quarta-feira, 20 de junho de 2012
NORDESTINOS NA AMAZÔNIA
[17]; João Pessoa, jul/ dez. 2007. 115
MODERNIDADE, AGRICULTURA
E MIGRAÇÃO NORDESTINA:
CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO DA COLONIZAÇÃO
DA AMAZÔNIA (1877-1888)1
Francivaldo Alves Nunes2
No século XIX, a expansão dos mercados, o crescimento da população, o
melhoramento nos meios de transportes, o desenvolvimento industrial e a
acumulação de capital criavam condições para a inserção do Brasil na era da
modernidade. Os discursos enfatizavam a necessidade de se consolidar as idéias
de progresso e civilização, cabendo ao poder público a tarefa de promover ações
que desenvolvessem a modernização do país3.
Quando se pensa em modernização do Brasil, costuma-se associar a construção
de fábricas, desenvolvimento de transportes, reestruturação das cidades através
da construção de prédios, grandes avenidas, implantação de luz elétrica, bondes,
entre outros. Nosso trabalho parte do pressuposto de que a proposta de
modernização do país não pode ser compreendida apenas na organização produtiva
industrial ou na ordenação dos centros urbanos4. O sentido de progresso e
civilização, elementos constantes nos discursos sobre o moderno, se concentraria
também em exercer um maior controle sobre as atividades agrícolas, rediscutir a
importância da terra, promover a organização da grande propriedade, criar
condições de abastecimentos dos centros urbanos e exercer a conquista do Estado
sobre a agricultura.
Na Amazônia os discursos sobre modernidade envolvem, além da necessidade
de um maior controle sobre a atividade agrícola, o inevitável domínio da floresta e
ocupação populacional da região. A agricultura nesse sentido se constituirá como
elemento fundamental para trazer a modernidade, uma vez que, se por um lado
poderia abastecer os grandes centros urbanos da região, por outro lado terá a
função de promover o desmatamento e a ocupação de grandes áreas florestais.
1 Este trabalho é resultado do projeto de pesquisa intitulado “Migrantes Nordestinos e Modernidade
no Pará: agricultura e espaço urbano (1877-1889)”, que desenvolvo junto ao Mestrado em História
Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará e que tem o apoio da SEDUC - Secretaria de
Educação do Estado do Pará.
2 Mestrando em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará.
3 COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia a República: momentos decisivos. São Paulo: Fundação
Editorial da UNESP, 1999, p. 169.
4 Para uma discussão acerca de modernidade na Amazônia destacam-se os importantes trabalhos:
SARGES, Maria de Nazaré. Riquezas produzindo a Belle-Époque: Belém do Pará (1870-1910).
Belém: Paka-Tatu, 2000. DAOU, Ana. A Belle-Époque amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000. CRUZ, Ernesto. História de Belém. Belém: UFPA, 1973. DIAS, Edinéa Mascarenhas. A ilusão
do fausto: Manaus 1890-1920. Manaus: Valer, 1999.
116 [17]; João Pessoa, jul./ dez. 2007.
A agricultura, como atividade capaz de desenvolver a região foi uma temática
constante nos discursos das autoridades na Amazônia. No Pará tornou-se recorrente
nos relatórios e pronunciamentos dos Presidentes de Província a exaltação da
agricultura como capaz de promover “a prosperidade e a grandeza futura da
província”5, sendo a Zona Bragantina, localizada a Nordeste do Estado como a
região mais apropriada, uma vez que, segundo as autoridades apresentava
excelentes terrenos para a agricultura e continha ricas madeiras em suas matas6.
A concepção de modernidade relacionada a progresso e civilização e os discursos
que se formaram em torno dessa temática levaram à construção de alguns
estereótipos que se afirmaria como moderno, caracterizando o modelo de
organização da sociedade, como o tipo de indivíduo, aspecto comportamental,
tipo de economia e forma de pensamento. Para a Amazônia se pensou a constituição
de um modelo de modernidade que se enquadrasse dentro de uma referência
européia, mas que por outro lado acabou se tornando refém da forma como a
região se apresentava, ou seja, buscou-se atender às exigências de um modelo
europeu de desenvolvimento e civilidade, no entanto, esse modelo acabou sendo
condicionado às características da Amazônia. Pensar em modernidade para a
Amazônia é também considerar os povos que viviam nessa região, a floresta e a
relação que se estabelecia entre o homem e a natureza.
Para as autoridades provinciais, modernidade constitui, no contexto da região
amazônica, utilizar os solos férteis, dominar as matas e povoar a região. Em 1874,
o Presidente da Província do Pará, Pedro Vicente de Azevedo, em relatório
apresentado à Assembléia Legislativa Provincial, informa sobre a necessidade da
criação de ações governamentais que pudessem garantir o desenvolvimento das
“bases de prosperidade e grandeza futura da província”7.
Pensando na agricultura como elemento responsável em trazer o progresso para
a região, ou seja, capaz de promover o bom aproveitamento das terras férteis,
desenvolver o controle da matas através do desmatamento e, por conseguinte,
garantir o povoamento através da ocupação dessas áreas desmatadas por famílias
de colonos, a atividade agrícola é destacada na documentação como a “primeira,
mais nobre e mais fecunda das indústrias no Brasil”8.
Quando se observa, nos pronunciamentos e relatórios, referências diretas a
importância da agricultura como capaz de promover o desenvolvimento da
Amazônia, precisamos atentar às reais intenções desses discursos. Não se pode
negar o problema da falta de alimentos, principalmente a partir do crescimento da
atividade extrativista da borracha9. Produtos como o café, o algodão, o açúcar, o
5 RELATÓRIO apresentado à Assembléia Legislativa Provincial na 19ª Legislatura pelo Presidente da
Província do Pará o Excelentíssimo Senhor Doutor Pedro Vicente de Azevedo em 15 de fevereiro de
1874. Belém: Tipographia do Diário do Gran-Pará, 1874, p. 61.
6 RELATÓRIO..., 15 fev. 1874, p. 65.
7 RELATÓRIO..., 15 fev. 1874, p. 62.
8 RELATÓRIO..., 15 fev. 1874, p. 61.
9 Para uma discussão acerca da produção agrícola na Amazônia e as conseqüências dessa produção
com o desenvolvimento da economia extrativista da borracha, ver: WEISNTEIN, Bárbara. A borracha
na Amazônia: expansão e decadência (1859-1920). São Paulo: Hucitec, 1993.
[17]; João Pessoa, jul/ dez. 2007. 117
cacau, o arroz e o tabaco, anteriormente produzidos na região, passavam a ser
importados do Maranhão, Pernambuco, Bahia e Ceará. Até o cultivo da mandioca
para o fabrico da farinha, produzida em grande quantidade, diminui a sua
produção, reclamavam as autoridades do Pará10. Pode se associar essa valorização
da atividade agrícola ao resultado de uma preocupação com a diminuição da
produção agrícola, no entanto, isso se constitui numa explicação incompleta. Por
trás de um discurso que concebia a modernidade associada ao crescimento
agrícola, outras intenções estão postas.
As conseqüências d’esta deserção do seio da província e dos campos
de sua lavoura, aí estão se revelando, há muito, na falta e na carestia
dos produtos agrícolas e dos gêneros alimentícios mais indispensáveis
ao povo, produtos que não há muitos anos, provinham do trabalho dos
paraenses e abundavam consideravelmente11
Embora se encontre a preocupação das autoridades com a falta de produtos
como no relatório de 1874 de Pedro Vicente de Azevedo, outras questões devem
ser consideradas. Não podemos, no entanto, levar essa discussão apenas para
uma questão de necessidades produtivas. Havia a preocupação de ocupar a região
com indivíduos que se convencionou chamar de “homens laboriosos”, daí se
encontrar nos discursos do período o apelo para que se dirigissem para a região
“famílias que venham povoar a nossas vastas terras desertas e de braços livres que
cultivem o fecundo e riquíssimo solo que pisamos sem aproveita-los”12. Há, portanto,
uma inquietação, presente nos discursos sobre modernidade, em transformar o
colono em “homem laborioso”, ou seja, em indivíduo capaz não apenas de povoar
a região, mas também de explorar as suas riquezas. Uma outra discussão que
observamos, é a preocupação com o melhor aproveitamento das riquezas da região,
principalmente a intensificação da exploração da floresta, através da retirada de
madeira.
Fazendo referência ao projeto de construção de colônias agrícolas na estrada
de Bragança, o Presidente do Pará destaca as “ricas madeiras existentes em suas
matas”13, demonstrando a necessidade de fazer a retirada dessa riqueza, possível
através da construção de colônias na região, que ao mesmo tempo em que
desenvolvia a produção agrícola, promoveria a retirada dessas madeiras.
Em relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial em 1876, o
Presidente Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides, citava os êxitos em procurar
promover o progresso da província do Pará através da agricultura, afirmando que
“prosseguem em seus trabalhos os que perseveraram, grandes derrubadas e algumas
plantações já existem, e hoje, quase sem receio de errar se pode asseverar que ali
10 RELATÓRIO..., 15 fev. 1874, p. 61.
11 RELATÓRIO..., 15 fev. 1874, p. 62.
12 RELATÓRIO..., 15 fev. 1874, p. 62.
13 RELATÓRIO..., 15 fev. 1874, p. 65.
118 [17]; João Pessoa, jul./ dez. 2007.
está a semente da colonização na estrada de Bragança”14.
A construção de colônias agrícolas é uma outra questão associável a agricultura.
Os governos provinciais quando depositavam na agricultura a responsabilidade
em trazer o desenvolvimento para a região amazônica, entendiam a produção
agrícola sob o controle do Estado. As autoridades deveriam definir o que era
produzido, delimitar os espaços a serem ocupados pela atividade agrícola, fiscalizar
os colonos e criar normas de organização para esses trabalhadores. As colônias
agrícolas subvencionadas constituiriam esses espaços de controle e disciplina.
Observavam-se como critérios de seleção de locais para implantação de colônias
agrícolas, a proximidade com os centros urbanos e a presença de madeiras que
pudessem ser extraídas da região, embora se ressaltasse a importância da fertilidade
do solo. Pedro Vicente de Azevedo, em relatório de 1874, destacava as principais
características de uma região onde se pretendia construir uma colônia, afirmando
que se deveria evitar “terrenos convenientemente acidentado e sobranceiro a toda
sorte de inundações”, buscando “solo profundamente coberto ou composto, pela
maior parte, de húmus, que o torna extraordinariamente fecundo; florestas ricas de
madeira, as mais estimadas” e ainda “águas salutíferas, postos não em grande
abundância” e “clima e ar fresco”, onde “os vapores navegam naqueles rios,
facilitando a comunicação com a capital e a exportação dos produtos da colônia”15.
Utilizando os mesmos critérios para escolha dos locais de implantação das
colônias agrícolas, O Presidente do Pará, Guilherme Francisco Cruz, dizia que
“incontestavelmente o local mais apropriado para as colônias agrícolas, é a estrada
de Bragança, não só pela uberdade do solo, como por estar próximo ao mercado da
capital e comunicar-se facilmente com as cidades de Vigia e Bragança, vilas de
Cintra, Botu - Intento, Ourém e São Miguel, freguesias de São Caetano e Benfica,
e povoação de Santa Izabel”16, importantes áreas urbanas do nordeste do Pará.
Em relatório anterior ao de Guilherme Francisco Cruz, Pedro Vicente de Azevedo
já fazia uma defesa construção de colônias agrícolas na Zona Bragantina,
afirmando que essa região, além da “excelência de terrenos para a agricultura” era
formada também por “ricas madeiras existentes em suas matas”17.
A implantação das colônias agrícolas pressupõe o controle dos trabalhadores
nas áreas de plantação e a imposição do ritmo produtivo. A intenção é acelerar o
processo de retirada da madeira não apenas por particulares, mas financiadas
pelo governo Provincial18.
14 RELATÓRIO apresentado pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Francisco Maria Corrêa de Sá e
Benevides Presidente da Província do Pará à Assembléia Legislativa Provincial na sua sessão solene
de instalação no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará, 1876, p. 49.
15 RELATÓRIO..., 15 fev. 1874, p. 63.
16 RELATÓRIO com que o Excelentíssimo Senhor Doutor Guilherme Francisco Cruz 1º Vice Presidente
passou a administração da Província do Pará ao Excelentíssimo Senhor Doutor Pedro Vicente de
Azevedo em 17 de janeiro de 1874. Belém: Tipographia do Diário do Gran-Pará, 1874, p. 15.
17 RELATÓRIO..., 15 fev. 1874, p. 65.
18 Identifica-se na região uma grande quantidade de serrarias particulares, principalmente nas áreas
próximas a Benfica. Ver: RELATÓRIO apresentado pelo Excelentíssimo Senhor Doutor José Coelho
[17]; João Pessoa, jul/ dez. 2007. 119
Para o sucesso das colônias agrícolas necessitava exercer, por parte das
autoridades provinciais, o controle dessas colônias, o que significa demarcar os
lotes, definir os produtos a serem cultivados, garantir a distribuição de sementes,
ferramentas e alimentação, pelo menos até a primeira colheita. Para isso, o governo
provincial criara, em 1876, uma comissão para organizar a implantação das
colônias agrícolas, formada pelo bacharel Antonio Nunes, então presidente da
comissão, o engenho Guilherme Francisco Cruz, o coronel Francisco Xavier Pereira
de Mello e os comerciantes Francisco Gaudêncio da Costa e Fortunato Alves de
Souza, além do cônsul dos Estados Unidos, posteriormente substituído pelo cônsul
do Império Alemão, e os vices cônsules da França e Espanha19.
Os terrenos marginais à estrada de Bragança foram demarcados. Segundo
informações do relatório provincial de 1876 foram demarcados “116 lotes de
terrenos, ocupando uma área de menos de uma légua quadrada”20, que deveriam
ser entregues aos colonos. Em 26 de maio do mesmo ano, o engenheiro João
Paulo Dias Carneiro, foi incumbido de prosseguir na demarcação de lotes de terra,
selecionando 600 braças de terras paralelas à estrada de Bragança e dividindo em
lotes todo esse terreno. Ainda em 1876 foram feitas novas medições, uma vez que
os lotes anteriormente demarcados estavam todos ocupados, assim sendo, foi
necessário fazer medições “nos fundos dos lotes concedidos e dentro do território
de 2 léguas quadradas já medido, linhas paralelas à estrada, onde serão os novos
lotes”21.
O controle das autoridades provinciais não se encerrava nas divisões de lotes
de terras. Havia também o controle sobre a produção, que era exercido através da
distribuição de sementes para o plantio, ficando sob a fiscalização da administração
provincial o tipo de semente e a quantidade a ser distribuída, sem contar que era
o governo que delimitava a área de plantio. Em contrapartida o governo provincial
ficaria responsável pelo abastecimento de produtos nos núcleos coloniais até o
início da primeira colheita, além do fornecimento de viveres e outras mercadorias
que não são produzidas no núcleo. Fica também por conta da administração
provincial a construção de acomodações provisórias. Em 1876, através de relatório
da presidência da Província do Pará, relatava-se a construção de 5 barracões no
núcleo colonial de Benevides, cuja função era abrigar novos colonos22.
Os colonos residentes dos núcleos agrícolas estavam em constante fiscalização.
Qualquer acontecimento deveria ter autorização do governo provincial. A exemplo
da Gama e Abreu Presidente da Província do Pará à Assembléia Legislativa Provincial na sua 1ª
sessão da 22ª Legislatura em 15 de fevereiro de 1880. Pará, 1880, p. 27.
19 RELATÓRIO apresentado pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Francisco Maria Corrêa de Sá e
Benevides Presidente da Província do Pará à Assembléia Legislativa Provincial na sua sessão solene
de instalação no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará, 1876, p. 49.
20 RELATÓRIO..., 15 fev. 1876, p. 20.
21 RELATÓRIO..., 15 fev. 1876, p. 20.
22 RELATÓRIO com que o Excelentíssimo Senhor Presidente da Província do Pará Drº Francisco Maria
de Sé e Benevides entregou a administração da mesma ao Excelentíssimo Senhor Drº João Capistrano
Bandeira de Melo Filho em 18 de julho de 1876. Pará. Belém: Tipographia do Diário do Gran–Pará,
1876, p. 20.
120 [17]; João Pessoa, jul./ dez. 2007.
temos o plano de Augustin Gregoire, imigrante francês, recém chegado na Província
do Pará, havia proposto ao governo da Província a construção de uma fábrica de
telhas, tijolos e vidros na colônia agrícola de Benevides. A instalação da fábrica,
que, segundo Augustin Gregoire, seguia os novos sistemas adaptados na França,
precisou de autorização do governo provincial, que encaminhou até a região uma
comissão de colonização, responsável em verificar as mudanças proporcionadas
com a instalação da fábrica, principalmente no que se refere ao ritmo da produção
agrícola e à retirada de madeiras23.
A presença de nordestinos nos núcleos coloniais agrícolas se intensifica,
principalmente a partir de 1877 em razão da estiagem que atingiu o nordeste
brasileiro24. A seca que assolou as províncias do Ceará, Piauí, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe, Rio Grande do Norte e Maranhão, e que nos dizeres de José Joaquim do
Carmo “esterilizou a terra, empobreceu e lançou na miséria o homem”25, motivou
o deslocamento de uma grande quantidade de retirantes para a Amazônia.
A administração provincial do Pará procurou aliar os interesses da região com
a necessidade de garantir abrigo aos que desejassem migrar para o Pará. No entanto,
observamos nos pronunciamentos do governo provincial a necessidade de regular
e controlar a migração nordestina. Em fala apresentada à Assembléia Legislativa
Provincial, o Presidente do Pará destacava “a necessidade de regularizar o serviço,
dando lhe uma certa organização”26; ressaltando ainda a necessidade da construção,
com urgência, de “regras e preceitos que lhe dêem uma certa organização,
consentânea assim aos interesses do retirante, com aos da província e aos do
estado”27.
Ainda em 1878, o engenheiro Martinho Domiense Pinto Braga apresentou um
parecer em que destacava a importância da migração nordestina para o Pará,
desde que houvesse todo um controle de entrada e permanência desses retirantes
na Província do Pará.
Sobre as providências tomadas pela Presidência do Pará para o recebimento
dos migrantes destaca-se a implantação de um serviço de recebimento, responsável
em garantir alimentos e acomodação aos retirantes, além de estabelecer um conjunto
de regras a que estariam submetidos os migrantes nordestinos.
Ao governo provincial cabia responsabilidade de atender os retirantes
nordestinos que desembarcassem na capital do Pará com alojamentos e
alimentação, durante “o tempo restritamente indispensável para se lhes dê destino,
23 RELATÓRIO..., 15 fev. 1874, p. 63.
24 DAVIS, Mike. Holocaustos coloniais: Climas, fome e imperialismo na formação do Terceiro Mundo.
Rio de Janeiro: Record, 2002, p.16-17.
25 FALLA com que o Excelentíssimo Senhor Drº José Joaquim do Carmo abriu a 1ª sessão da 21ª
legislatura da Assembléia Legislativa da Província do Pará em 22 de abril de 1878. Pará: Tipographia
da Província do Pará, 1878, p 6.
26 FALLA com que o Excelentíssimo Senhor Drº José Joaquim do Carmo abriu a 1ª sessão da 21ª
legislatura da Assembléia Legislativa da Província do Pará em 22 de abril de 1878. Pará: Tipographia
da Província do Pará, 1878. Anexo A-I.
27 FALLA..., 22 abr. 1878, p. 6.
[17]; João Pessoa, jul/ dez. 2007. 121
em prédios ou edifícios, em que possam estar sem prejuízo da higiene e da
moralidade, e sob imediata inspeção do funcionário encarregado de dirigi-los e
encaminhá-los”28.
Nos alojamentos os retirantes deveriam ficar o menor tempo possível. Para os
que permanecessem no Pará teriam o prazo de “três dias para obter o arranjo ou
meios de subsistência por trabalho lícito”, caso não conseguissem trabalho nesse
período seriam “empregados em obras públicas compreendidas à abertura e
melhoramento de estradas, ou na agricultura”. Para os que desejassem se dirigir às
colônias agrícolas, o governo provincial garantiria os transportes para os centros
agrícolas, além dos “meios de trabalho e arranjo, quer no serviço público quer no
serviço particular”29.
Além do transporte e instrumentos de trabalho, o retirante nordestino receberia,
conforme o número de pessoas de sua família, e o trabalho que se houver de fazer,
uma espécie de auxílio pecuniário para as suas primeiras despesas. Para os socorros
pecuniários aos retirantes e o salário remunerador em obras públicas, a presidência
da província estabeleceu as seguintes diárias:
SOCORROS DIÁRIAS
Chefe da família por si e sua mulher 640
Para cada um filho maior de 12 anos 200
Para cada um filho menor de 12 anos 160
Os solteiros ou viúvos sem família 400
Os proletários sem família 500
SALÁRIOS DIÁRIAS
De um dia ou 9 horas de serviço ao carpinteiro 1$500
De um dia ou 9 horas de serviço ao pedreiro 1$200
De um dia ou 9 horas de serviço ao servente braçal 800
De um dia ou 9 horas de serviço ao servente de 10 à 14 anos 400
Fonte: FALLA, 22 abr. 1878. A-I.
28 FALLA..., 22 abr. 1878, p. 6, A-I.
29 FALLA..., 22 abr. 1878, p. 6, A-I.
122 [17]; João Pessoa, jul./ dez. 2007.
Nas colônias agrícolas da zona bragantina, o engenheiro Pinto Braga, foi
encarregado pelo Presidente da Província de executar serviços em que utilizassem
os migrantes nordestinos. Em Benevides foi determinada a construção de barracões
para serem utilizados como acomodações, além da demarcação de lotes de terras.
Embora ficasse estabelecido o auxílio pecuniários aos retirantes nordestinos,
em julho de 1880 o governo imperial ordenou “a suspensão e por outro posterior a
diminuição severa das despesas”. Assim, para uma despesa que correspondia a 14
contos por semana e 56 por mês, houve uma redução para 20 contos mensais, o
que segundo o Presidente José Coelho da Gama e Abreu “produziu uma série de
irritação na colônia”30.
Insatisfeitos com a diminuição dos auxílios fornecidos pelo governo provincial
do Pará, os colonos de Benevides ocuparam a sede da diretoria da colônia, o “que
dera lugar a lutas pessoais entre o diretor e colonos”, houve ainda “espancamento
das praças de um destacamento” e ameaçaram o governo provincial propondo
uma marcha para a capital para recuperar os recursos que haviam sido
diminuídos31.
A diminuição dos recursos de auxílio aos colonos implicava na dificuldade de
permanência no núcleo colonial, uma vez que era através desses recursos que se
garantiam a aquisição de ferramentas de trabalhos, alimentação e vestuário. O
movimento foi reprimido pela administração provincial, que buscava justificar a
repressão afirmando que a ação dos colonos foi motivada por um grupo de “rixosos
e turbulentos”, que “não queriam lotes e só estavam agarrados ao trabalho diário
ao qual faltavam grandes números de dias, sendo todavia incluídos nas folhas de
pagamento”32.
Algumas providências foram tomadas para evitar novos movimentos de
contestação. Foram despedidos cerca de 200 trabalhadores, considerados como
mal intencionados e que estiveram envolvidos diretamente na revolta, inclusive
obrigando o diretor, Antonio Bernardino Jorge Sobrinho, a deixar a colônia de
Benevides e partir para Belém33.
O Presidente José Colho da Gama e Abreu, em relatório apresentado à
Assembléia Legislativa Provincial, faz algumas considerações sobre o movimento
ocorrido na colônia de Benevides e que sintetiza muito bem como se deu o processo
de ocupação da Zona Bragantina no Pará e o modelo de colonização pensado
pelo governo provincial para essa região:
Em conseqüência de terem sido restringidos recursos dados aos
retirantes cearenses do núcleo colonial de Benevides, houveram receios
de uma alteração da ordem pública, receios que depois foram
30 RELATÓRIO apresentado pelo Excelentíssimo Senhor Dr José Coelho da Gama e Abreu Presidente
da Província a Assembléia Legislativa do Pará na sua 1ª sessão da 22ª legislatura em 15 de fevereiro
de 1880. Pará, 1880, p. 26.
31 RELATÓRIO..., 15 fev. 1880, p. 25.
32 RELATÓRIO..., 15 fev. 1880, p. 26.
33 RELATÓRIO..., 15 fev. 1880, p. 26.
[17]; João Pessoa, jul/ dez. 2007. 123
justificados pela insurreição que ali teve lugar contra o diretor atual.
Estas alterações do sossego da colônia devem ser atribuídas à
malevolência de alguns despeitados, à quem a economia rigorosa que
tem reinado na colônia, não permite usufruir os mesmos interesses que
até esse tempo alcançaram, e também a persuasão em que outros
mantinham os retirantes de que indefinidamente tinham direito a ser
socorridos sem por sua parte e com o trabalho procurar aliviar o governo
de tão pesado ônus. Felizmente a energia do diretor e as providências
tomadas, fizeram entrar tudo na órbita do sossego e tranqüilidade que
ali continua a reinar.34
34 RELATÓRIO..., 15 fev. 1880, p. 5.
RESUMO
A colonização da Zona Bragantina, no
nordeste do Pará foi justificada pela
necessidade de inserção do Pará na era da
modernidade. Os discursos das autoridades
paraenses, na segunda metade do século XIX,
reforçavam a idéia de consolidar o progresso
e a civilização, cabendo ao poder público a
tarefa de promover ações que desenvolvessem
a modernização do Pará. A proposta deste
trabalho é pensar a modernização não apenas
na organização produtiva industrial ou na
ordenação dos centros urbanos. O sentido
de progresso e civilização, elementos
constantes nos discursos sobre o moderno,
se concentraria também em exercer um maior
controle sobre as atividades agrícolas,
rediscutir a importância da terra, promover a
organização da grande propriedade, criar
condições de abastecimentos dos centros
urbanos e exercer a conquista do Estado
sobre a agricultura. A Amazônia se mostra
um excelente espaço para fazer essa
discussão.
Palavras-Chave: Colonização; Agricultura;
Migração.
ABSTRACT
Pará authorities’ speeches, in the second half
of the nineteenth century, reinforced the idea
of consolidating the progress and the
civilization; it is up to the public authorities
the duty of promoting actions which develop
the modernization of Pará. The proposal of
this work is to think of modernization not only
in the productive industrial organization or the
ordering of the urban centers. The meaning
of progress and civilization, constant elements
in speeches about the modern, would also
concentrate in carrying a bigger control on
agricultural activities, discuss the land
importance again, promote the large property,
create supplying conditions of the urban
centers and carry on the State’s conquest over
the agriculture. The Amazon shows itself as
an excellent space to make this discussion.
Keywords: Colonization; Agriculture;
Migration.
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