domingo, 7 de outubro de 2012

ANTERO DE QUENTAL




Antero de Quental



(1842-1891)







Antero de Quental nasceu nos Açores (Ilha de S. Miguel, cidade de Ponta Delgada). Foi uma das figuras marcantes na poesia e na política na segunda metade do século XIX em Portugal.

Nasceu no seio de uma família profundamente religiosa. Estudou no Colégio do Pórtico, de Ponta Delgada, fundado e dirigido por António de Feliciano de Castilho. Em 1858 ingressou na Universidade de Coimbra, onde se viria a licenciar em direito em 1864. É neste período que entra em contacto com a obra de Kant, Hegel, Proudhon, Michelet, A. Comte e outros pensadores contemporâneos. Funda a Sociedade do Raio, organização secreta de estudantes envolvida em práticas maçónicas e na contestação ao sistema. Colabora no jornal O Académico.



Antero de Quental adere às ideias modernas do seu tempo (republicanismo na política, realismo na arte), destacando-se logo em 1865-1865, pelos ataques que faz aos defensores das concepções mais tradicionais em arte, como o Feliciano de Castilho, na polémica conhecida como a Questão Coimbrã. Após a formatura, seguindo exemplo de Proudhon resolve aprender o ofício de tipógrafo na Imprensa Nacional (1866), seguindo logo a seguir para Paris onde apoia os operários franceses. Não tarda a regressar a Portugal e a viajar para os EUA.



Em 1868 fixou-se em Lisboa, onde funda com antigos colegas da universidade o Cenáculo, na Casa de Jaime Batalha Reis. Nesta fase distingiu-se como um grande paladino das ideias republicanas.



No ano da Comuna de Paris (1871), em Lisboa, organiza as célebres Conferências do Casino, que marcaram o inicio da difusão das ideias socialistas e anarquistas em Portugal. Neste ano rompe com o cristianismo e passa a defender uma organização social de inspiração anarquista (Proudhoniana), assente em dois pilares fundamentais: a liberdade e a fraternidade. Neste ano funda diversas associações operárias, publica folhetos e dirige jornais de propaganda das novas ideias ( A Republica Federal, A República-Jornal da Democracia Portuguesa, O Pensamento Social e a Revista Ocidente).



Durante uma viagem a Paris, fica gravemente doente. Em 1881 refugia-se em Vila do Conde, onde estuda Schopenhauer e E. Hartmann. Numa carta datada de 7 de Agosto de 1885, a Carolina Michaelis de Vasconcelos, afirma que terminar o seu período poético e entrara no filosófico, pretendendo desenvolver e sistematizar a sua filosofia.



Em 1890 é chamado para encabeçar um movimento patriótico que opôs Portugal à Inglaterra em relação à partilha de África.



Agastado com múltiplos problemas para os quais não consegue encontrar resposta, acaba por regressar a Ponta Delgada (Junho de 1891) onde se suicidou.



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Antero de Quental pertenceu à denominada "Geração de 70", que inclui Eça de Queiróz, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Teófilo de Braga, Adolfo Coelho, Guerra Junqueiro, Gomes Leal e muitos outros, e que que assumiu como um grande objectivo a reforma cultural e social de Portugal.



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A filosofia de Antero é inseparável da sua poesia, onde de forma mais sistemática procurou desenvolver todo um percurso poético-filosófico desde a dúvida religiosa até um panteísmo de inspiração oriental. Reagindo contra o naturalismo e o positivismo que predominavam no seu tempo procurou, no final da vida conceber uma filosofia centrada na consciência e na liberdade.

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Fases da obra de Antero de Quental



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Obras poéticas: Odes Modernas (1865); Primaveras Românticas (1871); Sonetos (1886); Raios de Extinta Luz (obra póstuma, 1892);



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Obras e artigos político-filosóficos: Arte e Verdade - Caracteres Positivos da Arte (artigo, 1865); O Sentimento de Imortalidade (artigo, 1868); Portugal Perante a Revolução de Espanha (1868); O que é a Internacional ?(1871); Causas da Decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos (1871); Considerações sobre a Filosofia Histórica Literária Portuguesa (1872); Ensaio sobre as bases filosóficas da moral ou filosofia da religião; A Filosofia da Natureza dos Naturalistas (1887); O Socialismo e a Moral (1889); Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Séc. XIX (in, Revista Portuguesa, 1890); Defesa da Carta Evangélica de S.S.Pio IX, contra a Chamada Opinião Liberal; etc







Antero de Quental. Obras Completas. Lisboa. Universidade dos Açores. 7 volumes.







Bibliografia Essencial sobre Antero de Quental:

Carreiro, J. Bruno - Antero de Quental, Subsídios para a sua biografia. 2 Vols. ICPD.1948



Coimbra, Leonardo de - O Pensamento Filosófico de Antero de Quental. Lisboa. Guimarães Editores.1991



Cidade, Hernâni - Antero de Quental. Lisboa. Ed.Presença.1988



Carvalho, Joaquim de - Evolução Espiritual de Antero de Quental e Outros Escritos. Maia.SRECRAA (Açores).1983



Mendes, Manuel - Antero de Quental. Lisboa. 1942



Memoriam (In ) de Antero. Porto. 1896



Ramos, Feliciano - Antero de Quental na poesia filosófica.Vila do Conde.1936.



Saraiva, António José - A Tertúlia Ocidental. Lisboa.1990



Salgado, Junior - História das Conferências do Casino.Lisboa. 1930



Sá, Victor de - Antero de Quental. Porto. 1977



Santos, Leonel Ribeiro - Antero de Quental.Uma visão moral do mundo. Lisboa.2002



Silva, Lúcio Craveiro - Antero de Quental. Evolução do seu pensamento filosófico.Braga.1959



Vita, Luis Washington - Antero de Quental. Rio de Janeiro. 1961



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Em análise:



Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Séc. XIX (1889), Antero de Quental



Antero de Quental, propõe-se neste texto, dividido em três capítulos, apresentar uma síntese das ideias filosóficas do seu tempo. Escrito no final da vida deste filósofo, as "Tendências", pretendem ser o levantamento dos problemas centrais da filosofia contemporânea, mas também um programa de reflexão e acção.



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Primeiro capítulo:



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Antero de Quental começa por apresentar os pressupostos da sua filosofia e que, justificam, como se verá, a escola do tema que se propõe tratar.



1.Reinvenção permanente. A filosofia está continuamente a refazer-se, reinventando-se permanentemente. A modos de pensar são limitados, mas a maneira como são exercidos, os novos problemas que são colocados, fazem com que a filosofia seja sempre diferente.



2.Dúvida. A razão do dinamismo da filosofia está na dúvida. Colocar em dúvida é abrir novos horizontes ao pensar, introduzir novas problemáticas, evitar a queda no dogmatismo e na ilusão de um estéril saber absoluto.



3.Verdade e história A verdade na filosofia nunca são absolutas, mas sempre relativas e historicamente determinadas. A razão é simples: a filosofia antes de mais, responde aos problemas da sua época, está condicionada por uma dado contexto histórico.



4.Unidade na multiplicidade. Cada filosofia é uma dada perspectiva da realidade, gerando uma natural diversidade de pontos de vista. Esta diversidade de filosofias, esconde todavia a unidade da própria filosofia.



" Os diferentes sistemas (filosóficos) têm de ser considerados, dentro de cada período histórico, como aspectos diversos duma mesma figura, de que são entre si, os traços complementares, quero dizer, como momentos e modalidades do espírito geral e total do período".



Neste sentido, na sua enorme diversidade de perspectivas, as diferentes filosofias acabam por se complementar. A filosofia de cada período histórico só pode ser compreendida tendo em conta a pluralidade das filosofias que nele emergiram. Esta unidade assenta no carácter complementar das mesmas que só pode ser apreendido através de um olhar distanciado. Por mais opostas que aparentemente possam parecer, comungam sempre de um mesmo "substracto" e não deixam de completar-se. As filosofias, enquanto sínteses globais, são sempre precárias e estão continuamente a ser recriadas em função dos sentires e necessidades de cada época.



Antero de Quental define a filosofia como "a equação do pensamento e da realidade, numa dada fase do desenvolvimento daquele e num dado período do conhecimento desta...". , estabelecendo assim em termos hegelianos a correspondência entre a filosofia e a história.



5.Sínteses históricas. Chegados a este ponto, a questão que Antero de Quental, agora coloca é se neste contexto será possível elaborar sínteses históricas do pensamento de uma dada época. Estas sínteses não serão sempre fragmentárias e limitadas? A experiência histórica aponta nesse sentido, mas existe um dado novo. Nos últimos séculos o pensamento filosófico mostra uma forte tendência para a convergência dos sistemas filosóficos, afirmando-se cada vez mais um ecletismo ou sincretismo mais ou menos sistemático. A época histórica que vivemos, diz Antero de Quental, é aliás propícia a estes sincretismo filosóficos. A massificação características das nossas sociedades tende a desvalorizar as subtilezas do pensamento e os debates intermináveis, valorizando em contrapartida as ideias simples mais facilmente compreendidas pela maioria das pessoas.



"Entramos no que se pode chamar o período alexandrino do pensamento moderno".



6. Categorias fundamentais do Pensamento Moderno. O que é que a filosofia moderna trouxe de novo? Esta é a questão que Antero irá agora responder. Começa por afirmar que desde o Renascimento, e em especial a partir do século XVI, se foi impondo uma nova maneira de pensar e uma nova concepção do mundo, muito distinta da anterior. Apareceram então um novo conjunto de categorias ou noções metafísicas que estão presentes não apenas na filosofia, mas também na arte, poesia, política e na religião, moldando a nova maneira de pensar.



Nos séculos XVI e XVII surgiram as categorias de Força (energia, actividade...), Lei e Imanência. No século XVIII, são as mesmas integradas e completas num nova categoria, a de Desenvolvimento. No início do século XIX, surge uma nova categoria que integra a anterior, a de Evolução, mas que pressupõe duas outras, a de Espontaneidade e de Liberdade .



Estas categorias do pensamento contemporâneo são tomadas por Antero de Quental como as referência centrais para elaborar a síntese das tendências da filosofia na segunda metade do século XIX.



7. Identidade do Ser e do Pensar. Antes de concluir o capítulo, Antero de Quental, procura demonstrar como estas categorias acabaram por impôr uma nova relação entre o pensamento e realidade. Aquilo que antes era encarado como distinto, autónomo e separado, por força das mesmas destas categorias é agora pensado como uno. "As leis do espírito são as leis do universo na sua forma mais perfeita, e é partindo do mundo objectivo que se há-de conhecer o espírito". Esta identidade será retomada em vários momentos nesta obra é assumida como uma evidência, sem a qual o mundo não seria sequer pensável.



Segundo capítulo.



O pensamento contemporâneo está ainda influenciado por três grandes ilusões a fim de poder atingir uma síntese mais perfeita, isto é, que tenha em conta a espontaneidade do Universo e a Liberdade humana.



8. Dogmatismo. O hegelianismo deve ser recusado por diversas razões. Primeiro porque tem a pretensão de à priori construir o universo a partir de princípios filosóficos, acabando por o conceber como algo estático e determinado, quando o mesmo é na sua essência pura espontaneidade. Segundo porque nega a liberdade humana recusando também a existência de actos fortuitos, o acaso ou o indeterminado. Terceiro, porque ao negar a liberdade nega a própria consciência moral. Em síntese, recusa a concepção hegeliana da história, porque transforma os homens em simples executores de uma vontade que lhes é exterior.



9. Psicologismo. A psicologia científica ao encarar o Homem numa perspectiva mecaniscista, reduziu a consciência a "factos" isolados, o comportamento a reacções mecânicas, o resultado desta investigações foi desagregação da unidade do Eu, acabando assim por negar a própria consciência.



10.Cientismo (mecaniscismo, positivismo, etc). O cientismo construído com tanto sucesso desde o século XVI, na forma como se apresenta deve ser igualmente ser recusado, porque ao assumir uma visão estritamente materialista e determinista da realidade acaba por negar a toda e qualquer espontaneidade aos fenómenos naturais. Antero de Quental não nega a sua importância do conhecimento científico da realidade, mas aponta para o perigo das suas generalizações. Uma das mais perniciosas está na generalização destas concepções aos seres humanos, conduzindo à negação da consciência e da vontade.



Terceiro capitulo.







11. Consciência. A consciência (individual) tem um lugar central não apenas ao nível do conhecimento, mas também ao nível da vontade. A consciência é a expressão mais elevada da racionalidade do próprio Universo, e representa também o ser plenamente, isto é, o ser que se determina a si próprio segundo os seus próprios fins. Neste sentido, é o limite a todas as determinações possíveis.







12. Consciência e Conhecimento. Embora reconheça a extraordinária capacidade das várias ciências em explicarem com rigor as relações entre os fenómenos naturais, estabelece os limites do conhecimento cientifico. Os limites da ciência são a descrição objectiva das relações causais entre fenómenos. É por esta razão que as questões que nos permitem compreender o mundo e o sentido da existência humana, excedem claramente a ciência. Um conhecimento reduzido apenas àquele que a ciência produz seria sempre limitado e insatisfatório. O mundo tal como o concebemos é uma criação do espírito humano (consciência).







"O espírito percebe o universo, não adaptando-se a ele, mas adaptando a si o universo, tal como ele se nos apresenta, é, no fundo uma criação do espírito: se existe para nós, é porque o concebemos: aparece-nos, não reflectido na consciência, mas verdadeiramente visto nela".







13. Consciência e Vontade. Porque o homem é um ser consciente, está permanentemente a determina e a construir a realidade . Neste sentido, a realidade é para os seres humanos um ponto de partida. Condiciona-os, mas não os determina.







14. Espontaneidade e Liberdade. Apesar de todas as regularidades, um dos aspectos melhor caracteriza a natureza é a sua espontaneidade. Na mais pequena particula do universo existe sempre uma margem de espontaneidade (incerteza, indeterminação), mas também de consciência. A espontaneidade nos seres humanos toma o nome de Liberdade. A Liberdade, no rigoroso sentido da palavra, significa espontaneidade plena, isto é, quando o ser, embora condicionado cria os motivos da sua própria determinação, tendo em vista os seus próprios fins. Neste caso, " o determinar-se já não é limitar-se: é expandir-se, é desdobrar-se indefinidamente numa intima actividade que criando um mundo seu, se cria ao mesmo tempo com esse mundo".



15. Pampsiquismo ou Pandinamismo.O dinamismo mecânico e o dinamismo psiquico, acabam na filosofia anteriana por conduzir à concepção do universo como um ser vivo. Em qualquer nível do Universo, e em graus muito variáveis encontramos sempre liberdade e inteligência.



16. Liberdade e Moralidade. Se a Liberdade é a condição próprio de qualquer ser humano, é também em certo sentido a "aspiração secreta das coisas e o fim último do universo", onde tudo tende a superar-se, expandir-se, a auto-determinar-se.



Ora, a liberdade só se realiza plenamente quando todos os seres são igualmente livres.É por esta razão que a liberdade plena, supõe o aniquilamento completo do egoísmos. A renúncia a todo o egoísmo é para ele o caminho direito para a liberdade, a perfeição e a beatitude, envolvendo sempre os outros neste processo:



"Como não há-de então o justo dar-se aos outros, dar-se a todos os seres, se com cada acto de dedicação conquista e firma a própria beatitude? libertando-os, liberta-se: aperfeiçoando-os, aperfeiçoa-se: beatificando-se, beatifica-se".



Este compromisso com a libertação dos outros, atravessa todo o pensamento de Antero de Quental, sintetizada na seguinte afirmação:



"O progresso pressupõe o acto constante daquelas energias (espirituais): sem o esforço sempre renovado do pensamento para a razão, da vontade para a justiça, de todo o ser social para o ideal e a liberdade, o caminho andado escorrega debaixo dos pés e a animalidade toma outra vez posse do terreno onde o espírito, adormecendo, não soube manter-se. Enganam-se pois singularmente os que os sonham um progresso como que mecânico, caminhando por si e beatificando os homens independentemente da energia moral deles. (...) A criação da ordem racional e o alargamento indefinido do domínio da justiça, tal é a definição do progresso. Facto da liberdade, ele consiste intimamente num desdobramento incessante da energia moral, numa reacção contínua da vontade sob o estímulo do ideal, e é por isso que a virtude é a verdadeira medida do progresso das sociedades".



O bem identifica-se com o absoluto e o ser, exprimindo a finalidade do próprio universo, a sua realização plena. " O Bem é o momento final e mais íntimo da evolução do ser".



Carlos Fontes



Carlos Fontes





Referências Históricas



Navegando na Filosofia

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