sábado, 15 de setembro de 2012

HOMERO


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novA educação na Grécia

Posted by: Héctor Hugo Palacio in Grécia, Homero, Paideia, Platão, Sofistas, educação, política, virtude, ética

COPYRIGHT BY :  HÉCTOR HUGO.






O pensador











O espírito grego nos legou uma concepção original de homem e tal concepção vemo-la exprimida pela Filosofia. Nela aparecem, segundo Henrique C. L. Vaz, duas facetas fundamentais do homem: este feito um animal que fala e discorre (zôon logikón) e o homem como um animal político que vive e se desenvolve dentro de uma pólis (zôon politikón).



A passagem de uma óptica arcaica para uma visão clássica do homem tem como pano de fundo o problema do destino (moira). Os gregos, desde os primórdios de sua reflexão filosófica, se depararam com a dificuldade de conciliar o homem, como um ser livre e participante da pólis, com as forças inexoráveis do destino (anankê), que arrastam esse mesmo homem.









Moira

A liberdade, para os gregos, só pode ser compreendida a partir da perspectiva da tragédia grega. Esta caracteriza-se fundamentalmente pelo sentimento de que há uma desproporção entre as causas e os efeitos; ou seja, como explicar o fato de que, para intenções boas, temos uma resultante de conseqüências más? Como entender o que se passa com Antígone, drama tão antigo e tão atual?









Tragedia grega

Se, no primeiro momento, a tragédia grega se alimenta do mito, é ela que vai possibilitar a passagem da mitologia para a filosofia. Aparentemente, temos uma contradição. De um lado, o sentimento de que é justo procurar o bem e realizar a liberdade. De outro, forças exteriores, estranhas e desconhecidas, que se chocam com a vontade humana determinando os acontecimentos. “Ninguém pode escapar ao destino”. Os sucessos pertencem aos deuses; ao homem cabe apenas o esforço. Apesar do mais cruel destino, existe alguma coisa que pertence única e exclusivamente ao homem: a sua atitude pessoal e livre diante dos acontecimentos. Por mais que os acontecimentos exteriores fiquem de fora do domínio e do controle do homem, a sua atitude lhe pertence e depende exclusivamente de si mesmo.



Quanto ao destino, conforme Lima Vaz, temos duas abordagens: a primeira, representada por Ésquilo, de caráter mais pessimista e que predomina no Tempo Arcaico, acentuando a inexorabilidade do destino e, diante dele, o desamparo do homem abandonado à própria sorte. A segunda, representada por Eurípides, possui um caráter moralista que prevalecerá na Idade Clássica. Esta última funda-se sobre a descoberta da responsabilidade pessoal e tenta mergulhar na esfera da realidade; nela o homem pode estender seu poder de escolha e, portanto, ser-lhe imputado um mérito ou um demérito. Sófocles marca a passagem entre ambas as concepções, de modo especial por meio do ciclo tebano.





Apoteose de Homero

No mesmo período, aparece a figura de Homero, o grande criador, organizador e modelador da cultura grega. Homero é considerado o educador grego por excelência. Platão, em seu diálogo com Glaucon, apresentado no Livro X de A República, conta que era opinião unânime, no seu tempo, a idéia de ter sido Homero o educador da Grécia. E, apesar de que o filósofo da Academia parece não concordar totalmente com essa idéia e, na sua crítica filosófica ter denunciado a limitação do conteúdo da poesia como critério de verdade, não conseguiu ofuscar a influência de Homero em toda a Hélade e para além de suas fronteiras.



A poesia de Homero teve grande influência no pensamento e na educação dos gregos, porque a poesia, na cultura grega, faz valer todas as forças estéticas e éticas do homem. A arte tem um poder ilimitado de conversão espiritual. É o que os gregos chamavam psicagogia. A psicagogia busca, ao mesmo tempo, a vida real e a reflexão “filosófica”, concluindo daí que a poesia tem vantagem sobre qualquer ensino intelectual e verdade racional, assim como sobre as meras experiências acidentais da vida do indivíduo.



Na poesia homérica, os gregos vêem estampado seu ideal de posteridade. Ao longo de sua obra, Homero deixa transparecer grande preocupação com a formação ética e espiritual do homem. Para ele, como para os gregos em geral, as últimas fronteiras da ética não são as convenções do dever, senão e, sobretudo, leis do ser.



Segundo Jaeger, na epopéia grega, de certo modo, já se encontra em germe a filosofia grega. E do ponto de vista da concepção do mundo, a epopéia grega é mais objetiva e mais profunda do que a épica medieval. A intervenção dos deuses nos fatos e os sofrimentos humanos obrigam o poeta grego a levar sempre em conta as ações do homem e o seu destino no mundo, de modo que possa subordinar os acontecimentos à conexão universal do mundo, valorizando-os pelas mais altas normas religiosas e também morais.



Na epopéia grega, vemos, também, representada uma alta função sócio-educativa. Nela está presente toda a educação posterior da Grécia. A função social e educadora do poeta se manifesta pela união necessária e inseparável da poesia e do mito. Homero utiliza exemplos míticos para todas as situações imagináveis da vida em que um homem pode estar presente junto à vida de outro homem. O mito serve como uma espécie de instância normativa e, nesse sentido, representa um discurso ideal de mundo.





O homem e o mito

A educação clássica do homem presente na Grécia arcaica e sistematizada por Homero, por meio da epopéia, assenta-se na idéia de uma formação humana baseada num ideal de nobreza cavalheiresca, que, por sua vez, dará origem a uma espécie de ética aristocrática, presente em muitos pontos, em séculos posteriores, mediado pelo pensamento ético de Platão e Aristóteles. Está presente nesse ideal de formação a busca de uma excelência humana que seria atingida, sobretudo, pela prática da aretê e pelo prestígio e honra adquiridos na pólis.



Nos antigos gregos, o conceito aretê (cuja tradução para a atualidade não é fácil), a virtude da têmpera heróica, ética e da nobreza que caracterizava a bravura guerreira dos cavaleiros, eis talvez o primeiro conceito de educação, de formação do homem. Assim, a palavra aretê, tema essencial na história da formação grega, é a expressão do mais alto ideal cavalheiresco unido a uma conduta cortês e distinta. Encontra-se nela um atributo próprio da nobreza. Está associada também a uma idéia de força, de capacidade, habilidade física e guerreira. A figura do herói, tão presente na educação grega, como alguém capaz de dar a vida para defender a cidade, é a representação máxima da aretê.



O Homem vulgar não tem aretê. A aretê é, então, um atributo da excelência humana, e da beleza de caráter que orienta a praxe (a ação quotidiana) humana para o bem é, enfim, a unidade suprema de todas as excelências.



A paidéia – estruturação da vida individual, assente em princípios de virtude absoluta, cultivo da perfeição humana – é o meio para se alcançar a aretê. Com efeito, já houve tempo em que se considerava a paidéia (mais ainda a agogé espartana) o mais alto fim do Estado (pólis). Tudo na vida dos helênicos estava vinculado ao ideal da aretê. As artes: a Arete da tragédia, da comedia, da poesia, da música (Homero, Ésquilo, Sófocles, Simônides, Tirteu…); a filosofia, ou aretê do saber (Sócrates, Platão…); os esportes: a ginástica (aretê da força física, ideal olímpico); a política (politéia) equilíbrio entre a vida pública e a vida privada.





Atenas

Em geral, quando falamos da Grécia antiga, logo remontamos a Atenas como o símbolo da maior genialidade grega, mas nem sempre foi assim, já que os primeiros a incutir um ideal de educação, com base na idéia de excelência humana, foram os espartanos e não os atenienses. O século VII é o grande século de Esparta. A educação espartana assume um caráter militar. Seu objetivo não era mais selecionar heróis, senão formar uma pólis inteira de heróis. O ideal educativo subordina a conduta humana pessoal à idealizada pela coletividade política e, para tornar isso possível, o Estado assume a educação do indivíduo. Esparta, no entanto, continua a conservar no interior de sua paidéia traços de origem cavalheiresca: a ênfase na prática da educação física, por meio da ginástica; a educação musical, encarregada de proporcionar ritmo e harmonia ao educando e, de mãos dadas com a música, aplicavam-se ao ensino das letras, da poesia e da literatura em geral. Em A República, Platão se espelha em muitos elementos da educação espartana, de modo especial da Esparta do século VII. Durante esse período, Esparta será modelo de desenvolvimento humano e espiritual para toda a Grécia.



Encontramo-nos, agora, na Atenas do século V a.C., cenário onde se desenvolve nosso Diálogo e tempo em que se inicia a democracia. O século VI tinha sido marcado por intensas desordens, conseqüência de problemas não solucionados no final do século VII e, na medida em que Esparta vai perdendo influência, Atenas assume o protagonismo dentro do mundo grego. De modo especial, a partir dos meados desse século, chegará ao apogeu de sua civilização, graças a um de seus governantes mais ilustres: Péricles.



Com o advento da democracia, não somente os nobres aristocratas, como também os cidadãos atenienses em geral, conquistam gradualmente o privilégio de participar da vida política e cultural de Atenas. Aquela educação, privilégio de um pequeno grupo pertencente à aristocracia ateniense, é estendida ao demos e colocada no alcance de toda criança grega. A prática do atletismo torna-se exercício popular. Nas diversas modalidades de esportes, estava presente uma educação baseada no antigo ideal homérico do valor e da aretê, com uma conotação fortemente moral, que se resume em formar o homem belo e bom, não mais representado na figura do guerreiro herói, mas na do atleta civil, que se torna herói quando vence as competições.



A educação, portanto, torna-se coletiva. Não se trata mais de uma educação individual, ministrada por um preceptor (geralmente um escravo letrado), mas de uma educação grupal, aberta à coletividade. Essa mudança de um ensino individual para um ensino grupal vai exigir uma institucionalização da educação. Surge, então, a escola.



A civilização ateniense terá papel de destaque durante dois séculos, mas é nesse contexto e nessa época que em Atenas se inaugura um paradigma diferente na filosofia. Se até então se tratava de resolver problemas de ordem cosmológica, agora o centro da discussão filosófica será ocupado pelo homem e seus problemas práticos e particulares. A civilização de Atenas torna-se, acima de tudo, a civilização do homem.



Nesse novo paradigma, impera o pensamento de que nada é mais importante para o homem do que o próprio homem e suas relações na cidade. A importância e a centralidade desse pensamento sobre o homem levarão Protágoras a afirmar que “O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são”. De maneira semelhante, Sófocles também expressa essa nova mentalidade em sua peça Antígone, ao proclamar: “Muitas coisas portentosas existem, mas nenhuma é mais portentosa do que o homem”.









Sofistas

Essa nova fase filosófica, com a predominância do interesse pelo homem e suas relações na sociedade, foi dominada pelos sofistas, que desenvolveram atividades em torno da segunda metade do século V e centraram esforços na reflexão sobre o homem e, de modo especial, o homem como um ser que age e participa da vida da cidade. Etimologicamente, o termo “sofista” significa sábio, porém, com o decorrer dos anos e, sobretudo, por causa das críticas de Platão, o vocábulo assume uma conotação pejorativa e ganhará o sentido de impostor.



Da educação nas sociedades primitivas, que visava apenas a manter a imutabilidade sagrada das técnicas culturais e não desconhecendo que nenhuma sociedade humana sobrevive sem que sua cultura seja transmitida de geração para geração – esta entrega (do Latim trádere) de cultura é a tradição – passou-se para a nova educação, nas sociedades ditas (mais) civilizadas que incorporam, além daquela transmissão cultural, o dado novo do aperfeiçoamento e correção da tradição.



Todas as coisas mudam sempre sobre uma base que não se modifica jamais. Assim, por exemplo, os conceitos de direito (sempre o reto, o justo), de democracia (evoca sempre povo), de pedagogia (paidagogia evoca sempre a idéia de condução, daí o escravo – o paidagogo – que conduzia pelas mãos a criança à escola, ao saber). Mudam as palavras, mas as coisas em si (ou seus conceitos) são as mesmas: educar é alterar a natureza humana, é tornar os homens melhores, alcançar a aretê é o propósito de nossa vida; a pedagogia sofista bem divisou isto. Há a virtude cívica (aretê política) que é o fundamento do Estado; há a verdade como virtude essencial da ciência (episthême) e mais dizemos: de toda educação; há a virtude do indivíduo que é múltipla: a solidariedade, a eticidade, a justiça, além do adestramento/instrução técnico-profissional (parte não essencial da paidéia autêntica, que visa a formar o homem na aretê total).



Antes de ser ciência autônoma, a pedagogia era parte integrante da ética ou da política e elaborada unicamente em atenção aos fins propostos pela ética e pela política para o homem. Como natureza prática/empírica, no entanto, a pedagogia se referia ao primeiro e mais elementar adestramento da criança para a vida (privada e pública). Eis aqui o ponto crucial desta especulação: este viés prático/pragmático anulou a razão de ser (a aretê total, a formação virtuosa do educando, adulto ou criança) da pedagogia e, conseqüentemente, da educação. A propósito, é bem atual a advertência de Platão: importa mais infundir à pólis um êthos (o espírito ético) bom e não dotá-la de um amontoado de leis.



O cultivo da alma individualizada com a consciência viva da comunidade, da cidade/estado, com a aretê, constitui para Platão o fim último da educação. Em suma, trata-se de harmonizar os interesses privados/individuais com os públicos/cívicos: um bom estado exige um bom cidadão e vice-versa, um cidadão que saiba mandar e obedecer orientado pelo fundamento da justiça. Tudo isto é função da educação autêntica, norteada pelo ensino da aretê. Com efeito, foi a cultura ática a primeira a equilibrar as duas forças: o impulso criador do indivíduo e a energia unificadora da comunidade política. Nem o apogeu da alma individualizada, do ente individual/pessoa humana que surge com o cristianismo, nem a radicalização individualista do liberalismo, ou os totalitarismos, podem tolher a vocação primeira da educação como ensino ético-político, verdadeiro eixo de sustentação da formação integral do homem contemporâneo. A formação ético-política é parte essencial da verdadeira paidéia, da educação autêntica. Daí por que Tucídides vê o Estado como a mais alta escola de cultura plena e a vida privada como a propaidéia (base preparatória da paidéia) da vida pública (da paidéia política).



A perfeição humana, a educação total (aretê total), é sempre uma fórmula de eterna procura, tal como a justiça, a democracia, objetos de desejo jamais alcançáveis como resultado absolutamente conclusivo ou terminativo.



Ensinar pressupõe a crença de que mudanças são possíveis; daí por que o ato de ensinar é constante exercício da faculdade humana de criticar. É preciso criticar, discutir, mudar, enfim não parar de buscar a razão de ser de nossa ação educativa. Este é o problema fundamental de toda a educação: educação no sentido ético, como supremo bem e suma felicidade humana, a busca do bom e do belo a serviço da formação do homem.



Sem dúvida a educação tem tudo relação direta com a transmissão e a aquisição do saber, contudo, para além desta tese óbvia, estamos querendo asseverar que o pensamento sobre a educação deve-se ocupar, igualmente, com a relação entre o saber e a vida humana ou, se quisermos, pelo valor do saber para nortear e dar sentido à existência dos homens.



A prática da educação é o conjunto de condições especiais com as quais o homem elabora e transmite sua peculiaridade de cultura. Se quisermos a recondução do sentido de nossa história educativa, contudo, devemos tentar uma harmonia no conceito, uma unidade na multiplicidade viva, uma dialética que propicie um horizonte para valores mais vitais, mais conformes às exigências de um estado de coisas que se apresenta escuro, frágil e, às vezes, equivocado.



As normas que se estabelem como propícias para reger a comunidade educativa têm como finalidade uma razão nivelada por um tipo de lógica instrumental, técnica, que situa o valor do progresso material como entidade única na qual os indivíduos se reconhecem e identificam. Assim, quando o econômico, o político, o tecnológico e o científico são colocados como pano de fundo da ação comunitária, a educação não pode apresentar uma via de recondução para valores que realcem a dignidade e a justiça como conceitos reguladores da aretê, que pode ser alcançada por uma sociedade específica.









Polis

A formação grega está estreitamente vinculada com ao conceito de alma, que aparece no período clássico (tés psychê épimelêisthai), o cuidado da alma. A formação da alma por si mesma na coerção de seus pensamentos permite que o indivíduo não se perca em meio a uma multidão de opiniões incompatíveis. Desse modo, o novo ideal, a exigência inaugurada por Sócrates/Platão é uma resposta responsável a tudo aquilo que faz e por tudo aquilo que pensa. De certa maneira, o homem se forma a si mesmo ou, como disse Gadamer: educar é educar-se.



Hoje o “saber” é constituído essencialmente pela ciência e pela tecnologia e concebe-se como algo essencialmente infinito, universal e objetivo, de alguma forma impessoal, como alguma coisa que está aí, fora de nós, como algo do qual nos podemos apropriar e, simplesmente, usar; alguma coisa que tem relação fundamentalmente, com aquilo que é útil em seu sentido mais estreitamente pragmático. Do outro lado, a “vida” se reduz a sua dimensão biológica, à satisfação das necessidades (sempre incrementadas pela lógica do consumo), à supervivência dos indivíduos e das sociedades. Por isso, quando dizemos que a educação deve preparar “para a vida”, queremos dizer que deve preparar para “ganhar a vida” e para “sobreviver” da melhor maneira possível em um “entorno vital” cada vez mais complexo. Nessas condições, resulta claro que a mediação entre o saber e a vida não é outra que a apropriação utilitária do saber em relação às necessidades da vida.



Dessa forma, penetramos uma questão central: a do sentido e o valor do saber para a vida. E aqui “valor” não significa a mesma coisa que “utilidade”. Se nos perguntarmos pela utilidade do saber para a vida, não questionamos nem o saber nem a vida, nem o saber como mercadoria (inclusive como dinheiro, lembrando as teorias do capital humano e toda a ênfase contemporânea na rentabilidade do conhecimento), nem a vida como satisfação de necessidades reais ou induzidas (pensamos aqui naquilo que significa para nós “qualidade de vida” ou “nível de vida”). Se nos perguntamos, porém, pelo valor do saber para a vida, quiçá a própria pergunta faça emergir a suspeita da miséria daquilo que sabemos e os limites de nossas possibilidades de existência.



Certamente, também hoje, a crise da educação coincide tanto com uma crise de legitimidade do saber transmitido como com um empobrecimento do sentido da vida. E quiçá, também hoje, o pensamento da educação tenha que se perguntar pela relação entre o saber e a vida humana. Suponhamos que essa relação ainda dá o que pensar que, todavia, precisa ser pensada. Suponhamos que estejam em jogo não tanto a verdade do saber e a forma de sua transmissão, mas o valor da verdade. E essa é uma expressão que devemos a Nietzsche: “… temos que tentar de uma vez colocar em questão o valor da verdade”. Quando se nos fala da verdade, devemos perguntar-nos qual é o sentido e o valor daquilo que se nos apresenta como verdadeiro (não somente seu preço ou sua rentabilidade).



O que a dialética disputa à poesia é o privilégio da legitimidade pedagógica, desde o ponto de vista moral: o reconhecimento de seu papel privilegiado na formação das pessoas na aretê e no ordenamento da cidade justa. Por isso, é o filósofo que conhece o ser, que, como fundador do Estado, tem a tutela moral da cidade e das almas de cada um dos cidadãos, que se preocupa com a ordem da cidade e de que seus membros cheguem a ser homens de bem, é também, o único habilitado a, igualmente, julgar os fabricantes de mitos. E essa capacidade de julgar decorre de sua posse de um conhecimento sobre a verdade da alma, sobre a verdade da cidade e, também, sobre a verdadeira índole do saber mítico e poético no que diz respeito a seus efeitos morais.



É o filósofo quem exibe um saber sobre a forma legítima de conservação e transmissão do saber. Assinala Thamus, no Fedro, que existe uma ameaça: a alma pode ser edificada sobre algo alheio a ela mesma, sobre caracteres exteriores – allotrion typon –, sobre letras que vêm de fora e que se mantêm fora. A memória alcançada desde o exterior não é tal memória – mnêmê – senão só sua aparência, uma mera lembrança – hypómnêsis – e, em último termo, esquecimento – léthê. Platão fala, no entanto, também, de uma forma interior de edificar a memória, que constitui a alma e que a confiança na escrita nos levaria a descuidar: os homens também podem chegar à lembrança “desde eles mesmos e por si mesmos” – autous hypo auton. Só desta forma se atinge a verdadeira sabedoria. Assim, mediante a oposição entre o exterior – éxothên – e o interior – éndothên – as letras representam, no mito platônico, a exterioridade, e só podem ser redimidas se forem, de alguma forma, apropriadas, interiorizadas, na própria substância da alma. É o homem interior quem tem de dar vida e realidade à sabedoria, desde sua própria interioridade. E aí, na exposição do que seja o chegar à lembrança desde dentro, é onde aparecem os termos ‘verdade’ – alétheia – e ‘aprendizagem’ – didachê. O termo verdade aparece no fragmento do diálogo há pouco citado, conectado com uma forma viva de ensino: com a relação dialógica com os discípulos. A verdade não é, portanto, correspondência, mas essa relação viva entre o saber e a alma que se produz no território dialético da relação pessoal entre quem ensina e quem aprende.





Platão

O que fez Platão foi formular a distinção entre o saber exterior, emprestado, pregado à consciência, porém exterior a ela, sem penetrá-la, sem estruturá-la, saber de pedantes, aparência de saber, alucinação de saber, falsa erudição, e um saber interior, nascido da própria pessoa, constituído paralelamente ao próprio amadurecimento da consciência, no qual a erudição, quando existe, não é mais do que o subproduto natural de um saber que está orientado à formação da alma.



Um saber que não serve à formação é aquele com o qual se mantém uma relação exterior ou, em outras palavras, um saber que se aprende, no qual se adquire algo que antes não se possuía, mas aquilo que é adquirido se apresenta como pregado, sem perpassar a consciência, sem constituí-la, sem estruturá-la ou modificá-la, mas sempre exterior a ela, sem relação alguma com aquele que sabe, um saber deslocado de quem sabe, um saber que produz pedantes, quiçá eruditos, porém não pessoas educadas em uma relação viva e constituinte com o saber.



As operações filosóficas de regulamentação e de reforma do saber encontram-se intimamente relacionadas com esse otimismo socrático que Nietzsche diagnosticou em O nascimento da tragédia e que se poderia considerar como o fundamento desse avanço racionalista constitutivo do nosso sentido comum. O otimismo socrático consiste em certa moralização do saber, impulsionada pela confiança na inteligibilidade da existência e na possibilidade de sua reforma. O que o Filósofo sustenta é a possibilidade de mudá-lo. A tese de Nietzsche parece ser que a de que a operação socrático-platônica abre a época em que ainda vivemos como o tempo da pedagogia, isto é, como a quadra caracterizada por um desígnio otimista e progressivo em relação à existência, e onde a regulamentação, a reforma e a transmissão do saber seriam seus instrumentos essenciais. Tal desígnio não é outra coisa que a convicção de que o saber “é capaz não só de conhecer, mas de corrigir o ser” e na crença de que o conhecimento “tem a força de uma medicina universal”.



Tags: educação, ética, Grécia, Homero, mito, Paideia, Platão, política, Sofistas, virtude



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outA Tragédia Grega

Posted by: Héctor Hugo Palacio in Cristianismo, Estoicismo, Herói, Homero, Ilíada, Odisseia, teatro, tragédia



A tragédia grega



Segunda Parte



Homero e a tragédia





o incendio de troia - Elsheimer, Adam

Os poemas de Homero, tanto a Ilíada como a Odisséia, oferecem vários desses momentos de infelicidade pelos quais os grandes passam: o desespero de Aquiles quando perde o seu amigo Pátroclo num combate; o encontro de Ulisses com Aquiles na morada dos mortos; a desgraça de Heitor, o bravo guerreiro morto num duelo pela defesa da sua cidade; a humilhação de Príamo, o velho rei de Tróia, que é obrigado a suplicar a Aquiles pela devolução do corpo do filho. O objetivo do poeta porém não é exatamente o mesmo do autor dramático. Esses episódios da “Ilíada” e “Odisséia” fazem parte da narrativa geral cuja intenção é enaltecer a bravura e os feitos dos combatentes e não provocar a compaixão ou qualquer outro sentimento piedoso nos leitores ou ouvintes. Segundo Albin Lesky “a epopéia homérica é para a objetivação do trágico na obra de arte somente um prelúdio.”







Os postulados do trágico





Hercules no palacio de Omphale - Bellucci, Antonio

Para poder-se dizer que um espetáculo é uma tragédia é preciso que ele apresente certas características facilmente identificadas pelo público. Em primeiríssimo lugar, deve revelar a dignidade da queda. O herói é sempre uma figura reconhecidamente grande, importante, que consegue manter a integridade moral quando as coisas desandam ao seu redor. É pois, um estóico. Depois, há de verificar-se a importância da altura da queda, transmitindo a idéia da caída de um mundo de segurança e felicidade, que se vê ilusório, para as mais profundas das misérias. Queda, diga-se, que o herói deve aceitar em sua consciência. Não se entende como tragédia o caso da vítima ser alguém sem vontade, conduzido como se fosse um surdo-mudo para a desgraça, um marionete inconsciente dos deuses. E, por último, a tragédia resulta de uma falta absoluta de solução. Não há outra saída do que aquela determinada pelos acontecimentos que vão se descortinando frente ao herói.



Estoicismo e tragédia









morte de Seneca - David, Jacques-Louis

A tragédia também tornou-se uma inspiração para a filosofia estóica que, desde os seus princípios, estava determinada a demonstrar os terríveis estragos que a paixão humana provocava. O sábio estóico Sêneca (4 A.C.- 65) serviu-se de peças com urdidura trágica como uma admoestação e advertência para mostrar o desespero que acomete aqueles que se deixam guiar por elas ao não saberem impor limites ao ardores do coração, submetendo-o aos poderes da lógica (esta, comumente, foi a interpretação da tragédia que chegou a nós no Ocidente com força bem maior do que aqueles que os grandes autores dramáticos da Ática lhe davam).



Cristianismo e tragédia





Susanna - Batoni, Pompeo

Para alguns autores cristãos a tragédia é um gênero que pertence exclusivamente ao mundo pagão. O cristianismo teria banido a tragédia por que ela simplesmente não se enquadra na idéia da alma pecadora que atinge sua redenção por uma graça de Deus, pois não há salvação nem perdão para o herói trágico. Ela, a tragédia, só seria possível na cultura pré-cristã que desconhecia os princípios do arrependimento e da absolvição, ou o gesto inesperado e miraculoso da graça divina (o artificio do Theos ex machiné, largamente utilizado por Eurípides, foi interpretado por muitos como um recurso teatral, não pertinente à essência da concepção grega da tragédia). Pode-se até conjeturar ter sido a própria vida de Cristo uma tragédia definitiva, uma catástrofe moral de tamanha dimensão que superou todos os possíveis dramas, não deixando espaço emocional para que nada mais pudesse emparelhar-se ao sofrimento do Salvador. A representação popular da paixão e do martírio de Jesus, que até hoje é encenada nos autos religiosos, inibiu para sempre a dramaturgia cristã.



Originalidade do teatro





Diana e Acteon - Cesari, Giuseppe

Sabemos que os poetas da Grécia Antiga exploraram outros gêneros, tais como o drama satírico e a comédia, mas nenhum deles teve a transcendência alcançada pela tragédia, fazendo com que o espetáculo trágico fosse o que mais profundamente se enraizou na tradição cultural moderna.





Apolo e a musa cumean - Cerrini, Giovanni Domenico

Muitas das contribuições culturais que nos chegaram pela mãos dos gregos, tais como a Filosofia, a Geometria, a Pintura Cerâmica, a Arquitetura, a Música, a História, a Medicina, a Literatura Épica e Lírica, a Mitologia, etc., com certeza eram de origem Oriental. O mesmo, porém, não se deu com o Teatro. Se Pitágoras e Platão abeberam-se da filosofia e da geometria egípcia ; se Heródoto inspirou-se nas crônicas anatólicas, persas e egípcias; se mesmo Homero inspirou-se em narrativas épicas de outros povos, tal não pode dizer-se dos autores trágicos. A Tragédia é a mais pura criação da cultura grega antiga e, quando transplantada para outras culturas, não encontrou a mesma receptividade.



Tags: arte, comedia, Cristianismo, Estoicismo, Herói, Homero, Ilíada, Odisseia, Séneca, tragédia, Tróia



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