteira aos riscos. No
entanto, as vulnerabilidades concentram-se nas habitações
provisórias, com excesso de pessoas, das zonas
degradadas que se estendem ao longo das margens do
rio Pasig e não nas zonas mais abastecidas.19
Os processos através dos quais o risco se converte
em vulnerabilidade, em qualquer país, são modelados
pelo estado latente do desenvolvimento humano, que
inclui as desigualdades dos rendimentos, as oportunidades
e o poder político que marginaliza os mais
pobres. Os países em vias de desenvolvimento e os
seus cidadãos mais pobres estão mais vulneráveis às
alterações climáticas. Elevados níveis de dependência
económica na agricultura, média de rendimentos
mais baixa, condições ecológicas já fragilizadas e a localização
em áreas tropicais que enfrentam padrões
climáticos mais extremos são, todos eles, factores
de vulnerabilidade. Os factores que se seguem estão
entre os que criam uma predisposição para a conversão
do risco em vulnerabilidade:
• Pobreza e baixo desenvolvimento humano. As
elevadas concentrações de pobreza entre a população
exposta aos riscos climáticos são uma
fonte de vulnerabilidade. Os 2,6 mil milhões de
pessoas – 40% da população do mundo – que
vivem com menos de US$2 por dia estão intrinsecamente
vulneráveis porque têm menos
recursos para fazerem face aos riscos. De modo
semelhante, para os 22 países com uma população
total de 509 milhões de pessoas a viverem na
categoria de baixo desenvolvimento humano do
Índice do Desenvolvimento Humano (IDH),
mesmo os pequenos acréscimos dos riscos climáticos
podem conduzir à vulnerabilidade em
massa. Em grande parte do mundo desenvolvido
(incluindo países da categoria de médio desenvolvimento
humano), existe uma interacção bilateral
entre vulnerabilidade associada ao clima,
pobreza e desenvolvimento humano. Os mais
pobres estão, frequentemente, subnutridos porque,
em parte, habitam áreas marcadas por secas
Os pedidos de indemnização às seguradoras relacionados com o clima
sofreram um rápido aumento nas passadas duas ou três décadas. Enquanto
que os cépticos nas questões climáticas e alguns governos insistem em
questionar as relações entre as alterações climáticas e os desastres climáticos,
muitas companhias de seguros gerais traçam um percurso contrário.
Nos cinco anos que precederam 2004, as perdas seguradas sofridas devido
a fenómenos climáticos atingiram uma média de US$17 mil milhões por ano – o
quíntuplo (a preços de 2004) comparativamente aos quatro anos anteriores a
1990. Os pedidos de indemnização às seguradoras relacionados com o clima
estão a crescer mais do que a população, rendimentos e prémios dos seguros,
incitando a indústria a reavaliar a viabilidade dos modelos de negócio actuais.
Essa reapreciação adoptou formas distintas nos vários países. Em
alguns casos, a indústrias têm surgido como poderosas defensoras do
desenvolvimento de infra-estruturas vocacionadas para a redução das perdas
seguradas. No Canadá e no Reino Unido, por exemplo, as companhias de
seguros elaboraram pedidos para que houvesse um aumento dos investimentos
públicos em sistemas de protecção contra tempestades e inundações e
pediram aos governos para cobrirem as perdas, na qualidade de seguradores
de último recurso.
Nos Estados Unidos, as companhias de seguros já reapreciavam activamente
a exposição aos riscos climáticos, mesmo antes do Furacão Katrina ter entrado
para a História em termos de custos dos prejuízos causados pela tempestade.
Têm vindo a estabelecer plafonds na indemnização de perdas, a transferir
grande parte dos riscos para os consumidores e a evitar zonas de alto risco.
Um dos efeitos secundários do Furacão Katrina foi o aumento dos títulos de
riscos catastrófi cos, que transfere os riscos das seguradoras para os mercados
fi nanceiros: a remuneração dos proprietários dos títulos cessa na ocorrência
de uma catástrofe climática. O mercado, em 2006, manteve-se nos US$3.6 mil
milhões, em comparação com US$1 milhar de milhão nos dois anos anteriores.
Os programas de seguros desenvolvidos pelo governo federal e estadual
não fi caram imunes às pressões associadas ao clima. A apresentação de
dois programas fundamentais – The National Flood Insurance Programme
(exposição de cerca de US$1 bilião) e o Federal Crop Insurance Programme
(exposição de cerca de US$44 mil milhões) – incitou o Gabinete de Contabilidade
Governamental a prevenir que as “ As alterações climáticas têm implicações
para a saúde fi scal do Governo Federal.”
A experiência nos mercados de seguros dos países desenvolvidos realça
um problema mais vasto. As alterações climáticas geram grandes incertezas. O
risco é uma característica inerente a qualquer mercado segurador. Os prémios
são calculados com base na avaliação dos riscos. Com as alterações climáticas, é
provável que os pedidos de indemnização aumentem ao longo do tempo. Segundo
uma estimativa realizada pela Associação das Seguradoras Britânicas, o dobro
do CO2 poderia maximizar as perdas seguradas – causadas por tempestades
extremas – para a indústria global em US$ 66 mil milhões por ano (a preços
de 2004). A difi culdade para a indústria é que esta tendência será pontuada
por fenómenos catastrófi cos que irão arruinar os contratos mútuos de riscos.
Caixa 2.2 A indústria global de seguros – reavaliação dos riscos climáticos
Fonte: ABI 2004, 2005b;Brieger,Fleck e Macdonald 2001;CEI 2005; GAO 2007; Mills 2006; Mills, Roth e Leomte 2005; Thorpe 2007.
80 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
e baixas produções; estão vulneráveis a riscos climáticos
porque são pobres e estão subnutridos.
Em alguns casos, essa vulnerabilidade está directamente
relacionada com os choques climáticos.
Dados do IDH desagregados referentes ao Quénia
demonstram, por exemplo, um ajustamento
próximo entre emergências alimentares associadas
a secas e distritos onde o desenvolvimento
humano é baixo (tabela 2.1). No Gana, metade
das crianças da região Norte, propensa a secas,
estão subnutridas, em comparação com os 13%,
em Acra. 20
• Disparidades no desenvolvimento humano.As desigualdades
dentro dos países são outro marcador
de vulnerabilidade aos choques climáticos. Uma
recente avaliação dos impactos humanos das catástrofes
concluiu que os “países com elevados
níveis de desigualdade económica sentem os
efeitos dos desastres climáticos com maior profundidade
do que as sociedades mais igualitárias.
21 Os níveis médios de desenvolvimento
humano podem esconder elevados níveis de privação.
A Guatemala, por exemplo, é um país de
desenvolvimento humano médio, marcado por
grandes disparidades sociais entre indígenas e
não indígenas. A subnutrição entre os indígenas
representa o dobro da dos não indígenas.
Quando o Furacão Stan atingiu as terras altas do
ocidente da Guatemala, em 2005, o seu impacto
foi mais intensamente sentido pelos indígenas,
na sua maioria, camponeses de subsistência ou
agricultores. A perda de cereais básicos, o esgotamento
de reservas alimentares e a queda das
oportunidades de emprego ampli caram os já
rigorosos níveis de privação, com as desigualdades
a constituírem barreira a uma atempada recuperação.
22 As disparidades do desenvolvimento
humano expõem, também, as populações mais
vulneráveis aos riscos climáticos, em alguns dos
países mais ricos do mundo. Quando o Furacão
Katrina atingiu Nova Orleães, foram afectadas
algumas das mais pobres comunidades da América.
A recuperação foi di cultada pelas profundas
desigualdades subjacentes (caixa 2.3).
• Falta de in1 a-estruturas de protecção aos impactos
climáticos. As disparidades de infra-estruturas
ajudam a justi car a razão pela qual os impactos
climáticos semelhantes produzem diferentes
resultados. O elaborado sistema de diques, nos
Países Baixos, constitui um poderoso atenuador
entre risco e vulnerabilidade. Os sistemas de
defesa contra as inundações, as infra-estruturas
hídricas e atempados sistemas de prevenção reduzem
a vulnerabilidade. O Japão enfrenta uma
maior exposição a riscos associados com ciclones
e inundações, comparativamente às Filipinas. No
entanto, entre 2000 e 2004, a média de fatalida-
Figura 2.4 A provisão de seguro social é bem
maior nos países desenvolvidos
Despesas da segurança social (% do PIB)
14
12
10
8
6
4
2
0
Fonte: World Bank 2006g.
África Subsariana
Médio Oriente e Norte de África
Europa e Ásia Central
Ásia Oriental e Pacífico
África do Sul
América Latina e Caraíbas
OCDE
Distritos quenianos
Valor do índice do Desenvolvimento Humano
2005
Distritos em emergência alimentar
(Novembro 2005 – Outubro 2006)
Garissa 0,267
Isiolo 0,580
Mandera 0,310
Masrabit 0,411
Mwingi 0,501
Samburu 0,347
Turkana 0,172
Wajir 0,256
Outros
Mombaça 0,769
Nairobi 0,773
Média nacional do Quénia 0,532
Tabela 2.1 As emergências alimentares associadas às secas e o desenvolvimento
humano estão intimamente relacionados no Quénia
Fonte: PNUD 2006a; USAID FEWS NET 2007.
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 81
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
des chegou às 711 nas Filipinas contra apenas 66
no Japão.23
• Limitado acesso ao seguro. O seguro pode contribuir
para o aumento da capacidade das pessoas
lidarem com os riscos, sem terem de reduzir o
consumo ou perder bens. Os mercados privados
e as políticas públicas podem desempenhar um
papel importante. As famílias dos países ricos
têm acesso ao seguro privado, para uma autoprotecção
contra as perdas associadas ao clima.
A maioria das famílias mais pobres, nos países em vias
de desenvolvimento, não tem este acesso. A segurança
social constitui outro atenuador da vulnerabilidade.
Permite que as pessoas possam lidar com os riscos,
sem que afectem as oportunidades do desenvolvimento
humano a longo prazo. Pode auxiliar os idosos,
assegurar a protecção em períodos de doença ou
desemprego, apoiar o desenvolvimento de crianças e
proteger a nutrição básica. Os países variam bastante
no apoio à segurança social ( gura 2.4). São os países
Quando o Furacão Katrina destruiu os diques de Nova Orleães, houve um
sofrimento humano e danos físicos em larga escala. À medida que o nível
das águas das inundações diminuía, colocava a descoberto as graves
vulnerabilidades associadas aos elevados níveis de desigualdades sociais
já existentes. Os danos causados pelas inundações sobrepuseram-se a uma
cidade dividida, assim como as alterações climáticas se irão sobrepor a um
mundo dividido. Dois anos após a tragédia, as desigualdades continuam a
travar a recuperação.
Situada na Costa do Golfo do México dos Estados Unidos, Nova Orleães
está numa das zonas de furacões de alto risco do mundo. Em Agosto de 2005,
as protecções contra inundações, que atenuavam este risco, foram destruídas,
com consequências trágicas. O Furacão Katrina retirou cerca de 1500 vidas,
deslocou 780000 pessoas, destruiu ou danifi cou 200000 casas, danifi cou as
infra-estruturas da cidade e traumatizou a sua população.
O furacão causou impacto nas vidas de algumas das pessoas mais pobres
e vulneráveis da nação mais rica do planeta. As taxas de pobreza infantil,
anteriores ao fenómeno Katrina, em Nova Orleães, constavam entre as mais
altas nos Estados Unidos, com uma criança, em cada três, a viver abaixo do
limite da pobreza. As provisões para a saúde eram limitadas, com cerca de
750 000 pessoas sem cobertura de seguro.
O Furacão Katrina seleccionou incisivamente as suas vítimas nas
áreas mais desvantajosas da cidade. Os distritos mais pobres sofreram as
consequências. Os danos causados pelas inundações cruzavam-se com as
profundas desigualdades raciais (taxas de pobreza entre pessoas de raça
negra três vezes mais altas do que entre as de raça branca). Estima-se que
75 % da população residente em bairros inundados era de raça negra. Duas
das mais pobres e vulneráveis comunidades da cidade, Lower Ninth Ward e
Desire/Florida, foram totalmente devastadas pelo Katrina.
As imagens do sofrimento humano em Nova Orleães foram transmitidas
em todo o mundo, uma vez que a cidade se tornava no centro das atenções
da imprensa internacional. Porém, à medida que as pessoas se preparavam
para reconstruir as suas vidas, após a retirada das câmaras, as desigualdades
existentes anteriores ao furacão surgiam como uma barreira à recuperação.
O sector da saúde fornece um exemplo chocante. Muitas instalações
de saúde do sistema de rede de segurança que recebiam os mais pobres
fi caram danifi cadas pelo Furacão Katrina, com o Charity Hospital, que fornecia
a maioria dos cuidados médicos a este sector – urgência, intermédio e geral
– ainda encerrado. Enquanto se aplicava um programa de isenção da Medicaid,
para proporcionar uma cobertura temporária a todas as pessoas evacuadas
sem seguro, as suas regras de elegibilidade restringiam os títulos para famílias
de baixo rendimento sem crianças, conduzindo a um substancial número de
pedidos indeferidos. O Congresso e a Administração demoraram 6 meses para
autorizar uma provisão de US$ 2 mil milhões para a Medicaid cobrir os custos
de saúde não segurados.
Uma pesquisa conduzida pela Kaiser Family Foundation, 6 meses após a
tempestade, revelou que muitas pessoas não tinham capacidade para manter
tratamentos já existentes ou aceder aos cuidados necessários para lidar com
as suas novas condições. Em entrevistas domiciliárias, mais de 80% dos
inquiridos identifi caram a necessidade de mais provisões de saúde alargadas
e melhoradas como um desafi o vital para a cidade. Dois anos depois, o desafi o
mantém-se.
Dos muitos factores que impedem a recuperação social e económica
de Nova Orleães, o sistema de cuidados de saúde poderá constituir o mais
importante. Apenas um dos sete hospitais gerais
estão em estado de funcionamento normal; dois estão em funcionamento
parcial e quatro permanecem encerrados. O número de camas de hospital,
em Nova Orleães, sofreu uma quebra de dois terços. Existem, actualmente,
menos 16 800 empregos do sector médico, menos 27%, em comparação
com o período anterior à tempestade, em parte devido à escassa oferta de
enfermeiros e outros profi ssionais de saúde.
Há duas importantes lições a retirar do Furacão Katrina e que exercem uma
infl uência signifi cativa nas estratégias das alterações climáticas. A primeira é
a de que os elevados níveis de pobreza, marginalização e desigualdade criam
uma predisposição para que os riscos se convertam em vulnerabilidades
em massa. O segundo é a de que as políticas públicas são importantes. As
políticas que proporcionem direitos de saúde e provisões habitacionais podem
facilitar uma recuperação rápida, enquanto que a falta de direitos poderão
gerar o efeito contrário.
Caixa 2.3 Furacão Katrina – as questões sócio-demográfi cas de uma catástrofe
Fonte: Perry et al. 2006; Rowland 2007; Turner e Zedlewski 2006; Urban Institute 2005.
Pobreza em Nova Orleâes
Pessoas em estado de pobreza, 2000 (%) Nova Orleães Estados Unidos
População total 28 12
População com 18 anos ou menos 38 18
Brancos 12 9
Afro-americanos 35 25
Fonte: Perry et al. 2006.
82 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
Durante muitas gerações, os Inuits observaram de perto o ambiente, prevendo
o clima com precisão, de forma a proporcionarem segurança às viagens
pelos mares gelados. No entanto, a nossa capacidade de ler e prever as
condições e os padrões climáticos à nossa volta enfrenta, actualmente, um
enorme desafi o devido às alterações climáticas. Durante décadas, os nossos
caçadores registavam degelos no solo gelado, reduções da espessura do
gelo, diminuição dos glaciares, novas espécies invasoras, rápidas erosões
costeiras e climas perigosamente imprevisíveis. Da nossa perspectiva
longínqua do Norte, observámos que o debate sobre as alterações climáticas
globais foca, mais frequentemente, questões económicas e técnicas do que
os impactos humanos e as consequências das alterações climáticas. Os Inuis
sentem, já, estes impactos e irão, brevemente, ter de enfrentar deslocações
sociais e culturais dramáticas.
As alterações climáticas são o nosso maior desafi o: para além de extenso
e complexo, exige uma acção imediata. Representa, ainda, uma oportunidade
de relacionamento entre as pessoas, uma humanidade em comum que
ultrapassa todas as diferenças. Tendo isto em conta, decidi consultar os regimes
internacionais de direitos humanos, concebidos para proteger os povos da
extinção cultural – o mesmo problema que nós, os Inuits, poderíamos estar
a enfrentar. A questão colocada foi sempre a mesma: como poderemos nós
trazer alguma clareza de objectivos e de enfoque a um debate que parece estar
sempre preso a argumentos técnicos e a ideologias opositoras de curto prazo?
Penso que é pertinente, a nível internacional, que as alterações climáticas
globais sejam debatidas e analisadas no âmbito dos direitos humanos. Tal como
Mary Robinson referiu “os direitos humanos e o ambiente são interdependentes
e estão interrelacionados”. É por esta razão que, juntamente com mais 61 Inuits,
trabalhei para lançar a Petição Direitos Humanos e Alterações Climáticas, em
Dezembro de 2005.
Na sua essência, a petição afi rma que os governos deveriam desenvolver
as suas economias usando tecnologias apropriadas que diminuam, de forma
signifi cativa, as emissões de gases com efeito de estufa. Alcançámos, porém,
muito mais do que isso.
Através deste trabalho, tornámos os rostos humanos – e os nossos
destinos – no centro das atenções. No discurso internacional, alterámos as frias
discussões técnicas para debates sobre valores, desenvolvimento e direitos
humanos. Concedemos um ritmo às conferências das Nações Unidas e um
renovado sentido de urgência. Fizemo-lo lembrando às pessoas distanciadas
do Árctico que estamos todos ligados: os caçadores Inuits que caem através
do gelo fi no estão ligados às pessoas que enfrentam o degelo dos glaciares
dos Himalaias e as inundações dos pequenos estados insulares; porém, este
facto também se relaciona com a forma como o mundo segue o seu dia-a-dia,
em termos dos automóveis que conduzimos, das indústrias que sustentamos
e das políticas que adoptamos e incentivamos.
Há uma pequena janela de oportunidade que ainda permanece aberta para
salvar o Árctico e, em última análise, o planeta. Uma acção coordenada poderá
prevenir o futuro projectado na Avaliação do Impacto Climático no Árctico. As
nações poderão unir-se novamente, como fi zemos em Montreal, em 1987, e
em Estocolmo, em 2001. A nossa camada de ozono está já a restabelecer-
-se; os químicos tóxicos que contaminavam o Árctico estão já a diminuir.
Agora, os maiores emissores do planeta devem estabelecer compromissos
de obrigação de forma a actuar. Apenas espero que as nações aproveitem
esta oportunidade para, mais uma vez, se unirem através da consciência da
nossa ligação, da nossa partilha de atmosfera e, em última instância, da nossa
humanidade.
Sheila Watt-Cloutier
Representante das Alterações climáticas no Árctico
Contributo especial As alterações climáticas enquanto questão de direitos humanos
ricos a gastar a maior fatia das suas receitas, em média,
mais elevadas, na segurança social. Em termos de gestão
dos riscos globais das alterações climáticas, isto
signi ca que há uma relação inversa entre vulnerabilidade
(que se concentra nos países pobres) e segurança
(que se concentra nos países ricos).
As desigualdades associadas ao género cruzamse
com os riscos e vulnerabilidades climáticos. As
desvantagens históricas das mulheres – o seu acesso
limitado a recursos, a restrição de direitos e a falta
de voz na formulação de decisões – tornam-nas altamente
vulneráveis às alterações climáticas. A natureza
dessa vulnerabilidade varia bastante, alertando
para as generalizações. Porém, é provável que as alterações
climáticas agravem os padrões da desvantagem
de género existentes. No sector agrícola, as mulheres
rurais dos países em vias de desenvolvimento são as
principais produtoras de alimentos básicos, um sector
fortemente exposto a riscos causados por secas e
precipitação incerta. Em muitos países, as alterações
climáticas obrigam mulheres e jovens do sexo feminino
a percorrerem distâncias maiores para se abastecerem
de água, especialmente na estação seca. Para
além disso, é possível que as mulheres se dediquem
mais ao trabalho relacionado com o combate aos riscos
climáticos, como a conservação do solo e da água,
a construção de reservas e o crescente emprego fora
do âmbito da agricultura. Um corolário da vulnerabilidade
associada ao género é a importância da participação
da mulher em qualquer processo de planeamento
para a adaptação às alterações climáticas.24
As alterações climáticas proporcionam, também,
um marcador da relação simbiótica entre cultura humana
e sistemas ecológicos. Esta relação é bastante evidente
no Árctico, onde estão a ser afectados alguns dos
mais frágeis ecossistemas do mundo devido ao rápido
aquecimento. Os indígenas do Árctico tornaram-se
as sentinelas de um mundo que passa por alterações
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 83
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
climáticas. Tal como um dos líderes da comunidade
Inuit comentou: “O Árctico é o barómetro das alterações
climáticas do mundo. Os Inuits são o mercúrio
desse barómetro.”25 Para o povo Inuit, o aquecimento,
fruto da trajectória actual, irá romper ou mesmo destruir
uma cultura baseada na caça e na partilha de alimentos,
uma vez que a redução dos mares de gelo tornam
os animais que deles dependem menos acessíveis,
podendo levá-los, possivelmente, à extinção. Em Dezembro
de 2005, representantes de organizações Inuit
entregaram uma petição à Comissão Inter-americana
de Direitos Humanos, reiterando que as emissões ilimitadas
dos Estados Unidos violavam os direitos humanos
dos Inuits. O objectivo não era procurar danos,
mas antes repará-los, liderando na mitigação das alterações
climáticas perigosas.
As armadilhas de baixo desenvolvimento
humano
O desenvolvimento humano prende-se com a expansão
da liberdade e da escolha. Os riscos associados ao
clima geram dilemas, que limitam a liberdade substantiva
e anulam o poder de escolha das pessoas. Estes
dilemas podem constituir uma ida sem retorno em
armadilhas de baixo desenvolvimento humano – espirais
descendentes de desvantagem que destroem as
oportunidades.
Os choques climáticos afectam a subsistência de
várias formas. Varrem colheitas, reduzem as oportunidades
de emprego, obrigam ao aumento do preço dos
alimentos e destroem propriedades, confrontando as
pessoas com decisões difíceis. As famílias mais abastadas
podem fazer face aos choques apoiando-se nos seguros
privados, usando as suas poupanças ou vendendo
alguns dos seus bens. Têm capacidade de proteger o
seu consumo habitual – “aligeirar o consumo” – sem
diminuir as suas capacidades de produção ou reduzir as
suas aptidões humanas. Os pobres têm menos opções.
Com um acesso limitado ao seguro formal, com
baixos rendimentos e bens de pouco valor, as famílias
pobres têm de se adaptar aos choques climáticos sob
condições mais restritas. Num esforço para diminuir
o habitual consumo, são, frequentemente, obrigadas
a vender bens de produção, comprometendo futuras
criações de rendimento. Quando os já baixos rendimentos
diminuem, podem não ter outra escolha
senão reduzir o número de refeições que tomam, cortar
as despesas de saúde ou retirar as crianças da escola
de forma a aumentar a mão-de-obra laboral. As
estratégias utilizadas variam. No entanto, os dilemas
que se seguem aos choques climáticos podem destruir
rapidamente as capacidades humanas, estabelecendo
uma série de ciclos de privação.
As famílias pobres não são passivas face aos riscos
climáticos. Por falta de acesso ao seguro formal,
desenvolvem mecanismos de auto-segurança. Um
deles é criar bens – como o gado – durante os períodos
“normais”, para vender na eventualidade de uma
crise. Outra é o investimento de recursos familiares
na prevenção de catástrofes. Sondagens domiciliárias
em áreas urbanas degradadas, propensas a inundações,
em El Salvador, registaram que as famílias gastavam
mais de 9% dos seus rendimentos no reforço
das suas casas contra as inundações e aproveitavam o
trabalho da família para construir paredes de retenção
e fazer a manutenção dos canais de drenagem. 26
A diversi cação de produção e as fontes de rendimentos
são outras formas de auto-segurança. Por exemplo,
as famílias rurais procuram reduzir o seu risco
de exposição criando uma associação de culturas de
alimentos básicos e comerciais e praticando comércio
de pequena escala. O problema é que os mecanismos
de auto-segurança se degradam, frequentemente,
em confronto com os severos e recorrentes choques
climáticos.
A pesquisa aponta para quatro grandes canais ou
“multiplicadores de risco”, através dos quais os choques
climáticos podem prejudicar o desenvolvimento
humano: “perdas de produtividade “anteriores ao fenómeno”,
custos de recuperação antecipados, erosão
de activos do capital físico e erosão de oportunidades
humanas.
Perdas de produtividade “anteriores
ao fenómeno”
Nem todos os custos de desenvolvimento humano
dos choques climáticos ocorrem depois do fenómeno.
Para pessoas com um modo de subsistência precário,
residentes em áreas de variabilidade climática, os riscos
não segurados constituem um forte impedimento
ao aumento da produtividade. Com menos capacidade
para lidar com os riscos, os pobres enfrentam
obstáculos para adoptarem o investimento alto rendimento,
alto risco. De facto, são excluídos das oportunidades
de criarem a sua saída da pobreza.
Por vezes a rma-se que os pobres são pobres porque
são menos “empreendedores” e que optam por
Os riscos associados
ao clima geram dilemas,
que limitam a liberdade
substantiva e anulam o
poder de escolha das
pessoas
84 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
evitar investimentos de risco. A falácia desta ideia reside
na confusão entre aversão ao risco e capacidade
de inovação. À medida que as famílias se aproximam
da pobreza extrema, tornam-se adversas ao risco por
uma boa razão: os maus resultados podem afectar as
oportunidades de vida em muitos níveis.
Ao habitar, sem um seguro formal, em áreas de
exposição de alto risco – planícies de inundação, regiões
propensas a secas ou encostas frágeis – as famílias
pobres optam, de um modo consciente, por investimentos
com rendimentos potencialmente maiores,
em função dos interesses da segurança familiar. Os
agricultores poderão ser obrigados a tomar decisões
relativas à produção, que sejam menos sensíveis à variação
da precipitação, mas também menos lucrativos.
Pesquisas realizadas em aldeias indianas, nos anos
90, revelaram que mesmo as mais leves variações na duração
da precipitação poderiam reduzir os lucros agrícolas
do quartil mais pobre dos respondentes para um
terço, enquanto que, no quartil mais rico, provocariam
um imperceptível impacto nos lucros. Confrontados
com o alto risco, os agricultores pobres penderam para
um excesso de segurança: as decisões sobre a produção
conduziram a uma média de lucros mais baixa da
que poderia atingir no âmbito de riscos segurados. 27
Na Tanzânia, uma pesquisa a nível da aldeia descobriu
agricultores pobres a especializarem-se na produção de
colheitas resistentes às secas – como o sorgo e a mandioca
– que proporcionam uma maior segurança alimentar,
embora menores rendimentos nanceiros. A
gama de colheitas dos quintis mais ricos apresenta mais
25 % do que a do quintil mais pobre. 28
Isto faz parte de um padrão mais vasto relativo ao
verdadeiro seguro de riscos, que, em interacção com
outros factores, aumenta a desigualdade e prende as
famílias pobres em sistemas de produção de baixos
rendimentos. 29 À medida que as alterações climáticas
avançam no terreno, a produção agrícola, em muitos
países em vias de desenvolvimento tornar-se-á mais
arriscada e menos lucrativa (ver, mais abaixo, a secção
sobre agricultura e segurança alimentar). Estando
três quartos dos pobres do mundo dependentes da
agricultura, este facto tem implicações para os esforços
na redução da pobreza global.
Os pobres do mundo não são os únicos a terem de
se adaptar aos novos padrões climáticos. Os produtores
agrícolas, nos países ricos, também terão de lidar
com as consequências, porém, os riscos são menos severos
e são bastante atenuados através de subsídios de
grande escala – cerca de US$225 mil milhões, nos
países da OCDE, em 2005 – e do apoio público ao seguro
privado. 30 Nos Estados Unidos, as indemnizações
do seguro do Governo Federal para os danos de
colheitas eram, em média, de US$4 mil milhões por
ano, de 2002 a 2005. A combinação de subsídios e
seguro permite aos produtores dos países desenvolvidos
adoptarem investimentos de alto risco, de forma
a obterem rendimentos mais elevados do que teriam
sob as condições de mercado. 31
Os custos humanos da “resolução”
A incapacidade das famílias pobres em lidarem com
os choques climáticos re ecte-se nos impactos humanos
imediatos e na pobreza crescente. As secas constituem
um bom exemplo.
Quando a chuva falha, a corrente de efeitos
alastra-se por diversas áreas. As perdas de produção
podem gerar escassez de alimentos, aumento dos
preços, falta de emprego e diminuição dos salários
agrícolas. Os impactos re ectem-se nas estratégias
de resolução, que variam desde a nutrição à venda
de bens (tabela 2.2). No Malaui, a seca de 2002 deixou
perto de 5 milhões de pessoas em necessidade de
ajuda alimentar urgente. Muito antes da ajuda chegar,
as famílias foram obrigadas a tomar medidas extremas
de sobrevivência, incluindo o furto e a prostituição.
32 As acentuadas vulnerabilidades que podem
Comportamentos adoptados para enfrentar a seca, 1999 (% de pessoas) Cidade de Blantyre (%) Zomba rural (%)
Adaptações de dieta
• Substituíram carne por vegetais 73 93
• Comeram porções mais pequenas para que as refeições durassem mais tempo 47 91
• Reduziram o número de refeições por dia 46 91
• Comiam alimentos diferentes, como mandioca, em vez de milho 41 89
Redução da despesa
• Compraram menos lenha ou parafi na 63 83
• Compraram menos fertilizante 38 33
Obtenção de dinheiro para comida
• Esgotaram poupanças 35 0
• Pediram dinheiro emprestado 36 7
• Procuraram trabalho precário (ganyu) para obterem dinheiro e comida 19 59
• Venderam gado e aves domésticas 17 15
• Venderam bens de família e roupas 11 6
• Mandaram as crianças em busca de dinheiro 10 0
Tabela 2.2 A seca no Malaui – como lutam os pobres
Fonte: Devereux 1999.
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 85
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
ser desencadeadas pelos choques climáticos, em países
com baixos níveis de desenvolvimento humano,
foram fortemente demonstrados na crise de segurança
alimentar de 2005, em Níger (caixa 2.4).
As secas são, muitas vezes, registadas como fenómenos
isolados de curto prazo. Esta prática esconde alguns
impactos importantes em países cujas secas múltiplas
ou sequenciais criam repetidos choques durante
vários anos. Pesquisas na Etiópia ilustram este facto.
O país passou por, pelo menos, cinco grandes secas
nacionais, desde 1980, juntamente com várias dúzias
de secas locais. Os ciclos de seca geram armadilhas de
pobreza para muitas famílias, frustrando os esforços
de criação de bens e de aumento de rendimentos. Os
dados da sondagem demonstram que, entre 1999 e
2004, mais de metade das famílias do país sentiram
um grande choque de seca. 33 Estes choques são uma
causa importante para a pobreza transitória: se as famílias
tivessem sido capazes de controlar o consumo,
a pobreza, em 2004, teria sido, pelo menos 14% mais
baixa (tabela 2.3) – um cenário que se traduz numa
redução de 11 milhões de pessoas abaixo do limiar de
pobreza. 34
Pessoas em pobreza (%)
Pobreza observada 47,3
Pobreza prevista sem choques de seca 33,1
Pobreza prevista sem nenhum choque 29,4
Tabela 2.3 O impacto das secas na Etiópia
Fonte: Dercon 2004.
O Níger é um dos países mais pobres do mundo. Posiciona-se perto do fundo
do IDH, com uma esperança média de vida de cerca de 56 anos, em que 40%
das crianças tem, numa média anual, pouco peso para a sua idade, e em que
mais de uma em cada cinco crianças morre antes do seu quinto aniversário.
A vulnerabilidade aos choques climáticos no Níger está ligada a vários factores,
incluindo a vasta pobreza, os elevados níveis de subnutrição, a precária
segurança alimentar em “anos normais”, a restrita cobertura de saúde e os
sistemas de produção agrícolas que têm de enfrentar precipitações incertas.
Durante 2004 e 2005, as implicações destas vulnerabilidades latentes foram
fortemente demonstradas através de um choque climático, com o fi m precoce
das chuvas e o alastramento de prejuízos causados pela praga de gafanhotos.
A produção agrícola foi imediatamente afectada. Os produtos diminuíram
signifi cativamente, criando um défi ce de cereais de 223 000 toneladas. Os
preços do sorgo e do milheto aumentaram 80% acima da média de 5 anos.
Para além dos elevados preços dos cereais, a deterioração das condições
relacionadas com o gado privou as famílias de uma fonte imprescindível de
rendimento e de segurança de riscos. A perda de pastagens e de cerca de 40%
das colheitas de forragem, a juntar ao preço crescente dos preços de ração
para animais e às “vendas de emergência”, fi zeram diminuir os preços do gado,
privando as famílias de uma fonte indispensável de rendimento e de segurança
de riscos. Com as famílias vulneráveis tentando vender animais subnutridos
para obterem rendimentos e comprarem cereais, a queda dos preços afectou,
pelo contrário, a sua segurança alimentar em termos de comércio.
Em meados de 2005, cerca de 56 zonas do país enfrentavam riscos de
segurança alimentar. Perto de 2.5 milhões de pessoas – cerca de um quinto
da população do país – solicitaram assistência de emergência alimentar. Doze
zonas em regiões como Maradi, Tahoua e Zinder foram classifi cadas como
“extremamente críticas”, o que signifi ca que as pessoas reduziram o número
de refeições tomadas por dia, consumindo raízes selvagens e sementes
e vendendo gado de reprodução e equipamentos de produção. A crise na
agricultura conduziu a graves custos humanos, incluindo:
• A emigração para países vizinhos e para zonas menos criticamente
afectadas.
• Em 2005, os Médicos Sem Fronteiras (MSF) voltaram a registar uma grave
taxa de subnutrição, composta por 19% de crianças com 6-59 meses
em Maradi e Tahoua, representando uma acentuada quebra dos níveis
médios. Os MSF registaram, também, um número quatro vezes superior
de crianças em estado de subnutrição severa nos centros terapêuticos de
alimentação.
• A equipa de sondagem da USAID registou mulheres recolhendo, durante
dias inteiros, anza, um alimento selvagem.
De certo modo, o baixo nível de desenvolvimento humano no Níger torna
o país um caso extremo. No entanto, os desenvolvimentos de 2005 demonstraram,
na íntegra, os mecanismos através dos quais os crescentes
riscos associados ao clima podem destruir estratégias de resolução e criar
extensas vulnerabilidades.
Caixa 2.4 Secas e segurança alimentar em Níger
Fonte: Chen e Meisel 2006; Mousseau e Mittal 2006; MSF 2005; Seck 2007a.
Os impactos humanos dos actuais choques climáticos
fornecem um quadro, largamente ignorado,
para uma compreensão das implicações das alterações
climáticas para o desenvolvimento humano. Os
níveis de subnutrição aumentam e as pessoas cam
presas em armadilhas de pobreza. Se os cenários das
alterações climáticas estiverem correctos (previsão
de secas e inundações mais intensas), as consequências
poderão constituir grandes e rápidos retrocessos
no desenvolvimento humano nos países afectados.
Erosão dos bens – capital físico
Os choques climáticos podem ter consequências devastadoras
para os bens e poupanças de família. Bens
86 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
como animais vivos representam mais do que uma
rede de segurança para enfrentar os choques climáticos.
Constituem um recurso de produção, nutrição,
uma garantia colateral de crédito e uma fonte de rendimento
para cobrir os custos de saúde e educação,
fornecendo também segurança na eventualidade de
estragos nas colheitas. A sua perda aumenta a vulnerabilidade
futura.
Os choques climáticos geram uma notável amea ça
às estratégias de solução. Ao contrário, por exemplo,
da saúde-doença, muitos choques climáticos são
covariados: ou seja, afectam comunidades inteiras.
Se todas as famílias afectadas venderem, simultaneamente,
os seus bens para proteger o consumo, é possível
que os preços dos bens decresçam. A resultante
perda do valor pode, de um modo rápido e severo,
destruir estratégias de resolução, reforçando desigualdades
do processo mais amplas. A pesquisa sobre
as secas de 1999/2000, na Etiópia, ilustra este facto.
A catástrofe começou com a falha das chuvas de curta
duração ou belg, que podem ocorrer entre Fevereiro
e Abril. Isto frustrou as tentativas dos agricultores
de lavrar e semear produções. A redução da precipitação
durante a estação de chuvas (as chuvas meher
de Junho-Setembro) causou a ruína alastrada das
colheitas. Quando a estação belg seguinte, no início de
2000, assistiu, igualmente, a uma fraca precipitação, o
resultado foi uma enorme crise de segurança alimentar.
As vendas de bens de emergência – maioritariamente
gado – come çaram mais cedo e prolongaramse
por 30 meses. No nal de 1999, os vendedores de
gado recebiam menos de metade do preço do período
anterior à seca, constituindo uma perda enorme de
capitais. No entanto, nem todos os agricultores adoptaram
as mesmas estratégias de recuperação. Os dois
quartis de topo, com gado bastante mais numeroso,
venderam, atempadamente, os animais no clássico padrão
de “ aligeirar o consumo”, investindo no prémio
do seguro de riscos, de forma a poderem ter acesso à
comida. Por outro lado, os dois quartis mais baixos
mantiveram, obstinadamente, o seu reduzido número
de animais, apenas com pequenas descidas de posses
de gado até ao nal do período de seca. Eis a razão: os
animais constituíam um recurso vital para o semeio.
De facto, os ricos conseguiram aligeirar o consumo
sem dissipar os bens de produção, enquanto que os
pobres foram obrigados a optar por um dos dois. 35
As famílias pastoris e agropastoris, para quem o
gado tem uma importância ainda maior no seu modo
de subsistência, também sofrem graves perdas de bens
durante as secas. Tal como a experiência na Etiópia
tem vindo, repetidamente, a demonstrar, é provável
que as consequências incluam impactos adversos nas
suas condições de comércio, com os preços do gado
em acentuado decréscimo, relativamente aos preços
dos cereais.
Outro exemplo advém das Honduras. Em 1998,
o Furacão Mitch deixou um rastro de destruição por
todo o país. Neste caso, os pobres foram obrigados
a vender uma fatia dos seus bens signi cativamente
maior do que as famílias mais abastadas, de forma a
enfrentar o aumento abismal da pobreza. Gerando a
diminuição dos bens produtivos dos pobres, o choque
climático, neste caso, criou condições para um
aumento das desigualdades futuras (caixa 2.5).
Erosão de bens – oportunidades humanas
As imagens de imprensa relativas ao sofrimento humano
durante os choques climáticos não captam os
devastadores dilemas a que as famílias pobres estão sujeitas.
Quando secas, inundações, tempestades e outros
fenómenos climáticos destroem produções, cortam
rendimentos e dissipam bens, os pobres enfrentam
um grave dilema: devem compensar as perdas de bens
ou cortar nas despesas. Independentemente da escolha,
as consequências constituem custos a longo prazo que
podem colocar em risco os progressos do desenvolvimento
humano. Os dilemas que os choques climáticos
trazem às pessoas reforçam e perpetuam maiores desigualdades
baseadas no rendimento, género e outras
disparidades. Eis alguns exemplos:
• Nutrição. Choques climáticos como secas e inundações
podem causar graves retrocessos no estado
nutricional: à medida que a oferta de alimentos
decresce, os preços aumentam e as oportunidades
de emprego diminuem. O declínio da nutrição
fornece a mais relatada prova de que as estratégias
de recuperação estão a falhar. A seca que se alastrou
pelas vastas áreas do leste de África, em 2005,
ilustra este facto. No Quénia, as vidas de cerca de
3,3 milhões de pessoas, de 26 distritos, estiveram
em risco de fome. Em Kajiado, o distrito mais
afectado, o efeito cumulativo das duas estações
de chuva mais fracas de 2003 e a total falta de
precipitação de 2004 estragaram, quase completamente,
as produções. De um modo particular,
o declínio da produção nas colheitas dependentes
da chuva, como o milho e o feijão, prejudica-
Os dilemas que os
choques climáticos trazem
às pessoas reforçam
e perpetuam maiores
desigualdades baseadas no
rendimento, género e outras
disparidades
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 87
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
ram a dieta das pessoas e o seu poder de compra.
Os centros de saúde do distrito registaram um
aumento da subnutrição, em que 30% das crianças
que procuravam assistência médica, tinham
pouco peso, comparado com os 6 % dos anos nor -
mais. 36 Em alguns casos, os dilemas entre consumo
e sobrevivência podem agravar a in uência
do género na nutrição. Pesquisas realizadas
na Índia revelaram que a nutrição das raparigas
enfrenta um número maior de períodos de baixo
consumo e de aumento dos preços dos alimentos
e que a escassez da chuva está mais fortemente
relacionada com as mortes de raparigas do que
de rapazes. 37
• Educação. Para as famílias mais pobres, aumentar
a mão-de-obra pode representar a transferência
de crianças das salas de aula para o mercado de
trabalho. Mesmo em anos “normais”, as famílias
pobres são, muitas vezes, forçadas a recorrer ao
trabalho infantil, por exemplo, durante a estação
mais fraca, antes das colheitas. As secas e inundações
intensi cam estas pressões. Na Etiópia e
Malaui, as crianças são, habitualmente, retiradas
da escola para participarem em actividades de
obtenção de rendimentos. No Bangladesh e na
Índia, as crianças de famílias pobres trabalham
no campo, guardam o gado ou praticam outras
actividades em troca de alimento durante os períodos
de crise. Na Nicarágua, no período após
o Furacão Mitch, a porção de crianças que trabalhava
em vez de frequentar a escola aumentou
de 7,5 para 15,6% em famílias afectadas. 38 Não
são apenas os países de baixos rendimentos a sofrerem
tais consequências. Uma pesquisa domiciliária
realizada no México, durante o período
1998-2000, demonstrou um aumento do trabalho
infantil em consequência da seca.
• Saúde. Os choques climáticos são uma forte ameaça
aos bens mais valiosos dos pobres – a saúde e
o trabalho. O declínio da nutrição e a queda de
rendimentos geram uma dupla ameaça: uma crescente
vulnerabilidade à doença e menos recursos
As alterações climáticas irão trazer um maior número de tempestades tropicais
intensas à medida que a temperatura das águas for aumentando. Os riscos
adicionais constituem um peso que sociedades terão de suportar. No entanto,
as famílias pobres, com uma capacidade limitada de gestão de riscos, irão
sofrer mais. Evidências observadas na América Central, que será uma das
regiões mais afectadas, demonstram a forma como as tempestades podem
destruir bens e maximizar as desigualdades.
Ao contrário das secas, que surgem em crises de “lento rastilho”com
duração de vários meses, as tempestades criam efeitos instantâneos. Quando
o Furacão Mitch atingiu as Honduras em 1998, produziu um impacto imediato
e devastador. Dados recolhidos logo após o furacão, demonstraram que as
famílias rurais mais pobres tinham perdido 30% a 40 % dos seus rendimentos
de produção de colheitas. A pobreza aumentou 8%, de 69% a 77 %, a nível
nacional. As famílias de baixos rendimentos também perderam, em média,
15% a 20% dos seus bens produtivos, comprometendo as suas projecções
de recuperação.
Cerca de 30 meses após o Furacão Mitch, uma sondagem domiciliária
forneceu perspectivas elucidativas sobre as estratégias de gestão de bens
num ambiente de esforços de recuperação da tragédia. Quase metade das
famílias registou uma perda de bens produtivos. Como seria de se esperar,
especialmente num país altamente desigual como as Honduras, o valor das
perdas aumentou com o nível de riqueza: a média do valor dos bens no período
anterior ao furacão, registado pelo quartil mais rico, foi de 11 vezes maior do
que no quartil mais pobre. No entanto, o quartil mais pobre perdeu cerca de
um terço do valor dos seus bens, em comparação com os 7% do quartil mais
rico (ver tabela). No esforço de reconstrução, a média da assistência ao quartil
mais rico perfez um total de US$320 por família – quase mais do dobro do nível
para o quartil mais pobre.
Uma detalhada análise da recuperação de bens após o período de choque
realçou o modo como o Furacão Mitch acentuou as desigualdades baseadas
nos rendimentos. Quando as taxas de crescimento do valor dos bens, nos
dois anos e meio após o furacão, foram comparadas com a tendência prevista
baseada em dados anteriores ao desastre, concluiu-se que, enquanto que os
ricos e os pobres reconstruíam uma base de bens, a taxa líquida de crescimento
para o quartil mais pobre era de 48% abaixo da tendência prevista no período
anterior ao Mitch, enquanto que para o quartil mais rico era apenas de 14%. O
aumento nas desigualdades de bens tem implicações importantes, as Honduras
é um dos países com maiores disparidades do mundo, com um índice de Gini
para a distribuição de rendimentos de 54. Os 20% mais pobres são responsáveis
por 3% dos rendimentos nacionais. A perda de rendimentos entre os pobres
irá traduzir-se na diminuição de oportunidades de investimento, no aumento
de vulnerabilidades e na crescente desigualdade de rendimentos no futuro.
Caixa 2.5 Vendas de emergência nas Honduras
Fonte: Carter et al. 2005; Morris et al. 2001.
O Furacão Mitch arruinou os bens dos pobres
Fonte: Carter et al. 2005.
Mais pobres
25%
Segundos
25%
Terceiros
25%
Mais ricos
25%
Parcela de bens perdidos
devido ao Furacão Mitch (%)
31.1 13.9 12.2 7.5
Os choques climáticos são
uma forte ameaça aos bens
mais valiosos dos pobres – a
saúde e o trabalho
88 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
para tratamentos médicos. As secas e inundações
são, frequentemente, catalisadores de um variado
leque de problemas de saúde, incluindo o aumento
da diarreia entre as crianças, cólera, problemas de
pele e grave subnutrição. Entretanto, a capacidade
de resolver velhos problemas e de lidar com
os novos é di cultado pela crescente pobreza. A
pesquisa para este Relatório demonstra que, no
México Central, no período entre 1998 e 2000,
as crianças menores de cinco anos tinham maior
probabilidade de adoecerem após sofrerem um
choque climático: a probabilidade de doença aumentou
16% com as secas e 41% com as inundações.
39 Durante a crise alimentar de 2002, no sul
de África, mais de metade das famílias de Lesoto e
Suazilândia registaram uma redução das despesas
de saúde. 40 A quebra ou o atraso no tratamento de
doenças é uma opção forçada que pode ter consequências
fatais.
Os dilemas forçados em áreas como a nutrição, educação
e saúde têm consequências que se estendem
pelo futuro. A análise detalhada de uma sondagem
realizada no Zimbabué demonstra que a longevidade
dos impactos do desenvolvimento humano
está relacionada com os choques climáticos. Depois
de escolherem um grupo de crianças com idades
compreendidas entre 1 e 2 anos, durante uma série
de secas entre 1982 e 1984, os investigadores entrevistaram
as mesmas crianças entre 13 a 16 anos mais
tarde. Descobriram que a seca tinha diminuído a
estatura média em 2,3 centímetros, atrasado o início
da escola, resultando numa perda de 0,4 anos de
escolaridade. As perdas na educação traduziram-se
numa perda de 14% nos ganhos de uma vida inteira.
Os impactos do Zimbabué foram mais severos em
crianças de famílias com pouco gado – o principal
bem de auto-segurança para aligeirar o consumo. 41
A precaução deve ser praticada através da interpretação
de resultados de um caso especí co. Porém,
a experiência do Zimbabué revela os mecanismos de
transmissão desde os choques climáticos à nutrição, à
privação educacional e de crescimento e às perdas do
desenvolvimento humano a longo prazo. Quando o
Bangladesh foi atingido por uma inundação devastadora,
em 1998, as famílias mais pobres foram forçadas
a adoptar estratégias de recuperação que levaram
a perdas de longo prazo na nutrição e saúde. Actualmente,
muitos adultos vivem com as consequências
da privação que as crianças sofreram no período imediatamente
posterior à inundação (caixa 2.6).
Dos choques climáticos de hoje às
privações de amanhã – as armadilhas de
baixo desenvolvimento humano em acção
A ideia de que um choque isolado externo pode provocar
resultados permanentes fornece uma ponte de
ligação que vai desde os choques climáticos – e as
alterações climáticas – à relação entre riscos e vulnerabilidades,
abordada neste capítulo. O impacto
directo e imediato de secas, furacões, inundações e
outros choques climáticos pode ser terrível. Porém,
os desenvolvimentos posteriores ao choque interagem
com forças mais extensas que atrasam as capacidades
do desenvolvimento humano.
Estes desenvolvimentos podem ser entendidos
através da analogia da armadilha de pobreza. Os economistas
já se aperceberam da presença de armadi-
As inundações constituem uma parte normal da ecologia de Bangladesh. Com as alterações
climáticas, é provável que as inundações “anormais”se tornem uma característica permanente
da futura ecologia. As experiências vividas após o fenómeno de inundação de 1998 – designada
de “a inundação do século” – realçam o perigo de que o crescente número de inundações irá
dar lugar a retrocessos de longo prazo no desenvolvimento humano. A inundação de 1998 foi
um fenómeno extremo. Num ano normal, cerca de um quarto do país passa por inundações. No
seu auge, a inundação de 1998 cobriu dois terços do país. Mais de 1 000 pessoas morreram e 30
milhões fi caram desalojadas. Perdeu-se, aproximadamente, 10% do total das colheitas de arroz
do país. Com a duração da inundação a evitar a replantação, dezenas de milhares de milhões de
famílias enfrentaram a crise de segurança alimentar.
As importações de alimentos em larga escala e as transferências de ajuda alimentar
governamentais contornaram a catástrofe humanitária. No entanto, não evitaram alguns
retrocessos vitais do desenvolvimento humano. A porção de crianças a sofrer subnutrição
duplicou depois da inundação. Quinze meses depois da catástrofe, 40% das crianças com um
débil estado nutricional no período da inundação, ainda não tinham recuperado o já pobre nível
de nutrição que tinham no período anterior ao fenómeno natural.
As famílias adaptaram-se às inundações de várias formas: através da contenção de
despesas, da venda de bens e do aumento de empréstimos, tudo combinado. Era mais provável
que as famílias pobres vendessem bens e contraíssem dívidas. Quinze meses depois do fi nal
das inundações, a dívida familiar, para os 40% da população mais pobre, rondava uma média de
150% da despesa mensal – o dobro do nível anterior à inundação.
A gestão das inundações de 1998 é, por vezes, vista como uma história de sucesso na
gestão de desastres. Na medida em que se pôde evitar um número maior de perdas de vidas,
esta percepção é parcialmente justifi cada. No entanto, as inundações provocaram impactos
negativos de longo prazo, principalmente no estado de nutrição de crianças já subnutridas. As
crianças afectadas poderão nunca estar em posição de se recuperarem das consequências.
As famílias pobres sofreram a curto prazo, através da quebra de consumo, do aumento das
doenças e do peso de elevados níveis de dívidas familiares – uma estratégia que se poderá juntar
à vulnerabilidade.
Caixa 2.6 A “inundação do século” em Bangladesh
Fonte: del Ninno e Smith 2003; Mallick et al. 2005.
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 89
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
lhas de pobreza nas vidas dos pobres. Embora haja
várias versões da armadilha de pobreza, estas tendem
a focar o rendimento e o investimento. Nalguns registos,
a pobreza é entendida como o resultado da
auto-subsistência, em consequência de restrições de
crédito que limitam a capacidade de investimento
dos pobres.42 Outros registos apontam para um ciclo
de auto-reforço de baixa produtividade, baixo rendimento,
baixos investimentos e de poupanças escassas.
Relacionados com estes factos estão a débil saúde e as
oportunidades limitadas de educação, que, por sua
vez, restringem as oportunidades de aumento de rendimentos
e produtividade.
Quando os desastres climáticos ocorrem, algumas
famílias são imediatamente capazes de reconstruir
a sua subsistência e restabelecer os seus bens.
Para outras famílias, o processo de recuperação é mais
lento. Para alguns – especialmente os mais pobres – a
reconstrução pode ser algo impossível de concretizar.
As armadilhas de pobreza podem ser entendidas
como um limite mínimo para bens ou rendimentos,
abaixo do qual as pessoas se tornam incapazes de criar
bens produtivos, educar as suas crianças, melhorar a
sua saúde e nutrição e aumentar os rendimentos ao
longo do tempo.43 As pessoas acima desse limite são
capazes de lidar com os riscos por caminhos que não
conduzem a ciclos descendentes de pobreza e vulnerabilidade.
As pessoas abaixo do limiar são incapazes
de atingir o ponto crítico, para lá do qual poderão
escapar da força gravítica da pobreza.
As análises sobre as armadilhas de pobreza de
rendimentos têm desviado a atenção para os processos
através dos quais a privação se transmite ao longo do
tempo. Seguindo a mesma linha, têm desvalorizado a
importância das capacidades humanas – o conjunto
alargado de atributos que determinam as escolhas à disposição
das pessoas. Desviar o enfoque em direcção à
capacidade não signi ca que se ignore o papel do rendimento.
O baixo rendimento é, claramente, a principal
causa da privação humana. No entanto, o rendimento
limitado não é o único factor que atrasa o desenvolvimento
de capacidades. A exclusão de oportunidades
para a educação básica, saúde e nutrição são fontes de
privação de capacidade. Estas associam-se, por sua vez,
à falta de progresso em outras dimensões, incluindo a
capacidade das pessoas de participarem na elaboração
de decisões e defender os seus direitos humanos.
Tal como as armadilhas de pobreza, as malhas do
baixo desenvolvimento humano surgem quando as
pessoas não são capazes de ultrapassar o limite acima
do qual poderão construir um círculo virtuoso de expansão
de capacidades. Os choques climáticos estão
entre os muitos factores que sustêm tais armadilhas
ao longo do tempo. Interagem com outros fenómenos
– saúde-doença, desemprego, con ito e rupturas de
mercado. Embora estes sejam importantes, os choques
climáticos estão entre as forças mais potentes
que sustêm as armadilhas de baixo desenvolvimento
humano. A pesquisa realizada para este Relatório fornece
evidências relativas ao funcionamento das armadilhas
de baixo desenvolvimento humano. De forma
a seguir o impacto dos choques climáticos nas vidas
dos que foram afectados, ao longo do tempo, desenvolvemos
um modelo econométrico para explorar
os microníveis dos dados da sondagem domiciliária
(Nota Técnica 2). Observámos resultados de desenvolvimento
humano especí cos, associados a um choque
climático identi cado. Qual a diferença para o estado
nutricional das crianças se estas nascerem durante a
seca? Através do nosso modelo, colocámos esta questão
em vários países que enfrentam secas recorrentes.
Os resultados demonstram o devastador impacto da
seca nas oportunidades de vida das crianças afectadas:
• Na Etiópia, as crianças com cinco ou menos de
cinco anos têm uma probabilidade de subnutrição
de 36% e de um baixo crescimento de 41%, se
tivessem nascido durante um ano de seca e fossem
afectados pela mesma. Isto traduz-se em cerca de
2 milhões de crianças subnutridas “adicionais”.
• No Quénia, nascer num ano de seca aumenta a probabilidade
de subnutrição das crianças em 50 %.
• No Níger, as crianças com dois ou menos anos
de idade, que nasceram num ano de seca e foram
afectadas pela mesma, têm uma probabilidade
de baixo crescimento de 72%, apontando para
uma conversão rápida das secas em graves dé ces
nutricionais. Estas conclusões têm importantes
implicações no contexto das alterações climáticas.
Mais claramente, demonstram que a incapacidade
das famílias pobres em lidar com os choques
climáticos “actuais” é, já, uma fonte imprescindível
da dissolução das capacidades humanas.
A subnutrição não constitui uma efeito negativo
que desaparece quando as chuvas regressam ou
quando o nível das águas das inundações desce.
Cria ciclos de desvantagem que as crianças abarcarão
para o resto das suas vidas. As mulheres indianas
nascidas durante uma seca ou inundação
Os governos podem
desempenhar um papel
crucial na criação de
mecanismos de construção
da resiliência, de apoio
à gestão de riscos em
benefício dos pobres e de
redução da vulnerabilidade
90 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
“A previsão é muito difícil, especialmente em termos
de futuro”, comentou Niels Bohr, o físico dinamarquês
laureado com o prémio Nobel. A observação
feita aplica-se, com especial intensidade, ao clima.
No entanto, enquanto que os fenómenos especí -
cos são incertos, as mudanças, em condições médias
associadas às alterações climáticas, podem ser previstas.
O Quarto Relatório de Avaliação do PIAC
fornece um conjunto devidamente estimado de projecções
para o futuro climático. Estas projecções não
constituem prognósticos climáticos para cada país.
O que oferecem é um conjunto de probabilidades
para as grandes alterações dentro dos padrões climáticos.
A história subjacente tem implicações importantes
para o desenvolvimento humano. Ao longo das
futuras décadas irá haver um crescimento continuado
na exposição humana a tais fenómenos como secas,
inundações e tempestades. Os fenómenos climáticos
extremos tornar-se-ão mais frequentes e intensos,
com uma menor exactidão e previsibilidade das épocas
de chuvas e monções. Nesta secção, concedemos
um quadro geral das relações desde as projecções do
PIAC aos efeitos para o desenvolvimento humano.44
Focamos os efeitos “prováveis” e “muito prováveis”
para o clima, de nidos como resultados com uma
probabilidade de ocorrência com mais de 66% e 90%,
respectivamente.45 Ainda que estes efeitos correspondam
apenas a condições médias globais e regionais,
ajudam a identi car fontes emergentes de riscos e
vulnerabilidades.
Produção agrícola e segurança
alimentar
Projecção do PIAC: Aumentos da precipitação em
elevadas latitudes e decréscimos nas latitudes subtropicais,
permanecendo o padrão actual de aridez em
algumas regiões. Prevê-se que o aquecimento esteja
acima da média geral ao longo da África Subsariana,
do leste e sul da Ásia. Em muitas regiões marcadas
pela escassez hídrica, prevê-se que as alterações climáticas
reduzam bastante a disponibilidade da água
através do aumento da frequência de secas, da crescente
evaporação e das mudanças nos padrões de precipitação
e de escoamento. 46
Projecção para o desenvolvimento humano: Grandes
perdas na produção agrícola, que irão levar a uma
crescente subnutrição e a escassas oportunidades
para a redução da pobreza. De um modo geral, as alterações
climáticas irão baixar os rendimentos e reduzir
as oportunidades das populações vulneráveis.
Em 2080, o número de pessoas acrescidas em risco
de fome poderá atingir 600 milhões – o dobro do número
de pessoas que vive, actualmente, na pobreza na
África Subsariana. 47
As avaliações globais do impacto das alterações
climáticas na agricultura escondem variações bastante
extensas ao longo e mesmo dentro dos países. Em termos
gerais, as alterações climáticas irão aumentar os
riscos e reduzir a produtividade da agricultura dos
países em vias de desenvolvimento. Por outro lado,
2.2 Um olhar sobre o futuro – os velhos problemas
e os novos riscos das alterações climáticas
Prevê-se que os países em
vias de desenvolvimento se
tornem mais dependentes
das importações do mundo
desenvolvido, com os seus
agricultores a perder quotas
de mercado no comércio
agrícola
nos anos 70 tinham uma probabilidade de 19%
de nunca frequentarem a escola primária, em
comparação com as mulheres, da mesma idade,
que não foram afectadas por desastres naturais.
Os riscos adicionais associados às alterações climáticas
têm potencial para fortalecer estes ciclos
de desvantagem.
Realçamos a palavra “potencial”. Nem todas as secas
são prelúdios de fomes, subnutrições ou de privação
educacional. E nem todos os choques climáticos desencadeiam
vendas de emergência de bens, aumentos, a
longo prazo, de vulnerabilidades ou o alastramento de
armadilhas de baixo desenvolvimento humano. Trata-
-se de uma área na qual as políticas e instituições públicas
marcam a diferença. Os governos podem desempenhar
um papel crucial na criação de mecanismos
de construção da resiliência, de apoio à gestão de
riscos em benefício dos pobres e de redução da vulnerabilidade.
As políticas, nestes campos, podem criar
um ambiente propício ao desenvolvimento humano.
Com as alterações climáticas, a cooperação internacional
para a adaptação é a condição principal para
levar estas políticas ao encontro dos riscos adicio -
nais – um assunto ao qual regressamos no capítulo 4.
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 91
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
a produção poderá aumentar nos países desenvolvidos
e, logo, a distribuição da produção alimentar do
mundo poderá sofrer uma mudança. Prevê-se que os
países em vias de desenvolvimento se tornem mais dependentes
das importações do mundo desenvolvido,
com os seus agricultores a perder quotas de mercado
no comércio agrícola.48
Os padrões emergentes dos riscos das alterações
climáticas na agricultura terão importantes implicações
para o desenvolvimento humano. Cerca de três
em cada quatro pessoas no mundo que vivem com
menos de US$1 por dia residem em áreas rurais. O
seu sustento depende da agricultura de subsistência,
do trabalho de campo ou da pastorícia. 49 O mesmo
de aplica à maioria dos 800 milhões de pessoas no
mundo em estado de subalimentação. Os impactos
das alterações climáticas na agricultura terão, por
conseguinte, efeitos multiplicadores importantes. A
produção agrícola e o emprego sustêm muitas economias
nacionais (tabela 2.4). O sector agrícola é responsável
por mais de um terço das receitas de exportação
em cerca de 50 países em vias de desenvolvimento e
por quase metade dos empregos no mundo em vias de
desenvolvimento. 50 Na África Subsariana, em particular,
as taxas de crescimento económico estão intrinsecamente
relacionadas com as chuvas, tal como
foi demonstrado através da experiência na Etiópia ( -
gura 2.5). Para além disso, estima-se que cada US$1
Tabela 2.4 A agricultura desempenha um papel crucial nas regiões em vias
de desenvolvimento
Fonte: Coluna 1: World Bank 2007d; coluna 2: WRI 2007b.
Valor acrescentado agrícola
(% do GDP)
2005
Força laboral agrícola
(% do total da força laboral)
2004
Estados Árabes 7 29
Ásia Oriental e Pacífi co 10 58
América Latina e Caraíbas 7 18
Ásia do Sul 17 55
África Subsariana 16 58
Figura 2.5 A variação dos rendimentos acompanha
a variação da precipitação na Etiópia
Precipitação anual comparada
com a média de 1982-90
Crescimento do PIB
Fonte: World Bank 2006e.
0
10
20
30
-10
-20
-30
1982 1985 1988 1991 1994 1997 2000
0
20
40
60
-20
-40
-60
Precipitação, diferença
da média (%)
PIB
(% de mudança)
África
As alterações climáticas irão prejudicar
a agricultura nos países em vias
de desenvolvimento
Figura 2.6
Mundo
Países industriais
Países em vias
de desenvolvimento
Ásia
Médio Oriente
e Norte de África
América Latina
v
o
n
Á
a
Fonte: Cline 2007.
–20 –10 0 10 20
Mudanças no potencial de produção agrícola
(a década de 2080 como % do potencial de 2000)
gerado pelo sector agrícola, na África Subsariana, crie
até US$3 no sector não-agrícola.51
Exercícios de modelos climáticos apontam para
mudanças bastante extensas nos padrões de produção.
Um estudo realizou a média dos resultados de
seis exercícios destes, identi cando mudanças no
potencial de produção para a década de 2080. 52 Os
resultados formam um quadro preocupante. A nível
global, o potencial agregado da produção agrícola
será relativamente pouco afectado pelas alterações
agrícolas. No entanto, a média esconde variações
signi cativas. Por volta da década de 2080, o potencial
agrícola poderá aumentar em 8% nos países
desenvolvidos, fundamentalmente em resultado de
ciclos mais prolongados de crescimento de culturas,
enquanto que nos países em vias de desenvolvi92
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
mento poderá cair em 9%, com a África Subsariana e
a América Latina projectadas para sofrerem as maiores
perdas ( gura 2.6).
África Subsariana – uma região em risco
Sendo a região mais pobre e dependente da chuva
do mundo, a África Subsariana é objecto de especial
preocupação. Por toda a região, os produtores agrícolas
trabalham com recursos limitados em ambientes
frágeis, sensíveis às mais pequenas mudanças nos padrões
de temperatura e de chuva. Em zonas áridas,
os sistemas so sticados de associação de culturas –
milho e feijões, feijão-frade e sorgo e milheto e amendoim,
por exemplo, têm vindo a ser desenvolvidos
para enfrentar os riscos e manter a subsistência. As
alterações climáticas constituem uma ameaça a estes
sistemas e às vidas que estes que sustentam.
Parte desta ameaça advém da expansão das áreas
vulneráveis à seca, tal como foi projectado pelo Centro
Hadley para Alterações Climáticas (mapa 2.1).
Prevê-se que as áreas áridas e semi-áridas aumentem
em 60 a 90 milhões de hectares. Por volta de 2090, em
algumas regiões, as alterações climáticas terão potencial
para causar danos extremos. A África Austral enfrentará
ameaças especialmente severas: as produções
resultantes da agricultura de sequeiro poderão diminuir
até 50% entre 2000 e 2020, segundo o PIAC.53
Os sistemas agrícolas das zonas áridas irão registar
alguns dos impactos mais devastadores das alterações
climáticas. Um estudo observou as potenciais implicações
para as zonas áridas na África Subsariana, conjugando
uma subida da temperatura de 2,9º C com uma
redução de 4 % na precipitação, em 2060. Eis o resultado:
uma redução de lucros por hectare de cerca de
25%, em 2060. Nos preços de 2003, as perdas gerais
de lucros representariam cerca de US$26 mil milhões
em 2060 54 – um número que representa mais do que
a ajuda bilateral à região, em 2005. De um modo mais
extenso, o perigo reside no facto de que episódios de
insegurança alimentar extremos, como os que têm frequentemente
afectado países como Malaui, se tornarão
mais comuns (caixa 2.7).
A produção de culturas de rendimento, em muitos
países, poderia ser posta em causa devido às alterações
climáticas. Com um aumento de 2º C na média
das temperaturas, prevê-se que o solo disponível para
a plantação de café no Uganda diminua.55 Trata-se
de um sector responsável por uma grande parcela de
rendimentos nas zonas rurais e gura, proeminentemente,
nas receitas de exportação. Em alguns casos,
os exercícios de modelos geram resultados optimistas
que escondem os processos pessimistas. Por exemplo,
no Quénia, poderia ser possível manter a produção de
chá, mas não nas zonas actuais. A produção no Monte
Quénia teria de ser deslocada para as encostas mais
altas, actualmente ocupadas por orestas, sugerindo
que os danos ambientais poderiam constituir o corolário
da produção sustentada. 56
As alterações climáticas, à escala projectada para
a África Subsariana, terão consequências que irão
para além das do nível agrícola. Em alguns países,
existem perigos bastante graves que os alterados níveis
climáticos transformarão em forças de con ito,
por exemplo, os modelos climáticos para o Cordofão
do Norte, no Sudão, indicam que as temperaturas
irão aumentar em 1,5º C, entre 2030 e 2060, com a
precipitação a descer em 5%. Os possíveis impactos
na agricultura incluem uma queda de 70% na produção
de sorgo. Este facto vem contrariar o cenário de
fundo de um declínio a longo prazo na precipitação
Mapa 2.1 Aridez: aumento da área de seca em África
Fonte: Met Office 2006.
–5
–3
–1
0
1
3
5
Índice de Severidade
de Seca de Palmer
A severidade da seca num cenário A2 do PIAC (mudança relativa ao período 2000-2090)
Nota: Os limites demonstrados e as designações utilizadas neste mapa não implicam uma avaliação oficial ou aceitação por
parte das Nações Unidas.
Os cenários do PIAC descrevem plausíveis padrões futuros do crescimento da população, do crescimento económico, das
mudanças tecnológicas e das emissões de CO2 associadas. Os cenários A1 pressupõem um rápido crescimento económico e
populacional conjugado com uma dependência nos combustíveis fósseis (A1FI), na energia não fóssil (A1T) ou numa combinação
(A1B). O cenário A2, aqui utilizado, pressupõe um menor crescimento económico, uma menor globalização e um crescimento
populacional continuado. Uma mudança negativa no Índice de Severidade de Seca de Palmer, calculado com base nas
projecções da precipitação e evaporação, pressupõe secas mais severas.
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 93
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
Os modelos das alterações climáticas pintam um quadro desolador para o
Malaui. Prevê-se que o aquecimento global aumente as temperaturas em 2
a 3º C em 2050, com um declínio dos níveis de precipitação e redução da
disponibilidade da água. A combinação entre temperaturas mais elevadas
e a menor quantidade de água traduzir-se-á numa redução acentuada da
humidade do solo, afectando os 90% dos agricultores de subsistência que
dependem da produção de sequeiro. Prevê-se que a produção potencial para
o milho, a principal cultura alimentar de subsistência, que, num ano normal,
é fonte de três quartos do consumo de calorias, sofra uma queda de mais
de 10%.
É difícil estabelecer as implicações para o desenvolvimento humano. Os
impactos das alterações climáticas irão sobrepor-se a um país assinalado por
elevados níveis de vulnerabilidade, incluindo a fraca nutrição, e por uma das
mais intensas crises de VIH/SIDA: perto de um milhão de pessoas padecem
desta doença. A pobreza é endémica. Dois em cada três malauianos vivem
abaixo do limite de pobreza nacional. Entre os 177 países avaliados no IDH,
Malaui encontra-se em 164º lugar. A esperança média de vida caiu para cerca
de 46 anos.
As secas e inundações sucessivas nos recentes anos demonstraram
as pressões acrescidas que as alterações climáticas poderão gerar. Em
2001/2002, o país sofreu uma das piores crises de fome dos últimos tempos,
uma vez que as inundações cortaram um terço das produções de milho.
Entre 500 e 1 000 de pessoas do centro e sul do país morreram durante o
desastre ou no período imediatamente após o mesmo. Estima-se que cerca de
20 000 pessoas tenham morrido em consequência indirecta de subnutrição e
doença associadas. À medida que os preços do milho subiram, a subnutrição
aumentou: de 9% a 19% entre Dezembro de 2001 e Março de 2002, no distrito
de Salima.
A seca de 2001/2002 difi cultou as estratégias de resolução. As pessoas
foram não apenas forçadas a cortar as refeições, a retirar as crianças da
escola, a vender bens de família e a aumentar o trabalho precário, como
também a comer sementes que serviriam para plantar e a transaccionar bens
de produção por alimentos. Assim, muitos agricultores não tinham sementes
para plantar, em 2002. Em 2005, o país estava novamente preso a uma crise
causada pela seca, com mais de 4,7 milhões de pessoas, de uma população
de mais de 13 milhões, a sofrerem privações alimentares.
As alterações climáticas ameaçam fortalecer os já poderosos ciclos de
privação criados pelas secas e inundações. Os riscos adicionais irão sobreporse
a uma sociedade assinalada por profundas vulnerabilidades. Num ano
“normal”, dois terços das famílias são incapazes de produzir milho sufi ciente
para cobrir as necessidades do agregado familiar. O declínio da fertilidade do
solo, associado ao acesso limitado a fertilizantes, créditos e outros recursos,
reduziu a produção do milho de 2,0 toneladas por hectare a 0,8 toneladas, nas
últimas duas décadas. As perdas de produtividade associadas à redução da
precipitação irão piorar um quadro já desolador por si só.
À parte das consequências imediatas para a saúde, o vírus VIH/SIDA
criou novas categorias de grupos vulneráveis. Estes incluem famílias sem
trabalhadores adultos ou lideradas por idosos ou crianças e famílias com
membros doentes, incapacitados de manter a produção. As mulheres
enfrentam o triplo peso da produção agrícola, dos cuidados prestados às
vítimas com o VIH/SIDA e órfãos e do abastecimento de água e lenha. Quase
todas as famílias afectadas com o VIH/SIDA, incluídas numa sondagem à
região Central, registaram uma diminuição da produção agrícola. Os grupos
afectados com o VIH/SIDA estarão na linha da frente, enfrentando os riscos
adicionais das alterações climáticas.
Para um país como Malaui, as alterações climáticas têm potencial para
criar retrocessos extremos no desenvolvimento humano. Prevê-se que mesmo
os mais pequenos aumentos dos riscos, causados pelas alterações climáticas,
poderão criar rápidas espirais descendentes. Alguns riscos poderão ser
mitigados através de uma melhor informação, de infra-estruturas de gestão de
inundações e de medidas de resposta às secas. A resiliência social tem de ser
desenvolvida através da provisão social, de subsídios de assistência social e de
redes de segurança que aumentem a produtividade das famílias mais vulneráveis,
capacitando-os para enfrentarem os riscos de um modo mais efi caz.
Caixa 2.7 As alterações climáticas em Malaui – mais e piores
que, juntamente com o sobrepastoreio, tem assistido
a um avanço dos desertos de 100 quilómetros, em
algumas regiões do Sudão, nos últimos 40 anos. A
interacção entre as alterações climáticas e a contínua
degradação ambiental possui potencial para agravar
um vasto leque de con itos, di cultando os esforços
para a construção de uma base de segurança humana
e de paz a longo prazo. 57
Ameaças mais abrangentes
Estas ameaças extremas na África Subsariana não
deverão desviar a atenção de riscos mais abrangentes
para o desenvolvimento humano. As alterações climáticas
terão importantes, embora incertas consequências
para os padrões de precipitação no mundo
em vias de desenvolvimento.
Muitas incertezas rondam o El Niño/Oscilação
Sul (ENSO) – um ciclo atmosférico a nível das águas
dos oceanos que abrange um terço do globo Em termos
gerais, o El Niño aumenta o risco de seca no sul
e leste da Ásia e acresce a actividade de furacões no
Atlântico. Uma pesquisa realizada na Índia reuniu
evidências de ligações existentes entre o EL Niño e
a época de monção, da qual depende a viabilidade
de todo um sistema agrícola. 58 Mesmo as pequenas
alterações na intensidade das monções podem gerar
consequências dramáticas para a segurança alimentar
no sul da Ásia.
As projecções globais das alterações climáticas
podem esconder efeitos locais importantes. Consi-
Fonte: Devereux 2002, 2006c; Menon 2007a; Phiri 2006; República de Malaui 2006.
94 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
dere o caso da Índia. Algumas projecções apontam
para aumentos agregados substanciais na precipitação
de todo o país. No entanto, é provável que haja
mais precipitação durante os períodos de monções
intensas em partes do país já com abundância de
água (criando um risco crescente de inundação),
enquanto que outras zonas extensas registarão uma
menor precipitação. Estas incluem zonas propensas
a secas em Andhra Pradesh, Guzerate, Madhya Pradesh
e Rajastão. A pesquisa do micronível climático,
realizada para Andhra Pradesh, demonstra temperaturas
a subir em 3,5º C, em 2050, levando a um
declínio de 8% a 9% nos rendimentos de culturas
intensamente dependentes da água, como o arroz.59
Perdas a esta escala representariam uma fonte de
vulnerabilidades bastantes acrescidas no modo de
subsistência rural. A diminuição da produção reduziria
o total de alimentos produzidos pelas famílias
para o seu próprio consumo, cortaria os abastecimentos
dos mercados locais e diminuiria as oportunidades
de emprego. Nesta área, também as evidências
do passado poderão lançar uma luz sobre as futuras
ameaças. Em Andhra Pradesh, uma sondagem
em oito distritos de zonas áridas revelou que as secas
ocorriam, em média, uma vez em 3 a 4 anos, conduzindo
a perdas no valor de produção de 5% a 10%.
Isto é o su ciente para colocar muitos agricultores
abaixo da linha de pobreza. Os modelos para os rendimentos
agrícolas, na Índia, sugerem que uma subida
da temperatura de 2º C a 3,5º C poderia estar
associada a uma redução dos rendimentos líquidos
agrícolas de 9% a 25%. 60
As implicações desta projecção não deveriam ser
subestimadas. Embora a Índia seja uma economia de
elevado crescimento, os lucros têm vindo a ser distribuídos
de uma forma desigual e existe um grande
atraso no desenvolvimento humano. Cerca de 28% da
população, 320 milhões de pessoas, vive abaixo do limite
de pobreza, com três quartos dos pobres a residir
em zonas rurais. O desemprego entre os trabalhadores
rurais, um dos grupos mais pobres, está a aumentar, e
quase metade das crianças do meio rural têm um peso
insu ciente para a sua idade. 61 A imposição de riscos
adicionais das alterações climáticas neste grande dé-
ce de desenvolvimento humano iria comprometer a
ambição do “crescimento inclusivo”, estabelecido no
décimo-primeiro Plano 5 Anos da Índia.
As projecções para outros países da Ásia Austral
também não são animadoras:
• Os exercícios dos cenários climáticos para Bangladesh
sugerem que uma subida de temperatura
de 4ºC poderia reduzir a produção do arroz em
30% e a produção de trigo em 50%. 62
• No Paquistão, os modelos climáticos simulam
perdas de produções agrícolas de 6% a 9% para
o trigo, com a subida de 1º C de temperatura. 63
As projecções nacionais para as alterações climáticas
em outras regiões con rmam as perdas económicas
em larga – escala e danos para as famílias. Na Indonésia,
os modelos climáticos que simulam o impacto
das alterações de temperatura, o teor da humidade
do solo e a precipitação na produtividade agrícola demonstram
uma enorme dispersão de resultados, com
as produções a diminuírem em 4% para o arroz e em
50% para o milho. As perdas serão especialmente
assinaladas nas zonas costeiras, onde a agricultura é
vulnerável à incursão da água salgada. 64
Na América Latina, a agricultura de subsistência
é particularmente vulnerável, por um lado devido
ao acesso limitado à irrigação e por outro porque o
milho, um alimento básico em quase toda a região,
é altamente sensível ao clima. Há uma considerável
incerteza quanto às projecções para a produção de colheitas.
No entanto, modelos recentes apontam como
plausíveis os resultados que se seguem:
• Para a agricultura de subsistência, as perdas de
produção de milho irão rondar uma média de
10% por toda a região, mas irão atingir os 25%
no Brasil. 65
• As perdas na produção de milho em regime de
sequeiro serão bem maiores do que na produção
em regime de irrigação, com alguns modelos a
preverem perdas até 60% no México. 66
• Crescente erosão do solo e deserti cação causadas
pelo aumento das chuvas e da temperatura
no sul da Argentina, com precipitações intensas
e uma crescente exposição à dani cação de produções
de soja devido a inundações no distrito
húmido e central de Pampas. 67
As mudanças na produção agrícola associadas às alterações
climáticas terão importantes implicações
para o desenvolvimento humano da América Latina.
Embora a agricultura seja responsável por uma
pequena parcela do emprego regional e do PIB, permanece
como fonte de subsistência para uma grande
parte dos pobres. No México, por exemplo, cerca de
2 milhões de produtores de baixo rendimento dependem
do cultivo do milho de sequeiro. O milho é
As perdas de produtividade
associadas às alterações
climáticas agravarão as
desigualdades entre os
produtores de culturas
comerciais e de sequeiro,
difi cultarão os modos de
subsistência e contribuirão
para as pressões que estão
a conduzir a migrações
forçadas
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 95
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
o principal alimento básico para os produtores nos
estados do “cintura de pobreza” do sul do México,
como o estado de Chiapas. A produtividade nestes
estados anda, actualmente, à volta de um terço do
nível na agricultura comercial de irrigação, di cultando
os esforços de redução da pobreza. As perdas
na produtividade associadas às alterações climáticas
agravarão as desigualdades entre os produtores
de culturas comerciais e de sequeiro, di cultarão
os modos de subsistência e contribuirão para as
pressões que estão a conduzir a migrações forçadas.
Stress e escassez hídricos
Projecção do PIAC: As mudanças dos padrões climáticos
terão importantes implicações na disponibilidade
da água. É bastante provável que os glaciares de
montanha e as camadas de gelo continuem a decrescer.
Com a subida das temperaturas, as mudanças nos
padrões de escoamento e na crescente evaporação da
água, as alterações climáticas terão um forte impacto
na distribuição da água do planeta e no período dos
seus uxos.
Projecção para o desenvolvimento humano: Existem
vastas zonas do mundo em vias de desenvolvimento
que enfrentam a iminente perspectiva do aumento do
stress hídrico. É provável que os uxos de água para as
instalações humanas e para a agricultura diminuam,
somando-se às já graves pressões nas zonas de stress
hídrico. O degelo dos glaciares apresenta distintas
ameaças para o desenvolvimento humano. No curso
do século XXI, a água disponível armazenada nos glaciares
e nas camadas de gelo irão escassear, colocando
vários riscos para a agricultura, para o ambiente e para
as instalações humanas. O stress hídrico irá gurar de
um modo proeminente nas armadilhas de baixo desenvolvimento
humano, esgotando os recursos ecológicos
dos quais os pobres dependem e restringindo opções de
emprego e de produção.
A água é fonte de vida e de subsistência. Tal como
demonstrámos no Relatório de Desenvolvimento Humano
de 2006, é vital para a saúde e para o bem-estar
das famílias e constitui um recurso essencial para
a agricultura e para outras actividades produtivas.
O acesso seguro e sustentável à água – a segurança
hídrica no seu sentido mais vasto – é uma condição
para o desenvolvimento humano.
As alterações climáticas irão sobrepor-se a pressões
mais amplas sobre os sistemas hídricos. Muitas
bacias uviais e outros recursos hídricos estão já a ser
insustentavelmente “explorados”. Actualmente, cerca
de 1,4 mil milhões de pessoas vivem em bacias uviais
“fechadas”, onde a utilização da água excede os
níveis dos caudais, criando sérios danos ecológicos.
Os sintomas do stress hídrico incluem o colapso de
sistemas uviais no norte da China, a rápida queda
dos níveis das águas subterrâneas no sul da Ásia e no
Médio Oriente e os crescentes con itos referentes ao
acesso à água.
As alterações climáticas irão intensi car muitos
destes sintomas. Ao longo do século XXI, estes poderão
transformar os caudais de água que sustêm os sistemas
ecológicos, a agricultura de irrigação e os abastecimentos
domésticos de água. Num mundo que já
enfrenta pressões cada vez maiores sobre os recursos
hídricos, as alterações climáticas poderão adicionar
cerca de 1,8 mil milhões de pessoas à população que
vive num ambiente de escassez hídrica – de nida em
termos de um limite de 1000 metros cúbicos per capita
por ano – em 2080. 68
Os cenários para o Médio Oriente, que já é, actualmente,
a região com maior stress hídrico do mundo,
apontam na direcção de uma crescente pressão. Nove
de catorze países na região apresentam, já, uma média
de água disponível per capita abaixo do limite da escassez
hídrica. Prevê-se uma diminuição da precipitação
no Egipto, Israel, Jordão, Líbano e Palestina.
Entretanto, as crescentes temperaturas e mudanças
nos padrões de escoamento irão in uenciar o uxo
dos rios dos quais dependem os países da região. De
seguida estão alguns resultados que emergem dos
exercícios nacionais de modelos relativos ao clima:
• No Líbano, prevê-se que uma subida na temperatura
de 1,2º C irá fazer descer a disponibilidade
da água em 15% devido à mudança dos padrões
de escoamento e de evaporação. 69
• No Norte de África, mesmo as mais pequenas
subidas da temperatura poderão alterar dramaticamente
a disponibilidade da água. Por exemplo,
uma subida de 1º C poderia reduzir o escoamento
da água da bacia de drenagem do rio Ouergha de
Marrocos, em 10%, em 2020. Se os mesmos resultados
se mantiverem para as outras bacias de
drenagem, o efeito será equivalente à perda de
água armazenada numa grande represa, todos os
anos. 70
• As projecções para a Síria apresentam reduções
ainda mais profundas: um declínio de 50% na
As alterações climáticas
irão sobrepor-se a pressões
mais amplas sobre os
sistemas hídricos. Muitas
bacias fl uviais e outros
recursos hídricos estão já
a ser insustentavelmente
“explorados”
96 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
disponibilidade de água renovável, em 2050 (baseado
em níveis de 1997). 71
Os cenários das alterações climáticas para a água no
Médio Oriente não podem ser vistos de uma forma
isolada. O rápido crescimento populacional, o desenvolvimento
industrial, a urbanização e a necessidade
de água de irrigação para alimentar uma população
em crescente número, estão já a exercer imensa pressão
sobre os recursos hídricos. Os efeitos adicionais
das alterações climáticas irão somar-se a esta pressão
dentro dos países, gerando, potencialmente, tensões
sobre os uxos hídricos entre países. Os acessos às
águas do rio Jordão, aos aquíferos transfronteiriços e
ao rio Nilo poderão constituir alvos de tensões políticas
na ausência de fortes sistemas de gestão hídrica.
O recuo dos glaciares
O degelo glaciar apresenta ameaças para mais de 40%
da população mundial. 72 A hora e a magnitude especí
cas destas ameaças permanece incerta. No entanto,
não são uma prospecção distante. Os glaciares
estão já em degelo a um nível galopante. É pouco
provável que esta tendência se reverta nas próximas
duas ou três décadas, mesmo sob uma mitigação urgente.
Os cenários das alterações climáticas apontam
para um aumento dos uxos hídricos a curto prazo,
seguido de uma aridez a longo prazo.
Os milhares de glaciares situados ao longo de
2400 quilómetros da cadeia montanhosa dos Himalaias
constituem o epicentro de uma crise emergente.
Estes glaciares formam extensos tanques de água.
Armazenam água e neve em forma de gelo, desenvolvendo
reservatórios durante o Inverno e libertando o
conteúdo durante o Verão. O caudal sustenta os sistemas
uviais que constituem a fonte de subsistência
de muitos sistemas ecológicos e agrícolas.
Himalaias é uma palavra sânscrita que se traduz
por “morada da neve” Actualmente a morada dos glaciares,
a maior massa de gelo fora das camadas polares,
está a diminuir a uma taxa de 10 a15 metros
por ano.73 As evidências demonstram que o ritmo
do degelo é incerto. Porém, o caminho da mudança é
transparente.
Em taxas actuais, dois terços dos glaciares da
China – incluindo o Tian Shan – irão desaparecer
em 2060, com um degelo total em 2100.74
O glaciar Gangotri, uma das maiores reservas de
água que abastece 500 milhões de pessoas a viverem
na bacia do Ganges, está a diminuir em 23 metros
por ano. Um estudo recente realizado pela Agência
Espacial Indiana, utilizando imagens de satélite e
abrangendo 466 glaciares, observou 20% de redução
nas dimensões dos mesmos. Os glaciares do
planalto Qinghai – Tibete, um barómetro mundial
das condições climáticas e fonte dos rios Amarelo e
Yangtze, têm vindo a derreter em 7% por ano. 75 Em
qualquer cenário referente às alterações climáticas
que exceda o perigoso limite de mudanças climatéricas
de 2º C, haverá um aceleramento do nível do
recuo glacial.
O rápido degelo glacial cria alguns riscos imediatos
para o desenvolvimento humano. As avalanches
e inundações criam especiais riscos para as regiões
montanhosas com uma elevada densidade populacional.
Actualmente, um dos países que enfrenta graves
riscos e o Nepal, onde os glaciares estão a recuar a
uma taxa de vários metros por ano. Lagos formados
por águas de glaciares em degelo estão a aumentar a
um ritmo alarmante – o Lago Tsho Rolpa constitui
um desses casos e tem aumentado sete vezes mais nos
últimos 50 anos. Uma abrangente avaliação realizada
em 2001 identi cou 20 lagos glaciares que poderão
potencialmente exceder as suas reservas, com consequências
devastadoras para as pessoas, agricultura e
infra-estruturas hidroeléctricas, caso não sejam tomadas
medidas urgentes. 76
À medida que os reservatórios glaciares se esgotarem,
os caudais irão diminuir. Sete dos grandes sistemas
uviais da Ásia – Bramaputra, Ganges, Amarelo,
Indo, Mekong, Salwin e Yangtze – serão afectados.
Estes sistemas uviais fornecem água e garantem o
abastecimento de alimentos para mais de 2 mil milhões
de pessoas. 77
• O caudal do Indo, que recebe perto de 90% da sua
água a partir de reservatórios das altas montanhas,
poderá diminuir cerca de 70% em 2080.
• O Ganges poderá perder dois terços do seu caudal
do período Julho – Setembro, causando a diminuição
de água para mais de 500 milhões de pessoas e
para um terço do solo de irrigação da índia.
• As projecções para o rio Bramaputra apontam
para reduções dos caudais entre 14% e 20%, em
2050. Na Ásia Central, os efeitos das perdas recorrentes
do degelo glaciar nos rios Amu Dária e
Sir Dária poderiam restringir o caudal de água
para irrigação no Uzbequistão e Cazaquistão e
comprometer os planos de desenvolvimento de
energia hidroeléctrica no Quirguistão.
Os últimos 25 anos
assistiram à transformação
de alguns sistemas glaciares
dos trópicos. O seu inevitável
desaparecimento acarreta
implicações potencialmente
devastadoras para o
crescimento económico
e para o desenvolvimento
humano
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 97
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
Ao longo das duas últimas décadas, a China tem vindo a emergir como a
fábrica do mundo. O rápido crescimento económico tem andado lado a
lado com um acentuado declínio na pobreza e com um melhoramento dos
indicadores do desenvolvimento humano. No entanto, a China é altamente
vulnerável às alterações climáticas.
Em 2020, prevê-se que a média das temperaturas na China sejam
1,1º C e 2º C acima dos níveis do período 1961 – 1990. Neste país tão vasto,
os efeitos serão diversos e complexos, estendendo-se por várias zonas
climáticas. No entanto, uma Avaliação Nacional das Alterações Climáticas
prevê mais secas, uma maior extensão de desertos e uma redução de
recursos hídricos. As projecções para a agricultura sugerem que a produção
do arroz, milho e trigo poderão cair em 10% em 2020 e até 37% durante
a segunda metade do século devido aos factores associados ao clima.
Tal como em outros países, as alterações climáticas na China fornecem
uma poderosa demonstração das pressões ecológicas criadas pelo rápido
crescimento económico. As bacias fl uviais do Hai, Huai e Huang (Amarelo)
(as bacias dos 3 Hs) abastecem pouco menos de metade da população da
China. Com as crescentes exigências da indústria, dos centros urbanos e
da agricultura, a água que está a ser retirada das bacias representa o dobro
da taxa do seu reabastecimento. Eis o resultado: rios que já não chegam ao
mar e decréscimo das águas subterrâneas.
Qualquer redução nos caudais das bacias dos 3 Hs poderia rapidamente
transformar uma crise ecológica num franco desastre socio-económico.
Cerca de um terço do PIB da China tem a sua origem nas bacias, juntamente
com uma vasta parcela da sua produção de grãos. Um em cada dois pobres
rurais vive aqui – a sua maioria é directamente dependente da agricultura.
Tal como a seca, as crescentes temperaturas e o reduzido escoamento, em
resultado das alterações climáticas, criam efeitos, e o claro perigo é que os
custos de adaptação serão suportados primeiramente pelos pobres.
No oeste da China todos os sistemas ecológicos estão sob ameaça. Os
aumentos de temperatura projectados para esta região são de 1º C a 2,5º C,
em 2050. O planalto Qinghai- Tibete cobre uma superfície do tamanho da
Europa Ocidental e contêm mais de 45 000 glaciares. Estes glaciares estão
a recuar a uma taxa de 131,4 quilómetros quadrados por ano. Segundo as
tendências actuais, a maioria irá desaparecer completamente no final do
século.
O que está a ocorrer com os glaciares da China constitui uma crise de
segurança ecológica nacional de primeira ordem. A curto prazo, é provável
que os crescentes caudais de água resultantes do degelo conduzam a um
maior número de inundações. A longo prazo, o recuo dos glaciares privará
as comunidades que habitam as montanhas dos seus recursos de água e
transformará grandes faixas do meio ambiente da China. A desertifi cação
irá marcar passo à medida que as crescentes temperaturas e as actividades
de utilização do solo aceleram a erosão do mesmo. Fenómenos como as 13
maiores tempestades de areia registadas em 2005, tendo uma depositado
330 000 toneladas de areia em Beijing, irão tornar-se mais comuns.
Entretanto, os caudais do rio Yangtze, do rio Amarelo e de outros rios
que têm a sua origem no planalto Qinghai – Tibete irão sofrer um declínio,
somando-se ao stress dos sistemas ecológicos hídricos. Não são apenas
os ambientes rurais que irão sofrer. A cidade de Xangai é particularmente
vulnerável aos acontecimentos associados ao clima. Situado na foz do
rio Yangtze, a uma altitude de apenas 4 metros acima do nível da água, a
cidade enfrenta graves riscos de inundação. Os tufões de Verão, os surtos
de tempestades e o excessivo escoamento dos rios contribuem para as
inundações extremas.
Os 18 milhões de habitantes da cidade de Xangai enfrentam, sem
excepção, riscos de inundações. A subida dos níveis da água do mar e
os crescentes surtos de tufões colocaram a cidade costeira na lista de
perigo. No entanto, a vulnerabilidade está principalmente concentrada
entre os estimados 3 milhões de residentes temporários que migraram das
zonas rurais. Vivendo em acampamentos provisórios à volta de locais de
construção ou em zonas propensas a inundações e com direitos e títulos
limitados, esta população está sujeita a uma enorme exposição aos riscos,
apresentando uma vulnerabilidade extrema.
Caixa 2.8 As alterações climáticas e a crise hídrica da China
Fonte: Cai 2006; O’Brien e Leichenco 2007; República Popular da China 2007; Shen e Liang 2003.
Os cenários das alterações climáticas para o degelo
dos glaciares irão interagir com os já graves problemas
ecológicos e exercer pressão sobre os recursos hídricos.
Na Índia, a competição entre a indústria e a agricultura
está a criar tensões sobre a distribuição das águas entre
os estados. A redução dos caudais recorrentes dos glaciares
irá intensi car as tensões. O norte da China é já
uma das regiões com maior stress hídrico do mundo.
Em partes das bacias do Huai, Hai e Huang (Amarelo)
(as bacias dos “3 Hs”), a actual extracção de águas constitui
140% de abastecimento renovável – um facto que
explica a rápida diminuição dos principais sistemas uviais
e a redução das águas subterrâneas. A média prazo,
os alterados padrões do degelo dos glaciares irão juntarse
a esse stress hídrico. Numa zona que alberga cerca de
metade dos 128 milhões de pobres rurais, que contém
cerca de 40% do solo agrícola do país e é responsável por
um terço do PIB, esta situação acarreta sérias implicações
para o desenvolvimento humano (caixa 2.8). 78
Os glaciares tropicais estão também
a diminuir
Os glaciares tropicais estão a recuar de um modo ainda
mais rápido do que os dos Himalaias. No tempo de existência
de um glaciar, um quarto de século representa um
piscar de olhos. Porém, os últimos 25 anos assistiram à
transformação de alguns sistemas glaciares dos trópicos.
O seu inevitável desaparecimento acarreta implicações
potencialmente devastadoras para o crescimento económico
e para o desenvolvimento humano.
98 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
Sondagens realizadas por geólogos sugerem que o
nível a que os glaciares da América Latina recuam está
a aumentar. Existem 2500 quilómetros quadrados de
glaciares nos Andes tropicais, de entre os quais 70% se
situam no Peru e 20% na Bolívia. A restante massa distribui-
se pela Colômbia e Equador. Desde o início dos
anos 70 que se estima que a área da superfície dos glaciares
do Peru tenha reduzido entre 20% e 30%, com
a superfície de gelo de Quelcaya na vasta Cordilheira
Branca a perder quase um terço da sua área. Alguns
dos mais pequenos glaciares na Bolívia desapareceram
A redução dos glaciares
da América Latina
Figura 2.7
Fonte: Painter 2007, basedo em dados da Comunidade dos Andes.
Peru
2006 1,370 km2 1970 1,958 km2
Bolívia
2006 396 km2 1975 562 km2
Equador
2006 79 km2 1976 113 km2
Colômbia
2006 76 km2 1950 109 km2
Venezuela
2006 2 km2 1950 3 km2
( gura 2.7). Uma pesquisa realizada pelo Banco Mundial
prevê que muitos dos mais pequenos glaciares dos
Andes serão, dentro de uma década, matéria de discussão
nos livros de História. 79
Um dos perigos imediatos é o facto do degelo
levar à formação de lagos glaciares mais amplos, causando
um crescente risco de inundações, avalanches,
deslizamentos de lamas e o rebentamento de represas.
Os sinais do aquecimento são já bastante evidentes:
por exemplo, a área de superfície do Lago Safuna
Alta, na Cordilheira Branca, no Peru, aumentou por
um factor, de entre cinco, desde 1975. 80 Muitas bacias
hidrográ cas alimentadas por glaciares têm sofrido,
nos últimos anos, um aumento do escoamento.
No entanto, os modelos prevêem uma rápida queda
dos caudais após 2050, especialmente na estação seca.
Este facto constitui uma especial preocupação
para o Peru. As populações que vivem nas zonas áridas
costeiras, incluindo a capital, Lima, dependem, de
um modo crítico, dos recursos hídricos dos glaciares
em degelo dos Andes. Num país que se encontra já na
luta do fornecimento de serviços hídricos básicos às
populações urbanas, o degelo dos glaciares constitui
uma real e eminente ameaça ao desenvolvimento humano
(caixa 2.9).
Aumento do nível do mar e exposição
a riscos climáticos extremos
Projecção do PIAC: É provável que os ciclones tropicais
– tufões e furacões – se tornem mais intensos à medida
que os oceanos aquecem, com picos de velocidade mais
elevados e com precipitações mais intensas. Todos os tufões
e furacões são desencadeados pela energia glacial libertada
dos oceanos – e os níveis de energia irão aumentar.
Um estudo revelou o dobro do poder de dissipação
nos ciclones tropicais, ao longo das últimas décadas. 81
Os níveis das águas do mar continuarão a subir, embora
não se saiba quanto. Os oceanos absorveram mais de
80% do crescente calor gerado pelo aquecimento global,
prendendo o mundo a uma contínua expansão ter -
mal. 82 As secas e inundações irão tornar-se mais frequentes
e alastradas por uma grande parte do mundo.
Projecção para o desenvolvimento humano: Os cenários
dos riscos emergentes ameaçam muitas dimensões
do desenvolvimento humano. Os fenómenos climáticos
extremos e imprevisíveis são já uma enorme
fonte de pobreza. Proporcionam uma insegurança a
curto prazo e destroem os esforços de longo prazo
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 99
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
vocacionados para o aumento da produtividade, melhoria
da saúde e desenvolvimento da educação, perpetuando,
assim, as armadilhas de baixo desenvolvimento
humano, caracterizadas anteriormente neste
capítulo. Muitos países têm populações numerosas e
bastante vulneráveis que irão enfrentar um aumento
acentuado dos riscos associados ao clima, em que as
pessoas residentes em zonas costeiras, deltas, zonas
urbanas degradadas e regiões propensas a secas, enfrentarão
as ameaças imediatas.
As alterações climáticas são apenas uma das
forças que irão in uenciar o per l da exposição aos
riscos nas próximas décadas. Outros processos globais,
entre eles o stress ecológico, a urbanização e o
crescimento da população, irão, igualmente, ser importantes.
No entanto, as alterações climáticas irão
recon gurar os padrões de riscos e vulnerabilidades
pelas regiões. É provável que a combinação entre os
crescentes acidentes climáticos e a decrescente resiliência
demonstre ser uma mistura letal para o desenvolvimento
humano.
Qualquer aumento da exposição aos riscos associados
com o clima tem de ser avaliado à luz do quadro geral
da actual exposição. Este quadro inclui os seguintes
números de pessoas que enfrentam acidentes associados
ao clima: 83
Durante séculos, o escoamento dos glaciares na cadeia montanhosa dos
Andes tem irrigado os solos agrícolas e abastecido as instalações humanas
com um caudal previsível. Actualmente, os glaciares estão entre os primeiros
perigos das alterações climáticas. Estão a derreter depressa e o seu
eminente desaparecimento tem implicações potencialmente negativas para o
desenvolvimento humano na região Andina.
O Peru e a Bolívia são os locais com a maior superfície de glaciares
tropicais do mundo – cerca de 70% do total, da América Latina, situa-se no
Peru e 20% na Bolívia. Estes países albergam também algumas das maiores
concentrações de pobreza e de desigualdades socio-económicas da América
Latina – a região mais desigual do mundo. O degelo dos glaciares ameaça não
apenas diminuir a disponibilidade da água como também ameaça acentuar
estas disparidades.
A geografi a constitui uma parte da explicação para os riscos que países
como o Peru enfrentam. O Peru Oriental tem 98% dos recursos hídricos do
país, porém, dois em cada três peruanos vivem na costa do deserto ocidental –
umas das regiões mais áridas do mundo. Os abastecimentos urbanos de água
e a actividade económica são suportados por cerca de 50 rios que correm
desde os Andes, com cerca de 80% dos recursos de água doce resultantes
do derretimento glacial ou da neve. As águas de superfície alimentadas pelos
glaciares constituem uma fonte hídrica, não apenas para muitas zonas rurais,
como também para as principais cidades e para a produção da energia
hidroeléctrica.
O Peru tem registado algumas das taxas mais rápidas do recuo
dos glaciares do mundo. Entre 20% e 30% da área de superfície glaciar
desapareceu nas últimas três décadas. Essa área é equivalente à superfície
glaciar total do Equador.
A capital, Lima, com uma população de aproximadamente 8 milhões,
situa-se na costa. Lima recebe a água a partir do Rio Rimac e de outros
rios da Cordilheira Central, todos dependentes, a diversos níveis, do degelo
glaciar. Existe, já, um enorme espaço entre a oferta e a procura de água.
A população, em geral, está a crescer em 100 000 pessoas por ano, aumentando
a procura de água. O racionamento é já comum durante os meses de Verão.
Com reservas limitadas e com o aumento da exposição às secas, a cidade irá
deparar-se, a curto prazo, com um maior racionamento.
A rápida recessão glacial na vasta Cordilheira Branca, no norte dos
Andes, iria colocar em questão o futuro da agricultura, da extracção mineral,
da produção eléctrica e dos abastecimentos de água ao longo de extensas
áreas. Um dos rios alimentados pela Cordilheira Branca é o Rio Santa. O rio é
responsável por um vasto conjunto de modos de subsistência e de actividades
económicas. Em altitudes entre os 2 000 e os 4 000 metros, o rio fornece a
água que irriga, maioritariamente, a agricultura de subsistência. Nos vales
mais baixos, irriga, principalmente, a agricultura comercial de grande escala
e contribui para dois grandes projectos de irrigação destinados a colheitas de
exportação. Os seus caudais geram energia hidroeléctrica e fornecem água
potável a duas grandes áreas urbanas na costa do Pacífi co – Chimbote e Trujillo
– com uma população conjunta de mais de um milhão de pessoas.
O problema é que até 40% do caudal da estação seca do Rio Santa
resulta do degelo da superfície gelada, que não é reabastecida por meio
da precipitação anual. As consequências poderiam incluir grandes perdas
económicas e prejuízos para os modos de subsistência. O projecto de irrigação
Chavimochic, no Rio Santa, tem contribuído para um notável boom nacional
na agricultura não-tradicional. O total de exportações do sector aumentou de
US$302 milhões, em 1998, a US$1 mil milhões, em 2005. O boom tem vindo a
ser suportado por produtos de irrigação intensiva como alcachofras, espargos,
tomates e outros vegetais. O degelo glaciar ameaça destruir a viabilidade dos
investimentos na irrigação, difi cultando o emprego e o crescimento económico
no processo.
Monitorizar o recuo dos glaciares tropicais na Andes peruanos é algo
relativamente linear. Desenvolver uma resposta é um desafi o maior. A compensação
pelas perdas dos fl uxos dos glaciares, a médio prazo, iria exigir
milhares de milhões de dólares de investimento na construção de túneis
por baixo dos Andes. A compensação pelas perdas de energia iria exigir
investimentos na produção de energia termal, que, segundo a estimativa do
Banco Mundial seriam de US$1,5 mil milhões. O preço estipulado coloca sérias
questões relativamente à partilha de custos, tanto a nível doméstico como a
nível internacional. No Peru, as pessoas não são responsáveis pelo degelo
glaciar: respondem por 0,1% das emissões de carbono do mundo. No entanto,
enfrentam a prospecção de pagarem um elevado preço fi nanceiro e humano
pelas bem mais elevadas emissões de carbono dos outros países.
Caixa 2.9 O degelo dos glaciares e a redução das prospecções pra o desenvolvimento humano
Fonte: Carvajal 2007; CONAM 2004; Coudrain, Francou e Kundzewicz 2005; Painter 2007.
100 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
• 344 milhões expostos a ciclones tropicais;
• 521 milhões expostos a inundações;
• 130 milhões expostos a secas;
• 2,3 milhões expostos a deslizamentos de terra.
Tal como estes cenários indicam, mesmo os mais pequenos
aumentos de exposição a riscos ao longo do
tempo irão afectar números bastante alargados de
pessoas. Tal como as próprias alterações climáticas,
as potenciais ligações entre as alterações dos padrões
climáticos e as tendências de progressão dos riscos
e vulnerabilidades são complexas. São, igualmente,
não-lineares. Não existem cálculos preparados para
avaliar o impacto que uma subida do nível do mar de
2 metros, a par com um aumento da intensidade das
tempestades tropicais possa ter no desenvolvimento
humano. Porém, é possível identi car algumas das
ligações e mecanismos de transmissão.
Seca
A crescente exposição a secas constitui uma especial preocupação
na África Subsariana, embora existam outras
regiões, como o sul da Ásia e a América Latina, que poderão,
também, ser afectadas. É provável que, nestas regiões,
a produção agrícola seja prejudicada, especialmente
as que são dominadas por produções de sequeiro. Na
África Subsariana, prevê-se que as áreas adequadas para
a actividade agrícola, a duração dos ciclos de crescimento
e o potencial de produção de alimentos básicos diminuam
(ver, acima, a secção sobre a Produção agrícola e
a segurança alimentar). Em 2020, entre 75 milhões a
250 milhões de pessoas na África Subsariana poderão ter
as suas prospecções de subsistência e de desenvolvimento
humano comprometidas devido à combinação de secas,
crescentes temperaturas e aumento do stress hídrico. 84
Inundações e tempestades tropicais
Existem largas margens de incerteza nas projecções
para as populações expostas aos riscos de inundações.
85 A desintegração acelerada da superfície gelada
da Antártida Ocidental poderia multiplicar as
subidas dos níveis da água do mar por um entre cinco
factores acima ou abaixo do máximo previsto pelo
PIAC. No entanto, mesmo os cenários mais optimistas
constituem uma fonte de preocupação.
Ao longo dos últimos 15 anos, o Vietname tem traçado um notável progresso
no desenvolvimento humano. Os níveis de pobreza diminuíram e os indicadores
sociais melhoraram, colocando o país na linha da frente de quase todos os
ODMs. As alterações climáticas colocam um eminente e real perigo para estas
metas – e o Delta do Mekong é o melhor exemplo disso.
O Vietname tem uma longa história de experiência com alterações
climáticas. Situado numa zona de tufões, com uma longa linha de costa e
deltas extensos, o país está perto do topo da lista dos desastres climáticos.
Em média, existem seis a oito tufões por ano. Muitos deixam um rastro de
destruição, matando e ferindo pessoas, danifi cando casas e barcos de pesca
e destruindo colheitas. Os 8 000 quilómetros de diques marítimos e fl uviais do
país, alguns dos quais desenvolvidos através do trabalho cooperativo ao longo
dos séculos, são uma prova da escala do investimento nacional no âmbito da
gestão de riscos.
O Delta do Mekong constitui uma zona de especial preocupação. Sendo
uma das partes com maior densidade populacional do Vietname, alberga
17,2 milhões de pessoas. Constitui, igualmente, o “cesto de arroz” do país,
desempenhando um papel crucial na segurança alimentar nacional. O Delta
do Mekong produz metade do arroz do Vietname e uma parcela ainda maior
de produtos de pesca e fruta.
O desenvolvimento da agricultura tem desempenhado um papel central
na redução da pobreza do Delta do Mekong. Os investimentos nos sistemas
de irrigação e o apoio aos serviços de mercado e de extensão têm permitido
aos agricultores intensifi carem a produção, desenvolvendo duas ou mesmo
três colheitas por ano. Os agricultores têm, igualmente, construído diques
e represas para proteger os seus terrenos das inundações que poderão
acompanhar os tufões ou as chuvas intensas.
As alterações climáticas provocam ameaças a vários níveis. Prevê-se
que a precipitação aumente e que o país enfrente tempestades tropicais mais
intensas. Espera-se que o nível das águas do mar suba 33 cm em 2050 e 1
metro em 2100.
Para o Delta do Mekong de baixa altitude este facto representa um
cruel prognóstico. A subida do nível das águas do mar previsto para 2030
iria expor cerca de 45% do território do Delta do Mekong a uma salinização
extrema e a prejuízos nas colheitas devido às inundações. O prognóstico para
a produtividade das colheitas de arroz revela uma queda de 9%. Se os níveis
das águas do mar subirem 1 metro, grande parte do Delta do Mekong fi caria
completamente inundado em alguns períodos do ano.
Como poderão estas alterações produzir impactos no desenvolvimento
humano do Delta do Mekong? Enquanto que os níveis de pobreza têm
vindo a descer, a desigualdade tem vindo a aumentar, conduzida, em
parte, por elevados níveis de ausência de superfície terrestre. No Delta do
Mekong, existem, ainda, 4 milhões de pessoas a viverem na pobreza. Muitas
destas pessoas carecem de uma protecção básica de saúde e as taxas de
abandono escolar das crianças são elevadas. Para este sector, mesmo a mais
pequena descida no rendimentos ou a perda de oportunidades de emprego
associados às inundações provocariam consequências adversas na nutrição,
saúde e educação. Os pobres enfrentam um duplo risco. Têm uma maior
probabilidade de residirem em zonas vulneráveis às inundações e têm uma
menor probabilidade de residirem em habitações sólidas permanentes.
Caixa 2.10 As alterações climáticas e o desenvolvimento humano no Delta do Mekong
Fonte: Chaudhry e Ruysschaert 2007; Nguyen; UNDP e AusAID 2004.
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 101
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
Um modelo que utiliza um cenário do PIAC para
o elevado crescimento da população estima que o número
de pessoas adicionais que irão sofrer inundações
costeiras será de 134 a 332 milhões de pessoas, a uma
subida da temperatura entre 3ºC a 4ºC. 86 Considerando
a actividade das tempestades tropicais como
mais um factor, os números afectados subiriam para
371 milhões no nal do século XXI. 87 De entre as
consequências do aumento dos níveis da água do mar
para 1 metro destacam-se os seguintes:
• No Baixo Egipto, haverá uma potencial deslocação
de 6 milhões de pessoas e inundações de
4,500 km2 de solo agrícola. Trata-se de uma
região marcada por elevados níveis de privação
em muitas zonas rurais, com 17% da população
– cerca de 4 milhões de pessoas – a viver abaixo
do limiar de pobreza. 88
• A deslocação até 22 milhões de pessoas no Vietname,
com perdas até 10% do PIB. As inundações
e tempestades mais intensas poderão abrandar
o progresso do desenvolvimento humano em
grandes zonas populacionais, incluindo o Delta
do Mekong (caixa 2.10).
• No Bangladesh, a subida de um metro nos níveis
das águas do mar inundaria 18% do território,
ameaçando, directamente, 11 % da população. O
impacto da subida das águas do mar nos níveis
uviais poderia afectar mais de 70 milhões de
pessoas. 89
Ainda que a maioria das pessoas afectadas pela subida
dos níveis da água do mar residam num pequeno número
de países com um largo número de população,
os impactos distribuir-se-ão de um modo bem mais
extenso (tabela 2.5). Para muitos estados insulares
de baixa altitude, a subida dos níveis das águas do
mar e as tempestades apontam para uma crise socioeconómica
e ecológica altamente previsível. Para as
Maldivas, onde 80% do território está a menos de um
metro acima do nível da água, mesmo os cenários das
alterações climáticas mais optimistas apontam para
profundas vulnerabilidades.
Os pequenos Estados insulares em vias de desenvolvimento
estão na linha da frente das alterações
climáticas. São já altamente vulneráveis aos desastres
climáticos. Estima-se que os danos anuais para as
ilhas do Pací co de Fiji, Samoa e Vanuatu rondem
os 2% a 7% do PIB. Em Kiribati, uma estimativa do
custo combinado anual de danos relativo às alterações
climáticas e às subidas do nível das águas do mar, sem
Magnitude da
subida do nível da
água do mar (m)
Impacto (% do total global)
Superfície
terrestre População PIB Área urbana
Zona
agrícola
Zona
húmida
1 0,3 1,3 1,3 1,0 0,4 1,9
2 0,5 2,0 2,1 1,6 0,7 3,0
3 0,7 3,0 3,2 2,5 1,1 4,3
4 1,0 4,2 4,7 3,5 1,6 6,0
5 1,2 5,6 6,1 4,7 2,1 7,3
Tabela 2.5 O aumento dos níveis do mar provocaria elevados impactos
sociais e económicos
Fonte: Dasgupta et al. 2007.
a adaptação, forma um cenário com um nível equivalente
a 17%-34% do PIB. 90
Algumas ilhas das Caraíbas correm, igualmente,
riscos. Com uma subida de 50 centímetros dos níveis
das águas do mar, mais de um terço das praias das Caraíbas
se perderiam, implicando prejuízos para a indústria
turística da região. Com um aumento de 1 metro,
cerca de 11% do território das Bahamas poderia car
permanentemente submerso. Entretanto, a intrusão
da água do mar iria comprometer a disponibilidade de
água doce, forçando os governos a assumir investimentos
dispendiosos na dessalinização. 91
A actividade mais intensa das tempestades tropicais
é uma das certezas resultantes das alterações climáticas.
O aquecimento dos oceanos irá impulsionar
ciclones mais intensos. Simultaneamente, as temperaturas
mais elevadas dos oceanos e as alterações climáticas
mais vastas poderão, também, alterar a direcção
da rota dos ciclones e a distribuição da actividade das
tempestades. O primeiro furacão da história do sul do
Atlântico atingiu o Brasil em 2004 e, o ano de 2005,
assinalou o primeiro furacão a passar pela Península
Ibérica desde a década de 1820.
Os cenários da actividade das tempestades tropicais
demonstram a importância da interacção com os
factores sociais. De modo particular, a rápida urbanização
está a colocar a crescente população na direcção
da calamidade. Há, aproximadamente, mil milhões
de pessoas que vivem já em habitações urbanas informais,
com números em contínuo crescimento. O UN-
-HABITAT estima que, se as tendências actuais continuarem,
cerca de 1,4 mil milhões de pessoas irão viver
em zonas degradadas em 2020, chegando aos 2 mil milhões
em 2030, ou seja, um em cada três habitantes urbanos.
Embora mais de metade da população das zonas
degradadas resida na Ásia, a África Subsariana regista
102 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
algumas das zonas degradadas com crescimento mais
rápido do mundo. 92
Vivendo em habitações improvisadas, fre quentemente
situadas em encostas vulneráveis a inundações
e deslizamentos de terra, os habitantes das
zonas degradadas estão altamente expostos e vulneráveis
aos impactos das alterações climáticas.
Estes impactos não serão somente determinados
por processos físicos. As políticas públicas podem
melhorar a resiliência em muitas zonas, desde o controlo
de inundações à protecção infraestrutural contra
os deslizamentos de terra e à provisão de direitos
formais de habitação aos habitantes das áreas urbanas
degradadas. Em muitos casos, a ausência de direitos
formais constitui um entrave ao investimento em materiais
de construção mais sólidos.
As alterações climáticas irão gerar ameaças crescentes.
A consistente mitigação será, ainda assim, insu
ciente para amenizar estas ameaças até 2020. Até
lá, os pobres urbanos terão de se adaptar às alterações
climáticas. As políticas públicas de apoio poderão auxiliar
nessa adaptação. Eis os pontos de partida: criar
direitos de posse mais seguros, investir no melhoramento
das áreas degradadas e fornecer água potável e
saneamento básico aos pobres das áreas urbanas.
Ecossistemas e biodiversidade
Projecção do PIAC: Existe uma probabilidade de alta
abilidade de que a resiliência de muitos ecossistemas
será di cultada pelas alterações climáticas, devido ao
aumento dos níveis de CO2 a reduzir a biodiversidade,
dani cando ecossistemas e comprometendo os
serviços que estes proporcionam.
Projecção do desenvolvimento humano: O mundo
caminha em direcção a perdas de biodiversidade sem
precedentes e ao colapso dos sistemas ecológicos ao
longo do século XXI. Com subidas das temperaturas
a mais de 2º C, as taxas de extinção começarão a subir.
A degradação ambiental irá acelerar o ritmo, com os
sistemas de corais, orestais e de zonas húmidas a sofrerem
rápidas perdas. Os processos estão em andamento.
As perdas de ecossistemas e biodiversidade são
intrinsecamente más para o desenvolvimento humano.
O ambiente é, por seu direito, importante para as gerações
actuais e futuras. No entanto, os ecossistemas
vitais que fornecem um vasto leque de serviços também
se perderão. Os pobres, que dependem mais intensamente
desses serviços, suportarão o peso dos custos.
Tal como em outras áreas, os processos das alterações
climáticas irão interagir com pressões mais
vastas sobre os ecossistemas e a biodiversidade. Muito
dos grandes ecossistemas do mundo estão já sob ameaça.
As perdas da biodiversidade estão a acumular-se
em muitas regiões. As alterações climáticas constituem
uma das forças que provocam estas tendências.
Ao longo do tempo, tornar-se-á uma força mais
poderosa.
O estado de rápida deterioração do ambiente global
fornece o contexto para a avaliação do impacto
das alterações climáticas futuras. Em 2005, a Avaliação
Ecossistemica do Milénio revelou que 60% da
totalidade dos serviços de ecossistemas estavam ora
degradados ora a ser utilizados de uma forma insustentável.
93 A perda de pântanos de mangue, sistemas
de recifes de corais, orestas e zonas húmidas foi realçada
como uma preocupação crucial, com a agricultura,
o crescimento da população e o desenvolvimento
industrial em acção conjunta para destruir a
base dos recursos ambientais. Cerca de um em cada
quatro mamíferos encontra-se em grave declínio. 94
As perdas dos recursos ambientais irão comprometer
a resiliência humana face às alterações climáticas.
As zonas húmidas são um exemplo. As zonas húmidas
do mundo fornecem um esplêndido conjunto
de serviços ecológicos. Detêm biodiversidade, fornecem
produtos medicinais e madeireiros e sustêm stocks
de peixe. Para além disso, protegem as zonas costeiras
e as margens dos rios das tempestades e inundações,
defendendo as instalações humanas das vagas do mar.
Ao longo do século XX, o mundo perdeu metade das
suas zonas húmidas devido à drenagem, à conversão
à agricultura e à poluição. Actualmente, a destruição
permanece a um ritmo acelerado, numa altura em que
as alterações climáticas ameaçam criar tempestades
mais intensas e vagas marítimas. 95 No Bangladesh, a
contínua erosão das áreas de mangue no Sundabarns
e em outras regiões, tem di cultado os modos de subsistência,
aumentando a exposição à subida dos níveis
das águas do mar.
As alterações climáticas estão a transformar a
relação entre as pessoas e a natureza. Muitos ecossistemas
e a maioria das espécies são altamente susceptíveis
a mudanças no clima. Os animais e plantas estão
adaptados a zonas climáticas especí cas. Existe apenas
umas espécie capaz de se adaptar ao clima através
de termóstatos com aparelhos de aquecimento ou
arrefecimento – trata-se da espécie responsável pelo
As perdas de biodiversidade
estão a acumular-se em
muitas regiões. As alterações
climáticas constituem uma
das forças que provocam
estas tendências. Ao longo
do tempo, tornar-se-á uma
força mais poderosa
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 103
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
aquecimento global. As plantas e animais têm de se
adaptar através da deslocação.
Os mapas ecológicos estão a ser recon gurados.
Nas últimas três décadas, as linhas que assinalavam as
regiões nas quais prevalecem as temperaturas médias
– “isotérmicas” – têm-se deslocado em direcção aos
pólos Norte e Sul, a um nível de cerca de 56 km por
década.96 As espécies tentam seguir as suas zonas climáticas.
As mudanças nas estações de orescimento,
nos padrões de migração e na distribuição da fauna e
ora têm vindo a ser detectadas por todo o mundo. As
plantas alpinas estão a ser empurradas em direcção a
altitudes mais elevadas, por exemplo. Porém, quando
o ritmo do clima se tornar demasiadamente rápido
ou quando as barreiras naturais, como os oceanos,
bloquearem as rotas de migração, a extinção surgirá
no horizonte. As espécies de maior risco são as dos
climas polares, uma vez que não têm para onde ir. As
alterações climáticas estão, literalmente, a empurrálas
para fora do planeta.
As alterações climáticas têm já contribuído
para a perda de espécies – e o aquecimento global,
na mesma linha de conduta, irá contribuir para essa
perda. Porém, irão ocorrer impactos bem maiores a
2º C sobre os níveis pré-industriais. Este é o limite
para que as taxas de extinção previstas comecem a
subir. Segundo o PIAC, prevê-se que 20% a 30% das
espécies animais e vegetais estejam em risco acrescido
de extinção, caso as subidas das temperaturas médias
globais excedam 1,5º C a 2,5º C, incluindo os ursos
polares e os peixes que se alimentam nos recifes de
corais. Cerca de 277 mamíferos de médio ou grande
porte, em África, estariam em risco caso ocorresse um
aquecimento de 3º C. 97
O Árctico sob ameaça
A região do Árctico proporciona um antídoto à visão
de que as alterações climáticas constituem uma ameaça
futura incerta. Aqui, os frágeis sistemas ecológicos
entraram em contacto com as subidas extremas
de temperatura. Nos últimos 50 anos, a temperatura
média anual à superfície em zonas desde o Alaska à
Sibéria, tem aumentado em 3,6º C – mais do dobro
da média total. A camada de neve desceu em 10% nos
últimos 30 anos e a média da superfície gelada do mar
em 15% a 20%. O perma1 ost está a derreter e a linha
das árvores está a mudar em direcção ao norte.
Os cenários das alterações climáticas apontam
para um caminho preocupante. Prevê-se que as temperaturas
médias de superfície aumentem em 3º C,
em 2050, com reduções dramáticas na superfície gelada
do mar no Verão intrusões de orestas em regiões
de tundra, extensas perdas de ecossistemas e de vida
selvagem. Existem várias espécies em risco. Tal como
a Avaliação do Impacto Climático no Árctico a rma:
“É provável que as espécies marinhas dependentes dos
mares gelados, incluindo ursos polares, focas, morsas
e algumas aves marinhas, diminuam e algumas delas
se extingam”. 98
Os Estados Unidos reconheceram o impacto das
alterações climáticas no Árctico. Em Dezembro de
2006, o Departamento do Interior dos Estados Unidos
da América formulou uma proposta com base
nas “melhores evidências cientí cas”, colocando o
urso polar na Lista de Espécies Ameaçadas. Este acto
reconhece, efectivamente, o papel desempenhado
pelas alterações climáticas no aumento da sua vulnerabilidade
– sendo necessárias agências governamentais
para proteger as espécies. Mais recentemente, a
somar aos ursos polares, foram anexadas 10 espécies
de pinguim à lista que, por sua vez, estão também sob
ameaça. Infelizmente, a melhor “evidência cientí ca”
aponta para uma preocupante direcção: dentro de algumas
gerações, os únicos ursos polares do planeta
poderão ser os que estão nos jardins zoológicos do
mundo. O mar gelado do Árctico de Verão, do qual
dependem para a caça, tem vindo a diminuir em mais
de 7% por década, desde o nal dos anos 70. Estudos
cientí cos recentes sobre ursos polares adultos no
Canadá e Alaska apresentaram uma perda de peso
desta espécie, uma reduzida sobrevivência das crias
e um aumento do número de ursos afogados, devido
ao facto de terem de nadar mais longe em busca de
presas. Na Baía de Hudson ocidental, as populações
caíram em 22%. 99
As acções do Departamento do Interior dos Estados
Unidos da América estabelecem um importante
princípio de partilha de responsabilidades além fronteiras.
Tal princípio possui rami cações mais vastas.
Os ursos polares não podem ser tratados em isolamento.
Fazem parte de um sistema ecológico e social
mais extenso. E, se os impactos das alterações climáticas
e as responsabilidades associadas dos governos são
reconhecidos no caso do Árctico, o princípio deveria
ser aplicado a exemplos mais vastos. As pessoas que
vivem em zonas propensas a secas na África e em regiões
propensas a inundações na Ásia são também afectadas.
Seria inconsistente a aplicação de um conjunto
A melhor “evidência
científi ca” aponta para uma
preocupante direcção:
dentro de algumas gerações,
os únicos ursos polares do
planeta poderão ser os que
estão nos jardins zoológicos
do mundo
104 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
de regras para os ursos polares e outro para as pessoas
vulneráveis, no âmbito da abordagem da mitigação e
adaptação das alterações climáticas.
O simples ritmo das alterações climáticas ao
longo do Árctico está a criar desa os a muitos níveis.
A perda do perma1 ost poderá libertar grandes
quantidades de metano – um poderoso gás com
efeito de estufa que poderia constituir uma barreira
aos esforços de mitigação, agindo contra as “retrospectivas
positivas”. O rápido derretimento do gelo do
Árctico abriu novas zonas de exploração de petróleo
e gás natural, dando origem a tensões entre os estados
relativamente à interpretação da Convenção da
Lei do Mar, de 1982. 100 No interior dos países, as
alterações climáticas poderão levar a enormes prejuízos
socio-económicos, dani cando infra-estruturas
e ameaçando as construções humanas. Os cenários
para a Rússia ilustram este facto. Com as alterações
climáticas, a Rússia irá viver efeitos climáticos que
poderiam desenvolver a produção agrícola, ainda que
a elevada exposição às secas possa impedir quaisquer
lucros. Uma das consequências mais previsíveis das
alterações climáticas para a Rússia é o crescente derretimento
do perma1 ost, que cobre aproximadamente
60% do país. O derretimento já causou subidas nos
caudais de Inverno dos principais rios. O degelo acelerado
irá afectar as construções humanas nas margens
uviais e costeiras, expondo muitas pessoas ao
risco de inundação. Irá, igualmente, exigir enormes
investimentos na adaptação de infra-estruturas,
como estradas, linhas de transmissão eléctrica e caminhos-
de-ferro de Baikal Amur, potencialmente
afectados. Estão já a ser traçados caminhos para proteger
o planeado oleoduto de exportação de petróleo
Sibéria Oriental – Pací co, através de uma extensa
escavação, de modo a combater a erosão costeira associada
ao derretimento do perma1 ost – mais uma
demonstração de que as alterações ecológicas provocam
verdadeiros custos económicos. 101
O recife de corais – um barómetro
das alterações climáticas
As regiões do Árctico oferecem ao mundo um sistema
de alerta precoce bastante visível para as alterações
climáticas. Existem outros ecossistemas que proporcionam
um barómetro igualmente sensível, embora
com uma visibilidade menos imediata. Os recifes de
corais constituem um exemplo. Durante o século
XXI, o aquecimento das águas do mar e a crescente
acidi cação poderão destruir grande parte dos corais
do planeta, gerando consequências socio-económicas
e ecológicas devastadoras.
O aquecimento das águas do mar têm contribuído
para a destruição de recifes de corais a uma
larga escala, com metade dos sistemas em declínio.102
Mesmo os períodos bastante curtos de temperaturas
anormalmente elevadas – ainda que seja 1º C acima
da média a longo prazo – podem levar os corais a
expelirem as algas que fornecem grande parte do
seu alimento, causando o seu “branqueamento” e
a rápida morte do recife. 103 Os sistemas de recifes
de corais do mundo já suportam cicatrizes causadas
pelas alterações climáticas. Cerca de metade destes
sistemas já foram afectados pelo branqueamento.
Os 50 000 km2 de extensão do recife de corais na Indonésia,
18% do total do planeta, estão em acelerada
deterioração. Uma sondagem ao Parque Nacional
de Bali Barat, em 2000, revelou que grande parte do
recife tinha sido deteriorada, maioritariamente devido
ao branqueamento.104 As observações aéreas da
Grande Barreira de Recife, na Austrália, também
captam a extensão do branqueamento.
Porém, o pior poderá estar para vir. Com as subidas
das temperaturas médias acima dos 2º C, tornar-
se-á comum a ocorrência de branqueamentos
anuais. Os principais fenómenos de branqueamento
que acompanharam o El Niño de 1998, altura em que
16% dos corais do mundo caram destruídos em apenas
9 meses, tornar-se-ão regra e não excepção. Os
episódios de detecção de branqueamentos estão a tornar-
se mais frequentes em muitas regiões. Por exemplo,
em 2005, o leste das Caraíbas sofreu um dos piores
episódios de branqueamento de que há registo.105
O branqueamento constitui apenas uma das
ameaças provocadas pelas alterações climáticas. Muitos
organismos marinhos, incluindo o coral, obtêm as
suas conchas e esqueletos a partir de carbonato de cálcio.
A camada superior dos oceanos encontra-se com
excesso destes minerais. No entanto, os aumentos da
acidez dos oceanos causados por 10 mil milhões de
toneladas de CO2 por eles absorvidos atacam o carbonato,
removendo um dos materiais de construção
essenciais aos corais.106
Os cientistas marinhos apontaram para um preocupante
facto semelhante. Os sistemas oceânicos
reagem de uma forma lenta e a longo prazo a mudanças
no ambiente atmosférico. A trajectória actual das
alterações climáticas no século XXI poderia tornar
Os recifes de corais não
abrigam, apenas uma
biodiversidade excepcional,
mas também constituem
uma fonte de subsistência,
nutrição e crescimento
económico para mais de 60
países
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 105
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
os oceanos mais ácidos ao longo dos próximos séculos
do que jamais poderiam ter estado, em 300 milhões
de anos, com uma excepção: um único episódio catastró
co que ocorreu há 55 milhões de anos. Esse episódio
resultou da rápida acidi cação oceânica causada
pela libertação de 4500 gigatoneladas de carbono.107
Foram necessários cerca de 100.000 anos para que
os oceanos retomassem os níveis de acidez anteriores.
Entretanto, os registos geológicos assinalam uma
extinção em massa de criaturas marinhas. Tal como
um dos principais oceanógrafos do mundo a rma:
“Quase todos os organismos marinhos que obtêm a
sua concha ou o seu esqueleto a partir de carbonato
de cálcio desapareceram dos registos geológicos…se as
emissões de CO2 não diminuírem, poderemos tornar
os nossos oceanos mais corrosivos para os minerais
de carbonato do que qualquer outro período desde a
extinção dos dinossauros. Pessoalmente, acredito que
isto causará a extinção dos corais.”108
O colapso dos sistemas de corais representaria
um fenómeno catastró co para o desenvolvimento
em muitos países. Os recifes de corais não abrigam,
apenas uma biodiversidade excepcional, mas também
constituem uma fonte de subsistência, nutrição
e crescimento económico para mais de 60 países.
A maioria dos 30 milhões de pequenos pescadores
no mundo em vias de desenvolvimento depende, de
alguma forma, dos recifes de corais para garantir as
bases de alimentação e de criação. Mais de metade
das proteínas e dos nutrientes essenciais às dietas de
40 milhões de pessoas residentes nas zonas costeiras
tropicais são fornecidas pelos peixes.
Os recifes de corais constituem uma parte vital
dos ecossistemas marinhos que sustentam os stocks
de peixe, apesar do aquecimento dos oceanos proporcionarem
ameaças mais abrangentes. Na Namíbia,
as correntes de águas anormalmente quentes – a
corrente Niño de Benguela –, em 1995, provocou a
deslocação de stocks de peixe a 4º – 5º de latitude sul
– um efeito que destruiu a indústria piscatória de pequena
escala de sardinhas. 109
Para além do valor que representam nas vidas e
nutrição dos pobres, os corais têm um valor económico
mais vasto. Geram rendimentos, exportações
e, em regiões como o Oceano Índico e as Caraíbas,
constituem um suporte do turismo. O reconhecimento
do importante papel dos corais na vida ecológica
e socio-económica incitou muitos governos e
benfeitores a investirem na reabilitação. O problema
reside no facto das alterações climáticas constituírem
uma força poderosa que actua na direcção contrária.
Saúde humana e fenómenos climáticos
extremos
Projecção do PIAC: As alterações climáticas irão afectar
a saúde humana através de sistemas complexos que
envolvem mudanças na temperatura, exposição a fenómenos
extremos, acesso à nutrição, qualidade do
ar e outros vectores. Poderá prever-se, com uma abilidade
bastante alta, que os actuais pequenos efeitos
de saúde irão progressivamente aumentar em todas
os países e regiões, com os mais adversos efeitos nos
países de baixo rendimento.
Projecção do desenvolvimento humano: o clima irá
interagir com a saúde humana de diversos modos. Os
que estão menos capacitados para responder às ameaças
de mudanças na saúde – predominantemente os
pobres em países pobres – irão suportar o peso dos
retrocessos na saúde. A saúde-doença é uma das mais
poderosas forças que atrasa o potencial do desenvolvimento
humano das famílias pobres. As alterações
climáticas irão intensi car o problema.
É provável que as alterações climáticas tenham
implicações mais vastas para saúde humana no século
XXI. Existem grandes áreas de incerteza à volta das
avaliações, re ectindo a complexa interacção entre
a doença, o ambiente e as pessoas. No entanto, na
saúde, tal como em outras áreas, o reconhecimento
da incerteza não é um motivo su ciente para a inacção.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê
que o impacto geral será negativo. 110
Os efeitos da saúde pública associados às alterações
climáticas serão modelados por vários factores.
A epidemiologia preexistente e os processos
locais serão importantes. Com a mesma importância,
serão, igualmente, os níveis de desenvolvimento
preexistentes e as capacidades dos sistemas de saúde
pública. Muitos dos riscos emergentes para a saúde
pública estarão concentrados nos países em vias de
desenvolvimento, onde a saúde precária constitui
já uma enorme fonte de sofrimento humano e de
pobreza e cujos sistemas de saúde pública não têm
recursos (humanos e nanceiros) su cientes para
fazer face às ameaças. Um claro perigo existente é o
de que as alterações climáticas, sob estas condições,
irão agravar as já extremas desigualdades gerais na
saúde pública.
As alterações dos padrões
climáticos estão já a criar
novos perfi s de doenças em
várias regiões
106 RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
A malária constitui uma das maiores fontes de
preocupação. Trata-se de uma doença que, actualmente,
custa cerca de 1 milhão de vidas por ano,
mais de 90% em África. Na África Subsariana, morrem
aproximadamente 800 000 crianças abaixo dos
5 anos de idade por ano, em resultado da doença da
malária, tornando-a na terceira maior causa de morte
de crianças em todo o mundo.111 Para além destes cenários
gerais, a malária causa um enorme sofrimento,
retira oportunidades de educação, emprego e produção,
forçando as pessoas a gastarem os seus escassos
recursos em tratamentos paliativos. A precipitação,
temperatura e humidade são três variáveis que mais
in uenciam a transmissão da malária – e as alterações
climáticas irão afectar as três.
O aumento da precipitação (mesmo com curtos
períodos de chuva intensa), as temperaturas mais elevadas
e a humidade criam a “tempestade perfeita” no
alastramento do parasita Plasmodium, responsável
pela malária. As crescentes temperaturas poderão aumentar
a abrangência e a elevação das populações de
mosquitos, bem como a redução dos períodos de incubação
para metade. Na África Subsariana, em particular,
qualquer extensão da área abrangida pela doença
suscitaria graves riscos para a saúde pública. Cerca de
quatro em cinco pessoas na região vivem já em zonas
de malária. As projecções para o futuro são incertas,
embora permaneça a preocupação de que a zona
abrangida pela doença se estenda às áreas mais elevadas.
A somar a este desconcertante panorama, é possível
que o período sazonal de transmissão aumente,
elevando, efectivamente, a média de exposição à infecção
da malária per capita em 16% a 28%.112 Estima-se
que um número adicional de 220 a 400 milhões de
pessoas possam car expostas à malária, em todo o
mundo. 113 As alterações dos padrões climáticos estão
já a criar novos per s de doenças em várias regiões. No
leste de África, a inundação de 2007 gerou novos locais
de criação para vectores de doenças como os mosquitos,
desencadeando epidemias de Febre do Vale do
Ri e aumentando os níveis de malária. Na Etiópia,
uma epidemia de cólera, após as extremas inundações
em 2006, conduziu a um alastramento de perdas de
vidas e de doenças. As condições anormalmente secas
e quentes no leste de África têm vindo a estar associadas
à proliferação da febre Chikungunya, uma doença
viral que se tem alastrado por toda a região.114
As alterações climáticas poderão igualmente aumentar
a população exposta à febre de dengue. Trata-
-se de uma doença extremamente sensível ao clima
que, actualmente, se encontra largamente con nada
às zonas urbanas. A expansão latitudinal associada
às alterações climáticas poderá aumentar a população
em risco de 1,5 mil milhões a 3,5 mil milhões de
pessoas, em 2080.115 A febre de dengue encontra-se
já em altitudes elevadas, em áreas da América Latina
anteriormente libertas desta doença. Na Indonésia,
as temperaturas mais elevadas levaram à mutação do
vírus Dengue, causando um aumento de fatalidades
na época das chuvas. Uma vez que não existem evidências
de que as alterações climáticas estão implicadas,
no nal da década de 90, os fenómenos El Niño e
La Niña foram associados a intensos surtos de dengue
e malária, tendo-se esta alastrado em elevadas altitudes
das terras altas de Irian Jaya. 116
Os fenómenos climáticos extremos proporcionam
outro conjunto de ameaças. Inundações, secas e
tempestades causam resultados ligados ao aumento
dos riscos de saúde, como a cólera e a diarreia entre
as crianças. Existem já evidências dos impactos das
crescentes temperaturas nos países em vias de desenvolvimento.
Durante 2005, o Bangladesh, a Índia e
o Paquistão enfrentaram temperaturas de 5º a 6º C
acima da média regional. Só na Índia, foram registadas
400 mortes, embora as mortes não registadas
pudessem multiplicar bastante os números deste
quadro.117 A saúde pública nos países desenvolvidos
não tem estado imune. A onda de calor que se
abateu sobre a Europa em 2003 custou entre 22 000
a 35 000 vidas, na sua maioria idosos. Em Paris, a
cidade mais afectada, 81% das vítimas registavam
mais de 75 anos de idade. 118 É provável que outros
fenómenos desta natureza ocorram. Por exemplo, espera-
se que a incidência de ondas de calor, na maioria
das cidades dos Estados Unidos, duplique em
2050. 119
As autoridades de saúde pública nos países ricos
estão a ser forçados a enfrentar os desa os colocados
pelas alterações climáticas. A cidade de Nova Iorque
fornece o exemplo de um processo mais amplo. As
análises dos impactos climáticos apontam para temperaturas
de Verão mais elevadas, com um aumento
da frequência e duração das ondas de calor. Eis o
prognóstico: um projectado aumento da mortalidade
causada pelo stress térmico de Verão, de modo
particular, entre os idosos pobres. A mortalidade associada
ao calor do Verão poderá aumentar 55% na
década de 2020, mais do dobro na década de 2050
É necessária uma acção
urgente para proceder
a avaliações dos riscos
provocados pelas alterações
climáticas para a saúde
pública no mundo em vias de
desenvolvimento, bem como
mobilizar recursos para criar
um ambiente qualifi cado
para a gestão dos riscos
RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2007/2008 107
2
Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual
“A sabedoria não se constrói através da memória
do nosso passado mas através da responsabilidade
pelo nosso futuro”, escreveu George Bernard Shaw.
Sob a perspectiva do desenvolvimento humano, as
alterações climáticas colocam o passado e o futuro
lado a lado.
Neste capítulo, observámos a “primeira ceifa” das
catástrofes das alterações climáticas. Esta ceifa, que
já começou, irá inicialmente abrandar o progresso
do desenvolvimento humano. À medida que as
alterações climáticas se desenvolverem, haverá uma
maior probabilidade de surgirem retrocessos em
larga escala. As evidências do passado fornecemnos
perspectivas dos processos que irão motivar tais
recuos, porém, o futuro, com as alterações climáticas,
não será semelhante ao passado. Os recuos no
desenvolvimento humano não serão lineares, e terão
poderosos efeitos retroactivos de reforço mútuo.
As perdas na produtividade agrícola irão reduzir os
rendimentos, diminuindo o acesso à saúde e educação.
Por sua vez, as oportunidades reduzidas na saúde e
educação irão restringir as oportunidades de mercado
e agravar a pobreza. Fundamentalmente, as alterações
climáticas irão dissipar a capacidade das pessoas mais
vulneráveis do mundo formarem decisões e processos
que exercerão impacto nas suas vidas. Os devastadores
retrocessos do desenvolvimento humano são possíveis
de evitar. Existem dois requisitos para mudar o cenário
do século XXI para um caminho mais favorável.
O primeiro é a mitigação das alterações climáticas.
Sem que hajam cortes profundos e atempados nas
emissões de CO2, as perigosas alterações climáticas
irão ocorrer e irão destruir o potencial humano à
larga escala. As consequências irão re ectir-se nas
desigualdades emergentes dentro de cada país e por
todos os países, bem como na crescente pobreza. Os
países ricos poderão escapar aos efeitos imediatos.
Porém, não escaparão às consequências do rancor,
ressentimento e de transformação dos padrões de
habitação humana, que acompanharão as perigosas
alterações climáticas nos países pobres.
O segundo requisito para desviar as ameaças
apresentadas neste capítulo é a adaptação. Não há
mitigação que possa proteger as pessoas vulneráveis
nos países em vias de desenvolvimento dos riscos
adicionais provocados pelas alterações climáticas que
actualmente enfrentam, ou do aquecimento global
com o qual o mundo já estabeleceu compromisso.
O aumento da exposição aos riscos é inevitável, mas
não os retrocessos do desenvolvimento humano. Em
última análise, a adaptação associa-se à construção
da resiliência dos pobres do mundo a um problema
criado, em grande parte, pelos países ricos do
planeta.
Conclusão
Os devastadores retrocessos
do desenvolvimento humano
são possíveis de evitar
e mais do triplo em 2080.120 As alterações climáticas
poderão, ainda, indirectamente contribuir para,
pelo menos, três classes de problemas de saúde mais
vastos: a incidência de doenças transmitidas por vectores,
como o vírus do Nilo Ocidental, a doença de
Lyme e a malária, poderão aumentar; os organismos
patogénicos transmitidos pela água poderão tornar-se
mais prevalentes; e a poluição atmosférica de natureza
fotoquímica poderá aumentar.121 Estão a ser desenvolvidas
estratégias para fazer face aos riscos.
Os governos do mundo desenvolvido têm de dar
resposta às ameaças à saúde pública provocadas pelas
alterações climáticas. Muitas autoridades – como em
Nova Iorque – reconhecem os problemas especiais
enfrentados pelos pobres e pelas populações vulneráveis.
Porém, não seria correcto o facto dos países com
sistemas de saúde de primeira classe e com os necessários
recursos nanceiros combaterem as ameaças das
alterações climáticas no próprio país e fechar os olhos
aos riscos e vulnerabilidade enfrentados pelos pobres
no mundo em vias de desenvolvimento. É necessária
uma acção urgente para proceder a avaliações dos
riscos provocados pelas alterações climáticas para a
saúde pública no mundo em vias de desenvolvimento,
bem como mobilizar recursos para criar um ambiente
quali cado para a gestão dos riscos. O ponto de partida
para a acção reside no reconhecimento de que os
próprios países ricos detêm grande parte da responsabilidade
histórica pelas ameaças que, actualmente,
desa am o mundo em vias de desenvolvimento.
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