sábado, 13 de outubro de 2012

EMPREGO DO INFINITIVO: INFERÊNCIAS FILOLÓGICAS


INFERÊNCIAS FILOLÓGICAS NO EMPREGO DO INFINITIVO NA LÍNGUA PORTUGUESA[1]



Ruy Magalhães de Araujo (UERJ)







RESUMO



Cuida o presente trabalho das inferências filológicas no emprego do infinitivo da língua portuguesa, mormente no que tange ao uso flexionado.



Ladeando as teorias de cinco notáveis gramáticos e filólogos: Sousa da Silveira, Celso Cunha e Lindley Cintra, Manuel Said Ali e Evanildo Bechara, apresentamos os exemplos, em ambas as formas de infinitivo, de escritores clássicos da língua portuguesa: Camões, Vieira, Camilo, Castilho, Bernardes, Herculano, etc., como também de escritores modernos: Machado de Assis, Gonçalves Dias, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Coelho Neto, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, dentre outros.



Sob todos esses aspectos, é de notar-se a prevalência da estilística, entremeando-se com a linguagem, isto é, os traços estilísticos explicam-se através da gramática.







Antes de encetarmos este pequeno estudo, é necessário tecermos algumas considerações sobre o infinitivo (ou infinito).



Juntamente com o gerúndio e o particípio, constitui as formas nominais do verbo.



O uso distintivo das formas flexionadas e sem flexão afigura-se-nos como um dos grandes temas conflitantes da sintaxe portuguesa e a opinião dos gramáticos e filólogos tem-se mostrado bastante eclética, muitas vezes sob a necessidade da melhor forma de expressividade estilística.



Ao infinitivo pessoal ou flexionado, que representa um idiotismo da Língua Portuguesa, somam-se três teorias de abalizados filólogos para explicar o aparecimento do mesmo.



A primeira, de Meyer Lübke, embasa-se em fatores analógicos, isto é, em consonância com a conjugação do futuro do subjuntivo, que diz: cantar, cantares, cantar, cantarmos, cantardes, cantarem.



A segunda, de Leite de Vasconcelos, também se apóia em fatores analógicos, de acordo com a maneira de se conjugar o futuro do subjuntivo.



A terceira, que é engrossada por maior número de estudiosos, afirma que o infinitivo flexionado provém diretamente do pretérito imperfeito do subjuntivo latino, o que em termos de fonética se torna perfeitamente aceitável, visto não existir nenhuma dificuldade nessa passagem:



Pret. imper. do subj. Infinitivo pessoal



Cantarem Cantar



Cantares Cantares



Cantaret Cantar



Cantaremus Cantarmos



Cantaretis Cantardes



Cantarent Cantarem



As inferências filológicas no emprego do Infinitivo na língua portuguesa estão assentadas em exemplos coletados de clássicos do vernáculo: Camões, Bernardes, Castilho, Vieira, Herculano, Camilo, etc.; também de escritores modernos: Machado de Assis, Gonçalves Dias, Coelho Neto, José Lins do Rego,Graciliano Ramos, Adonias Filho, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, dentre outros.



No âmbito da gramática normativa, a utilização do INFINITIVO - , tanto flexionado quanto sem flexão -, condiciona-se a diversificados princípios, os quais, à guisa de recensão e cotejo, selecionamos dentre os seguintes autores e suas respectivas obras.



Em consonância com o Professor Sousa da Silveira:



Para maior clareza e para se poder fazer uma comparação útil, trataremos do emprego de ambos os infinitivos.



O infinitivo impessoal aparece nos seguintes casos:



a) Estando o infinitivo empregado de modo inteiramente geral, sem referir-se a nenhum sujeito determinado:



“Viver é lutar” (G. Dias, Poes., I,59).



b) Estando empregado com sentido de imperativo:



Companheiros, despedir esta noite da montanha e das tristezas, e aparelhar para amanhã me seguirdes. (Castilho, apud Epifânio, Sint. Hist.; 241).



c) Estando, regido da preposição de e com sentido passivo, empregado como complemento limitativo dos adjetivos fácil, difícil, raro e outros análogos:



Prazos largos são fáceis de subscrever. (M. de Assis, D. Casmurro, 31).



Versos! são bons de ler, mais nada; eu penso assim. (Id., Poesias,129).



d) Quando, regido da preposição de, equivale a um adjetivo em -vel ou denota que uma coisa é digna de ser objeto da ação expressa pelo infinitivo:



Houve composições muito de ver e estimar. (Sousa, Arc., II, 413)



e) Quando, regido da preposição a, equivale a um gerúndio em locução verbal com o verbo estar ou indicador do modo como se pratica uma ação: estamos a dizer (estamos dizendo), estavam a pensar (estavam pensando).



¿Recordam-se vocês do bom tempo de outrora,



Dum tempo que passou e que não volta mais,



Quando íamos a rir pela existência fora,



Alegres como em junho os bandos dos pardais? (G. Junqueiro).



f) Quando está com sentido passivo:



nada mais fácil ao sr. Professor, do que fazer a demonstração prática de tudo isso,levando para a escola diversos frutos, anatomizando-os, e fazendo-os anatomizar pelos seus discípulos. (Castilho, Noções Rudim., 113).



o mesmo dia os viu batizar. (M. de Assis, Esaú e Jacó, 27).



Isto é: “serem batizados”. “O mesmo dia os viu batizarem” seria outra coisa: indicaria que eles é que batizaram.



O infinitivo pessoal aparece:



a) Estando empregado de modo geral, mas referindo-se a determinado sujeito:



Não é propósito nosso descrevermos uma corrida de touros. (Rebelo da Silva, apud Sousa da Silveira, Trechos Seletos, 136).



Apenas, a pouca distância, lhes pareceu verem como sombra um cavaleiro. (Herculano, Eurico, 187).



b) Quando está na 3ª pessoa do plural, indicando indeterminação do sujeito:



Nunca se pôde saber donde saíra aquela criança; como chegara até o terreiro sem darem por ela. (Alencar, Til., vol. III, Rio de Janeiro, 1872, 8).



c) Tendo o infinitivo sujeito próprio e estando este expresso na oração infinitiva:



Que os levasse o diabo os ingleses! Isto não ficava direito sem irem todos eles barra fora. (M. de Assis, Brás Cubas, 248).



Cerrai a porta, que há aí alguns vizinhos de andares altos, que já murmuram sermos nós ruins gastadores de tempo. (Castilho, Felic. pela Agric., II, 96).



Obs. I: - No português antigo pode ver-se, nestas circunstâncias, o infinitivo impessoal:



Não sofre muito a gente generosa



Andar-lhe os cães os dentes amostrando. (Camões, Lus., I, 87).



Um autor de hoje diria, feita a abstração da métrica: “andarem-lhe os cães”, ou “que lhe andem os cães”.



Contudo, há exemplos, raros, do infinitivo impessoal, nos modernos (e suponho que só quando o sujeito é da 3ª pessoa):



Quem ainda é moço não sabe



E nem calcula o sofrer



De quem, ao morrer-lhe os sonhos,



Não soube também morrer. (A. de Oliveira, Poes., 3ª série, 261).



Grandes céus estes para os grandes pensamentos



Neles soltar num vôo as asas, à vontade,



Na ânsia e sofreguidão de espaço e liberdade.



(A. de Oliveira, Poes. 4ª série, 249).



Obs. II: - Não confundir o caso c com o do infinitivo referido ao objeto direto dos verbos ver, ouvir, deixar, fazer, mandar e análogos, em que tanto se usa a forma pessoal como a impessoal, segundo se mostrará adiante.



Nos demais casos ora se vêem as formas pessoais ora as impessoais, sendo que, se o infinitivo se refere a um verbo subordinante, são preferidas as impessoais, principalmente não vindo o infinitivo longe do verbo subordinante. A clareza, a ênfase e a harmonia também influem para a escolha de umas e outras formas: o infinitivo impessoal é mais vago, mais abstrato; o outro é mais preciso, mais concreto, mais enérgico. Compare-se a vigorosa nitidez, o poder de individuação da frase de Camões: “e folgarás de verdes a polícia portuguesa” (Lus., VII, 72) com o pouco relevo de expressão que teria se fosse feita com o infinitivo impessoal: “e folgarás de ver a polícia portuguesa”.



Virgens irmãs, que vão de mãos travadas



Sorrirem de inocência à própria imagem,



Que luz em claro arroio. (G. Dias, Poes., I, 25).



(Podia ser “vão sorrir”, que é mais usual).



Possas tu, descendente maldito



De uma tribo de nobres guerreiros,



Implorando cruéis forasteiros,



Seres presa de vis Aimorés. (Id., ibid., 53).



(”Possas tu ser” é mais usual).



Verei hórridas trevas lento e lento



Descerem, como um crepe funerário



Em negro esquife, onde repousa a morte. (Id., ibid., 162).



O homem sofre, blasfema e desespera,



E vendo os mundos desabar precípites



Um grito solta de horroroso transe.



(Id., ibid., II, 226; outro ex. a pág. 82).



Então sentiu brotarem na sua alma



Sonhos de puro rumor, sonhos de glória. (Id., ibid., II, 196).



viam-se alvejar ao longe as pedras das sepulturas.



(Herculano, Lendas e Narr., I,5).



¿Porque teu coração exala uns fundos,



Magoados suspiros,



Que eu não escuto; mas que vejo e sinto



Nos teus lábios morrer? (Id., ibid., II, 44).



viram-se muitas mãos calosas erguerem-se encurvadas e formarem em volta das orelhas de seus donos uma espécie de anel acústico. (Id., ibid., 56).



pelas frestas e portas dessa multidão de casas que, apinhadas à roda do castelo e como enfeixadas e comprimidas pela apertada cinta das muralhas primitivas de Lisboa, pareciam mal caberem nelas, viam-se fulgurar, aqui e acolá, as luzes interiores. (Id., ibid., 49).



Podia estar “pareciam caber”, que é mais usual; ou, ainda: “parecia caberem”, sintaxe análoga à desta frase, do mesmo autor: “sentiu-se um tropear de cavalgaduras, que pareciam correrem à rédea solta”. - Lendas e Narr., I, 96.



.................................. Vocês, velhotes,



Que fazem por aqui? Se os visse andarem-se



De réstia c’os pimpões da brincadeira,



Entendia; mas isto, acantoados



Como ermitães, que val ou que lhes presta?”



(A.F. de Castilho, Fausto, 2ª ed., Lisboa, 1919,376).



Não as vi treparem agora? (M. de Assis, Esaú e Jacó, 118).



Muitos deles adormeceram para sempre nas solidões daqueles agrestes esconderijos, sem que vissem verificar-se as suas esperanças. (Herculano, Eurico, 160).



O vento tépido, úmido e violento fazia ramalhar as árvores dos jardins. (Herculano, Lendas e Narr., I, 38).



a tribulação sofrida com paciência nos faz termos a Deus por defensor, e sermos livres, soltos e desatados do amor e impedimentos do mundo. (Heitor Pinto, Imagem, I, 250).



Quem te deu, pois, o direito de correres a morte certa? (Herculano, Eurico, 177).



quem te incumbe de nos dizeres: não saireis daqui? (Id., ibid., 177).



Que, também, esses ... se ergam para pelejarem batalhas tremendas. (Id., ibid., 69).



os exemplos não se fizeram senão para ser citados.



(M. de Assis, D. Casmurro, 193).



Acudiam peregrinos de todas as partes, para ver de perto o santo homem. (Coelho Neto, Fabulário, 198).



Talvez por isso entraram os objetos a trocarem-se.



(M. de Assis, Brás Cubas, 26).



Alguns metafísicos biliosos têm chegado ao extremo de a darem como simples produto da gente chocha ou medíocre.



(Machado de Assis, Id., ibid., 290).



Ele próprio alegra-se, entorna os olhos por esse ar puro, deixa-os ir fartarem-se de verdura e fresquidão.(Machado de Assis, Várias Hist., 279).



cheguei a vê-los, moribundos, arquejantes, pedirem-me perdão.



(Machado de Assis, Hist. Sem data, 38).



Tomar-se-á, contudo, como regra prática usar o infinitivo impessoal nestes casos:



a) quando estiver referido ao sujeito dos seguintes verbos, e outros semelhantes: deixar de, acabar de, cessar de, andar a, estar a, começar a, vir a, haver de, tratar de, tornar a, chegar a, vir de, pôr-se a, etc.: “começam a dizer”, “deixamos de fazer”, “andas a pedir”, etc.;



b) quando se referir ao sujeito dos seguintes verbos, e outros semelhantes, dependendo deles como objeto direto ou formando com eles locução verbal: buscar (e sinônimos), como procurar, tentar, etc.), deixar-se, imaginar (e sinônimos, como cuidar, pensar, etc.), ir, vir, lograr (e sinônimos, como conseguir, alcançar, etc.), ousar, resolver, poder, querer, dever, sentir, saber, recusar, costumar, soer, etc. “buscaram resolver”, “deixamo-nos estar”, “imaginas saber”, “resolvemos partir”, etc.;



c) quando se referir a um pronome pessoal em acusativo, sendo este pronome objeto direto dos verbos ver, fazer, deixar, mandar, ouvir, sentir, perceber, e outros semelhantes: “vi-os entrar”, “percebeu-os chegar”, “fizeram-vos falar, “não nos deixeis cair em tentação”, “mande-os esperar”, “a tribulação nos faz ter a Deus por defensor”, etc.



Sousa da Silveira. Lições de Português. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1960, (Sexta edição melhorada, revisão crítica, em consulta com o autor, pelo Prof. Maximiano de Carvalho e Silva), pp. 265 a 269).



De conformidade com os Professores Celso Cunha e Lindley Cintra:



“INFINITIVO IMPESSOAL E INFINITIVO PESSOAL



A par do INFIFINIVO IMPESSOAL, isto é, do infinitivo que não tem sujeito, porque não se refere a uma pessoa gramatical, conhece a língua portuguesa o INFINITIVO PESSOAL, que tem sujeito próprio e pode ou não flexionar-se. Assim, em:



Se criar é criar-se,



cantar é ser. (E. Moura, IP, 187.)



Amar é a eterna inocência. (F. Pessoa, OP, 139.)



O infinitivo é impessoal.



Já nas frases:



O difícil é estarmos atentos. (V. Ferreira, NN, 128.)



Indispensável os meninos estarem no bom caminho, saberem cortar mandacaru para o gado, consertar cercas, amansar brabos. (G. Ramos, VS, 31.)



estamos diante de formas do INFINITIVO PESSOAL.



O INFINITIVO PESSOAL FLEXIONADO possui desinências especiais para as três pessoas do plural e para a 2ª pessoa do singular.







EMPREGO DISTINTIVO



O emprego das formas flexionada e não flexionada do INFINITIVO é uma das questões mais controvertidas da sintaxe portuguesa. Numerosas têm sido as regras propostas pelos gramáticos para orientar com precisão o uso seletivo das duas formas. Quase todas, porém, submetidas a um exame mais acurado, revelaram-se insuficientes ou irreais. Em verdade, os escritores das diversas fases da língua portuguesa nunca se pautaram, no caso, por exclusivas razões de lógica gramatical, mas se viram sempre, no ato da escolha, influenciados por motivos de ordem estilística, tais o como o ritmo da frase, a ênfase do enunciado, a clareza da expressão.



Por tudo isso, parece-nos mais acertado falar não de regras, mas de tendências que se observam no emprego de uma e de outra forma do INFINITIVO.



São algumas dessas tendências que passamos a indicar.







EMPREGO DA FORMA NÃO FLEXIONADA



1. O INFINITIVO conserva a forma NÃO FLEXIONADA:



1º) quando é impessoal, ou seja, quando não se refere a nenhum sujeito:



Viver é exprimir -se. (G. Amado, TL,9.)



Jurar falso é grande crime. (A. Ribeiro, V, 415.)



Amar os homens é sempre uma alegria dolorosa.



(Luandino Vieira, NM, 135.)



2º) Quando tem valor de imperativo:



E Deus responde - “Marchar!” (Castro Alves, EF, 2.)



Formar! - ordenou o sipaio Jacinto. (C. Saromenho, V, 197.)



Se o indez morre, deixá-lo... (M. de Sá-Carneiro, P, 142.)



3º) quando, em frase nominal de acentuado caráter afetivo, têm sentido narrativo ou descritivo (INFINITIVO DE NARRAÇÃO)



O pai nos cabarés, nas casas das mulheres, gastando com raparigas, jogando nos hotéis, nos bares, com amigos bebendo. A mãe a fenecer em casa, a ouvir e a obedecer. (J. Amado, GCC, 277.)



Mais dois dias. E Catarina a piorar. (Ó. Ribas, U, 243.)



4º) quando, precedido da preposição de, serve de complemento nominal a adjetivos como fácil, possível, bom, raro e outros semelhantes:



Já não transitam pelo correio aquelas cartas de letra miudinha, impossíveis de ler, gratas de ler, pois derramavas nelas uma intacta ternura ... (C. Drummond de Andrade, CB, 137.)



Há decisões fáceis de manter, lembranças difíceis de afastar.



(J. Paço d’Arcos, CLV, 890.)



5º) quando, regido da preposição a, equivale a um gerúndio em locuções formadas com os verbos estar, andar, ficar, viver e semelhantes:



Olha, triste viuvinha, já estou a ouvir teus passos nos surdos corredores da memória. (Luandino Vieira, NANV, 80.)



Andam a montar casa. (J. Paço d’Arcos, CVL, 704.)



E, porque conhecer que o vento era mais da madrugada que da noite, ficou a esperar a manhã. (Adonias Filho, LBB, 118.)



2. É também normal o emprego do INFINITIVO NÃO FLEXIONADO:



1º) quando pertence a uma locução verbal e não está distanciado do seu auxiliar:



Os galos começam a cantar. (A. Arinos, OC, 456.)



- Amanhã vamos passar o dia no Oiteiro. (J. Lins do Rego, ME, 121.)



Importavam menos as palavras, essas talvez pudessem esquecer-se, porque outras se lhes viram sobrepor e cobri-las, e assimilá-las. (Aires Redol. BC, 57.)



2º) quando depende dos auxiliares causativos (deixar, mandar, fazer e sinônimos) ou sensitivos (ver, ouvir, sentir e sinônimos) e vem imediatamente depois desses verbos ou apenas separado deles por seu sujeito, expresso por um pronome oblíquo:



Deixas correr os dias como as águas do Paraíba?



(Machado de Assis, OC, II, 119.)



E as lágrimas que choro, branca e calma,



Ninguém as vê brotar dentro da alma!



(F. Espanca, S, 18.)



Esta viu-os ir pouco e pouco. (Machado de Assis, OC, II, 509.)



Neste caso, constuma ocorrer também a forma flexionada, quando entre o auxiliar e o infinitivo se insere o sujeito deste, expresso por substantivo ou equivalente:



Domingos mandou os homens levantarem-se.



(Castro Soromenho, C, 56.)



Vi teus vestidos brilharem



sem qualquer clarão do dia.



(C.Meireles, OP, 615.)



E, mais raramente, quando o sujeito é um pronome oblíquo:



Ele viu-as entrarem, prostrarem-se de



braços



estendidos,



Chorando, e não se comoveu ... (Coelho Netto, OS, I, 1328.)



Construções do tipo:



Vi surgirem os primeiros brotos nas árvores, nascerem



as primeiras flores, e chegarem enfim os frutos inocentes e verdes. (A. F. Schmidt, AP, 170.)



não são comuns e explicam-se pelo realce que, no caso, se concede ao sujeito do infinitivo.







EMPREGO DA FORMA FLEXIONADA



O INFINITIVO assume a FLEXIONADA:



1º) quando tem sujeito claramente expresso:



Mas o curioso é tu não perceberes que não houve nunca “ilusão” alguma. (V. Ferreira, NN, 312.)



Vila Nova lembrou que o melhor era irem todos logo falar ao Bom Jesus. Arinos, OC, 207.)



2º) quando se refere a um agente não expresso, que se quer dar a conhecer pela desinência verbal:



­ Acho melhor não fazeres questão.



(Ferreira de Castro, OC, I, 94.)



Bom seria andarmos nus como as feras.



(Adonias Filho, LBB, 108 .)



3º) quando, na 3ª pessoa do plural, indica a indeterminação do sujeito:



Ouvi dizerem que Maria Jeroma, de todas a mais impressionante, pelo ar desafrontado e pela pintura na cara, ganhara o sertão. (G. Amado, HMI, 143.)



- O culpado de tudo é aquele tal de Doutor Reinaldo.



Por que não deixou levarem a sujeita para o Recife?



(J. Condé, TC, 274.)



4º) quando se quer dar à frase maior ênfase ou harmonia.



Tomar um tema e trabalhá-lo em variações ou, como na forma sonata, tomar dois temas e opô-los, fazê-los lutarem, embolarem, ferirem-se e estraçalharem-se e dar a vitória a um ou, ao contrário, apaziguá-los num entendimento de todo repouso ... creio que não pode haver maior delícia em matéria de arte. (M. Bandeira, PP, II, 37.)



Aqueles homens gotejantes de suor, bêbedos de calor, desvairados de insolação, / a quebrarem, / a espicaçarem, / a torturarem a pedra, / pareciam um punhado de domônios revoltados na sua impotência contra o impassível gigante. (A. Azevedo, C, 66.)



Observação:



O uso do infinitivo flexionado parece ser mais freqüente no português europeu do que no do Brasil em razão da vitalidade, em Portugal, do tratamento tu e, por conseqüência, da flexão correspondente a esta pessoa no infinitivo pessoal. Predominando na maior parte do Brasil o tratamento íntimo você, que se constrói com o verbo na 3ª pessoa do singular - pessoa desprovida de desinência, ou melhor, com desinência zero Æ -, daí decorre a identificação desta forma do infinitivo pessoal com a do impessoal.







CONCLUSÃO



Como vimos, ‘a escolha da forma infinitiva depende de cogitarmos somente da ação ou do intuito ou necessidade de pormos em evidência o agente da ação’ (Said Ali). No primeiro caso, preferiremos o INFINITIVO NÃO FLEXIONADO; no segundo, o FLEXIONADO.



Trata-se, pois, de um emprego seletivo, mais do terreno da estilística do que, propriamente, da gramática.”



Celso Cunha & Lindley Cintra. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, pp. 473 a 478.



Na opinião do Professor M. Said Ali:



Emprego do Infinitivo Pessoal



A língua portuguesa usa de duas formas de infinitivo: o infinitivo IMPESSOAL ou SEM FLEXÃO, e o infinitivo PESSOAL ou FLEXIONADO.



Este último refere a ação em especial a alguma das três pessoas do discurso, tomando as desinências -es para a 2ª do singular, e -mos, -des, -em para as três do plural. Faltam à 1ª e à 3ª do singular desinências que as distingam do infinitivo impessoal.



Usam-se as duas formas segundo as seguintes regras gerais:



INFINITIVO IMPESSOAL



1º sempre que o verbo indicar a ação em geral, como se fora um nome abstrato, ou quando não se cogita da pessoa, ex.: estudar (= o estudo) é útil.



2º nas linguagens compostas e perifrásticas, sendo apenas lícita a flexão no caso de vir o infinitivo afastado de seu auxiliar a ponto de tornar-se obscuro o sentido se esse auxiliar não for lembrado novamente.



INFINITIVO PESSOAL



1ºsempre que o infinitivo estiver acompanhado de um nominativo sujeito, nome ou pronome (quer igual ao de outro verbo, quer diferente).



2º sempre que se tornar necessário destacar o agente e referir a ação especialmente a um sujeito, seja para evitar confusão, seja para tornar mais claro o pensamento. O infinitivo concordará com o sujeito que temos em mente.



3º quando o autor intencionalmente põe em relevo a pessoa a que o verbo se refere.



Estas regras gerais podem ser desdobradas nas seguintes:



Regras especiais



Considerada a ação com referência especial a sujeito determinado, emprega-se o infinitivo pessoal. Confrontem-se estes exemplos:



Convém estudar geografia.



Convém estudares geografia.



É de regra o emprego da forma sem flexão quando o infinitivo, denotador da noção predicativa principal, vem combinado com algum verbo que, além dos conceitos de pessoa, número e modo, designe começo do ato, duração, repetição, continuidade, terminação (começar a, estar a, pôr-se a, continuar a, tornar a, costumar, cessar de, acabar de, deixar de) ou possibilidade, capacidade, necessidade, vontade, desejo, esforço, tentativa (poder, saber, significando “ser capaz de”, querer, haver de, precisar de, dever, ter de, tentar, pretender, ousar, atrever-se a, etc.), ou movimento para realizar um intento (ir, vir), ou resultado (vir a, chegar a):



Começas a ser preguiçoso, devias ser mais aplicado.



Tornamos a mostrar-lhe o perigo.



Queres agradar- me, mas não costumas aceitar meus conselhos.



Vieram dizer- nos que não nos esperariam.



Era tão má a alimentação que todos chegaram a ficar doentes.



Atrevemo-nos a fazer tal pedido.



Foram procurá-lo porque tentavam tirar-lhe a vida.



Não sabem dar um passo sem palanquins.



Se o infinitivo dependente de algum dos verbos poder, querer, dever, costumar, começar, deixar de, ou respectivos sinônimos, vier tão afastado do verbo modificativo que fique obscuro o sentido, pode-se dar ao infinitivo a forma pessoal:



Parece que não podiam tirar nada eles, nem eles levarem mais



(R.Lobo).



Bem lhe pode o príncipe negar o que eles pedirem a eles prezarem-se muito dessas negações (Vieira).



Deviam- no trazer todos vocês nas palmas, dar mil graças aos céus, e acabarem de crer (Castilho).



Possas tu, descendente maldito de uma tribo de nobres guerreiros, implorando cruéis forasteiros, seres presa de vis Aimorés (G. Dias).



Certos verbos sinônimos de buscar, tentar, pretender, ousar, ocorrem, em escritores clássicos, por vezes usados com o infinitivo flexionado, embora venham junto a ele. Esta prática tem caído em desuso:



Tratarem de se recolherem por terra. (Couto).



Não toma flexão o infinitivo dependente de mandar, deixar ou fazer quanto, além destes verbos, se empregue um nome ou pronome que seja ao mesmo tempo objeto do verbo regente e sujeito do verbo regido:



O fumo faz fugir as abelhas.



Não nos deixeis cair em tentação.



Isto dizendo, manda os diligentes ministros amostrar as armaduras. (Camões).



Deixa andar os homens nesta vida semelhantes aos brutos (Arrais).



Aquele atrativo divertimento fizera voar as horas (Herculano).



Os preceitos positivos nos mandam seguir o bem, os negativos nos mandam fugir o mal.



Faz ir docemente murmurando as águas (Camões).



A regra precedente é aplicável às combinações de ver e ouvir com infinitivo quando os verbos, regente e regido, vêm próximos um do outro.



Achando-se afastado pela interposição de dizeres um tanto extensos, pode o infinitivo tomar flexão em concordância com o sujeito. Às vezes o infinitivo flexionado ocorre somente por haver a intenção de realçar o sujeito:



Verão morrer com fome os filhos caros.



Verá braços e pernas ir nadando (Camões).



Viram desaparecer os godos numa garganta estreita (Herculano).



Viu de antigos, longínquos e altos montes nascerem duas claras e altas fontes (Camões).



Todos se calaram quando te ouviram cantar.



Ouve mugir os bois (Castilho).



Nada mais delicioso para o coração do que ouvir estes dous irmãos falarem dela (Castilho).



Não ouve falar as pedras. (Garrett)



Junto a verbos que significam declarar, mostrar, pensar, o infinitivo, tendo sujeito diverso do verbo regente, concordará necessariamente com este sujeito tomando a forma flexionada



Disse serem falsas as assinaturas.



Isto mostra serem bons os conselhos.



Afirma não existirem tais plantas no país.



Sendo o sujeito do infinitivo o mesmo que o dos verbos declarar, mostrar, pensar, serve a forma pessoal para pô-lo novamente em relevo:



Mostravam terem recebido dano. (Barros).



Ainda na borda do rochedo aprumado sobre a água se enxergavam alguns orifícios profundos, que mostravam terem servido para embeber as traves da ponte (Herculano).



Confessam deverem- nos a vida que vivem (Fr. L. de Sousa).



Afirmam estarem impossibilitados de prosseguir viagem.



Estando ele e os outros, cuidando terem bom posto. (Barros).



Com o verbo parecer usado impessoalmente emprega-se o infinitivo flexionado em concordância com o respectivo sujeito:



Parecia serem ali degolados alguns bois. (Barros).



Parecia quereren ali saltar no regaço do Santo. (F. L. de Sousa).



O caminho que seguia a multidão dos infiéis, os quais lhes pareceu dirigirem-se para o lado do célebre mosteiro (Herculano).



Empregando-se parecer como verbo pessoal, costuma-se, na linguagem corrente de hoje, juntar-lhe o infinitivo sem flexão. Pode contudo usar-se a forma flexionada se, pela interposição de dizeres extensos, o infinitivo vier muito afastado do verbo parecer:



Mordiam os freios brilhantes e pareciam adivinhar que estava próximo um dia de combate. (Herculano).



As aves aquáticas pareciam nos seus vôos incertos, ora vagarosos, ora rápidos, folgarem com os primeiros dias da estação dos amores. (Herculano).



A linguagem quinhentista fornece exemplos do verbo pessoal parecer construído com infinitivo flexionado, achando-se os verbos juntos um ao outro.



Com aqueles ímpetos muitas vezes pareciam cortarem pelo ar, e não pela água. (Barros).



Pareciam virem na ordem das procissões da invocação. (Barros).



Usa-se a forma pessoal na combinação ao+infinitivo, como equivalente de oração temporal explícita iniciada pela conjunção quando:



Rugindo de cólera ao contemplarem este espetáculo, apertavam contra o peito a cruz das espadas. (Herculano).



Ficaram todos pasmados ao verem-no caminhar.



Nas exclamações e interrogações o uso do infinitivo flexionado mostra que se quer referir a ação em especial a certo sujeito:



Tu, Hermengarda, recordares-te?!



(Eurico). Morreres?! Oh, não!



Assassinares uma fraca mulher, assassinar-te a ti próprio e renegares da vida eterna! (Herculano)



Há contudo casos de frases exclamativas, em que o infinitivo, com sujeito expresso, deixa de concordar com ele, conservando-se sem flexão. Com esta linguagem se acentua o contraste entre o agente e a ação que determinam a surpresa, parecendo cousas incompatíveis:



Vós arriscar vossa pessoa, e a vossa vida!



Vós ir padecer e morrer a mãos de vossos inimigos! (Vieira).



Precedido da preposição de e dependente de verbo, adjetivo ou substantivo que designem sentimento (alegria, espanto, admiração, orgulho, vergonha, temor, esperança, desesperança, tristeza, etc.), o infinitivo denotador da causa determinante tomará a forma não-flexionada se o sentido é bastante claro e não houver intuito de fazer valer a ênfase:



Há muitas cousas que não queremos dizer e folgamos em extremo de as ouvir. (R. Lobo).



Os verdadeiros religiosos gloriam-se de ser bem obedientes



(H. Pinto).



Ficaram contentes de ver o resultado.



Aos que se envergonham de poupar a vida, para a perder



com glória quando o dia do sacrifício chegar, darei eu o exemplo. (Herculano).



Os quais se prezavam de guardar juntamente a lei de Cristo e a de Moisés. (Arrais).



Desde porém que possa haver qualquer equívoco ou se queira mostrar que a pessoa a quem o verbo no infinitivo se refere é ou deve ser vivamente afetada pelo sentimento, toma o infinitivo a forma pessoal. Dos inúmeros exemplos encontráveis em escritores portugueses mencionaremos aqui apenas os seguintes:



Ficando contentes e alegres de verem entre aqueles dous fidalgos tamanhas discórdias. (D. do Couto).



Pasmas-te de me veres a mim, ou de te veres a ti em tamanha honra? (F. M. Pinto).



Não te espantes de Baco nos teus reinos receberes (Camões).



Aqueles que folgam de os adularem. (H. Pinto).



Folgarás de verdes a polícia portuguesa na arte e na milícia (Camões).



Estes pasmados de verem o Sol, que se não movia; aqueles, também pasmados de esperarem pelo Sol, que não chegava. (Vieira).



Vergonha havias tu de ter de me alegrares com o Santo



(Bernardes).



Os que têm alguma índole e se prezam de serem verdadeiros filhos de seus pais. (Arrais).



Têm logo esperança certa de serem livres. (F. M. Pinto).



OBSERVAÇÃO. - Para mais exemplos e esclarecimentos contrários à deficientíssima regra de Soares Barbosa, consulte-se nossa Sintaxe do Português Histórico.



O infinitivo regido de preposição de, quando usado como complemento especificador ou delimitador de uma noção expressa por substantivo ou adjetivo, tem a forma impessoal se considera a ação em abstrato. Havendo porém conveniência ou necessidade de referir a ação em especial ao sujeito, recorre-se ao infinitivo flexionado:



Tão amigos de conservarem a Fé em sua pureza, e de a dilatarem foram sempre seus pais e avós. (Fr. L. de Sousa).



Os godos, porém, tinham a vantagem de caminharem ordenados.



(Herculano).



Incapazes de conhecerem a vantagem da ordem e da disciplina.



(Herculano).



Com obrigar a, constranger a, forçar a usa-se na linguagem comum o infinitivo impessoal. Querendo porém dirigir particularmente a atenção para a vítima do constrangimento, emprega-se o infinitivo pessoal:



Aqueles em cujos peitos Deus encerrara ouro e prata, eram obrigados a desprezar os metais da terra. (Arrais).



Isto obrigou os religiosos a cortar por todas as contrariedades.



(Fr. L. de Sousa).



Mas por derradeiro os constrangeu a lhe pedirem paz. (Arrais).



Obrigar os donos do achado a darem prêmio a quem achou.



(Bernardes).



Queixavam-se de que os obrigavam a trabalharem gratuitamente nos reparos dos seus castelos. (Herculano).



Serão forçados a se acomodarem com a paz. (Vieira)



Ensinar a vem de ordinário com infinitivo sem flexão quando se menciona simplesmente o ato que se ensina alguém a praticar:



Ensinam -te na escola a ler e a escrever.



Ensinou -nos ele a jogar esgrima.



Se o infinitivo construído com ensinar a vem acompanhado de termos explicativos de certa extensão, convém às vezes reavivar por meio do infinitivo flexionado a noção de pessoa a quem se ensina:



Pois ela nos ensina a amarmos nossos amigos. (Fr. L. de Sousa)



Ginetes ensinados a voltarem sós ao campo cristão do deserto.



(Herculano).



Regido de qualquer das preposições até, para, por, com, em, sem, sobre, antes de, depois de, em vez de, além de, usa-se tanto o infinitivo impessoal como o infinitivo flexionado. Nenhuma importância tem o ser o sujeito diferente ou o mesmo que o da oração subordinada.



A escolha da forma infinitiva depende de cogitarmos somente da ação ou do intuito ou necessidade de pormos em evidência o agente do verbo. É este o critério adotado na prática por todos os escritores portugueses desde os mais remotos até a data de hoje.



Dos inúmeros exemplos de infinitivo pessoal mencionados em nossa Sintaxe Histórica reproduziremos aqui somente os seguintes:



Todos morreram sem se quererem entregar. (Barros).



Em vez de aborrecerem o mal, aborrecem a luz. (Vieira).



Como estais sem irdes pregar a santa fé? (Camões).



Então é que protestam com dizerem: Aqui estamos. (Vieira).



Já sabemos que és nascido para nos alegrares e espojares com o riso. (Bernardes).



Lançaram-se despeadamente após ele para o alcançarem antes que chegasse ao bosque. (Herculano).



Os dous dias que me pediste para chorares o teu cativeiro passaram. (Herculano).



Vai e deixa-te lá estar até veres chegar o bergantim. (Garrett)



Por último queríamos, sem nos desviarmos do nosso guia, retocar um ou outro descuido. (Castilho).



Conserva-se impessoal o infinitivo com sentido passivo e forma ativa, bem como todo o infinitivo dependente das locuções fácil de, difícil de, bom de, mau de, impossível de, duro de, estar para, estar a, estar por



Homens difíceis de contentar.



Notas impossíveis de reproduzir.



Os doentes estão para morrer.



Rios fáceis de atravessar.



As frutas estão a cair de maduras.



Os hóspedes estão a hegar.



As cartas ficaram por escrever. (Said Ali, 1964: 175-80).



De acordo com o Professor Evanildo Bechara:



Emprego do infinitivo (flexionado e sem flexão):



1) Infinitivo pertencente a uma locução verbal:



Não se flexiona normalmente o infinitivo que faz parte de uma locução verbal:



E o seu gesto era tão desgracioso, coitadinho, que todos, à exceção de Santa, puseram-se a rir.



[AAz apud FB.1.138].



‘Pois, se ousais levar a cabo vosso desenho, eu ordeno que o façais. (AH apud FB. 1.196).



Depois mostraram-lhe, um a um, os instrumentos das execuções, e explicaram-lhe por miúdo como haviam de morrer seu marido, seus filhos e o marido de sua filha. (CBr apud FB. 1, 221).



Encontram-se exemplos que se afastam desse critério quando ocorrem os seguintes casos:



a) o verbo principal se acha afastado do auxiliar e se deseja avivar a pessoa a quem a ação se refere:



Possas tu, descendente maldito



De uma tribo de nobres guerreiros,



Implorando cruéis forasteiros,



Seres presa de vis Aimorés. (GD, 4, II, 31).



...dentro dos mesmos limites atuais podem as cristandades nascerem ou anularem-se, crescerem ou diminuírem em certos pontos desses vastos territórios (AH. 2, 173).



b) o verbo auxiliar, expresso anteriormente, cala-se depois:



Queres ser mau filho, deixares má nódoa d’infância na tua linhagem. [AH. 2, 174].



2) Infinitivo dependente dos verbos causativos e sensitivos:



Com os causativos deixar, mandar, fazer (e sinônimos) a norma é aparecer o infinitivo sem flexão, qualquer que seja o seu sujeito:



Sancho II deu-lhe depois por válida a carta e mandou-lhes erguer de novo os marcos onde eles os haviam posto (AH. 2, 64).



Deixai vir a mim as criancinhas.



Mas flexionado em:



e deixou fugirem-lhe duas lágrimas pelas faces. (AH.2, 155).



Não são poucas as doenças para as quais, por desídia, vamos deixando perderem-se os nomes velhos que têm um português. (MBa. 5, 211).



Com os sensitivos ver, ouvir, olhar, sentir (e sinônimos) o normal é empregar-se o infinitivo sem flexão, embora aqui o critério não seja tão rígido:



Olhou para o céu, viu estrelas... escutou, ouviu ramalhar as árvores. (AH.2. 101).



... o terror fazia-lhes crer que já sentiam ranger e estalar as vigas dos simples ... (AH.2, 172).



Os seguintes exemplos atestam o emprego do infinitivo flexionado:



Em Alcoentre os ginetes e corredores do exército real vieram escaramuçar com os do infante, e ele próprio os ouvia chamarem-lhe traidor e hipócrita. (AH.2, 96).



Creio que comi: senti renovarem-se-me as forças. (AH.2, 172).







OBSERVAÇÕES



1ª) Com os causativos e sensitivos pode aparecer ou não o pronome átono que pertence ao infinitivo:



Deixei- o embrenhar (por embrenhar-se) e transpus o rio após ele. (AH. 2, 77).



O faquir deixou-o afastar (por afastar-se) (AH. 2).



Encostando-se outra vez na sua dura jazida, Egas sentiu alongar-se a estrupiada dos cavalheiros ... (AH. 3, 265-6).



E o eremita viu-a, ave pernalta e branca, bambolear-se em vôo, ir chegando, passar-se para cima do leito, aconchegar-se ao pobre homem... (JR. 2, 327).



Por isso não cabe razão a Mário Barreto (...) quando condena, nestes casos, o aparecimento do pronome átono.



2ª) Aqui também o infinitivo pode aparecer flexionado, por se calar o auxiliar:



viu alvejar os turbantes, e, depois surgirem rostos tostados, e, depois, reluzirem armas. (AH. 1, 275).



3ª) Infinitivo fora de locução verbal:



Fora da locução verbal, ‘a escolha da forma infinitiva depende de cogitarmos somente da ação ou do intuito ou necessidade de pormos em evidência o agente do verbo’ [SA. 2, 246].



O infinitivo sem flexão revela que a nossa atenção se volta com especial atenção para a ação verbal: o flexionamento serve de insistir na pessoa do sujeito:





Estudamos

para vencer na vida



para vencermos na vida









Ocorre o infinitivo flexionado nos seguintes casos principais:



1º) ‘sempre que o infinitivo estiver acompanhado de um nominativo sujeito, ou de pronome (quer igual ao de outro verbo, quer diferente);



2º) sempre que se tornar necessário destacar o agente, e referir a ação especialmente a um sujeito, seja para evitar confusão, seja para tornar mais claro o pensamento. O infinitivo concordará com o sujeito que temos em mente;



3º) quando o autor intencionalmente pôs em relevo a pessoa a quem o verbo se refere’ [SA. 1, 72].



Estudamos para nós vencernos na vida.



Beijo-vos as mãos, senhor rei, por vos lembrardes ainda de um velho homem de armas que para nada presta hoje. [AH apud FB.1, 195].



É permitido aos versistas poetarem em prosa. (CBr. 1, 69, apud BECHARA, 1999: 284-5).”



Em face da recensão e do cotejo acima, em que expusemos a opinião de cinco abalizados gramáticos e filólogos: Sousa da Silveira, Celso Cunha e Lindley Cintra, M. Said Ali e Evanildo Bechara, através de seus respectivos trabalhos, compreendemos que a estilística, desempenhando notável papel, praticamente norteia a linguagem do autor.



A gramática, por conseqüência, vai explicar os traços estilísticos do escritor, enfeixando-lhe os exemplos dentro de normas lingüísticas capazes de servirem de modelo a outros artífices da palavra.







Bibliografia



BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. Edição revista e Ampliada. Rio de Janeiro : Lucerna, 1999.



CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1985.



------. Gramática do Português Contemporâneo. Belo Horizonte : Bernardo Álvares, 1975.



SAID ALI, Manuel. Gramática Secundária da Língua Portuguesa. Brasília : EdUnB, 1964.



SOUSA DA SILVEIRA. A.F. Lições de Português. Rio de Janeiro : Livros de Portugal, 1960.







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[1] Palestra apresentada por ocasião do II Encontro Nacional com a Filologia. Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos. Sala José de Alencar. Academia Brasileira de Letras.       COPYRIGHT RUY MAGALHÃES ARAÚJO. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.

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