quarta-feira, 20 de junho de 2012

SECA DE 1877 NO CWEARÁ

Antônio Conselheiro Bello Monte A Guerra Iconografia Textos Livros Músicas Contato Filmes Fotografias Imagens da Guerra Mapas Pinturas Artigos Biografias Documentos Raros Literatura Poesia Resenha de Livros Teatro Teses Artigos Pagina Inicial 029 - A Seca de 1877/79. Algumas Considerações - Bahia e Ceará (Roberto Nunes Dantas) Roberto Nunes Dantas Pesquisador do CEEC-UNEB Em recente exposição no Centro de Estudos Euclydes da Cunha, CEEC, da Universidade do Estado da Bahia, UNEB, o professor Marco Antônio Villa, estudioso do tema, destacou, para os últimos 120 anos, graves períodos de estiagem, os chamados picos da seca, a saber os anos de 1877/79, 1888, 1898, 1902, 1915/16, 1932/33, 1952, 1958, 1970/73, 1979/83, aos quais, pode-se, desde já, atrelar os últimos anos de 1997/98. Este breve artigo se deterá no primeiro dos períodos acima citados , referente, portanto, aos anos de 1877/79, refletindo sobre algumas questões que margeiam a temática central - seca - , então levantadas a partir do que a documentação disponível propiciou , e secundadas, por conseguinte, pelas próprias discussões com o professor Villa. Assim, dentre outras interrogações, causou interesse a ocorrência da seca na Província do Ceará, verdadeiramente cruel e tão evidenciada na documentação, em contraste com as dificuldades de informação, de destaque mesmo, sobre a mesma na Província da Bahia, especulando-se, aí, ( e talvez com certa ousadia! ), as possíveis razões para este fato. Pesquisou-se jornais da época, relatórios, falas e correspondências dos presidentes das referidas províncias, bem como foram instrumentos imprescindíveis as obras de Pinto de Aguiar e uma publicação da Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia, SEPLANTEC, do Governo do Estado da Bahia . A questão básica, portanto, diz respeito à gravidade ou não da seca de 1877/79 na Bahia, tendo como referência a denúncia legítima de sua intensidade no Ceará. Há correspondências do Presidente da Província do Ceará , endereçadas ao seu colega baiano, solicitando tanto o acolhimento aos flagelados cearenses quanto remessas de alimentos. Eis algumas delas: "Palacio da Presidência, 23 de março de 1878 Ilmo.Exmo.Senr. Cumpre-me participar a V.Ex. que no Vapor Bahia seguem hoje 19 emigrantes cearenses, que vão procurar n’essa provincia occupação util d’onde tirem meios de subsistência. Permita-me V.Ex. que recommende aos seos sentimentos humanitarios e patrioticos tantos cidadãos que o flagello da secca desterra do seo torrão natal, assim como se digne facilitar passagens áqueles que preferirem seguir para outras provincias. Renovo á V.Ex. os meos protestos dde estima e consideração. Deos Guarde á V. Ex. Ilmo.Exmo.Senr.Presidente da Provincia da Bahia Presidente José Júlio D’Albuq. Barros. " Em outra correspondência, feita inclusive no mesmo dia, há a segiunte solicitação: "Havendo n’esta capital grande falta de generos alimenticios para soccorrer a população, que a secca tem reduzido á extrema penuria, e convindo prevenir o caso de não chegarem com a necessaria prestesa os solicitados por esta Provincia ao Governo Imperial, vou rogar a V.Ex., se houver n’essa Provincia abundância de carne do Rio Grande do Sul e de farinha de mandioca digne-se providenciar para ser-me remettido no primeiro transporte que offerecer, um suprimento desses generos, cuja quantidade não fixo, porque não será de sobra o carregamento de qualquer navio. A reconhecida solicitude de V.Ex. pelo bem publico me assegura que tomará em consideração este pedido. O mesmo presidente cearense volta a escrever ao seu colega baiano em 6 de abril de 1878: "Tendo de seguir da cidade do Aracaty no Vapor Conde d’Eu alguns emigrantes cearenses, que vão procurar n’esta provincia occupação util e meio decente de subsistência, permitta-me V.Ex. que recommende aos seos sentimentos humanitarios e patrioticos esses cidadãos que o flagello da secca desterra do seo torrão natal". Teria a Bahia, naquele contexto, condições realmente favoráveis para dispensar ajuda aos irmãos cearenses? A seca não estaria também abrasando, sem tréguas, os solos dos sertões baianos, os quais, portanto, careciam de igual atenção institucional? A pesquisa em curso propiciou o achado de valiosos documentos que, no mínimo, remetem a necessária reflexão. Numa correspondência de 10 de agosto de 1878, do já citado José Júlio D’Albuquerque Barros, respondendo a um ofício de 5 do mesmo mês, a ele endereçado pelo presidente da Província da Bahia, o Barão Homem Mello, se lê: "...não é conveniente fazer regressar por ora os emigrantes que d’ella ( Província do Ceará ) se tem retirado, visto não haver ainda possibilidade de empregar a maior parte dos braços desocupados". Isto, ao menos, supõe dificuldades já enfrentadas pelo governante baiano para bem atender aos flagelados do Ceará, cada vez em maior número chegados à Bahia. Um segundo documento é mais revelador e instigante, pois que se trata de um abaixo-assinado, datado de 17 de agosto de 1878, elaborado pelos residentes da Freguesia de Geremoabo, situada no seio dos sertões baianos, no qual os seus signatários reclamam ao presidente da Província de suas precárias condições de vida: "Ilmo.Exmo.Senr.Barão Homem de Mello M.D.Presidente da Provincia da Bahia Os abaixo-assignados confiados na caridade e equidade dos actos de V.Ex., vem perante a V.Ex., Exmo Senr. Solicitar na qualidade de cidadãos brasileiros moradores residentes n’esta Freguesia de São João Baptista de Geremoabo, lance suas caridosas vistas sobre esta terra, que há tempos acha-se accossada pelo terrível flagello da secca, que qual medonho phantasma vai ceifando vidas e destruindo tudo no seo horrendo caminhar. É digno de dor e compunção ver-se, Exmo. Senr. , vagarem pelas ruas d’esta Villa bandos de infelizes quasi nús e prestes a desfallecerem, atenta a cruel fome que se atormenta. Já tendo excasseado os recursos de comidas basicas a que o instincto oe tem impellido, vêem-se hoje na triste colisão de, ou serem soccorridos pela caridade publica ou morrerem a mingoa. Os generos que são importados por esta localidade alem de mui diminutos para o abastecimento são vendidos por preços exorbitantes. N’esta triste emergencia os Suppes impetrão o justo apoio de V.Ex. implorando digne-se mandar acudir a este povo com alguns generos alimenticios, pois do contrario a fome em breve fará grande numero de victimas. Os Suppes Convictos de que V.Ex. condoer-se-há do estado aflictivo com que se achão, esperão benevolo deferimento" Perscrutados alguns jornais cearenses do período, a seca inclemente - como não poderia deixar de ser! - se fez presente nas principais matérias . Mas o que importa aqui, para a continuidade daquela reflexão sobre a incidência da seca na província baiana, é o registro na edição de 19 de dezembro de 1877 do jornal "O Retirante", o qual reproduz notícia veiculada num periódico pernambucano : "A Secca – Lê-se no Diário de Pernambuco: ‘as victimas a soccorrer na região presentemente flagellada pela secca, são: Provincia do Piauhy...........................150.000 pessoas Ceará.............................................................700.000 Rio Grande do Norte........................................117.000 Parayba.........................................................400.000 Pernambuco...................................................200.000 Alagoas...........................................................50.000 Sergipe............................................................30.600 Provincia da Bahia..........................................500.000 Considerando o número de vítimas estipulado para a Província da Bahia, ainda que haja possível exagero, percebe-se o tamanho do flagelo existente nos sertões naquele período. Estaria, então, a Província da Bahia vitimada, gravemente ou não, pela forte estiagem? Possivelmente sim. O porquê dessa inquirição ganhou relevo na continuidade do trato com as fontes, percebendo-se, aí, um curioso silêncio dos jornais baianos do período sobre a problemática da seca na Bahia, quando neles se encontra, no entanto, frequentes referências ao Ceará e até a outras províncias do norte do Império. Mais curiosas ainda são as notícias alusivas às campanhas beneficentes engendradas na Bahia para o socorro dos irmãos cearenses . O próprio presidente da Província da Bahia, em resposta a ofício de um vigário da Vila de Alcobaça, de 24 de março de 1878, confirma o seguinte: "Accuso recebimento do officio de 20 de janeiro proximo passado, a que acompanhou a quantia de 160$280, produto de subscripção por V. rms. . Promovida nessa Villa em favor das victimas flagelladas pela secca das provincias do norte" . Pinto de Aguiar, em seu excelente trabalho "Abastecimento: crises, motins e intervenção", sinaliza para este curioso silêncio e, ao mesmo tempo, confirma a estiagem presente na Bahia: "A disputa política que ocupa os jornais nos primeiros meses de 1878, deixa quase na sombra o noticiário sobre a calamidade que assolava o nordeste. A situação, contudo, agravava-se dia a dia e já campeava livremente na Bahia a especulação resultante da escassez de produtos alimentícios". Mais adiante, nesse mesmo capítulo do livro mencionado, então intitulado "A seca chega à Bahia", o autor diz o seguinte: "...e as secas periódicas eram uma tradição na vida da Província" . A disputa referida era em torno da volta ao poder dos liberais no Legislativo da Província, afastados fazia tempo, quando dois importantes jornais, o Correio da Bahia e o Diário da Bahia, debatiam-se em incontáveis querelas, cada qual defendendo, evidentemente, o seu alinhamento político, tendo como pano de fundo a crise de abastecimento vivenciada sobretudo na capital, crise esta, dentre outros fatores, causada pela própria seca incidente naquele período, tanto na província baiana quanto nas do norte . Vasculhada, então, a documentação disponível para consulta, somente num editorial de 15 de novembro de 1877, o jornal O Monitor refere-se, finalmente, à seca na Bahia, confirmando as desconfianças aqui levantadas. E o interessante é que este jornal, em pouco tempo, passou a ser oposição ao Executivo na Província, o que, no mínimo, o levaria a bater mais frequentemente no assunto. (?) " A secca na Bahia Tristes e aterradoras são as notícias que nos chegam do centro da provincia: em algumas localidades já se vae fazendo sentir o flagello da secca; em outras, estão já encarecendo os generos alimenticios, e a farinha, por exemplo, já tem soffrido consideravel augmento de preço. Continua a falta de chuvas, e é muito para temer que tenhamos tambem que deplorar os desastres que assolaram e assolam ainda algumas provincias do norte. ...A lavoura atravessa uma crise pavorosa, que de dia para dia se agrava ". Não é objetivo deste breve trabalho produzir explicações e dar respostas definitivas para este "vazio" na imprensa baiana atinente à problemática da seca na província. Necessária se torna, sem dúvida, uma análise mais consistente e qualificada do quadro econômico-social da Província, um estudo, por exemplo, acerca de quais produtos, no período em causa, tinham relevante peso na balança comercial baiana, produtos estes, certamente, não originários dos sertões baianos. Do mesmo modo, buscar-se informações mais detalhadas sobre a população existente nos municípios situados nas chamadas zonas de estiagem, comparando-se com a de outros das demais regiões da Província. Apenas como indicativos iniciais, encontra-se numa publicação do Governo do Estado da Bahia, dados referentes de alguns municípios da área atingida pelo flagelo da seca e de outros pertencentes a zonas geograficamente distintas: Monte Santo.................................. Maragogipe................................... Vitória.......................................... Reforçando estes dados há os comentários preciosos de Durval Vieira de Aguiar, presentes em seu trabalho "Descrições Práticas da Província da Bahia", acerca dos citados municípios sertanejos: "Monte Santo "Soure "Tucano Até as notícias sobre Geremoabo, com certeza uma Freguesia maior do que as citadas, eram desanimadoras, pois que o autor acima referido diz no texto que tal era uma "Vila insípida, estacionária... os terrenos do termo são destinados à criação, que não pode medrar, por causa da seca que anualmente a persegue" . Quanto à importância dos produtos baianos naqueles anos de 1877/79 é de notório saber que o açúcar, ainda que em fase decadente, tinha o seu valor na economia baiana, bem situado na pauta de exportações do porto de Salvador, bem como o fumo e o café. Para tal análise, são valiosas as informações contidas naquela publicação do Governo do Estado da Bahia, anteriormente citada : 1877/78 E uma última especulação seria a de se entender, também, a histórica aversão das elites baianas ao povo dos sertões, por elas ignorado, elites às quais quase sempre pertenciam os donos dos principais jornais da Província da Bahia. Assim, expostos esses elementos, serve este breve trabalho mais como provocação a um estudo mais detalhado, o que sinaliza para a necessária continuidade das pesquisas. NOTAS 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15. 16 17 18 19. 20 . Idem ao 5 e 17.Idem ao 18;. AGUIAR, Durval Vieira de – "Descrições Práticas da Província da Bahia"- Livraria Editora Cátedra, RJ, 1979;.Idem ao 5;. O Monitor de 15 de novembro de 1877; Biblioteca Pública do Estado da Bahia; Periódicos;Diário da Bahia, edições de 30 e 31/03/1878 e Correio da Bahia, edições de 02, 03 e 04/04/1878; Biblioteca Pública do Estado da Bahia, Setor de Documentação Baiana; in Livro de Pinto de Aguiar, "Abastecimento: crises, motins e intervenção"; Philobiblion, RJ,1985;. AGUIAR, Pinto de – "Abastecimento: crises, motins e intervenção", Philobiblion, RJ,1985;. Matéria publicada pelo jornal O Monitor de 24 de março de 1878, reproduzindo a resposta do presidente da Província da Bahia, Barão Homem de Mello; Biblioteca Pública do Estado da Bahia, Periódicos;. Edições do Jornal O Monitor de 31/07, 10/08, 31/08 e 04/12 de 1877 – Biblioteca Pública do Estado da Bahia, Periódicos;. Biblioteca Pública do Estado do Ceará, setor de Microfilmagens;.Jornais cearenses pesquisados: "Echo do Povo" de 09/07, 16/07 e 04/11 de 1879, "O Cearense" de 01 e 18/04, 03 e 31/05 e 01/07 de 1877, 09/07 de 1879, e "O Retirante" de 01 e 08/07, 16 e 19/09 de 1877. Há outras tantas notícias em várias edições dos citados jornais, todos disponíveis no setor de Microfilmagens da Biblioteca Pública do Estado do Ceará; ( alguns textos estão nos Anexos );. Idem ao 7 e 8;. Idem ao 7;. Arquivo Público do Estado da Bahia, Colonial e Provincial;. José Júlio D’Albuquerque Barros, Pres. da Província do Ceará; correspondências de 23/março/1878 e de 06/abril/1878 – Arquivo Público do Estado da Bahia, Colonial e Provincial;. Publicação do Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia, SEPLANTEC, cujo título central é "A Inserção da Bahia na Evolução Nacional", volumes "A Bahia no Século XIX", "Anexo Estatístico", "Atividades Produtivas" – Arquivo Público do Estado da Bahia;. AGUIAR, Pinto de – "Abastecimento: crises, motins e intervenção"; Philobiblion, RJ, 1985. "Nordeste; o drama das secas. Civilização Brasileira, 1983.. Quatro instituições baianas foram visitadas para o atendimento da pesquisa: Arquivo Público do Estado da Bahia, Biblioteca Pública do Estado da Bahia, Instituto Histórico e Geográfico da Bahia e o Arquivo do Mestrado de História da Ufba; e duas instituições cearenses: Arquivo Público Estadual do Ceará e Biblioteca Pública do Estado do Ceará. Lamentável registrar a indisponibilidade de consulta de jornais do século XIX nas três primeiras instituições baianas acima citadas, razão, sobretudo, das inadequadas condições de guarda dos respectivos acervos;. Professores e Técnicos do CEEC/UNEB produzirão artigos concernentes aos outros períodos de estiagem citados pelo Prof. Villa;.Exposição realizada em 16/11/98, integrante das atividades de consultoria ao Centro de Estudos Euclydes da Cunha, CEEC, da UNEB; 1877/78 – fumo................ 35,3% 1878/79 – fumo..................... 40,6% açúcar..............24,8% açúcar................... 30,2% café..................18,8% café........................ 9,9% diamantes......... 5,4% diamantes.............. – couros/peles..... - couros/peles.......... – cacau................ 4,9% cacau..................... 3,6% algodão............. 0,1% algodão.................. 0,1% "Tucano - A lavoura é insignificantíssima, e mal produz o necessário; sendo o gado anualmente dizimado pela seca; ...o comércio é nulo". "Soure - Vila pequena, de clima seco..., com umas cento e tantas casas formando uma pequena praça...; sofrível casa de Câmara e barracão para feira, que é o único comércio da Vila. A lavoura é limitada ao consumo e ainda pouco desenvolvida a criação de gado "Monte Santo – A população em geral é pacífica, porém de mesquinhos recursos, porque a lavoura e a criação não podem ter desenvolvimento por causa da escassez de rios e pela seca, que anualmente persegue aquela zona... O comércio é insignificante; constanto apenas de 4 casas de negócio".Vitória..........................................18.836 habitantes Rio de Contas...............................59.893 s u d o e s t e Caitité...........................................34.638Maragogipe...................................46.614 habitantes Santo Amaro.................................58.252 São Francisco...............................44.445 r e c ô n c a v o Cachoeira.....................................88.836Monte Santo..................................11.778 habitantes Soure............................................. 5.974 s e r t ã o Tucano........................................... 7.213 Constituindo-se num dos velhos e cruciais problemas do nordeste brasileiro, a seca, entretanto, ainda carece de estudos apurados e de análises mais criteriosas dos seus períodos de maior incidência, considerando-se, sobretudo, as terríveis consequências que, ao longo de tantos anos, desabaram sobre o cotidiano de muitos brasileiros. Tel.: (71) 3334-5681 portfolium@portfolium.com.br ©2007 Portfolium Laboratório de Imagens Expediente COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO

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