sábado, 6 de outubro de 2012

LUIS VAZ DE CAMÕES




Luís de Camões



Da alma e de quanto tiver

Quero que me despojeis,

contanto que me deixeis

Os olhos para vos ver.





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Acha a tenra mocidade

Prazeres acomodados,

E logo a maior idade

Já sente por pouquidade

Aqueles gostos passados.

Um gosto que hoje se alcança,

Amanhã já não o vejo;

Assim nos traz a mudança

De esperança em esperança

E de desejo em desejo.

Mas em vida tão escassa

Que esperança será forte?

Fraqueza da humana sorte,

Que quanto da vida passa

Está receitando a morte!





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Amor é um fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

É um andar solitário entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É um cuidar que ganha em se perder.



É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence o vencedor;

É ter com quem nos mata lealdade.





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Transforma-se o amador na cousa amada,

Por virtude do muito imaginar;

Não tenho logo mais que desejar,

Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,

Que mais deseja o corpo de alcançar?

Em si somente pode descansar,

Pois consigo tal alma está liada.



Mas esta linda e pura semideia,

Que, como um acidente em seu sujeito,

Assim com a alma minha se conforma,



Está no pensamento cono ideia;

O vivo e puro amor de que sou feito,

como a matéria simples busca a forma.





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Mas, conquanto não pode haver desgosto

Onde esperança falta, lá me esconde

Amor um mal, que mata e não se vê;

Que dias há que na alma me tem posto

Um não sei quê, que nasce não sei onde,

Vem não sei como, e dói não sei porquê.





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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança;

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem, se algum houve, as saudades.



O tempo cobre o chão de verde manto,

Que já foi coberto de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto.



E, afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mor espanto:

Que não se muda já como soía.





compiladas por Luis Rodrigues - Envia esta página por email


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