terça-feira, 12 de junho de 2012
origem da vida
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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Águas no planeta Terra Edição especial – Maio 2001
Aágua é um recurso fundamen
tal para a existência da vida, na
forma que nós conhecemos.
Foi na água que a vida floresceu, e
seria difícil imaginar a existência de
qualquer forma de vida na ausência
deste recurso vital. Nosso planeta está
inundado d’água; um volume de aproximadamente
1,4 bilhão de km3 cobre
cerca de 71% da superfície da Terra.
Apesar disso, muitas localidades ainda
não têm acesso a quantidades de água
com características de potabilidade
adequadas às necessidades do consumo
humano.
A água tem sido um bem de extrema
importância para o homem desde
a descoberta de que a produção de
alimentos dependia da oferta de água
usada no cultivo. As cidades que se
desenvolveram no antigo Egito, após
a revolução agrícola que ocorreu cerca
de 5.000 anos antes de Cristo, o
fizeram próximas a rios que atendessem
a suas demandas domésticas e
agrícolas. Posteriormente, a água corrente
também passou a ser utilizada
na movimentação de máquinas que
cortavam madeira, em moinhos de
grãos e finalmente em processos
industriais.
A grande oferta fez da água a
substância ideal para ser empregada
como solvente universal na limpeza
e transporte de praticamente todos
os resíduos gerados pelo homem. Ao
redor de todo o mundo, as cidades
foram se estabelecendo e crescendo
próximas a grandes cursos d’água.
Até os dias atuais, após seu uso nas
mais diversas atividades, a água
ainda é geralmente descartada para
o corpo receptor mais próximo, muitas
vezes sem que passe por qualquer
tipo de tratamento. Não obstante,
é verdadeiro afirmar que o
baixo custo associado ao uso de
enormes quantidades de água tem
sido um dos pilares do desenvolvimento
de nossa sociedade.
Algumas propriedades da água
A água é, certamente, a espécie
química mais abundante na Terra. É,
além disso, uma substância que pode
ser encontrada, naturalmente, em
todos os três estados físicos: sólido
(gelo), líquido (água líquida) e gasoso
(vapor). Sua capacidade em conduzir
e estocar o calor (condutividade
térmica e capacidade calorífica) também
é única. Entre outros aspectos, a
água tem um elevado calor de evaporação.
Enquanto são necessários
0,239 J (1 caloria) para se elevar a
temperatura de 1 g de água de 1 °C,
esta mesma massa de água exige
Água e população mundial
A água potável de boa qualidade é fundamental para a saúde e o bemestar
humano. Entretanto, a maioria da população mundial ainda não tem acesso
a este bem essencial. Mais do que isto, existem estudos que apontam para
uma escassez cada vez mais acentuada de água para a produção de alimentos,
desenvolvimento econômico e proteção de ecossistemas naturais. Para exercer
tais atividades, especialistas estimam que o consumo mínimo de água per
capita deva ser de pelo menos 1000 m3 por ano. Cerca de 26 países, em sua
maioria localizados no continente africano, já se encontram abaixo deste valor.
Com o rápido crescimento populacional, acredita-se que inúmeras outras
localidades deverão atingir esta categoria no futuro próximo. Várias regiões do
planeta (Pequim, Cidade do México, Nova Deli e Recife, no Brasil) estão acima
desse valor apenas devido à exploração de águas subterrâneas (Nebel e Wright,
2000).
Marco Tadeu Grassi
Um dos principais desafios mundiais na atualidade é o atendimento à demanda por água de boa qualidade. O
crescimento populacional, a necessidade de produção de alimentos e o desenvolvimento industrial devem gerar sérios
problemas no abastecimento de água nos próximos anos. Este texto trata da importância da água para a sobrevivência
do homem e de toda a biota terrestre. Apresentam-se algumas das propriedades mais importantes da água e sua
distribuição em nosso planeta. Descrevem-se as formas de uso deste recurso, assim como as principais fontes de
poluição e finalmente discute-se a importância do tratamento da água na melhoria da qualidade de vida da população
mundial.
padrões de qualidade da água, potabilidade, poluição, tratamento da água
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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001
cerca de 540 vezes mais energia para
se evaporar (Masterton et al., 1990).
Comparativamente com outros hidretos,
observa-se que a água apresenta
temperaturas de fusão e ebulição
bem mais elevadas, conforme mostra
a Tabela 1. Estas características são
bastante importantes para a existência
de vida na Terra, uma vez que a forma
líquida é o estado físico predominante
(Bunce, 1993).
Uma outra propriedade da água,
pouco usual, porém igualmente importante,
é que a forma líquida apresenta
uma densidade maior que a forma
sólida. Se o contrário fosse verdade,
durante o inverno as águas de inúmeros
rios e lagos localizados no hemisfério
norte de nosso planeta, ao se
congelarem, se depositariam no fundo
dos mesmos. Sob estas condições,
provavelmente não se fundiriam novamente
no verão. Assim sendo, a mistura
que ocorre na primavera e outono
desempenha um papel importante na
recirculação de nutrientes. Esta mistura
só ocorre porque a água tem sua
densidade máxima a 4 °C. Durante o
outono, quando as temperaturas das
águas de inúmeros lagos cai para
valores próximos a 4 °C, as águas
superficiais se tornam mais densas que
as águas mais profundas e assim se
deslocam para o fundo, misturando as
espécies dissolvidas, num movimento
vertical.
Distribuição da água na Terra
Toda a biota, assim
como a maior
parte dos ecossistemas
terrestres, além
dos seres humanos,
necessitam de água doce
para sua sobrevivência. Entretanto,
cerca de 97,5% da água de nosso
planeta está presente nos oceanos e
mares, na forma de água salgada, ou
seja, imprópria para o consumo humano.
Dos 2,5% restantes, que perfazem
o total de água doce existente, 2/3
estão armazenados nas geleiras e
calotas polares. Apenas cerca de
0,77% de toda a água está disponível
para o nosso consumo, sendo encontrada
na forma de rios, lagos, água
subterrânea, incluindo ainda a água
presente no solo, atmosfera (umidade)
e na biota (Figura 1).
No nosso planeta, a água se apresenta
em diferentes compartimentos,
conforme mostra a Tabela 2 (USGS,
1999). A quantidade de água presente
em cada um destes compartimentos,
assim como o seu tempo de residência,
varia bastante. Os oceanos se
constituem no maior destes compartimentos,
onde a água tem um tempo
de residência de aproximadamente 3
mil anos. Eles são ainda a fonte da
maior parte do vapor d’água que aporta
no ciclo hidrológico. Sendo grandes
acumuladores do calor oriundo do sol,
os oceanos desempenham um papel
fundamental no clima da Terra.
O segundo maior reservatório de
água do planeta
são as geleiras e
calotas polares.
O continente Antártico
contém
cerca de 85% de
todo o gelo existente
no mundo.
O restante pode
ser encontrado
no Oceano Ártico
e ainda na
Groenlândia.
As águas
subterrâneas encontram-se abaixo da
superfície em formações rochosas
porosas denominadas aquíferos. Estas
águas têm influência e também são influenciadas
pela composição química
e pelos minerais com os quais estão
em contato. Os aquíferos são reabastecidos
pela água que se infiltra no solo
e eventualmente flui para reservatórios
que se localizam abaixo de seu próprio
nível.
Corpos de água doce em contato
direto com a atmosfera compreendem
lagos, reservatórios, rios e riachos.
Coletivamente, estas águas são chamadas
de superficiais.
A concentração de sais na água faz
com que as águas superficiais sejam
divididas em duas grandes categorias.
Águas doces se distinguem de águas
salinas pelo seu baixo conteúdo de
sais, sendo normalmente encontradas
em rios e lagos.
O exemplo mais significativo de
águas salinas é o das águas oceânicas.
Via de regra, águas salinas apresentam
níveis de cerca de 35 g.L-1 de
espécies dissolvidas, entre as quais as
predominantes são formadas por íons
de sódio e cloreto. O encontro das
águas doces e salinas resulta em regiões
denominadas estuários. Nestas
regiões, observa-se geralmente um
gradiente de salinidade, cujos níveis
aumentam à medida que se aproxima
da foz do rio.
Estuários se caracterizam por sua
complexidade, onde espécies particuladas
e dissolvidas estão sujeitas a
mudanças bastante bruscas nos
ambientes químico e físico. As maiores
alterações ocorrem em função de fatores
tais como pH e salinidade. QualÁguas
no planeta Terra
Tabela 1: Propriedades físicas de alguns hidretos simples.
Substância CH4 NH3 H2O HF H2S
Ponto de fusão, °C -182 -78 0 -83 -86
Ponto de ebulição, °C -164 -33 +100 +19 -61
Tabela 2: Distribuição da água em nosso planeta.
Reservatórios Volume, km3 Percentual, %
Oceanos 1.320.305.000 97,24
Geleiras e calotas polares 29.155.000 2,14
Águas subterrâneas 8.330.000 0,61
Lagos 124.950 0,009
Mares 104.125 0,008
Umidade do solo 66.640 0,005
Atmosfera 12.911 0,001
Rios 1.250 0,0001
Total 1.358.099.876 100
97,5%
Água salgada
0,77%
Água doce
acessível
1,7%
Calotas polares
e geleiras
Figura 1: Distribuição da água na Terra.
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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001
quer mudança em um deles pode levar
à precipitação de espécies dissolvidas
ou ainda à redissolução de materiais
anteriormente presentes em sólidos
suspensos ou nos sedimentos. Os
elementos que não sofrem qualquer
alteração durante este processo de
mistura, ou seja, aqueles que não se
precipitam ou não se dissolvem,
apresentam um comportamento que é
denominado conservativo. Comportamentos
não conservativos resultam da
precipitação ou ainda da redissolução
de espécies através do estuário.
Um exemplo típico de comportamento
não conservativo é a precipitação
do ferro coloidal, que ocorre à
medida em que se aumenta a salinidade
da água de um estuário. Como
resultado, o ferro acaba sendo depositado
nos sedimentos.
Do ponto de vista ambiental, um
importante reservatório são os mangues,
nos quais os níveis do lençol freático
se encontram praticamente na
superfície. Estes ecossistemas suportam
uma vasta população de plantas
e animais, constituindo-se em berçários
bastante importantes para a vida
selvagem.
Finalmente, a
atmosfera é o compartimento
que
contém a menor
quantidade de
água, além de ser
aquele onde a água
tem o menor tempo
de residência, cerca
de 10 dias. A
atmosfera contribui para a precipitação,
que em última instância é o
meio através do qual a água que se
evapora predominantemente dos
oceanos é devolvida à terra.
O ciclo hidrológico (Figura 2), através
da evaporação das águas oceânicas
e da precipitação, principalmente,
é responsável pela reposição da
água doce encontrada no planeta
(Manahan, 1997). Contudo, como todos
nós sabemos, a ocorrência de chuva
no planeta se dá de forma bastante
diferenciada. Regiões com regimes de
precipitação bastante abundantes dão
suporte a densas florestas. Outras
regiões têm ocorrência de chuvas
praticamente nula e se constituem em
desertos. Em virtude disto, podemos
imaginar volumes bastante variáveis de
água circulando sobre diferentes regiões
do globo. Em regiões com índices
elevados de ocorrência de chuva,
existe água suficiente para toda a biota
natural, assim como para
os seres humanos. Entretanto,
em regiões mais
secas, especialmente
aquelas com elevada
densidade populacional,
existe um número crescente
de conflitos em
função das necessidades
humanas e naturais.
Existem ao redor do planeta inúmeras
situações de ecossistemas em estresse
devido à escassez de água. Além
disso, são também vários os casos de
disputas existentes entre países que
dispõem da mesma fonte de água que
deve atender às demandas oriundas
de atividades agrícolas, urbanas e
industriais (Ortolano, 1997).
Especialistas acreditam que dentro
de cerca de 20 anos, no máximo,
teremos no mundo uma crise semelhante
à do petróleo, em 1973, relacionada
com a disponibilidade de água
de boa qualidade. Assim como ocorreu
com o petróleo no passado, a água
está se transformando em uma commodity1
em crise. Esta perspectiva
preocupante e bastante realista se
deve à provável escassez da água no
futuro. Para tanto, basta mencionar que
nos últimos 15 anos a oferta de água
limpa disponível para cada habitante
do planeta diminuiu quase 40% (Nebel
e Wright, 2000).
Mesmo o Brasil, que conta com cerca
de 12% da água doce disponível no
mundo, não deverá escapar da crise
hídrica que está sendo prevista. No
nosso caso, vale ressaltar que mais de
80% de todo o volume de águas superficiais
disponíveis no país se encontram
na região amazônica. Os 20% restantes
estão distribuídos por todo o país,
de maneira pouco uniforme, e se destinam
a abastecer aproximadamente
95% da população brasileira (Rebouças
et al., 1999).
Em todo o mundo, em média, o
maior uso que se faz da água é na
agricultura. A irrigação retira aproximadamente
69% da água de boa qualidade
do planeta. A irrigação consiste
em um tipo de uso denominado consuntivo.
Isto quer dizer que o recurso
utilizado não retorna para a mesma
fonte de onde é proveniente. As atividades
industriais, ao contrário, são
consideradas não consuntivas, uma
vez que a água, embora possa estar
contaminada com determinados resíduos,
retorna para sua fonte, permanecendo
disponível. Estas atividades
consomem cerca de 23% e o homem,
Águas no planeta Terra
Água subterrânea
Infiltração
Figura 2: O ciclo hidrológico.
Especialistas acreditam que
dentro de cerca de 20
anos, no máximo, teremos
no mundo uma crise
semelhante à do petróleo,
em 1973, relacionada com a
disponibilidade de água
de boa qualidade
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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001
através do uso direto, é responsável
pelo consumo de 8% da água disponível
no planeta. Certamente estes
valores percentuais podem variar
dependendo da disponibilidade da
água, do grau de desenvolvimento da
região e até mesmo de aspectos
culturais. Em algumas partes dos
Estados Unidos, por exemplo, o uso
doméstico da água pode atingir 600 L
por habitante, por dia. Em alguns
países africanos, ao contrário, o uso
de água per capita não é superior a
10 L ao dia (Nebel e Wright, 2000).
Os dados apresentados anteriormente
deixam claro que o estresse
hídrico previsto não é mera especulação.
Ao contrário, para atender a uma
demanda crescente por alimentos,
frente às estimativas de crescimento
populacional feitas pela Organização
das Nações Unidas (ONU) para os
próximos anos, a expectativa é de um
maior uso de água na irrigação.
Qualidade e poluição da água
Tão ou mais importante que a questão
envolvendo a quantidade de água
disponível, apresenta-se também a
questão da qualidade da água disponível.
A qualidade da água ao redor
de nosso planeta tem se deteriorado
de forma crescente, especialmente nos
últimos 50 anos. Problemas relacionados
com a poluição da água se
intensificaram principalmente após a
Segunda Guerra Mundial, quando foram
observados aumentos significativos
nos processos
de urbanização e
industrialização. Antes
de falar em poluição
de águas, entretanto,
é necessário que este
termo seja definido de
forma adequada. A
Companhia de Tecnologia
de Saneamento
Ambiental do
Estado de São Paulo, a CETESB, define
poluição como “qualquer substância
que possa tornar o meio ambiente
impróprio, nocivo ou ofensivo à
saúde, inconveniente ao bem estar
público, danoso aos materiais, à fauna,
à flora ou prejudicial à segurança, ao
uso e gozo da propriedade e às
atividades normais da comunidade”.
Portanto, qualquer substância causadora
de poluição é denominada poluente.
A poluição das águas é principalmente
fruto de um conjunto de atividades
humanas. E os
poluentes alcançam
águas superficiais e
subterrâneas de formas
bastante diversas.
Este aporte é
arbitrariamente classificado
como pontual
ou difuso, principalmente
para efeito de
legislação. Fontes
pontuais compreendem
a descarga de efluentes a partir
de indústrias e estações de tratamento
de esgoto, dentre outras. Estas fontes
são de identificação bastante fácil e
portanto podem ser facilmente monitoradas
e regulamentadas. É relativamente
fácil se determinar a composição
destes resíduos, assim como
definir seu impacto ambiental. Além
disso, é possível se responsabilizar o
agente poluidor, caso haja necessidade.
Ao contrário, as fontes difusas
apresentam características bastante
diferenciadas. Elas se espalham por
inúmeros locais e são particularmente
difíceis de serem determinadas, em
função das características intermitentes
de suas descargas e também
da abrangência sobre extensas áreas.
Fontes difusas incluem o escoamento
superficial urbano, escoamento superficial
de áreas agrícolas,
deposição
atmosférica (seca e
úmida), etc (Bunce,
1994).
Existem duas estratégias
adotadas no
controle da poluição
aquática: (1) redução
na fonte e (2) tratamento
dos resíduos
de forma a remover os contaminantes
ou ainda de convertê-los a uma forma
menos nociva. O tratamento dos
resíduos tem sido a melhor opção no
caso de contaminantes de fontes
pontuais. A redução na fonte pode ser
aplicada a contaminantes provenientes
de ambas as fontes, tanto pontuais
quanto difusas.
As primeiras evidências da relação
entre doenças e o consumo de água
poluída foram estabelecidas na metade
do século passado em Londres, na
Inglaterra, através da ocorrência de
uma epidemia de cólera.
Sabe-se hoje que
a água é um dos principais
vetores na transmissão
de doenças.
Cólera e tifo, que são
transmitidas pela
água, mataram milhões
de pessoas no
passado e são ainda
uma das principais
causas de doenças ao
redor do globo, especialmente nos
países subdesenvolvidos (Glynn Henry
e Heinke, 1996).
Desta forma, os poluentes aquáticos
mais sérios são os microorganismos
patogênicos, ou seja, aqueles
causadores de doenças e mortes.
Estes microorganismos encontram-se
freqüentemente presentes nos excrementos
de seres humanos e de animais,
podendo ser bactérias, vírus,
parasitas etc. Através de águas residuárias,
os microorganismos aportam
em corpos aquáticos receptores e
podem assim contaminar novos indivíduos.
Desde o início deste século, têm
sido adotadas medidas de saúde
pública visando minimizar os efeitos
destas doenças, especialmente nos
países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Tais medidas envolvem prioritariamente
duas estratégias: (1) o
tratamento e desinfecção da água
destinada ao abastecimento público e
(2) a coleta e tratamento do esgoto.
Muitas pessoas atribuem o aumento
da expectativa de vida da população
mundial à medicina moderna. Na
verdade, esta melhora é muito mais fruto
da prevenção de doenças, que se
tornou possível através das medidas
mencionadas anteriormente. Apesar
disto, cerca de 1,4 bilhão de pessoas
em todo o mundo ainda não têm acesso
à água potável tratada. Da mesma
forma, 2,9 bilhões de pessoas vivem
em áreas sem que haja coleta ou
tratamento do esgoto. Em virtude da
falta de condições básicas de saneamento,
especialmente tratamento da
Águas no planeta Terra
As primeiras evidências da
relação entre doenças e o
consumo de água poluída
foram estabelecidas na
metade do século passado
em Londres, na Inglaterra,
através da ocorrência de
uma epidemia de cólera
Muitas pessoas atribuem o
aumento da expectativa de
vida da população mundial
à medicina moderna. Na
verdade, esta melhora é
muito mais fruto da
prevenção de doenças,
que se tornou possível
através das medidas aqui
mencionadas
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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001
água e do esgoto, uma fração significativa
da população mundial se encontra
cronicamente infectada com organismos
patogênicos. Mais de 250 milhões
de casos de doenças transmitidas pela
água são registrados anualmente em
nosso planeta, e cerca de 10 milhões
destes casos irão resultar em mortes,
especialmente de crianças, que são
vítimas em 50% dos casos (Nebel e
Wright, 2000).
Os esgotos doméstico e industrial
também introduzem nos sistemas
aquáticos diversos tipos de matéria
orgânica. Com exceção dos plásticos
e outros produtos químicos sintéticos,
esta matéria orgânica tem características
biodegradáveis. Quando bactérias
e outros organismos detritívoros
decompõem a matéria orgânica, eles
consomem o oxigênio que se encontra
dissolvido na água. A quantidade de
oxigênio que pode ser dissolvida na
água é bastante limitada. Em águas
frias, os níveis de oxigênio dissolvido
podem atingir cerca de 10 ppm (mg.L-1),
sendo que a solubilidade do gás
diminui com o aumento da temperatura.
O valor acima pode ser considerado
bastante baixo se comparado
com os níveis de oxigênio no ar, por
exemplo, que são da ordem de
210.000 ppmv2 (21%). Assim sendo,
mesmo quantidades moderadas de
matéria orgânica podem resultar em
uma diminuição significativa no oxigênio
dissolvido presente em águas
naturais. O grau de consumo de oxigênio
que ocorre quando uma dada substância
é oxidada através de um processo
microbiológico é avaliado através
de uma análise denominada demanda
bioquímica de oxigênio (DBO),
explicada em detalhes no texto sobre
tratamento de esgoto (p. 28).
Outra forma de poluição de águas
superficiais, especialmente de lagos e
reservatórios, é a eutrofização artificial.
Estes corpos aquáticos sofrem um
processo de enriquecimento de nutrientes,
principalmente fósforo e nitrogênio.
Sedimentos e materiais dissolvidos
são constantemente carregados
para lagos e reservatórios, em um
processo bastante lento, que pode durar
milhares de anos. Entretanto, a
descarga de esgoto não tratado e de
resíduos agrícolas e industriais têm
contribuído para acelerar este processo.
No Brasil, as lagoas da Pampulha,
em Belo Horizonte, e do Taquaral, em
Campinas, assim como o Lago Paranoá,
em Brasília, são exemplos de corpos
aquáticos eutrofizados. O aporte
excessivo de nutrientes tais como
fósforo e nitrogênio provoca o crescimento
descontrolado de algas. Gerase
então uma biomassa maior que
aquela que o sistema poderia naturalmente
controlar. O aumento excessivo
na população e sua posterior degradação
no corpo aquático gera uma
demanda de oxigênio grande, a qual
pode então provocar a morte de animais
aquáticos (peixes) e também a
proliferação de organismos anaeróbios.
Em seu estágio final, estes lagos
e reservatórios produzem compostos
mal-cheirosos e altamente tóxicos para
a biota.
Anualmente, milhões de toneladas
de compostos orgânicos sintéticos são
produzidos globalmente. Estes compostos
são largamente empregados na
produção de plásticos, fibras sintéticas,
borracha sintética, solventes,
pesticidas, agentes preservantes de
madeira, entre uma centena de outros
produtos. Em função de sua estrutura
química, muitos destes compostos são
resistentes à biodegradação. Esta é,
inclusive, uma das principais propriedades
que tornam tais compostos de
grande utilidade.
Inúmeros destes compostos são
considerados poluentes aquáticos. Ao
mesmo tempo, muitos deles se constituem
em substâncias às quais a biota
aquática ainda não foi exposta. Assim
sendo, os efeitos destes compostos
sobre os mais variados tipos de organismos
aquáticos ainda são totalmente
desconhecidos, particularmente no
caso de exposições prolongadas e em
concentração muito baixa. Muitos
deles podem ser mutagênicos (causadores
de mutação), cancerígenos ou
ainda teratogênicos (causadores de
defeitos em recém-nascidos). Podem
ainda causar disfunções nos rins e
fígado, esterilidade e inúmeros problemas
de natureza fisiológica ou ainda
neurológica.
A presença de compostos orgânicos
persistentes é causa de grande
preocupação, principalmente quando
são encontrados em águas destinadas
ao abastecimento público.
Águas no planeta Terra
Fósforo: o vilão da eutrofização
O fósforo é o nutriente limitante no crescimento de algas. Microorganismos
requerem carbono, nitrogênio e fósforo como nutrientes majoritários. Assim
como as reações químicas deixam de se processar quando um reagente
limitante é totalmente consumido, o crescimento de algas é limitado pela
disponibilidade de nutrientes na água. A transformação de nutrientes em
biomassa ocorre em uma proporção média de C:N:P = 110:15:1. O carbono
nunca é a espécie limitante na água, uma vez que sua presença é suprida pelo
CO2 atmosférico. Algas verde-azuladas podem suprir as necessidades em
termos do nitrogênio, pois são capazes de fixar o nitrogênio atmosférico. Assim
sendo, o fósforo é usualmente o elemento limitante, embora seja necessário
na menor quantidade.
Nas décadas de 50 e 60 sais de fosfato eram utilizados em grandes
quantidades na formulação de detergentes, visando regular o pH da solução
de lavagem e também para manter íons como Ca2+ em solução (abrandando a
dureza e produzindo mais espuma). Como conseqüência, são inúmeros os
registros de eutrofização em lagos e reservatórios de todo o mundo, contidos
na literatura. Os chamados Grandes Lagos, localizados ao norte dos Estados
Unidos e sul do Canadá, são exemplos de ambientes aquáticos severamente
atingidos pelo fenômeno da eutrofização artificial. São, igualmente, bons
exemplos de cooperação internacional entre países. Desde a década de 70 as
legislações norte-americana e canadense impuseram sérias restrições ao uso
de fosfatos em detergentes, de tal forma que estes lagos têm sido recuperados
desde então. Os níveis médios de fosfato no esgoto canadense caíram de
10 mg.L-1 em 1969 para 5 mg.L-1 em 1974, permanecendo abaixo deste valor
até os dias atuais (Glynn Henry e Heike, 1996).
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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001
Entre os compostos orgânicos
sintéticos, uma classe preocupante
são os hidrocarbonetos halogenados,
ou seja, compostos orgânicos onde
um ou mais átomos de hidrogênio são
substituídos por átomos de cloro, fluor,
bromo ou ainda iodo. Dentre estes, os
hidrocarbonetos clorados são os mais
comuns. Estes compostos são vastamente
empregados na indústria de
Águas no planeta Terra
Bioconcentração de substâncias químicas
Muitos compostos químicos sintéticos têm sido encontrados em
concentrações relativamente elevadas em tecidos de peixes e outros animais
aquáticos, especialmente daqueles localizados em rios e lagos próximos a
grandes centros industriais. Alguns destes compostos são o DDT, as bifenilas
policloradas (PCB) e dioxinas, entre outros (veja suas fórmulas estruturais no
texto sobre o lixo). Concentrações relativamente elevadas, neste caso, significam
mg.L-1 (ppb) ou até mesmo mg.L-1 (ppm). A evidência dos efeitos tóxicos destas
substâncias é causa de grande preocupação e conseqüentemente a legislação
tem estabelecido restrições no consumo de peixes provenientes de regiões
poluídas.
Os peixes que vivem em águas poluídas, quando em contato com
substâncias não polares, tendem a acumular muitos destes compostos através
de um processo denominado bioacumulação. Isto ocorre quando uma
substância não polar presente na água é absorvida pela gordura do peixe. A
gordura funciona, neste caso, como um solvente não polar que extrai a
substância química da água. Em outras palavras, pode-se formular uma
constante de equilíbrio para descrever a distribuição de uma espécie entre
dois líquidos imiscíveis, como o óleo e a água, por exemplo. A constante de
distribuição, também conhecida como constante de partição (Kd) é definida
como:
Os valores de Kd para a razão entre as concentrações de substâncias
químicas na gordura e na água são elevados. Por esta razão, organismos
aquáticos geralmente bioconcentram substâncias químicas não polares
presentes nas águas onde eles vivem. Em função disto, as concentrações destas
substâncias podem ser, em alguns casos, milhares de vezes mais elevadas
nos organismos do que na água.
Do ponto de vista experimental, é bastante difícil trabalhar com o tecido de
organismos aquáticos. Assim sendo, um solvente químico é utilizado com o
propósito de se mimetizar o comportamento químico do tecido animal. O octanol
é o solvente mais comumente empregado na previsão do fator de
bioconcentração (FBC) de compostos orgânicos presentes na água.
Uma estratégia comum consiste em considerar que organismos aquáticos
possuem cerca de 5% de gordura, em peso. Sob estas condições pode-se
considerar a seguinte aproximação:
FBC = 0,05 x Kd
A bioconcentração pode elevar os níveis de substâncias potencialmente
tóxicas em várias ordens de grandeza. Por esta razão, muitas vezes a água de
um determinado local pode ser considerada própria para o consumo humano,
enquanto o consumo de peixes e outros animais aquáticos pode ser bastante
restrito (Bunce, 1994).
plásticos (cloreto de polivinila - PVC),
pesticidas (DDT), solventes (tetracloroetileno)
e de isolamento elétrico
(bifenilas policloradas), entre outras.
Outra classe de substâncias químicas
que não se degradam no ambiente
são os metais pesados. A toxicidade
de metais é diferenciada daquela dos
pesticidas, por exemplo. Pesticidas,
em geral, são compostos orgânicos
cuja toxicidade resulta de modificações
no arranjo de átomos de carbono,
hidrogênio, nitrogênio e oxigênio,
dentre outros. Estes elementos não
metálicos não são intrinsecamente tóxicos.
Conseqüentemente, torna-se
possível sua conversão para estruturas
não tóxicas, o que pode ser feito através
de processos químicos ou ainda
biológicos. Esta mesma estratégia não
é possível, no entanto, para os metais
pesados, onde o elemento é intrinsecamente
tóxico, embora esta toxidez
dependa, como se verá adiante, da
espécie química formada pelo metal.
Os metais pesados mais perigosos
são o chumbo, mercúrio, arsênio, cádmio,
estanho, crômio, zinco e cobre.
Estes metais são largamente utilizados
na indústria, particularmente na laminação
de metais. Alguns deles estão
também presentes em determinados
pesticidas e até mesmo em medicamentos.
São ainda usados em pigmentos,
esmaltes, tintas e corantes. Em
virtude deste vasto espectro de utilidades,
os metais aportam em sistemas
aquáticos por várias fontes e espécies
diferentes (Manahan, 1997).
Um outro aspecto importante a
respeito da presença de metais em
ambientes aquáticos diz respeito à
forma com que a espécie metálica se
encontra em solução. Os elementos
metálicos se diferenciam pela quantidade
com que estão presentes, mas
também em função das interações que
possuem com outras espécies dissolvidas.
Isto significa que um metal pode
estar presente em um corpo d’água em
várias formas físico-químicas diferentes.
A forma físico-química como um
metal se apresenta é chamada de
especiação química (Howard, 1998). A
importância da compreensão da
especiação química de um elemento
metálico se deve ao fato dela influenciar
as propriedades, a disponibilidade
biológica e, conseqüentemente, a toxicidade
do metal tanto em águas naturais
quanto em águas residuárias. No
caso do mercúrio, por exemplo, sais
como Hg(NO3)2 são bastante solúveis
e se estiverem presentes em água, o
íon Hg(II) permanecerá em solução e
sua concentração deve ser elevada.
Exceto se ânions como o sulfeto também
estiverem presentes, pois o HgS
37
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001
é uma espécie altamente insolúvel e
provavelmente deve se depositar nos
sedimentos de corpos aquáticos. Os
compostos orgânicos contendo mercúrio
(aqueles que apresentam ligações
covalentes C-Hg) são muito mais
tóxicos para os mamíferos que os sais
simples de Hg(II). Os compostos
organo-mercuriais apresentam características
não polares e podem ser
bioconcentrados em tecidos biológicos.
Um íon metálico presente em solução
pode se combinar com uma
espécie doadora de elétrons para formar
um complexo. O doador de um par
de elétrons é uma base de Lewis e é
definido como o ligante. Um exemplo
deste tipo de combinação é mostrado
abaixo, para o cádmio:
Cd2+ + CN– « Cd(CN)+ (1)
Íons cianeto adicionais podem se
ligar sucessivamente para formar os
complexos Cd(CN)2, Cd(CN)3
– e
Cd(CN)4
2–. Neste exemplo, o íon
cianeto é um ligante monodentado, o
que significa que ele tem apenas um
sítio capaz de se ligar ao íon cádmio.
Em águas naturais, no entanto, estão
presentes outros tipos de ligantes, que
são denominados agentes quelantes.
Um agente quelante quando ligado a
um íon metálico forma um composto
chamado de quelato. Em geral, como
um agente quelante pode se ligar ao
metal por mais de uma posição simultaneamente,
os quelatos são complexos
mais estáveis que aqueles envolvendo
ligantes monodentados. A
estabilidade dos quelatos metálicos
tende a ser proporcional ao número de
sítios quelantes disponíveis no agente
quelante.
As substâncias húmicas se constituem
na classe mais importante de
agentes complexantes naturais. Estas
substâncias são bastante persistentes
e têm sua origem na decomposição de
vegetais que se depositam no solo, em
sedimentos etc. São uma mistura
complexa de materiais poliméricos,
com massas molares acima de
300 g.mol-1. As substâncias húmicas
são classificadas de acordo com sua
solubilidade em água. As huminas são
insolúveis, os ácidos húmicos são
solúveis apenas em bases e os ácidos
fúlvicos são solúveis em ácidos e
bases. Em função de suas propriedades
de natureza ácido-base, de
adsorção e de complexação, as substâncias
húmicas, tanto solúveis quanto
insolúveis, têm um efeito importante
nas propriedades de águas naturais.
Normalmente, os ácidos fúlvicos se
dissolvem em água, agindo como uma
espécie solúvel. Os ácidos húmicos e
huminas, por outro lado, permanecem
insolúveis e afetam as características
de corpos aquáticos através da troca
de espécies, tais como cátions e
substâncias orgânicas, com a água.
A elevada capacidade de complexação
frente a metais é um dos aspectos
ambientais mais importantes das
substâncias húmicas e se deve, em
grande parte, à presença em sua estrutura
de um elevado número de grupamentos
carboxílicos e fenólicos. Ferro
e alumínio formam complexos bastante
estáveis com as substâncias húmicas,
ao contrário do magnésio, por exemplo.
Os complexos envolvendo metais
e ácidos fúlvicos desempenham um
papel importante em águas naturais,
pois são responsáveis pela permanência,
em solução, de metais de transição
que participam de processos biológicos.
Particularmente, estão envolvidos
nos mecanismos de solubilização
e transporte do ferro em águas naturais.
Tratamento da água
Um dos grandes benefícios das
tecnologias modernas tem sido a
drástica redução das doenças transmitidas
pela água, entre elas a cólera e o
tifo. Nos dias atuais, estas doenças
não representam mais a mesma ameaça
que já representaram no passado.
O aspecto chave para este avanço foi
o reconhecimento que a contaminação
dos reservatórios de águas destinadas
ao abastecimento público, especialmente
por resíduos humanos, era a
principal fonte de infeção. A partir de
então não foi difícil reconhecer que
muitas doenças poderiam ser eliminadas
através de um tratamento mais
efetivo da água, assim como de uma
melhor disposição para os rejeitos.
A filtração da água potável foi usada,
pioneiramente, no início do século
XIX, na Escócia e Inglaterra. Atualmente,
as estações de tratamento de
água (ETA) são projetadas para forneÁguas
no planeta Terra
A doença de Minamata
Um episódio bastante trágico envolvendo mercúrio e outros metais pesados,
conhecido como “Doença de Minamata”, está largamente registrado na
literatura. O episódio recebeu o nome do local onde ocorreu, uma pequena vila
de pescadores localizada no Japão. Na metade dos anos 50, os gatos da
região começaram a apresentar movimentos espasmódicos estranhos,
seguidos de paralisia parcial, estado de coma e morte. Inicialmente, imaginavase
que se tratava apenas de uma síndrome peculiar dos gatos e pouca atenção
foi dada ao problema. Entretanto, pouco tempo depois, os mesmos sintomas
foram observados em habitantes da região, causando grande preocupação.
Sintomas adicionais, como insanidade, retardamento mental e defeitos em
recém-nascidos também foram observados. Após estudarem vários casos,
especialistas diagnosticaram que a causa das doenças era uma intoxicação
aguda por mercúrio.
Uma indústria química localizada na região estava descartando seus resíduos
contendo mercúrio em um rio que seguia pela Baia de Minamata, onde os
habitantes locais pescavam. O mercúrio orgânico descartado se acumulava
nos sedimentos da baia, sendo ingerido primeiramente por bactérias e sendo
transferido pela cadeia alimentar para peixes e finalmente gatos ou seres
humanos. Os gatos foram as primeiras vítimas por se alimentarem quase que
exclusivamente dos restos de peixes. Quando a situação foi finalmente
controlada, cerca de 50 pessoas haviam morrido e outras 150 haviam contraído
problemas ósseos e nervosos. Ainda hoje as marcas da tragédia permanecem,
nos deficientes físicos e mentais de alguns descendentes de pessoas atingidas
(Nebel e Wright, 2000).
38
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001
cer água continuamente, de maneira a
atender a critérios de potabilidade. No
Brasil, as normas e padrões de potabilidade
para a água destinada ao
consumo humano, em vigor nos dias
atuais, estão dispostas na Portaria n.
36 do Ministério da Saúde, de 19 de
janeiro de 1990. Cabe ao Ministério da
Saúde, em articulação com as autoridades
sanitárias competentes dos
Estados e Distrito Federal, exercer a
fiscalização e o controle do exato cumprimento
das normas e padrões previstos
pela portaria.
As principais operações consistem
na decantação, coagulação/floculação,
filtração e desinfecção (Figura 3).
Estas operações têm como principais
objetivos a remoção do material particulado,
bactérias e algas; remoção da
matéria orgânica dissolvida, que confere
cor a água e remoção ou destruição
de organismos patogênicos tais
como bactérias e vírus. Estas operações
podem evidentemente variar
dependendo da fonte de água e igualmente
dos padrões a serem alcançados
(Glynn Henry
e Heinke, 1996).
No caso do tratamento
de águas superficiais,
a água se
move pela ação gravitacional
e a primeira
etapa consiste
na remoção de material
com maior tamanho
através de grades. Ocasionalmente,
a água que apresenta baixa
turbidez pode ser tratada através da
decantação direta, sem adição de
substâncias químicas, e posterior
filtração, para remoção de partículas
menores que não se decantam naturalmente.
Em muitos casos, no entanto,
um agente químico é adicionado para
coagular e flocular as partículas com
menor tamanho. Estas partículas, de
tamanho coloidal, podem então ser
removidas por decantação, em tanques,
ou diretamente em filtros.
A sedimentação é a forma mais
antiga e comum de tratamento de
águas e águas residuárias.
Usa a gravidade
como agente
de decantação responsável
pela remoção
do material particulado
suspenso da
água. Trata-se de um
processo simples e
de baixo custo e é
realizado em tanques
de diferentes tamanhos e formas.
As partículas presentes em águas
têm diâmetros que variam entre 10-1 e
10-7 mm. A turbidez é causada por
partículas maiores que 10-4 mm, enquanto
aquelas menores que 10-4 mm
contribuem para a ocorrência de cor e
sabor na água. Do ponto de vista
operacional, estas últimas são consideradas
como dissolvidas,
ao contrário de
particuladas.
A água contendo o
material particulado flui
lentamente para o tanque
de decantação, onde
fica retida por um
tempo suficiente para
que as partículas maiores
possam decantar para o fundo do
tanque. O material que lentamente se
deposita no fundo do tanque é removido
manualmente ou ainda mecanicamente.
Aquele material de dimensões
muito pequenas que não se
decanta naturalmente é então removido
por filtração ou outros métodos.
A coagulação/floculação é um
procedimento químico e físico onde
partículas muito pequenas são desestabilizadas
e então agregadas para
que possam se decantar. Um percentual
significativo das partículas presentes
em águas superficiais são tão
pequenas que demorariam dias ou até
mesmo semanas para
se decantarem naturalmente.
A coagulação é um
processo químico usado
para se desestabilizar
partículas coloidais.
Adiciona-se um
agente químico para
gerar íons carregados
positivamente na
água, que contém colóides carregados
negativamente. Como resultado,
ocorre uma redução na repulsão
existente entre as partículas. Inicialmente,
agita-se rapidamente o sistema
durante cerca de 30 s, afim de aumentar
a dispersão do coagulante. Em
seguida, o sistema é agitado lentamente,
permitindo o contato entre as partículas,
no processo denominado floculação.
Esta agitação lenta e constante
pode ser obtida através de pás movidas
mecanicamente ou ainda por meio
hidráulico, através do direcionamento
adequado do fluxo de água que entra
no tanque de coagulação/floculação.
Por intermédio da ação combinada de
processos químicos e físicos da
coagulação/floculação, as partículas
coloidais que não iriam se decantar são
aglomeradas, formando sólidos de
maior tamanho chamados flocos. O
sulfato de alumínio é o agente coagulante
mais freqüentemente utilizado.
Entretanto, outras substâncias químicas,
tais como sais de ferro(III) ou ainda
polímeros orgânicos, podem ser
empregados na coagulação.
A química da coagulação é relativamente
complexa, mas pode ser ilustrada
através de equações químicas
simplificadas. A coagulação usando
Al2(SO4)3 pode ser descrita através das
seguintes etapas:
1. O sulfato de alumínio em água
gera as espécies Al3+ e SO4
2–. Parte dos
íons Al3+ neutraliza as cargas negativas
dos colóides.
2. A maior parte dos íons Al3+ se
combina com íons OH- presentes na
Águas no planeta Terra
Água
bruta
Base e
coagulante Desinfecção
Rede de
distribuição
Decantador
primário
Decantador
secundário
Filtro
Figura 3: Representação esquemática de uma estação de tratamento de água.
Um percentual significativo
das partículas presentes nas
águas superficiais apresenta
dimensão de tal modo
reduzida que demoraria
dias ou até mesmo semanas
para se decantar
naturalmente
Por intermédio de
processos químicos e físicos
da coagulação/floculação,
as partículas coloidais que
não iriam se decantar são
aglomeradas, formando
sólidos de maior tamanho
chamados flocos
39
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001
água formando Al(OH)3, que interage
com outros cátions presentes em
solução:
Al2(SO4)3 + 6H2O ® 2Al(OH)3(s)
+ 6H+ + 3SO4
3– (2)
Deve-se observar que o hidróxido
de alumínio formado tem uma constante
de solubilidade bastante baixa
(Kps = 3,0x10-34).
3. O Al(OH)3 se caracteriza como
uma dispersão coloidal (sol) positivamente
carregada, que neutraliza as
cargas das partículas
coloidais presentes
na água. O excesso
de Al(OH)3 é neutralizado
pelos íons SO4
2-.
O excesso de íons
H+ formados tende a
diminuir o pH do
meio, o que pode
contribuir para a interrupção da formação
do Al(OH)3, que é dependente do
pH. Em alguns casos, o excesso de
H+ é removido pela alcalinidade,
presente em águas naturais na forma
de íons HCO3
–:
6H+ + 3SO4
2– + 3Ca(HCO3)2 ®
3Ca2+ + 3SO4
2– + 6CO2 + 6H2O(3)
A reação geral, combinando as
duas equações anteriores, é:
Al2(SO4)3.14,3H2O + 3Ca(HCO3)2 ®
2Al(OH)3 + 3CaSO4 + 6CO2
+ 14,3H2O (4)
que revela que 600 partes de sulfato
de alumínio devem ser adicionadas
para cada 300 partes de alcalinidade
(expressa como CaCO3). Se a alcalinidade
do meio for insuficiente, o pH do
meio deve ser aumentado pela adição
de base, Ca(OH)2, NaOH ou ainda
Na2CO3. O pH ideal para a coagulação
com sulfato de alumínio é aproximadamente
7.
Normalmente, não é possível se
obter uma solução totalmente clarificada
apenas através do uso da decantação
direta ou ainda pela combinação
da coagulação/floculação e decantação.
Assim sendo, faz-se necessário
o uso da filtração na extensa maioria
dos processos de tratamento de água.
Nestes casos, a filtração é o processo
através do qual a água passa por um
filtro que se constitui em uma camada
de areia fina depositada sobre camadas
de cascalho ou pedregulho. O
mecanismo da filtração inclui a retenção
de partículas maiores que os poros
do filtro; floculação, que ocorre quando
as partículas são forçadas a se aproximar
do leito filtrante; e sedimentação
das partículas nos poros do filtro. Com
o passar do tempo, os poros do filtro,
especialmente os das camadas superiores,
se entopem e então o filtro
tem que ser limpo através de retrolavagem.
Para assegurar que
a água esteja livre de
microorganismos patogênicos,
ela deve
passar por um processo
de desinfecção. A
cloração é o método
de desinfecção mais
comumente utilizado na maioria dos
países. Quantidades suficientes de
cloro, na forma do gás cloro ou ainda
de hipoclorito, são adicionadas à água
visando destruir ou inativar os organismos
alvo. A cloração permanece como
sendo um método confiável, de relativo
baixo custo e de simplicidade de aplicação.
Outros agentes desinfetantes
podem ser as cloraminas, dióxido de
cloro, ozônio e radiação ultravioleta. A
ozonização tem sido bastante utilizada
na França e tem ganho popularidade
nos Estados Unidos, nos últimos anos
(Bunce, 1994).
O cloro se apresenta na forma de
gás, sob condições normais de pressão
e temperatura.
Este gás pode ser
comprimido para ser
estocado em cilindros,
na forma líquida.
Como o cloro é
um gás altamente
tóxico, ele é normalmente
dissolvido em
água, sob pressão reduzida, e a
solução concentrada resultante é aplicada
a água que vai ser tratada. O cloro
também pode ser encontrado na forma
sólida, como hipoclorito de cálcio,
Ca(OCl)2, ou ainda na forma de solução,
como hipoclorito de sódio, NaOCl.
O gás cloro reage quase completamente
com a água para formar o ácido
hipocloroso:
Cl2 + H2O D HOCl + H+ + Cl– (5)
O ácido hipocloroso se dissocia,
gerando os íons H+ e OCl:
HOCl D H+ + OCl– (6)
A presença do cloro diminui o pH
da água pela liberação de íons H+. O
pH do meio é importante porque
influencia na extensão com que o ácido
hipocloroso se ioniza. Sob valores de
pH inferiores a 7,5, o ácido hipocloroso
é a espécie predominante. Seu potencial
de desinfecção é cerca de 80 vezes
superior se comparado ao hipoclorito,
que é a espécie predominante sob
valores de pH superiores a 7,5. O HOCl
e o OCl– são denominados cloro livre
disponível, o que em outras palavras
significa disponíveis para a desinfecção.
Assim sendo, o potencial de
desinfecção do ácido hipocloroso é
significativamente aumentado sob
valores pH mais baixos, em função da
maior proporção de HOCl presente no
meio (Sawyer et al., 1994).
O cloro é uma espécie química altamente
reativa e quando adicionado a
água deve oxidar substâncias orgânicas
e inorgânicas igualmente. Em conseqüência
disto, nem todo o cloro adicionado
a água irá produzir o chamado
cloro livre disponível. A quantidade de
cloro que reage com espécies inorgânicas
(Fe2+, Mn2+, NO2
– e NH3) e impurezas
orgânicas é denominada de
demanda de cloro. Esta demanda deve
ser satisfeita antes da formação do
cloro livre disponível.
Os aspectos básicos envolvidos no
sucesso da cloração
são a dose e o tempo
de contato. Uma quantidade
suficiente de
cloro deve ser adicionada
para que a demanda
por cloro seja
satisfeita e para gerar
uma concentração de
pelo menos 0,2 mg.L-1 de cloro livre
disponível, após um contato de 10 minutos,
sob pH 7. O excesso de cloro
também deve ser evitado, caso contrário
a água irá apresentar um sabor
característico indesejado. Isto significa
que em uma ETA devem ser feitos testes
freqüentes visando se determinar
a dose correta de cloro a ser aplicada.
Além destes aspectos, a água a ser
Águas no planeta Terra
O cloro é uma espécie
química altamente reativa
e quando adicionado à
água deve oxidar
substâncias orgânicas e
inorgânicas igualmente
A água a ser distribuída
para a população deve
conter um certo teor de
cloro residual, de modo a
prevenir que haja nova
contaminação durante o
processo de distribuição
40
Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001
distribuída para a população deve
conter um certo teor de cloro residual,
que pode ser determinado em uma
amostra coletada na torneira de nossas
casas. Isto é feito para se prevenir que
haja nova contaminação da água,
principalmente durante o processo de
distribuição.
Um dos problemas decorrentes do
uso do cloro como agente de desinfecção
está relacionado com sua capacidade
em reagir com as substâncias
orgânicas de ocorrência natural, que
podem estar presentes na água. Estas
reações produzem os trialometanos
(THM), entre eles o clorofórmio, que é
cancerígeno. Os THM não são removidos
da água através do tratamento
convencional, e desta forma deve-se
assegurar que a matéria orgânica deve
estar ausente da água que vai ser
submetida a cloração.
Considerações finais
Os avanços conquistados na área
de saneamento básico, especialmente
no desenvolvimento de técnicas de
tratamento de água, têm contribuído
para a melhoria da
qualidade de vida de
boa parte da população
de nosso planeta.
Contudo, restam
ainda vários obstáculos
no estabelecimento
de um balanço
adequado entre
nossas necessidades
e o funcionamento dos diversos ecossistemas
da Terra. Primeiramente, é
importante mencionar que uma parcela
significativa da população mundial ainda
não tem acesso a água tratada. No
Brasil, esta situação não é diferente,
pois mais de 50% de nossa população
se encontra nesta situação.
A demanda por água de boa qualidade,
tanto de populações rurais quanto
urbanas de países menos desenvolvidos,
foi identificada pela ONU
como o principal desafio mundial existente
no início dos anos 80. Passadas
duas décadas, verifica-se que a situação
pouco se modificou. Ao contrário,
observa-se que esta demanda tem
aumentado, em função do crescimento
populacional do planeta. Este crescimento
populacional, aliado ao desenvolvimento
industrial e a necessidade
por alimentos, deve continuar aumentando
a demanda por água, o que deve
gerar sérios problemas de abastecimento
no futuro próximo. Ao mesmo
tempo torna-se evidente uma progressiva
deterioração na qualidade das fontes
de água doce, decorrente do
descarte de resíduos domésticos e
industriais para os corpos aquáticos
receptores. Todos estes dados apontam
para a necessidade de uma mudança
drástica de nosso comportamento frente
ao uso da água.
Do ponto de vista quantitativo, a
agricultura, que consome cerca de
70% da água de boa qualidade existente
no planeta, constitui-se no setor
com as maiores potencialidades em
termos de economia, principalmente
através do uso de métodos mais eficientes
e de menor desperdício. Quantidades
significativas de água também
podem ser poupadas pelo setor industrial,
através de processos efetivos de
reciclagem e reuso. A adoção de medidas
que implementem o tratamento de
resíduos tanto domésticos quanto
industriais também
tende a contribuir para
com a melhoria da
qualidade das águas
superficiais, principalmente.
Fica portanto evidente
que tanto no plano
local quanto global,
todas estas questões
terão que ser resolvidas se o que se
almeja é o uso sustentável da água. Isto
representa um grande desafio e medidas
de natureza política, assim como se
mostram necessárias mudanças de
atitude por parte da população. Ao
mesmo tempo, novos desafios de
natureza científica e tecnológica estão
sendo colocados frente à comunidade
científica mundial, na busca por inovações
tecnológicas ambientalmente corretas.
Neste sentido, a compreensão de
processos fundamentais, assim como
sua interdependência, continuarão
sendo essenciais. Todos estes objetivos
só serão efetivamente alcançados,
contudo, se o poder público abandonar
medidas meramente paliativas e investir
profundamente na busca e adoção
de novas soluções. O uso sustentável
Águas no planeta Terra
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Science for Schools home page.[Online]
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edu/
da água é vital para nossa sobrevivência
no futuro.
Notas
1. Mercadoria em estado bruto ou
produto básico de importância comercial,
como café, cereais, algodão,
petróleo etc., cujo preço é controlado
por bolsas internacionais.
2. Para misturas gasosas, 1 ppmv
(parte por milhão em volume) corresponde
a 10-6 x p(total). Portanto, ao nível do mar,
onde p(total) = 1 atm, 1 ppmv = 10-6 atm.
Entretanto, se p(total) = 0,01 atm (valor
encontrado a 30 km de altitude), 1
ppmv = 10-6 x 0,01 atm, ou seja, 10-8 atm.
Marco Tadeu Grassi(mtgrassi@quimica.ufpr.br),
químico, mestre em química analítica e doutor em química
analítica ambiental pela Unicamp, tem pós-doutorado
em engenharia ambiental pela Universidade de
Delaware (EUA) e é professor na Universidade Federal
do Paraná.
Todos os dados
apresentados aqui
apontam para a
necessidade de uma
mudança drástica de nosso
comportamento frente ao
uso da água
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