segunda-feira, 18 de junho de 2012
riqueza do café em são paulo
Café, riqueza e famílias
Ribeirão Preto na segunda metade do século XIX*
Luciana Suarez Lopes
Professora do Departamento de Economia
da Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade da Universidade de São Paulo
lslopes@usp.br
Resumo
Neste trabalho estuda-se, para a segunda metade do século XIX, a economia e a alocação de riqueza
na antiga vila de São Sebastião do Ribeirão Preto com base na análise da trajetória de algumas famílias.
Nesse período, o pequeno núcleo urbano passou por uma série de transformações que foram essenciais na
preparação do que se tornaria um dos principais núcleos produtores de café do interior paulista no último
quartel do século XIX. O objetivo principal é identificar possíveis padrões de acumulação, além de verificar
quais eram as atividades que promoviam o enriquecimento. Como fonte documental, foram utilizados os
inventários post-mortem da localidade.
Palavras-chave: riqueza, cafeicultura, acumulação, inventários.
Abstract
This paper analyses the economy and the decisions of wealth allocation in one of the most important
cities on the northeast of São Paulo, Ribeirão Preto, between 1849 and 1900, considering some families
and their history. In that period, the small village passed through many transformations which prepared
it to become one of the most important coffee producers of São Paulo State in the later years of the
XIX century. The objective is to search for patterns and activities that provided conditions for wealth
accumulation. The main primary source used are the detailed list of property of the deceased (inventários
post-mortem).
Key words: wealth, coffee cultivation, accumulation.
134 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
É de Campinas, [...] que parte a expansão cafeeira
que se alastrará pelo oeste paulista. [...]
Esta “onda verde” de cafezais, como tão expressiva
e apropriadamente se denominou a
expansão da lavoura que então fundamentava
a riqueza brasileira, marchará rapidamente,
alcançando no penúltimo decênio do século a
região do rio Mogi-Guaçu na sua confluência
com o Pardo; aí se formará o núcleo produtor
do melhor e mais abundante café brasileiro.
O “café de Ribeirão Preto” (centro da região)
se torna mundialmente famoso. (PRADO
JÚNIOR, 1967, P. 165)
Introdução
chegada do café na região de Ribeirão
Preto promoveu inúmeras
modificações na economia e na
sociedade locais. No presente artigo, analisar-
se-á a trajetória de enriquecimento ou
empobrecimento de algumas famílias da
antiga vila, buscando encontrar padrões de
sucesso ou fracasso econômico numa região
dominada pela cafeicultura. Seria essa a atividade
que garantia o aumento dos cabedais?
Havia outras atividades econômicas capazes
de promover o enriquecimento?
O atual município de Ribeirão Preto
está localizado no nordeste do estado de São
Paulo, distante aproximadamente 330 km
da capital do Estado, como mostra o Mapa
1. A origem da antiga vila de São Sebastião
do Ribeirão Preto está ligada à formação
do patrimônio eclesiástico de São Sebastião.
Diferentemente de outras localidades,
que consideram como sendo a data de sua
fundação aquela correspondente à elevação
da localidade à categoria de vila, Ribeirão
Preto considera como data de fundação a
da demarcação das terras doadas ao patrimônio
de São Sebastião, feita em 19 de
junho de 1856.
* A pesquisa que deu origem ao presente artigo recebeu auxílio da Fundação de Aparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
1 Sobre a família Dias Campos e a fazenda Rio Pardo consultar a transcrição da Carta Precatória ao Juízo Municipal de São José de Mogy-Mirim
(1835), existente no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto, além de MARTINS (1998), BRIOSCHI (1999) e LAGES (1996).
2 Informações dadas a Martins por Wanderley dos Santos, Diretor do Arquivo Público Municipal de Franca, já falecido. (Cf. MARTINS, 1998, p. 271)
A
A vila de São Simão foi ponto de partida
para o surgimento desse arraial, em especial
uma de suas fazendas, a do Rio Pardo, com
extensão de aproximadamente 13.262 alqueires,
apossada por José Dias Campos ainda na
primeira década do Oitocentos.1 Campos era
português e chegou à região após passar um
período em Minas Gerais, onde se casou e teve
filhos.2 Ele e seus filhos apossaram-se das terras
em questão no ano de 1811 denominando
de Ribeirão Preto o principal curso d’água da
fazenda. Posteriormente, em 1832, as terras
não efetivamente ocupadas pela família Dias
Campos na fazenda Rio Pardo foram ocupadas
por outra família que chegava à região: os Reis
de Araújo. A partir daí, começa uma disputa
judicial pela posse das ditas terras, contenda que
chegou ao fim em 1846. Nesse ano, as terras
em questão foram avaliadas e os Reis de Araújo
pagaram aos Dias Campos o montante combinado.
A posse então ficou definitivamente nas
mãos da família Reis de Araújo.
Mapa 1. Localização de Ribeirão Preto
Fonte: Modificado a partir de Milliet, 1938, p. 24.
E foram os próprios Reis de Araújo que
tentaram, pela primeira vez, doar terras ao
patrimônio de São Sebastião, em 1845. Como
o processo de doação não apresentava avanços,
novas doações foram feitas no ano de 1852 na
tentativa de fazer com que a Igreja abreviasse o
Ribeirão Preto
São Paulo
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Luciana Suarez Lopes
julgamento da questão. Os doadores, por outro
lado, tentando apressar o processo, dirigiramse
ao Juiz de Paz de São Simão para que este já
lavrasse a escritura da doação. O escrivão então
redigiu o documento, que já especificava o
local em que deveria ser construída a capela,
informando inclusive estarem prontos alguns
dos materiais necessários à sua construção.
Para iniciar as obras, os doadores deveriam
obter autorização do Bispo, sendo
esta solicitada pelo vigário Jeremias José
Nogueira. O Bispo encaminhou o pedido ao
Cônego Promotor, responsável por verificar a
existência de alguma irregularidade no processo,
e para isso pediu alguns esclarecimentos.
Enquanto a resposta de tais indagações
não fosse apresentada para as autoridades da
igreja, a autorização não seria concedida.3
Como a doação ainda não chegava ao
valor exigido, foram feitas outras doações
pelos moradores de outra fazenda próxima. O
possível patrimônio de São Sebastião passou
a ser então composto por terras de diversas
fazendas da região. Contudo, nem todos os
doadores conseguiram comprovar a posse
legítima de suas glebas, o que impediu a Igreja
de aceitar a doação. Firmes em seu propósito,
os moradores da região passaram a cogitar
a hipótese de mudar o local do patrimônio
para a fazenda Barra do Retiro, cujo processo
de divisão judicial havia sido requerido por
seu maior proprietário, José Borges da Costa,
em 27 de janeiro de 1852. A divisão judicial
foi finalizada em 19 de junho de 1856, data
em que foram lavradas as diversas escrituras e
demarcado o patrimônio do santo. À demarcação
do patrimônio seguiu-se a construção
de uma capela provisória, substituída pela
igreja matriz no final da década de 1860.
A localidade foi elevada à categoria de
freguesia em 1870 e, em 1871, pela lei no.
67, a freguesia foi elevada à categoria de vila,
com a denominação de “Villa da Capela de
São Sebastião do Ribeirão Preto” (MIRANDA,
1971, p. 14), sendo oficialmente desmembrada
de São Simão. Com esse desmembramento, a
então vila de São Simão perde mais da metade
de seu território, como pode ser observado
no Mapa 2. O território da antiga fazenda Rio
Pardo pode ser observado em detalhe no Mapa
3. A Câmara Municipal foi criada em 1874
e as primeiras eleições ocorreram em 22 de
fevereiro daquele ano. O início das atividades
administrativas ocorreu em 13 de julho de
1874. A localidade contava
então com quatro ruas, seis
travessas e dois largos. (MIRANDA,
1971, p. 14)
O primeiro levantamento
mais completo
sobre a população ribeirão-
pretana e suas atividades
econômicas ocorreu
em 1874, como parte do
Recenseamento Geral do
Império de 1872.4 Naquele ano, existiam
5.552 habitantes, dos quais 857 escravos.
Essa população era composta basicamente
por brasileiros brancos, solteiros, católicos
e analfabetos.
Os brancos representavam 63,0% do
total da população e aproximadamente três
quartos dos livres; os pardos compunham
19,0% da população total e 20,0% dos livres;
O primeiro levantamento
sobre a população
ribeirão-pretana e suas
atividades econômicas
ocorreu em 1874
3 Conforme transcreveu Costa, “[...] Para ficar firme e valioso o presente patrimônio deve o constante zelador justificar os itens seguintes: 1.º) — Que
as terras que formam o patrimônio para a capela e a meio, cento e vinte mil réis, podem render por ano cinco mil réis para os juizamentos da mesma;
2.º) — Que as terras de vínculo doutra capela ou morgado não têm foro, censo, obrigação nem encargo algum, não estão hipotecadas ou outro qualquer
princípio obrigada, a vendas, dívidas, dotes ou finanças; 3.º) — Que na doação feita não há dôlo, simulação, engano, nem pacto algum expresso ou
simulado pelo que se obriga a restituirem em terra ou em parte no rendimento. A êste item deporão os doadores bem como assinarão... 4.º) — Que das
presentes doações que formam o patrimônio não resulta prejuízo a herdeiro ou credores, havendo-os. Além dos documentos que apresentam, devem mostrar
que os doadores eram legítimos senhores e possuidores daquelas propriedades [...]” (Cf. COSTA, 1955, p. 46)
4 Na província de São Paulo, esse levantamento ocorreu em 1874. Os dados do censo foram gentilmente cedidos por Maria Silvia Bassanezi,
pesquisadora do NEPO/UNICAMP. (BASSANEZI, 1998)
136 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
os negros somavam 17,0% da população total
e apenas 5,0% da população livre; e por fim
consideram-se os caboclos, que representavam
0,5% da população total e a mesma porcentagem
da população livre. Sobre as populações
parda e negra, nota-se que mais de quatro
quintos da população parda era livre, enquanto
pouco mais de um quinto da população
negra possuía a mesma classificação.
A proporção entre solteiros, casados e viúvos
era semelhante às encontradas para outras
localidades da província. Em Ribeirão Preto,
mais de 70,0% da população total era solteira,
tal como ocorria nas localidades próximas de
Araraquara, Batatais, Franca e São Simão; e nas
mais distantes, como por exemplo, a capital e
Silveiras. Um quarto da população ribeirãopretana
era casada, assim como ocorria nas
distantes localidades de Areias, Bananal e Guaratinguetá;
e nas mais próximas, como Campinas
e São Simão. Os viúvos eram a parcela mais
discreta, representando 3,0% da população em
Ribeirão Preto
Ribeirão
do
Tamanduá
Ribeirão da Onça
Ribeirão Preto
São Paulo
Sertãozinho
Ribeirão
da Prata I
Ribeirão
Claro
Ribeirão
da
Prata II
Ribeirão da
Divisa
São Simão
Retiro
Palmeiras
Rio Pardo
Laureano
Ribeirão
Preto
ou
Pontinha
Barra do
Retiro
Barra
do
Esgoto
Ribeirão Preto
Ribeirão Preto
São Paulo
Mapa 2. Antigo Município de São Simão (São Simão, século XIX)
Mapa 3. Antiga Fazenda Rio Pardo (Ribeirão Preto, século XIX)
Fonte: Modificado pela autora a partir de: Bazan, Antigo Município de São Simão Situação Geográfica no século XIX.
Mapa b&p. Escala 1:200.000. In MARTINS, 1998
Fonte: Modificado pela autora a partir de: Bazan, Antigo Município de São Simão Situação Geográfica no século XIX.
Mapa b&p. Escala 1:200.000. In MARTINS, 1998.
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Luciana Suarez Lopes
Ribeirão Preto e porcentagens iguais ou ainda
menores em Araraquara, Batatais, Franca e São
Simão. Para a população de toda a província
paulista, livre e cativa, as porcentagens são as
seguintes: 70,0% de solteiros, 26,0% de casados
e 4,0% de viúvos.
Grande parte da população livre era
analfabeta e nenhum cativo sabia ler ou escrever.
Os homens alfabetizados representavam pouco
mais de 5,0% da população livre e as mulheres
apenas 0,3%. Das crianças entre seis e quinze
anos, apenas 1,5% estudavam e, dentre estes,
os meninos eram maioria, 64,0%. No aspecto
geral, trata-se de uma população jovem, já que
mais da metade de seus habitantes tinha até
quinze anos, com uma razão de sexo5 igual a
105. Em idade produtiva, considerando como
tal os habitantes entre dezesseis e cinqüenta
anos, temos 44,6% do total da população e uma
razão de sexo igual a 126. Acima dos cinqüenta
anos os habitantes somam 3,8% e, ao contrário
das outras faixas etárias, havia predominância de
mulheres, com razão de sexo igual a 13.
A população escrava totalizava 15,5%
do total da população em Ribeirão Preto. À
primeira vista, esse número pode parecer
pequeno, mas outros municípios, no mesmo
ano, apresentavam porcentagem semelhante.
No Vale do Paraíba, região em que a cafeicultura
absorvia a maioria dos recursos, a porcentagem
de cativos na população de Lorena
e Cruzeiro era de 14,8%. Em Paraibuna e São
José dos Campos as porcentagens eram, respectivamente
9,1% e 9,2%. (MARCONDES,
2000, p.9) Em Guaratinguetá, localidade que,
“no decênio de 1870, caminhava vigorosamente
para o auge de sua produção cafeeira”,
a porcentagem de cativos na população era de
20,1% e, em Silveiras, os cativos eram 17,5%
do total de habitantes. (MOTTA & MARCONDES,
2000, p. 269-270)
Com relação à origem, o censo mostra
que a maioria dos habitantes era paulista.
Dos 4.692 livres, 4.613 eram da província
paulista. Entre 857 cativos, existiam 840
paulistas. Não obstante, foram encontrados
três estrangeiros, de origem portuguesa, dois
solteiros e um viúvo, todos católicos. Um
dos portugueses solteiros era comerciante,
guarda-livros ou caixeiro e os outros dois
não tinham profissão declarada.
Tanto entre livres como entre cativos, a
profissão mais comum era a de lavrador. Para
o segmento livre da população, as atividades
religiosas e as artesanais em metal, madeira,
edificação, couro, pele e calçados, eram
exercidas somente por homens, enquanto as
mulheres eram as únicas a exercer as profissões
de parteira, professor, capitalistas e proprietários,
manufatureiros e fabricantes, costureiras
e operárias em tecidos. Eram profissões mistas
com maioria masculina as
de comerciante, guardalivros
ou caixeiro e lavoura
e mistas com maioria feminina
as de artistas, criados
ou jornaleiros e serviços
domésticos. Entre os cativos,
as profissões essencialmente
masculinas eram as
de operários em madeira,
edificações, couros e peles e
as femininas eram as de costureiras e operárias
em tecidos. Eram profissões mistas as ligadas
à lavoura, a de criados e jornaleiros e a de serviços
domésticos, com maioria masculina na
lavoura e feminina na de criados e jornaleiros
e nos serviços domésticos. Os indivíduos sem
profissão somam 2.165, excluindo-se aqui os
estrangeiros. Em porcentagem, 42% dos livres
nacionais e 24% dos cativos não tiveram sua
atividade identificada pelos recenseadores.
O rápido desenvolvimento da cultura
cafeeira, principalmente durante a década
de 1890, foi o grande motivador do crescimento
populacional observado no final do
século XIX. Entre 1890 e 1900, a população
brasileira cresceu a uma taxa anual de aproxi-
O rápido desenvolvimento
da cultura cafeeira foi
o grande motivador do
crescimento populacional
5 Razão de sexo é o número de homens em cada grupo de 100 mulheres.
138 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
madamente 2,5%, passando de 14.333.915
habitantes em 1890 para 17.438.434 em
1900.6 No mesmo período, a população
ribeirão-pretana passou de 12.033 habitantes,
em 1890, para 100.185, em 1900, num
crescimento anual calculado em 30,33%.7
Sobre a Fonte Documental
Os inventários post-mortem constituem
fonte inestimável de informações sobre os bens
e costumes das populações passadas. As informações
contidas nos processos dão subsídios
suficientes para o desenvolvimento de estudos
nas áreas de Demografia, Economia, História e
Sociologia. Quanto mais antigos, mais cheios
de descrições e detalhes acerca dos bens possuídos,
dos costumes e das condições de vida das
famílias as quais dizem respeito, sendo possível
reconstruir toda uma época passada.
À luz que se irradia dessas laudas amarelecidas
pelos anos e rendadas pelas traças, vemo-las
surgirem vagarosamente do fundo indeciso
do passado e fixarem-se nas encostas vermelhas
da colina fundamental, as casas primitivas de
taipa de mão e de pilão. [...] É o sítio da roça,
que aparece [...]; as palhoças de agregados e
escravos; os algodoais pintalgados de branco; o
verde anêmico dos canaviais, em contraste com
o verde robusto e lustroso da mata convizinha
[...] (ALCÂNTARA MACHADO, 1943, p. 23)
Em linhas gerais, as primeiras informações
dos processos são os nomes do inventariado
e do inventariante, a data e o local
de abertura do processo. Em seguida, eram
informados os herdeiros e os bens pertencentes
ao espólio. Para garantir a veracidade das informações
prestadas e impedir que o inventariante
deixasse de apresentar propositalmente algum
bem, reservando este para si próprio, os demais
herdeiros tinham que se mostrar de acordo
com as informações prestadas e autorizar o
prosseguimento do processo. Eram, então,
descritos todos os bens possuídos pelo indivíduo
no momento de sua morte e os valores
que este, porventura, tivesse a receber ou para
pagar a terceiros. Caso todos os herdeiros concordassem
com as informações prestadas pelo
inventariante e com as avaliações, fazia-se o Auto
de Partilha, ou seja, o auto de divisão dos bens.
Apesar de ricos em informações, os inventários
post-mortem constituem uma fonte de dados
limitada, pois não contemplam toda a população.
Sua elaboração não era obrigatória, sendo abertos
apenas quando os que faleciam deixavam bens
suficientes e/ou herdeiros menores.8 Não obstante,
acredita-se que as informações coletadas
junto aos inventários das famílias selecionadas
permitem vislumbrar detalhes do cotidiano e da
dinâmica de vida dos habitantes de uma das mais
pujantes zonas produtoras de café na segunda
metade do século XIX.
No estudo ora desenvolvido foi selecionada
uma amostra de processos dentre o
conjunto de inventários post-mortem do período
1849-1900 localizados, na época da coleta de
dados, no Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto
e no Fórum de São Simão.9
6 Disponível em: . Acesso em: 13/12/2006.
7 Caso mantida a integridade territorial desfeita pelo desmembramento dos municípios de Sertãozinho e Cravinhos, respectivamente em 1896 e 1897.
8 Na amostra considerada, notou-se que o conceito de bens suficientes foi um tanto quanto variável. Normalmente, a existência de bens imóveis
era suficiente para a abertura dos autos, mas foram encontrados casos em que o patrimônio era formado, por exemplo, por apenas dois cavalos
ou por somente bens móveis. Nessas situações, a partilha formal não era feita, para que as custas judiciais não comprometessem ainda mais a
herança. Além da falta de obrigatoriedade, outras características dessa fonte documental merecem ser ressaltadas. A morte é um acontecimento
que alcança indivíduos em diferentes fases da vida. Distintos são os cabedais descritos e as situações em que são avaliados. No entanto, acredita-se
que essas particularidades não diminuem em nada o potencial desses documentos como fonte de dados para o estudo ora desenvolvido.
9 Considerou-se também alguns processos ribeirão-pretanos que estavam arquivados em São Simão, já que originalmente Ribeirão Preto pertencia a São
Simão. O desmembramento oficial, aprovado em 1871, somente ocorreria em 1874, com as primeiras eleições e o estabelecimento da Câmara Municipal.
Num primeiro momento, foram selecionados todos aqueles inventários que, mesmo tendo sido iniciados em São Simão deixavam claro em seu termo de
abertura que eram referentes a moradores da então freguesia ou vila de Ribeirão Preto. Num segundo momento, foram incorporados a essa amostra os
inventários abertos em São Simão que possuíam mais de 50% do valor dos bens imóveis listados em terras que viriam a se tornar a vila de Ribeirão Preto.
Vol. 4 - n. 1 - 1º semestre 2008 139
Luciana Suarez Lopes
Atualmente, devido a uma reestruturação
dos serviços de arquivo do sistema
judiciário, os processos arquivados foram
transferidos para Jundiaí, interior de São Paulo.
No entanto, os processos do Primeiro Ofício
de Ribeirão Preto continuaram na cidade,
sendo atualmente preservados pelo Arquivo
Público e Histórico de Ribeirão Preto. Já os
processos do Segundo Ofício de Ribeirão
Preto, do Primeiro e Segundo Ofícios de São
Simão encontram-se em Jundiaí.
Não obstante, informações dos processos
de inventário de outros períodos foram
utilizadas sempre que necessário para melhor
caracterizar a localidade e o momento escolhido
como objeto do presente estudo.
As Famílias Consideradas
Dentre o conjunto de inventários
encontrado em Ribeirão Preto e São Simão,
foram localizados oitenta que possuíam algum
grau de parentesco entre si.10 Dentre os
processos dessa amostra foram identificadas
vinte e duas famílias.
Para sete dessas famílias foi possível encontrar
inventários de mais de uma geração,
o que permitiu o acompanhamento das trajetórias
de acumulação de pais, filhos, netos
e até bisnetos. Essas famílias concentram um
total de quarenta e oito processos, datando
o mais antigo de 1849 e o mais recente de
1900, distribuídos da seguinte maneira: sete
do período 1849-1869, dezoito da década
de 1870, quinze do período 1882-1887 e
oito para o período 1890-1900.
Para as outras quinze famílias, foram
encontrados apenas dois inventários, geralmente
o inventário de um pai ou de uma mãe
e depois de um dos filhos ou do cônjuge de
um dos filhos. O mais antigo desses processos
data também de 1849 e o mais recente de
1900, distribuídos da seguinte maneira: um
de 1849, um de 1869, cinco para a década
de 1870, oito para o período escravista da
década de 1880 e dezessete para o período
1890-1900, totalizando trinta e dois processos.
Há duas exceções, duas das famílias com
menor número de processos contam com
três inventários, sendo uma delas composta
pelo inventário de um dos genitores e dois
filhos e outra pelos inventários de um indivíduo
e de duas das suas três esposas.
Dentre esses oitenta inventários, observa-
se a predominância do elemento masculino,
representando 55,0% dos inventariados.
Tanto entre homens como entre mulheres
havia maioria de casados, representando estes
86,4% dos homens e 69,4% das mulheres.
Os viúvos representavam
15,0% da amostra, sendo
essa porcentagem entre as
mulheres igual a 25,0%,
consideravelmente maior
do que a encontrada entre
os inventariados do
sexo masculino, 6,8%.
Os solteiros configuravam
minoria, havendo
apenas três casos entre os
homens e um entre as mulheres.11
Esses inventariados dedicavam-se basicamente
às atividades agropastoris, tais como
lavoura e criação de animais. Como pode ser
observado na Tabela 1, em setenta (87,5%)
dos oitenta casos considerados, a atividade
atribuída à família inventariada foi a lavoura,
acompanhada ou não da criação de animais. As
demais atividades identificadas foram: negócio
(dois casos) e negócio acompanhado de lavoura
e/ou criação (três casos). Em um processo
o inventariado vivia da renda dos imóveis que
possuía e em outros quatro não foi possível
identificar a ocupação do falecido.
10 Tal afirmação não significa que todos os oitenta inventários considerados no presente capítulo estivessem relacionados entre si, mas sim a existência de laços de
parentesco de um inventariado e alguns outros mais, podendo ser estes outros inventariados filhos, netos, bisnetos, sobrinhos ou outros tipos de aparentados.
11
Existe um inventário para o qual não foi possível determinar o estado conjugal do inventariado, sendo este do sexo feminino.
O mais antigo desses
processos data também
de 1849 e o mais
recente de 1900
140 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
Tabela 1. Atividade dos inventariados com grau
de parentesco (Ribeirão Preto, 1849-1900)
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios
de Ribeirão Preto e São Simão
Analisando a composição dos patrimônios12,
observa-se que esta não se afasta muito
dos padrões identificados para o conjunto de
processos: concentração dos recursos em bens
imóveis e/ou escravos. Dividindo os inventários
da amostra em dois períodos – de 1849
até 1888 e de 1889 até 1900 – observa-se,
conforme os Gráficos 1 e 2, que no período
1849-1888, os bens imóveis e os escravos
absorviam quase três quartos dos patrimônios,
sendo seguidos, em ordem de importância,
pelos animais e pelas dívidas ativas, responsáveis,
respectivamente por 11,4% e 10,5% dos
recursos. Menos representativos eram os bens
móveis e o dinheiro, respondendo os primeiros
por 5,0% e o segundo por 0,7% dos montes.
Com a abolição da escravatura e o
avanço do café na região, essa estrutura sofreu
algumas modificações, em especial no
montante alocado em imóveis, passando, esse
grupo, a responder por mais de quatro quintos
dos valores inventariados. Esse movimento
reflete também a valorização das terras e os
altos valores alcançados pelos bens diretamente
envolvidos na atividade cafeeira, tais como
tulhas, terreiros, máquinas de beneficiar,
mudas e cafezais. Por essa razão, a participação
relativa dos demais grupos de bens diminuiu,
passando estes a representarem menos de um
quinto dos patrimônios, porcentagem que no
período anterior era igual a 50,3%.
Gráfico 2. Composição dos Patrimônios da
Amostra de Inventários com Grau de Parentesco
(Ribeirão Preto, 1889-1900)
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios
de Ribeirão Preto e São Simão.
12 O monte mor refere-se ao conjunto dos bens e ativos do inventariado, inclusive os dotes distribuídos por ele ainda em vida, sem descontos ou
deduções. Seria o equivalente à riqueza bruta. Já o monte menor é o total alcançado pelo monte mor menos as dívidas passivas, ou seja, após
descontados os valores devidos pelo inventariado aos credores. O monte menor pode ser considerado a riqueza líquida. Nesse ponto termina o
balanço dos bens que compunham o patrimônio e das dívidas que ele comprometiam. No entanto, antes da partilha eram descontadas também
as custas do processo, custas estas que não foram consideradas como parte das dívidas passivas, pois eram gastos que cada herdeiro tinha com a
apuração e recebimento de suas legítimas, e não dívidas deixadas pelo inventariado.
Dinheiro
0,7%
Ativo
10,5%
Móveis
5,0%
Semoventes
11,4%
Escravos
22,6%
Imóveis
49,7%
Dinheiro
4,8% Ativo
7,6%
Móveis
2,9%
Semoventes
3,1%
Dotes
0,3%
Imóveis
81,2%
Atividade Homens Mulheres Total
Lavoura e/ ou
criação
39 31 70
Negócio 1 1 2
Negócio, lavoura
e/ou criação
2 1 3
Vivia de rendas 1 – 1
Não identificada 1 3 4
Total 44 36 80
Gráfico 1. Composição dos Patrimônios da
Amostra de Inventários com Grau de Parentesco
(Ribeirão Preto, 1849-1888)
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios
de Ribeirão Preto e São Simão.
Vol. 4 - n. 1 - 1º semestre 2008 141
Luciana Suarez Lopes
O nível de comprometimento
desses patrimônios, na forma de dívida
passiva, se mostra variável. Em alguns
casos, o valor a ser recebido pelos credores
comprometia quase a totalidade dos
montes, em alguns casos ultrapassandoos.
Em outros, o passivo limitava-se às
despesas com o funeral ou aos gastos
com medicamentos e médicos durante
enfermidade final do inventariado.
No período 1849-1888, o passivo
comprometia, em média, 22,7% dos montes.
No entanto, o desvio-padrão calculado
em 72,1 mostra que havia uma disparidade
significativa de valores. De fato, em um dos
inventários o passivo era equivalente a cinco
vezes o valor alcançado pelo monte mor.
Trata-se do inventário de Antonio Pereira
Barreto Pedroso Sobrinho, filho de Francisca
de Salles Barreto. Na época de seu falecimento,
Antonio estava casado com Francisca
Pereira Barreto e possuía três filhos: Antonio
de Salles Barreto, Arthur Barreto e Jefferson
Barreto. O processo arrola poucos bens, apenas
uma harpa e cinco cativos, alcançando
o monte mor o valor de Rs3:500$000, ou
£301,70. No entanto, as dívidas passivas
chegaram a Rs18:235$740, o equivalente
a £1.571,91. Eram apenas três os credores
do espólio: Teixeira Leite & Cia, do Rio de
Janeiro; Rodrigo Pereira Leite, residente
em Bananal; e Manoel Teixeira, residente
em Resende.13 Excluindo-se o inventário
de Antonio dos cálculos, observa-se que
a média de comprometimento do monte
mor no período 1849-1888 cai para 13,2%,
ficando o desvio-padrão em 20,9. A porcentagem
de comprometimento do monte
mor calculada para o período 1889-1900
se mostra semelhante, comprometendo o
passivo, em média, 12,0% do patrimônio,
com desvio-padrão calculado em 15,5.
Considerando, agora, a posse cativa,
nota-se que a porcentagem de proprietários
de cativos entre esses processos
se mostra elevada. Quase dois terços dos
inventariados possuíam algum cativo.14 Se
somados, esses plantéis concentravam 487
escravos, mais da metade dos 819 cativos
encontrados no conjunto de 406 inventários
existentes para Ribeirão
Preto no período
1849-1900.
Cont inuando as
análises, esses inventariados
foram divididos
sete faixas de tamanho
de patrimônio e os valores
encontrados foram
transformados em libras
esterlinas.15 Chegou-se
assim à divisão exibida pela Tabela 2.
Dessa forma, a soma dos montes mores
dos inventariados da amostra de famílias,
cujos inventários datam do período 1849-
1888, equivale a £183.499,94 libras esterli-
13 Em 1882, no inventário de Francisca de Salles Barreto, há a informação de que Antonio Pereira Barreto Pedroso Sobrinho residia em
Resende. A legítima recebida por ele alcançou o valor de Rs5:759$810, ou ₤508,01, valor superior ao alcançado pelo monte mor de Antonio.
O inventário de Antonio não foi concluído. Provavelmente, o processo iniciado em Ribeirão Preto visava apenas arrolar os bens de Antonio na
localidade, e não a totalidade de seu patrimônio, que possivelmente estaria em Resende. Infelizmente, o processo não contém informação a esse
respeito.
14 Além destes, havia também um inventariado, José Antonio de Mello, que no momento da avaliação dos bens possuía um cativo, Luis, crioulo de
trinta e cinco anos, que veio a falecer antes do final do inventário de seu senhor.
15 Utilizamos os valores apresentados pelo IBGE na série Valores em moeda nacional e em libras das exportações e importações, saldo comercial
e taxa de câmbio implícita (1821-1900), IBGE, 1990, p. 568-571, indicada por NOZOE et alii, 2004. Ademais, considerou-se como
riqueza o total dos bens possuídos pela família do inventariado, inclusive os gêneros da lavoura. Na historiografia, ora observa-se a inclusão ora
a exclusão de tais bens – gêneros – do cômputo da riqueza. Canabrava, em 1972, não os considera, por entender que significam rendimentos.
(CANABRAVA, 2005, p. 179) Oliveira utiliza o conceito desenvolvido por Canabrava e, portanto, também os exclui. (OLIVEIRA, 1997, p.
72 e 2003, p. 155) Já Zélia Maria Cardoso de Mello, Renato Leite Marcondes e Leonel de Oliveira Soares incluem esses valores nas análises
desenvolvidas. (MELLO, 1990, p. 80; MARCONDES, 1998, p. 200, nota 1 e SOARES, 2003, p. 111)
A porcentagem de
proprietários de cativos
entre esses processos se
mostra elevada
142 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
nas, 56,1% do valor total alcançado pelos patrimônios
inventariados no mesmo período,
independente da existência de algum grau de
parentesco entre os falecidos.16 Esse elevado
percentual, aliado àquele calculado para a
propriedade cativa, revela a importância, em
termos de valores inventariados, dos processos
do período 1849-1888 ora analisados.17
Ainda segundo os dados apresentados
pela Tabela 2, pode-se observar que a maior
parte dos processos concentrava-se na primeira
faixa de riqueza. Porém, ainda que
fossem quase maioria, esses inventariados
concentravam uma pequena parcela de valores,
3,3%. No extremo oposto, encontramse
os indivíduos com riqueza de cinco mil
libras ou mais, representando estes 16,4%
dos inventariados, concentrando a relevante
porcentagem de 72,2% do patrimônio.
Analisando agora os inventariados
do período 1889-1900, conforme dados
apresentados na Tabela 3, observa-se que
os vinte e cinco inventariados selecionados
concentravam montes mores que totalizavam
£139.280,96, quase um quinto do monte mor
total do período, calculado em £773.948,70. A
representatividade do monte mor da amostra
do período 1889-1900 se mostra significativamente
menor do que a da amostra de
processos do período 1849-1888. Esse fato
ocorre principalmente pelo passar dos anos
e das gerações, o que dificulta a identificação
dos laços familiares, quer por consangüinidade
quer por uniões legais. Essa maior dificuldade
em identificar os processos com algum grau de
parentesco faz reduzir o número de processos
selecionados e, conseqüentemente, a representatividade
do monte mor da amostra frente
à do conjunto de processos, o que de forma
alguma compromete a análise das trajetórias
de acumulação nesses inventários.
O enriquecimento promovido pelo café
pode ser constatado observando-se a porcentagem
de inventariados cujos patrimônios
correspondiam à primeira faixa de riqueza
considerada. Aproximadamente um quinto dos
inventariados possuía montes de até quinhentas
libras, concentrando valores, que somados, representavam
1,0% do total, com montes mores
médios calculados em £286,64. No período
Tabela 2. Distribuição do patrimônio dos inventários com grau de parentesco de acordo com
as diferentes faixas de tamanho do monte mor (Ribeirão Preto, 1849-1888)
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
Tamanho do monte maior
Valores absolutos Valores relativos Média de
Monte
Mor
Número de
inventários
Soma dos
montes
Porcentagem
dos inventários
Porcentagem
dos montes
Menos de 500 libras 26 6.010,05 47,3 3,3 231,16
Entre 500 e 999 libras 5 3.048,23 9,1 1,7 609,65
Entre 1000 e 1999 libras 5 7.353,43 9,1 4,0 1.470,69
Entre 2000 e 2999 libras 4 10.941,09 7,3 6,0 2.735,27
Entre 3000 e 3999 libras 4 14.725,83 7,3 8,0 3.681,46
Entre 4000 e 4999 libras 2 8.874,49 3,6 4,8 4.437,24
Acima de 5000 libras 9 132.546,83 16,4 72,2 14.727,43
Total 55 183.499,94 100,0 100,0 3.336,36
16 Ao todo, foram localizados 217 inventários para o período em questão.
17 Consideramos como riqueza a riqueza bruta, ou seja, a soma de todos os bens possuídos pelo inventariado no momento de sua morte, sem
descontar as dívidas passivas que porventura ele possuísse.
Vol. 4 - n. 1 - 1º semestre 2008 143
Luciana Suarez Lopes
anterior, a porcentagem de inventariados nessa
faixa foi calculada em quase 50,0%.
Mais significativa alteração sofreram
as porcentagens calculadas para a última e
mais elevada faixa de riqueza. Ainda que a
alteração na porcentagem da riqueza, considerando
apenas a última faixa, não tenha
sido muito expressiva, o número percentual
de inventariados mais ricos mais que dobrou.
Anteriormente, eram 16,7% de inventariados
concentrando 72,4% da riqueza. Agora
as porcentagens são 40,0% de inventariados
e 84,9% da riqueza. É claro que não se pode
deixar de considerar que o número menor de
processos do período 1889-1900 tenha viesado
o cálculo dos indicadores considerados,
o que não diminui, no entanto, a relevância
desses resultados, já que o objetivo é estudar
as trajetórias de acumulação familiar.
A análise da amostra de inventários com
laços familiares também pode ser feita classificando-
se os processos conforme a geração
a qual pertencia o inventariado. Considera-se
como de primeira geração os processos dos
patriarcas das famílias analisadas, como de
segunda o de seus filhos, de terceira o de seus
netos e assim por diante. Por exemplo, os inventários
do casal Manoel Bezerra dos Reis e
Alexandrina Bezerra dos Reis. Manoel faleceu
em 1871, deixando a viúva Alexandrina e
um filho. Alexandrina faleceu na condição de
viúva em 1888, deixando o filho como único
herdeiro. Ambos os processos foram classificados
como sendo da primeira geração. Agora,
se tivesse falecido o filho deixado pelo casal e
esse processo estivesse dentro da amostra ora
considerada, ele teria sido classificado como
sendo de segunda geração, sendo seus filhos
de terceira e seus netos de quarta geração.
Dessa maneira, foram localizados trinta e três
processos de primeira geração, trinta e seis
de segunda, dez de terceira e um de quarta
geração. Dentro de cada geração os processos
foram divididos em dois grupos: os do período
1849-1888 e os do período 1889-1900.
Em linhas gerais, a composição do
patrimônio não sofre alterações significativas
entre as gerações, como mostram os Gráficos
3 e 4. No primeiro período, fica evidente a
concentração de recursos em escravos e/ou
imóveis em qualquer uma das gerações consideradas.
No entanto, a composição patrimonial
dos inventariados de segunda geração
mostra uma leve diminuição na porcentagem
alocada em imóveis, talvez fruto da divisão
prévia dos bens da primeira geração. No
Tabela 3. Distribuição do patrimônio dos inventários com grau de parentesco de acordo com
as diferentes faixas de tamanho do monte mor (Ribeirão Preto, 1889-1900)
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
Faixas de riqueza
Valores absolutos Valores relativos Média de
Monte
Mor
Número de
inventários
Soma dos
montes
Porcentagem
dos inventários
Porcentagem
dos montes
Menos de 500 libras 5 1.433,20 20,0 1,0 286,64
Entre 500 e 999 libras 3 2.482,90 12,0 1,8 827,63
Entre 1000 e 1999 libras 3 4.802,08 12,0 3,4 1.600,69
Entre 2000 e 2999 libras 1 2.054,24 4,0 1,5 2.054,24
Entre 3000 e 3999 libras 3 10.257,11 12,0 7,4 3.416,04
Entre 4000 e 4999 libras - - - - -
Acima de 5000 libras 10 118.251,43 40,0 84,9 11.825,14
Total 25 139.280,96 100,0 100,0 5.571,24
144 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
segundo período, fica igualmente evidente
a concentração de recursos em bens imóveis.
Essa tendência pode ter sido reforçada pelo
movimento já identificado anteriormente de
polarização de recursos em bens imóveis em
decorrência da atividade cafeeira. Ademais,
outros dois fatores podem ter igualmente
contribuído para esse movimento: a atividade
exercida pelo inventariado durante
sua vida e a idade em que ele veio a falecer.
Em boa medida as oportunidades de enriquecimento
de um indivíduo dependiam
das atividades produtivas desenvolvidas por
ele e, quanto mais avançada fosse idade de
Gráfico 3. Composição dos Patrimônios dos Inventariados Consoante Geração (Ribeirão Preto,
1849-1888)
Gráfico 4. Composição dos Patrimônios dos Inventariados Consoante Geração (Ribeirão Preto,
1889-1900)
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
Obs.: Na primeira geração, a porcentagem de Dotes é igual a 0,7%. Não há Dotes nas demais gerações.
Tabela 4. Composição dos patrimônios consoante geração do inventariado (Ribeirão Preto,
1849-1888)
Gerações Móveis Semoventes Escravos Imóveis Dinheiro Dívida Ativa Dotes Total
Primeira Geração 1,3 5,5 21,2 53,4 1,7 17,0 0,0 100,0
Segunda Geração 4,3 7,0 27,4 48,6 1,3 11,4 0,0 100,0
Terceira Geração 1,7 4,3 20,6 72,4 0,0 0,9 0,0 100,0
Quarta Geração(a) 22,5 0,0 0,0 69,5 0,0 8,0 0,0 100,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) A Quarta Geração contém apenas um inventário, o Jeronimo Dias do Patrocínio, falecido em 1875.
Primeira Geração Segunda Geração Terceira Geração Quarta Geração
Dívida Ativa
Dinheiro
Imóveis
Escravos
Semoventes
Móveis
Primeira Geração Segunda Geração Terceira Geração
Dotes
Dívida Ativa
Dinheiro
Imóveis
Semoventes
Móveis
Vol. 4 - n. 1 - 1º semestre 2008 145
Luciana Suarez Lopes
seu falecimento, mais tempo o ele teria tido
para acumular essa riqueza.
Ao que tudo indica, nessa região e
período, a atividade econômica que mais
proporcionava chances de acumular patrimônio
era a cultura cafeeira. Não é à toa
que todos os indivíduos da terceira geração
do segundo período – 1889-1900 – eram
cafeicultores e a porcentagem do patrimônio
alocada por eles em imóveis excede as
porcentagens calculadas para tanto para a
primeira como para a segunda geração do
mesmo período. As porcentagens de participação
em cada grupo de ativos, utilizadas
como fonte de dados para a confecção dos
Gráficos 3 e 4, foram reproduzidas nas Tabelas
4 e 5.
A composição média do patrimônio em
determinados momentos se viu influenciada
por inventariados que se destacaram dentro da
amostra. Em alguns casos, essa influência não
chegou a distorcer, ou modificar substancialmente,
a composição média dos patrimônios,
mas um, em especial, alterou todo o perfil de
sua geração.
Esse é o caso do inventário de Anna Gabriela
Nogueira, inventariada pertencente à terceira
geração do período 1849-1888. Quando
faleceu, em 1878, Anna Gabriela estava casada
com Gabriel Alfredo Diniz Junqueira e possuía
duas filhas: Rita e Maria. Graças à herança paterna
de Gabriel, o casal possuía diversas partes
de terra, entre elas uma na fazenda Cascavel, em
Ribeirão Preto, no valor de dez contos de réis.
O valor dessa fazenda era responsável por quase
um terço dos bens do casal. Considerando o
inventário de Anna, a porcentagem de recursos
da terceira geração do período 1849-1888
alocada em imóveis foi calculada em 72,4%.
Desconsiderando os bens de Anna, essa mesma
porcentagem cai para 49,3%. Mais relevante
que a queda na participação dos bens imóveis
Tabela 5. Composição dos patrimônios consoante geração do inventariado (Ribeirão Preto,
1889-1900)
Gerações Móveis Semoventes Imóveis Dinheiro Dívida Ativa Dotes Total
Primeira Geração 4,9 1,3 79,6 5,6 7,9 0,7 100,0
Segunda Geração 0,9 2,6 72,1 7,0 17,3 0,0 100,0
Terceira Geração 1,5 4,2 87,2 0,6 6,6 0,0 100,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
Tabela 6. Composição dos patrimônios de terceira geração considerando-se ou não o inventário
de Anna Gabriela Nogueira (Ribeirão Preto, 1849-1888)
Grupos de Ativos Considerando o inventário de
Anna (em porcentagem)
Desconsiderando o inventário de
Anna (em porcentagem)
Móveis 1,7 8,8
Semoventes ou Animais 4,3 34,5
Cativos 20,6 0,0
Imóveis 72,4 49,3
Dívidas Ativas 0,9 7,3
Dotes 0,0 0,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
146 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
promovida pela exclusão do inventário de Anna
são as modificações sofridas pela participação
dos cativos e dos animais.
Considerando os cativos de Anna, a
participação dos escravos na composição
da riqueza da terceira geração do período
1849-1888 foi calculada em 20,6%. Agora,
excluindo-se os cativos de Anna essa mesma
porcentagem cai a zero. Com os semoventes
ocorre o oposto. Desconsiderando os animais
de Anna, a porcentagem alocada nesse grupo
sobe de 4,3% para 34,5%. As demais alterações
podem ser observadas na Tabela 6.
O fato de que apenas Anna possuísse
cativos e a exclusão de seu processo do cálculo
da composição média dos patrimônios fez
com que a distribuição, conforme a geração,
anteriormente vigente fosse modificada. Os
bens imóveis continuaram
respondendo por boa parte
dos recursos, mas os animais,
que anteriormente
não chegavam aos cinco
por cento de participação,
passam a responder por
34,5% do patrimônio.
Em linhas gerais, são
essas as características da
amostra selecionada. O
perfil dos inventários com laços familiares
não se afasta muito, como era de se esperar,
daquele encontrado para o total de inventários
do período. Deste ponto em diante, buscando
identificar a existência de alguns padrões de
acumulação na sociedade analisada, analisarse-
á a trajetória de algumas das famílias selecionadas,
privilegiando-se o grupo das famílias
com menor número de inventários. Cada
família considerada tem suas particularidades,
por isso, algumas análises serão mais extensas
e outras mais concisas. Todas as informações
obtidas serão utilizadas para traçar perfis de
acumulação na sociedade estudada, perfis
estes que, dada a importância da localidade
escolhida na época enfocada, devem espelhar,
em boa medida, os padrões de acumulação da
economia cafeeira no nordeste paulista das
décadas finais do Oitocentos.
Análise das Trajetórias de
Acumulação de Riqueza ou de
Empobrecimento nas Famílias Com
Menor Número de Inventários
Dentre os processos analisados anteriormente,
trinta e dois fazem parte de um grupo
de quinze famílias que possuem, via de regra,
o inventário de um pai ou uma mãe e depois
de um dos filhos ou cônjuge de um dos filhos.
Para duas dessas famílias foram localizados três
processos, sendo a primeira dessas famílias
composta pelo inventário de um dos genitores,
de uma filha e de um genro e a segunda
pelos inventários de um indivíduo e de duas
das três esposas que ele possuiu.
A análise será desenvolvida observando
um ponto em especial: se houve ou não enriquecimento
entre o inventário da primeira
geração e o da segunda, ou entre o inventário
mais antigo e o mais recente, quando
os envolvidos pertenciam à mesma geração.
Para determinar se houve ou não enriquecimento,
três critérios serão utilizados, sendo
dois quantitativos e um qualitativo: a análise
do valor alcançado pelo monte menor, a
análise da legítima recebida previamente e
a verificação da quantidade e qualidade dos
bens inventariados.18
18 Monte menor é o patrimônio inventariado subtraídas as dívidas passivas. A legítima era o valor recebido por cada filho na partilha
dos bens de seus pais e a meação era a parcela dos bens que ficava com o cônjuge remanescente, no caso de inventariados que faleciam deixando
viúvos. Havia dois procedimentos para a determinação do valor das legítimas e da meação: um no caso de inventariados que faleceram quando
casados e outra quando faleciam na condição de viúvos ou solteiros. Quando o inventariado era casado, a meação era a metade do monte partível
(monte mor menos as dívidas passivas, custas e impostos), sendo o restante dividido entre o número de herdeiros, gerando as legítimas. Quando o
inventariado era viúvo ou solteiro não havia meação, sendo o monte partível dividido entre os herdeiros.
Para determinar se houve
ou não enriquecimento, três
critérios serão utilizados,
sendo dois quantitativos e
um qualitativo
Vol. 4 - n. 1 - 1º semestre 2008 147
Luciana Suarez Lopes
A análise dos inventários mostrou que
as trajetórias das famílias com menor número
de inventários podem ser resumidas
nas seguintes situações:
• A segunda geração, ou o segundo inventário,
conseguindo ampliar o valor
da legítima recebida, ultrapassando
também o valor do monte menor alcançado
por seus pais (seis casos)
• A segunda geração, ou segundo inventário,
conseguindo ampliar o valor da legítima
recebida, mas sem ampliar o valor do
monte menor da primeira (quatro casos)
• A segunda geração, ou segundo inventário,
não conseguindo ampliar o valor
da legítima recebida e nem o do monte
menor alcançado pela primeira geração
(um caso)
• A segunda geração, ou segundo inventário,
conseguindo manter o monte
menor da geração anterior e ampliando
a legítima (dois casos)
O caso de duas famílias foi considerado
especial, não sendo possível enquadrá-las nas
situações descritas acima. Essas famílias serão
analisadas separadamente.
Nas etapas iniciais da análise, já foi
possível identificar um ponto em comum
nas famílias que enriqueceram, ou seja,
nas quais a segunda geração, ou segundo
inventário, conseguiu superar o patrimônio
acumulado pela primeira, alcançando
também um maior valor de monte menor:
todos estavam envolvidos com a produção
cafeeira. Dentre as quinze famílias consideradas,
os casos desse tipo são seis, como
mostra a Tabela 7.
A composição do patrimônio desses
inventariados se mostra semelhante à dos
cafeicultores encontrados na localidade, com
elevada concentração de recursos nos bens
imóveis, cerca de 82,6% dos patrimônios.
Em alguns casos, os imóveis respondiam
por mais de 99,0% dos recursos, sendo sua
menor participação igual a 42,2%.
Os elevados valores alcançados pelos
bens relacionados à produção cafeeira faziam
diminuir ainda mais a participação relativa
Tabela 7. Relação das Atividades Características e Produtos da Lavoura e/ ou Criação Encontrados
nod Inventários das Famílias com Ampliação do Monte Menor e da Legítima ou Meação
Recebida no Primeiro Inventário (Ribeirão Preto, 1875-1900)
Primeiro Inventário Atividade Produtos Segundo Inventário Atividade Produtos
Matheus dos Reis
Araújo
Lavoura - Maria Carolina dos
Reis
Lavoura e
criação
Café e suínos
Eufrozino Alves
Pereira
Lavoura Café Maria Victoria da
Silva
Lavoura Café
Maria Custodia
de Alvarenga Mello
Lavoura Café e
frutas
Joaquim de Souza
Mello
Lavoura e
criação
Café, bovinos,
suínos, secos e
molhados
Manoel Antonio
da Silva
Lavoura - Antonio Alves da
Silva Roza
Negócio, lavoura
e criação
Café e suínos
Ignacio Bruno
da Costa
Lavoura e
criação
Café e
bovinos
Joaquim Ignacio da
Costa
Lavoura e
criação
Café e suínos
Arlindo José
Nogueira
Lavoura Café Ubaldina Claudina
de São José
Lavoura Café
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
148 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
dos demais grupos de bens. Os bens móveis
atingiram uma participação média de apenas
1,2% do total dos montes, os animais 2,7%,
o dinheiro 1,8%, as dívidas ativas 10,9% e
os dotes 0,8%.
A média de monte mor dos inventariados
dessas seis famílias foi calculada
em £3.223,55 libras esterlinas, com um
comprometimento médio de 19,0% desse
valor na forma de dívidas passivas. O valor
médio alcançado pelas dívidas passivas foi de
£1.034,36 e o valor médio do monte menor
ficou em £3.164,89.
Em alguns casos o valor de monte mor
dos segundos inventários supera, em muitas
vezes, o valor alcançado pelo primeiro inventariado,
como pode ser observado na Tabela
8. Como exemplo, há o caso de Manoel Antonio
da Silva e Antonio Alves da Silva Roza.
Quando faleceu, em 1877, Manoel Antonio
era um modesto lavrador. Possuía algumas
partes de terra na fazenda do Sertãozinho,
uma casa na capela de Nossa Senhora Aparecida
– futura vila de Sertãozinho – e outra
na capela das Pitangueiras, além de alguns
animais para o trabalho na lavoura, para o
sustento da família e outros bens móveis
diversos. Seu patrimônio alcançou os Rs
1:528$000 ou £156,99. No entanto, as
dívidas que havia contraído ainda em vida
comprometeram 61,3% dos bens, restando
apenas £60,81 para serem divididos entre a
viúva e os filhos. Após o desconto das custas
do processo, a viúva ficou com £22,70 e cada
um dos filhos recebeu £4,54.
Dez anos mais tarde, faleceu o filho de
Manoel Antonio, Antonio Alves da Silva Roza,
deixando a esposa, Luiza Pinto de São José
e dois filhos, Joaquim Antonio e Jerônimo,
já casados. Antonio possuía uma casa de
comércio, criava animais e era também cafeicultor.
Sua criação era formada por quarenta
e seis cabeças de bovinos e noventa porcos,
além de oito eqüinos. O estoque da casa de
comércio era considerável, sendo composto
por fazendas, secos e molhados, avaliados em
Rs7:205$734, ou £673,68, cuja maior parte
foi vendida antes do término do processo,
aparecendo como dinheiro no momento da
partilha. Seu cafezal não era grande, formado
por 4.263 pés de café já produzindo e
produzindo e outros sete mil ainda novos. O
Tabela 8. Relação das Famílias com Ampliação do Monte Menor e da Legítima ou Meação
Recebida no Primeiro Inventário (Ribeirão Preto, 1875-1900) (valores em libras esterlinas)
Primeiro Inventário Ano Monte
Menor
Segundo Inventário Ano Herança
Recebida
Monte
Menor
Grau de
Parentesco
Matheus dos Reis
Araújo
1875 338,18 Maria Carolina dos
Reis
1893 22,92 738,08 Pai e filha
Eufrozino Alves
Pereira
1892 1.840,32 Maria Victoria da
Silva
1898 101,30 2.343,72 Pai e filha
Maria Custodia
de Alvarenga Mello
1895 4.828,05 Joaquim de Souza
Mello
1900 2.394,45 5.239,13 Esposa e
esposo
Manoel Antonio
da Silva
1877 60,81 Antonio Alves da
Silva Roza
1887 4,54 2.403,22 Pai e filho
Ignacio Bruno
da Costa
1890 3.005,47 Joaquim Ignacio da
Costa
1892 98,77 8.285,53 Pai e filho
Arlindo José
Nogueira
1893 2.054,24 Ubaldina Claudina
de São José
1897 203,22 2.976,19 Pai e filha
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
Vol. 4 - n. 1 - 1º semestre 2008 149
Luciana Suarez Lopes
monte menor de Antonio alcançou o valor
de £2.403,22, superando em muito o valor
do monte menor no inventário de seu pai e
mais ainda o recebido por ele como legítima
naquela ocasião. Após descontadas as custas,
a viúva ficou com £1.140,84 e cada um dos
filhos com £380,28.
Outra situação encontrada nas famílias
com menor número de processos foi aquela
em que, do primeiro para o segundo inventário,
não há aumento de valor do monte
menor mas há uma ampliação significativa
de valor da legítima ou meação recebida
no primeiro processo considerado. Como
mostra a Tabela 9, são quatro as famílias nesta
situação, todas desempenhando atividades de
lavoura e/ou criação. Observando as Tabelas
9 e 10, os graus de parentesco dos inventariados
não eram variados, limitando-se a pais
e filhos e uma sogra com genro. Os valores
de monte menor e de legítima ou meação
previamente recebidas são variados, mostrando
que o comportamento ou dinâmica
de acumulação identificada não é específica
de um grupo social determinado.
Em um dos casos, o inventariado de
segunda geração não conseguiu superar o
monte menor alcançado pela primeira geração
sendo a renda obtida durante a vida
suficiente apenas para ampliação da legíti-
Tabela 9. Relação das Atividades Características e Produtos da Lavoura e/ ou Criação Encontrados
nos Inventários das Famílias com Ampliação da Legítima ou Meação Recebida no Primeiro
Inventário mas que não Superaram o Monte Menor (Ribeirão Preto, 1875-1900)
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
Primeiro Inventário Atividade Produtos Segundo Inventário Atividade Produtos
Theodolindo Joaquim
de Almeida
Lavoura e
criação
Café e
bovinos
Maria Eugênia
de Faria
Lavoura e
criação
Café e bovinos
Maria Luiza de
São José
Lavoura - Inocencio Parreira Lavoura -
Maria Antonia de
Souza
Lavoura - João Evangelista
de Oliveira
Lavoura e -
Anna Antonia Leal Lavoura - Joaquim José
Camito
Lavoura Café, cana e
milho
Tabela 10. Relação das Famílias com Ampliação Legítima ou Meação Recebida no Primeiro Inventário
mas que não Superaram o Monte Menor (Ribeirão Preto, 1875-1900) (valores em libras esterlinas)
Primeiro Inventário Ano Monte
Menor
Segundo Inventário Ano Herança
Recebida
Monte
Menor
Grau de
Parentesco
Theodolindo Joaquim
de Almeida
1894 29.941,30 Maria Eugênia
de Faria
1896 2.138,66 11.931,88 Pai e filha
Maria Luiza de
São José
1894 529,62 Inocencio Parreira 1900 32,45 185,27 Mãe e
filho
Maria Antonia
de Souza
1875 161,05 João Evangelista
de Oliveira
1882 8,48 48,51 Mãe e
filho
Anna Antonia Leal 1884 410,91 Joaquim José
Camito
1891 51,35 208,28 Sogra e
genro
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
150 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
ma previamente recebida. Esse é o caso de
Maria Antonia de Souza e de seu filho João
Evangelista de Oliveira. No momento de seu
falecimento, Maria Antonia era casada com
Manoel Rodrigues de Freitas e possuía oito
filhos. A família vivia da lavoura e pequena
criação de animais em terras da fazenda do
Sertãozinho, adquiridas por herança do pai
de Maria Antonia. No momento da partilha,
essas terras, avaliadas em £ 129,84, e
os demais bens foram divididos entre os
herdeiros, ficando uma pequena parte delas
com João Evangelista. Anos mais tarde, João
morre, deixando mulher e dois filhos. Entre
seus bens existem trinta e três alqueires de
terra e uma casa coberta de palha na fazenda
do Bananal, uma égua e quatro vacas com
cria. As atividades agrícolas desempenhadas
pelo inventariado eram
suficientes para garantir
o sustento de sua família
e a ampliação da pequena
legítima recebida no momento
da morte de sua
mãe, mas não permitiu
que seu patrimônio superasse
o de seus genitores.
Em outro caso, a
atividade desempenhada
pela segunda geração permitiu a ampliação
da legítima recebida e seguramente
permitiria a superação do valor de monte
menor alcançado pela primeira, mas a morte
prematura dos envolvidos fez com que esse
processo fosse interrompido.
Por exemplo, nos inventários de Theodolindo
Joaquim de Almeida e sua filha, Maria
Eugênia de Faria. Esses dois inventariados,
pai e filha, possuem os maiores patrimônios
desse grupo de inventariados. Theodolindo,
falecido em Ribeirão Preto no ano de 1894,
era casado em segundas núpcias com Emília
de Paula Almeida. Com a primeira esposa,
o inventariado havia tido apenas uma filha,
Maria, sendo os demais seis filhos fruto de
seu casamento com Emília. Theodolindo era
um próspero cafeicultor, possuindo mais de
duzentos mil pés de café, sendo 132 mil já
formados e produzindo, além de animais
para o trabalho na lavoura e o sustento da
fazenda. Possuía também várias partes de
terra na fazenda da Figueira, quarenta e nove
casas de colonos, terreiro ladrilhado, tulha e
máquina de beneficiar café. Seu monte menor
alcançou o valor de £29.941,30, ficando
cada herdeiro com £2.138,66.
Dois anos depois, em 1996, morre a
filha Maria, deixando o viúvo, José Joaquim
de Faria e três filhos. O marido de Maria
também era cafeicultor, possuindo diversas
partes de terra e cafezais em Cravinhos,
onde viviam, e em Descalvado. Seus cafezais
eram compostos por mais de 130 mil pés,
dos quais cinqüenta mil em Cravinhos e o
restante em Descalvado. Os cafezais localizados
nesta última cidade eram mais antigos,
havendo entre eles 27.100 já velhos. Muitos
dos pés de café que possuíam em Cravinhos
estavam ainda em processo de formação,
sendo treze mil já formados e produzindo.
Além das terras e dos cafezais, o inventário
arrolava dezenove casas para colonos, duas
olarias, casas de morada e uma tulha. Os bens
possuídos por esse casal não foram herdados
por Maria no inventário de seu pai, sendo
fruto, portanto, do trabalho de seu marido e
da atividade deste como cafeicultor. O monte
menor do inventário de Maria alcançou o valor
de £11.931,88, pouco mais de um terço
do monte menor de seu pai no momento
de sua morte.
Apesar do patrimônio de Maria não
ter alcançado o patrimônio acumulado por
seu pai, as duas famílias tinham um padrão
de vida muito acima da média ribeirãopretana
da época, padrão atingido graças ao
café, principal atividade dos envolvidos. É
evidente que não se trata de duas situações
semelhantes, pois a morte chegou para a
Maria bem mais cedo que para seu pai, o
Theodolindo era um próspero
cafeicultor, possuindo mais
de duzentos mil pés de café,
sendo 132 mil já formados
e produzindo
Vol. 4 - n. 1 - 1º semestre 2008 151
Luciana Suarez Lopes
que seguramente afetou a acumulação de
patrimônio em sua família.
A terceira situação identificada nas
famílias consideradas foi aquela em que nem
o valor da legítima recebida previamente
nem o valor do monte menor alcançado pela
primeira geração foi superado, casos dos inventários
de Ananias José dos Reis e sua filha
e genro Manoel Antonio da Cunha e Francisca
Joanna Nepomuceno. Em 1881, faleceu
Ananias, na condição de viúvo, deixando os
filhos como herdeiros. Seu monte menor
alcançou o valor de £3.753,91, recebendo
cada um dos filhos o valor de £824,07.
Três anos mais tarde, foi aberto o inventário
de seu genro e de sua filha. Praticamente
todos os bens arrolados eram oriundos da
herança recebida por Francisca Joanna no
inventário de seu pai. No entanto, alguns
bens não alcançaram os mesmos valores de
três anos antes, atingindo valores significativamente
menores. Essa desvalorização se
deu principalmente nos escravos possuídos
pelo casal. No momento do inventário de
Ananias, Francisca Joanna e Manoel receberam
44,9% da legítima de Francisca na
forma de cativos, que alcançaram o valor de
Rs4:200$000 ou £383,04. No momento
do inventário do casal, esses mesmos cativos
alcançaram o valor de £ 163,78. Um outro
fator que contribuiu para o reduzido valor
de monte menor foi o montante de dívidas
passivas que os inventariados possuíam. Eram
dívidas diversas, a maior parte com parentes,
avaliadas em Rs4:251$501, comprometendo
65,2% do monte mor. O monte menor ficou
em £195,51, valor que não chegou ao da
legítima recebida previamente.
Em duas famílias, foi mantido o valor
alcançado pelo monte menor do inventário
anterior, sendo ampliado o valor da legítima
ou meação recebida. O primeiro desses casos
é o de Alexandrina Bezerra dos Reis. É possível
observar o patrimônio de Alexandrina
em dois momentos no tempo, o primeiro
por ocasião do falecimento de seu marido,
Manoel, em 1871, e o segundo no momento
de sua própria morte, em 1888.
No momento do falecimento de seu
marido, ocorrido em 1871, o patrimônio do
casal era composto por diversos bens móveis,
alguns animais, oito cativos e diversas partes
de terra, que alcançaram o valor de £483,16.
Após descontadas as dívidas passivas, constituídas
por alguns pequenos débitos com
comerciantes e moradores da região, o monte
menor alcançou o valor de £419,41. Após
receber a metade desses bens, Alexandrina
vendeu os imóveis rurais e os animais, e
com o dinheiro obtido comprou duas casas
na vila de Ribeirão Preto. Quando faleceu, o
valor dessas duas casas correspondia ao valor
de todos os bens possuídos
por seu extinto casal
antes da divisão, £420,83.
Como não possuía dívidas
passivas, seu monte menor
atingiu igual valor, sendo
Alexandrina beneficiada
pela valorização generalizada
de terras e imóveis
ocorrida em Ribeirão Preto
na época de seu falecimento,
fruto da euforia cafeeira.
Outro caso semelhante foi o do casal
Joaquim Olympio dos Santos e Antonia Bebita
dos Santos. O primeiro a falecer foi Joaquim,
em 1896. Como o casal não possuía filhos e
nem outros herdeiros, todos os bens deixados
por Joaquim foram herdados por Antonia. O
patrimônio era constituído por alguns bens
móveis diversos – a mobília da casa e alguns
outros utensílios domésticos – um terreno
no Núcleo Colonial Antonio Prado e quatro
casas na vila. Esses bens foram avaliados em
Rs10:950$000 ou £410,62. As dívidas passivas
eram poucas, limitando-se às despesas
com o funeral e aos gastos com a enfermidade
final do inventariado. O monte menor
alcançou o valor de £361,98, valor recebido
Após receber a metade desses
bens, Alexandrina vendeu os
imóveis rurais e os animais,
e comprou duas casas na vila
de Ribeirão Preto
152 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
integralmente pela viúva herdeira. Dois anos
mais tarde, morre Antonia. Seu inventário
mostra que ela conservou quase todos os bens
deixados por seu finado marido, com exceção
dos bens móveis, que podem ter sido deixados
de lado no avaliação dos bens por mudanças
na maneira de se redigir o inventário.19 O valor
alcançado pelos imóveis foi um pouco menor
do que o anterior, ao contrário do ocorrido
no inventário de Alexandrina, ficando o
monte mor em £302,94 e o monte menor
no mesmo valor, pois a viúva não possuía
dívidas passivas. Na realidade, esse montante
foi resultado de uma segunda avaliação, requerida
pelo herdeiro instituído por Antonia, seu
irmão Salomão. Nos casos de herdeiros não
diretos, ou seja, que não eram filhos e nem
cônjuges dos inventariados, havia cobrança
de impostos adicionais,
porcentagens sobre o valor
herdado. Se aceita a primeira
avaliação, os imóveis
valeriam Rs16:400$000
ou £487,05 libras e não
£302,94. Possivelmente,
o herdeiro instituído pediu
essa segunda avaliação com
o objetivo de pagar menos
impostos. Se tivesse vigorado
o valor da primeira avaliação, os bens
imóveis de Joaquim tiveram uma valorização
de 53,3% em apenas dois anos.
As duas famílias restantes são os casos
especiais mencionados anteriormente. Tratam-
se das famílias de Felícia Maria de Jesus
e José Antonio de Mello. Cada uma dessas
famílias possui três inventários. Na família de
Felícia, são os inventários dela, de uma filha e
de um genro. Na família de José Antonio são
os inventários dele e de mais duas esposas.
Felícia Maria de Jesus faleceu em Ribeirão
Preto no ano de 1887. No mesmo ano,
foi aberto o inventário de seu genro José
Silvério, casado com uma de suas filhas, Anna
Angélica de São José. Os inventários de Felícia
e de José Silvério correram simultaneamente,
sendo o inventário de José Silvério concluído
um dia antes que o de Felícia, fazendo com
que a legítima recebida por Anna Angélica
no inventário de sua mãe ficasse resguardada
da divisão de bens por ocasião da morte de
José Silvério. Os valores de monte menor e
legítimas da família de Felícia podem ser
observados na Tabela 11.
Figura 1. Família de Felícia Maria de Jesus
Os bens constantes do inventário de
Felícia eram variados, mostrando que a família
vivia confortavelmente. Entre os bens
móveis alguns que podem ser considerados
de luxo, tais como um colar de ouro, uma
capa de casimira e um xale de seda para senhora.
O rebanho da família não se limitava
ao autoconsumo, sendo trinta e oito cabeças
de bovinos, quatro eqüinos e vinte suínos.
As terras da família estavam localizadas na fazenda
do Sertãozinho, onde a família residia
numa casa de morada coberta de telhas. Na
fazenda cultivavam-se gêneros alimentícios,
tais como o milho. No momento do inventário,
eram quinze os carros de milho estocados,
avaliados em Rs105$000 ou £9,82.
Além das terras da fazenda do Sertãozinho,
o inventário arrolava também uma pequena
Nos casos de herdeiros não
diretos, havia cobrança
de impostos adicionais,
porcentagens sobre o
valor herdado
19 Conforme avançam os anos, os inventários passam a ser mais resumidos, muitas vezes limitando-se à descrição dos bens imóveis. Como alertou
Alcântara Machado, os inventários da época atual são como balanços, mostrando os débitos e créditos, não são ricos de informação como os mais antigos.
Felício José
Baptista
José Silvério do
Nascimento
Morte: Por volta de 1887
Felícia Maria de
Jesus
Morte: Por volta de 1887
Anna Angélica de
São José
Rita Maria da
Costa
Morte: Por volta de 1891
Vol. 4 - n. 1 - 1º semestre 2008 153
Luciana Suarez Lopes
parte de terras de oito alqueires na fazenda
da Lagoa Dorada, em Minas Gerais. Para ajudar
no trabalho, Felícia e seu esposo Felício
contavam com a ajuda do cativo Francelino,
de trinta e nove anos de idade. O patrimônio
alcançou o valor de £605,41, mesmo valor
do monte menor, já que não havia passivo a
ser descontado. O viúvo Felício José Baptista
ficou com a metade desse valor, sendo o
restante dividido entre doze filhos.
O inventário de José Silvério arrola um
patrimônio mais modesto: três vacas, dois
novilhos, nove eqüinos, terras e benfeitorias
na fazenda do Sertãozinho. Os montes mor e
menor alcançaram o mesmo valor, pois não
havia passivo, £154,73, ficando a metade
com a viúva e o restante sendo dividido entre
oito filhos do casal. Cada filho de José e Anna
recebeu a quantia de £8,50, ou Rs90$937.
Quatro anos mais tarde, morre uma
das filhas de Felícia e Felício, Rita Maria
da Costa. No momento de sua morte, Rita
estava casada com Lúcio Baptista da Costa,
com quem possuía dez filhos. Os bens do
casal eram diversos, alguns bens móveis,
outros poucos animais, partes de terra e
cafezais. As terras estavam localizadas na
fazenda Santo Antonio da Boa Vista, próxima
da fazenda Sertãozinho, e o cafezal
era modesto, apenas quatro mil pés já
formados. O monte mor do casal alcançou
o valor de £340,19 e o monte menor
£333,97. O valor do passivo era reduzido,
apenas £6,23, referente aos gastos com o
enterro e os medicamentos utilizados pela
inventariada durante sua enfermidade.
Tabela 11. Valores de Monte Menor e Legítimas da Família de Felícia Maria de Jesus (Ribeirão Preto,
1887-1891) (valores em libras esterlinas)
Inventariado Ano Herança Recebida de Felícia Monte Menor
Felícia Maria de Jesus 1887 - 605,41
José Silvério do Nascimento 1887 - 154,73
Rita Maria da Costa 1891 24,06 333,97
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
Pode-se dizer que Felícia e seu esposo,
Felício, são exemplos da elite ribeirão-pretana
antes da chegada do café. Viviam com um
certo conforto, criavam animais e cultivavam
gêneros alimentícios. Essas atividades asseguravam
o sustento da família a ainda permitiam
a compra de alguns bens que podem ser
considerados de luxo para a época e para a
região em questão.
A análise do inventário
do genro de Felícia
mostra que ele e
sua esposa Anna Angélica
viviam uma modesta se
comparada à de Felícia e
Felício, possuindo apenas
algumas terras e animais,
produzindo apenas para
sua própria subsistência.
Como José Silvério vivia perto dos sogros,
não é descabido supor que a família de sua
esposa o ajudava de alguma maneira, garantindo
a manutenção dele, inventariado, de
Anna Angélica e de seus filhos.
O inventário da outra filha de Felícia,
Rita Maria, mostra uma melhor situação. A
atividade de seu esposo, a cafeicultura, permitiu
um certo acúmulo patrimonial. Ainda que
seu cafezal fosse pequeno, já estava formado e
produzindo há pelo menos cinco anos quando
o inventário foi aberto. Dessa forma, a filha e
o genro de Felícia conseguiram um monte
menor bem maior do que o de José Silvério
e Anna Angélica, e o café aparece novamente
como fator determinante na expansão do
patrimônio herdado da geração anterior.
Viviam com um certo
conforto, criavam animais
e cultivavam gêneros
alimentícios
154 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
A outra família a ser analisada de forma
especial é a de José Antonio de Mello.
O primeiro inventário dessa família é o
de Maximiana Angélica de Souza, que foi
aberto em Ribeirão Preto no ano de 1849.
Quando faleceu, Maximiana era casada com
José Antonio de Mello, viúvo inventariante.
O casal deixou quatro filhos, Anna Marcelina,
Generoza, Inocência e José. Entre os bens do
casal, encontram-se diversas partes de terra
nas fazendas do Sertãozinho, Bananal, Barra
do Onça, Palmital e Boa Vista, todas possuídas
em conjunto com outros moradores da
região. Esses eram os bens mais valiosos do
inventário, alcançando o valor de £332,81.
Como o casal não possuía dívidas passivas,
o monte mor e o menor tiveram o mesmo
valor, £379,47. Essa quantia foi dividida
entre o viúvo e os filhos, ficando cada filho
com £46,97 e José com £184,93.
Figura 2. Família de José Antonio de Mello
Logo após a morte de Maximiana,
José contrai novas núpcias Maria Cândida de
Oliveira, com quem tem mais quatro filhos,
Gabriela, Vigilato, José e Pedro. O inventário
de Maria é aberto em Ribeirão Preto no ano
de 1869. O patrimônio da família de José se
mostra aumentado pelo recebimento de sua
herança paterna – o pai de José chamava-se
Joaquim Rodrigues da Rocha – e pelo recebimento
da herança de sua falecida irmã,
Anna Benedita de Oliveira, além da herança
de seu finado sogro, João de Oliveira Rocha.
O recebimento dessas heranças só pôde ser
percebido graças a descrição dos imóveis pertencentes
ao patrimônio de José no momento
em que faleceu sua segunda esposa, quando
era informada a maneira pela qual tal parte de
terras havia sido adquirida. As terras e imóveis
do inventário alcançaram o valor de £368,60 ,
e o monte menor totalizou £392,92. O viúvo
ficou com a metade e o restante foi dividido
entre os filhos do casal, recebendo cada herdeiro
filho o valor de £45,19.
No ano seguinte, morre José, com
aproximadamente sessenta e quatro anos de
idade e casado, dessa vez com Maria de Jesus.
O casal não teve filhos, sendo os herdeiros a
viúva e os filhos que José teve com suas duas
esposas anteriores. Quando faleceu, José já
havia perdido um filho, Pedro, fruto de seu
segundo consórcio.
Os efeitos da partilha dos bens de seu
segundo casal não passam desapercebidos
quando da análise do patrimônio inventariado
no momento da morte de José. Os bens
imóveis alcançaram o valor de £275,14 e o
monte mor ficou em £288,44. No entanto, o
inventariado havia contraído algumas dívidas
com herdeiros, maridos de duas de suas filhas,
que foram descontadas no momento da divisão
dos bens, fazendo reduzir o valor do monte
mor para £245,46. A viúva inventariante ficou
com a metade do patrimônio remanescente,
recebendo cada filho a legítima de £14,89.
A atividade desempenhada por José
não foi fator determinante na sua trajetória
de acumulação de bens. O fator que mais
limitou a expansão do seu patrimônio foi a
proximidade de sua morte e a da morte de
Joaquim Rodrigues
da Rocha
Falecido José Antonio de
Mello
Morte: Por volta de 1870
Maximiana Angélica
de Souza
Morte: Por volta de 1849
Ana Marcelina
Generoza
Inocência
José
Gabriela
Vigilato
José
Pedro
Morte: Por volta de 1870
Anna Benedita de
Oliveira
Falecida
Maria de Jesus
Maria Cândida de
Oliveira
Morte: Por volta de 1869
Vol. 4 - n. 1 - 1º semestre 2008 155
Luciana Suarez Lopes
sua segunda esposa. Tendo tão pouco tempo
disponível, José não conseguiu recuperar o
valor dos bens que teve que dispor, ficando
o patrimônio deixado aos seus herdeiros um
pouco reduzido.
Considerações Finais
Como foi visto no início do presente
trabalho, a chegada do café na região de
Ribeirão Preto modificou o perfil social e
econômico da localidade. A questão central
que se colocou foi a primazia ou não da
cafeicultura como atividade geradora de
riqueza na antiga vila. Seria essa a atividade
que garantia o aumento dos cabedais?
Conforme as análises desenvolvidas,
foi possível constatar que o café era de fato
a principal atividade geradora de riqueza em
Ribeirão Preto. De acordo com as trajetórias
de acumulação ou de empobrecimento
analisadas graças aos inventários das quinze
famílias com menor número de processos,
foi possível constatar a existência de quatro
situações, ou quatro dinâmicas distintas: o
segundo inventário, conseguindo ampliar o
valor da legítima recebida e do monte menor
do inventário anterior; o segundo inventário
conseguindo ampliar o valor da legítima
recebida, mas sem ampliar o valor do monte
menor do primeiro; o segundo inventário
não conseguindo ampliar o valor da legítima
recebida e nem o do monte menor alcançado
pela primeira geração; e o segundo inventário,
conseguindo manter o monte menor da geração
anterior e ampliando a legítima.
Assim, após cuidadosa análise podese
afirmar que o café teve importante papel
na elevação dos níveis e na modificação das
formas de alocação da riqueza em Ribeirão
Preto, sendo responsável direto pelo enriquecimento
de famílias e indivíduos. Sua influência
foi tão grande que não ficou restrita
aos seus produtores, atingindo também os
demais moradores da localidade, quer pela
valorização das terras e dos imóveis urbanos
quer pelo clima de euforia gerado por ele.
As limitações do estudo são evidentes.
Estuda-se um pequeno número de processos
e considera-se um longo período de
tempo. No entanto, acredita-se que feitas
essas considerações os resultados podem,
em boa medida, espelhar a dinâmica daquela
sociedade, contribuindo assim para
melhor compreender o universo cafeeiro
em uma das mais prósperas e relevantes
localidades do historicamente chamado
Novo Oeste Paulista.
156 História e Economia Revista Interdisciplinar
Café, riqueza e famílias ...
Fontes
Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto
- Processos de Inventário Post-mortem dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto,
de 1856 a 1900.
Fórum de São Simão
- Processos de Inventário Post-mortem dos Primeiro e Segundo Ofícios de São Simão, de
1849 a 1900.
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2003. (mimeo)
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