quarta-feira, 6 de junho de 2012

mosteiros medievais na rússia

F I Ó D O R D OSTO I É VS K I O adolescente Adaptação e apêndice: Diego Rodrigues Ilustrações: Renato Alarcão Copyright do texto © 2010 by Diego Rodrigues Copyright das ilustrações © 2010 by Renato Alarcão Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Título original Podrostok Capa Paula Astiz sobre ilustração de Renato Alarcão Mapa Sonia Vaz Fontes: Site do Centro de Cidades Históricas da Universidade Hebraica de Jerusalém (historic-cities.huji.ac.il) e Atlas de história medieval, de Collin McEvedy. Companhia das Letras, 2007. Preparação Leda Cartum Revisão Erika Nakahata Ana Maria Barbosa Os personagens e as situações desta obra são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos, e sobre eles não emitem opinião. [2010] Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz ltda Rua Bandeira Paulista 702 cj. 32 04532-002 — São Paulo — sp Telefone (11) 3707-3500 Fax (11) 3707-3501 www.companhiadasletras.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Dostoiévski, Fiódor, 1821-1881. O adolescente/ Fiódor Dostoiévski ; adaptação e apêndice Diego Rodrigues ; ilustrações Renato Alarcão. — São Paulo : Companhia das Letras, 2010. Título original: Podrostok isbn 978-85-359-1671-3 1. Romance russo i. Rodrigues, Diego ii. Alarcão, Renato iii. Título. 10-04129 cdd-891.73 Índice para catálogo sistemático: 1. Romances : Literatura russa 891.73 Sumário Convite a ler 7 As personagens 9 Sobre os nomes e apelidos russos 13 O adolescente A Rússia na época de O adolescente (mapa) 16 Primeira parte 19 Segunda parte 115 Terceira parte 203 Epílogo 307 Glossário 317 A universidade do adolescente 320 A força da língua russa 322 A vida do autor de O adolescente 323 O surgimento do romance psicológico 325 A Rússia do século xix: um conflito de mentalidades 328 Enquanto isso, no Brasil... 330 Brasil e Rússia: a França em comum 332 9 As personagens Algumas personagens de O adolescente estão presentes do começo ao fim da história; outras aparecem somente em determinados momentos. Procuramos lis- tar aqui todas as personagens principais e secundárias de alguma relevância. Sinta-se à vontade para consultar esta lista e compreender as relações de parentesco, amizade ou qualquer outro gênero entre elas durante a leitura do livro. Muitas das relações, aliás, só se revelarão com o desenrolar do enredo, por isso nem todas são mencionadas aqui. O protagonista: Arkádi Makárovitch Dolgorúki A família: Núcleo central Andrei Petróvitch Sófia Andréievna Makar Ivánovitch Dolgorúki Versílov (Sônia) pai verdadeiro de mãe de Arkádi; serva pai legal de Arkádi, cedeu seu nome Arkádi, possui uma de Versílov a ele; servo de Versílov e, pela lei, propriedade no campo marido de Sófia Ana Andréievna Arkádi Versílova filho bastardo de Versílov, recebe o sobrenome de Makar, um servo meia-irmã de Arkádi, Elisavieta Makárovna (Lisa) filha de Versílov e da irmã mais nova de Arkádi falecida Fanariótova 10 Outras personagens importantes: Tatiana Pávlovna Prutkova administradora da fazenda de Versílov, é uma espécie de madrinha de Arkádi; mantém contato com Katerina Nikoláievna Príncipe Nikolai Ivánovitch Sokólski príncipe rico e bondoso, de idade avançada e saúde frágil; Arkádi trabalha por certo período em sua residência Katerina Nikoláievna Akhmákova (generala Akhmákova) filha do príncipe Sokólski, foi casada com o general Akhmákov e possui uma história pregressa com Versílov Príncipe Serguei Petróvitch Sokólski (Serioja) no início, disputa uma herança com Versílov; com o desenrolar da trama, aproxima-se de Arkádi e passa a desempenhar novos papéis Lambert francês, ex-colega de internato de Arkádi, golpista Demais personagens: Fanariótova primeira mulher de Versílov, mãe de Ana Andréievna Touchard dono do internato de mesmo nome em que Arkádi passa parte da infância Nikolai Semiónovitch e Maria Ivánovna Arkádi morou na casa deles quando era adolescente Stolbéiev deixa uma herança que se torna motivo de disputa judicial Andrónikov jurista, amigo de Stolbéiev e Katerina e tio de Maria Ivánovna Ana Fiódorovna parente do príncipe Serioja e amiga de Lisa 11 Dergatchov na casa dele, estudantes se reúnem para animados debates Kraft estudante, frequenta a casa de Dergatchov; trabalhou para Andrónikov e possui uma carta que interessa a Katerina Vássin outro estudante que frequenta a casa de Dergatchov; aproxima-se de Lisa Stebielkov padrasto de Vássin, é enigmático e espertalhão General Akhmákov primeiro marido de Katerina e pai de Lídia, tinha idade avançada Lídia Akhmákova filha do primeiro casamento do general, tinha uma doença no pulmão e supostamente deixou um bebê Piotr Ipolítovitch proprietário do apartamento que Arkádi aluga Barão Bioring pretendente de Katerina Darzan amigo de Serioja Dária Onísimovna amiga de Lisa, cuida da casa onde mora o príncipe Serioja e tem fama de fofoqueira Ziérchtchikov dono do cassino que Arkádi passa a frequentar Afiérdov jogador de roleta experiente Andrei Andréievitch Versílov irmão de Ana e meio-irmão de Arkádi 12 Alphonsine de Verdun (Alfonsina) namorada de Lambert Andréiev, Trichátov e Semion capangas de Lambert 13 Sobre os nomes e apelidos russos Os russos costumam ter três nomes: o de batismo, o patronímico e o de família. O patronímico se forma a partir do nome do pai, com sufixos diferentes para o gênero masculino e o feminino. De modo geral, os filhos recebem o nome do pai com a terminação “itch”, e as filhas, com a terminação “ovna” ou “evna”. O pai adotivo de Arkádi se chamava Makar, por isso seu nome é Arkádi Makárovitch. A irmã de Arkádi — Elisavieta, apelidada de Lisa — também recebeu o nome do pai adotivo; seu nome é Elisavieta Makárovna. Já Ana, meia-irmã de Arkádi e Lisa, é filha oficial de Andrei Versílov, por isso se chama Ana Andréievna. No século xvi, o uso do patronímico era habitual em Portugal, o que deixou marcas nos sobrenomes na nossa língua até hoje. Rodrigues é filho de Rodrigo, Nunes é filho de Nuno, Esteves, filho de Estêvão. O mesmo uso havia na Espanha (Rodríguez, Núñez, Estévez). Quando se faz uma referência ao nome de família no plural, geralmente se acrescenta um “i” na transliteração em português — por exemplo, para se referir à família de Versílov, usa-se “os Versílovi”. Os russos são muito carinhosos no tratamento: parentes e amigos frequentemente chamam um ao outro pelo apelido. Elisavieta é chamada de Lisa; Sófia, de Sônia, e Arkádi por vezes é chamado de Arkacha. Também são usados diminutivos, como mámienhka, que vem de “mamãe”. Nas relações de trabalho e em 14 conversas mais formais, as pessoas costumam ser chamadas pelos dois primeiros nomes; o nome completo só é utilizado em ocasiões jurídicas e muito formais. Como há muitas personagens neste livro, optamos por usar na maioria das vezes os apelidos ou apenas o primeiro nome, para facilitar a leitura. 21 1 Não sei por que me meti a escrever a minha história. Só sei que nunca me sentaria outra vez para escrever uma autobiografia, nem que vivesse mais cem anos. Falar de assuntos íntimos tão abertamente significa estar apaixonado demais por si mesmo. A verdade é que fiquei impressionado demais com tudo o que me aconteceu desde o ano passado para deixar de registrar esta história. Não tenho a intenção de ser um literato — vou evitar ao máximo os artifícios literários. Mesmo assim, será impossível não demonstrar como me senti e o que refleti (e ainda reflito) diante de cada situação. Bem, ao trabalho! Se bem que não haja trabalho mais difícil do que este... Começo pelo dia 19 de setembro do ano passado, quando encontrei pela primeira vez certa pessoa... Mas não posso explicar quem encontrei sem que você, leitor, saiba de toda a história anterior ao encontro. E já começo a cair em artifícios literários! Escrever sem ser vulgar é algo que não depende apenas da vontade... Também, não há língua mais difícil de se escrever que a russa. É por isso que costumo escrever coisas mais idiotas do que as que realmente quero dizer. Então vamos lá. Antes de tudo: meu nome é Arkádi Makárovitch Dolgorúki, tenho vinte e um anos e sou bastardo. Perante a lei, meu pai é Makar Ivánovitch Dolgorúki, ex-servo de meu pai verdadeiro, Versílov — ele, que me impressionou tanto na infância, serviu 22 de inspiração para mim, mas foi sempre um mistério em muitos aspectos. Há vinte e cinco anos, Andrei Petróvitch Versílov visitava uma propriedade que possuía na província de Tula; tinha acabado de perder a mulher, Fanariótova, com quem teve um filho e uma filha. Nesse lugar trabalhava o jardineiro Makar Dolgorúki; aliás, já que falo nele, deixe-me dizer algo para não ter de voltar a isso depois. A herança do sobrenome dele é um fardo para mim — toda vez que eu conhecia alguém era a mesma ladainha: — Meu nome é Arkádi Dolgorúki. — Príncipe Dolgorúki? — Não, só Dolgorúki mesmo. — Só Dolgorúki?... Essa é boa! Quem mais aprontava comigo eram os colegas de escola, os veteranos que gostavam de pegar no pé dos calouros. Para eles, isso era um prato cheio; afinal, é realmente estúpido chamar-se Dolgorúki e não ser príncipe. Eu tinha de explicar que era filho de um criado que por algum acaso tinha nome de nobre, o que no final só piorava as coisas. Mas voltando à história: Versílov chegou às suas terras em Tula seis meses depois do casamento de Makar com uma criada, Sófia Andréievna, de dezoito anos — minha mãe. Eles haviam sido encorajados a casar pela ama e administradora da propriedade, Tatiana Pávlovna Prutkova, que todo mundo chamava de “tia”, e pelo próprio pai da moça, que tinha dado o seu consentimento pouco antes de morrer. A bem da verdade, tratava-se de um casamento arranjado. Tatiana cuidou de Sófia até a idade do casamento, dando- -lhe boa educação. O jardineiro Makar, na faixa dos cinquenta anos, não era alfabetizado nem culto, mas 23 conhecia muito de religião por ouvir falar e tinha um caráter decidido, o que o tornava respeitado — mas muitas vezes chato. Quando teve de ir embora depois do que ocorreu, isso mudou: ele se tornou uma espécie de mártir, um santo mesmo. Não sei bem como Versílov se apaixonou por Sófia, minha mãe, ou o que aconteceu entre eles. Só sei o que ele me contou: que a coisa aconteceu com naturalidade. Sinceramente, sinto repugnância por histórias desse tipo, mas acredito que houve de fato um certo encanto. Em todo caso, não é nada fácil compreender a situação. Minha mãe eu conhecia muito pouco até o ano passado, pois passei a infância sob os cuidados de outras pessoas, a pedido de Versílov — falarei disso mais para a frente. Versílov, que sempre foi um leitor voraz, decidira voltar ao campo inspirado pela leitura de obras como Antônio, o sofredor, de Dmítri Grigoróvitch, que aborda a dureza da vida dos mujiques, os camponeses russos. Só não entendi como alguém tão preocupado com os valores do campo pôde iniciar uma relação com uma serva que se casara havia apenas seis meses e estava em vias de constituir família. Ora, está bem, não me venham dizer que sou ingênuo. É verdade que não sei nada sobre as mulheres, mas também nem quero saber, porque decidi zombar delas para o resto da vida. Porém, sei que a beleza da mulher pode derrubar qualquer homem num instante; sei também que é preciso um convívio de no mínimo seis meses para que se entenda uma companheira no íntimo. Minha mãe não se destacava pela beleza. Ela não serviria para um jovem viúvo, livre e desimpedido como Versílov, “se distrair”. Além disso, atentar contra a 24 paz matrimonial de seu servo logo após ter lido Antônio, o sofredor seria um pecado moral para ele próprio, mesmo porque de Antônio só roubaram o cavalo, não a mulher! A história, porém, ignorou os contratempos. O que consegui arrancar de Versílov, nas poucas vezes em que conversamos recentemente, foi que minha mãe era uma pessoa doce e indefesa, dessas que não despertam paixão, mas suscitam uma compaixão inexplicável, um amor que se cultiva, que nos prende de modo indelével. Sófia certamente não o amava apenas por “humildade” (em outra palavra, servilismo), como ele queria me fazer crer — o que, aliás, seria uma piada. E me parece que não houve muita conversa entre os dois: a coisa começou a acontecer pelos cantos, às escondidas, de um modo bem senhorial. E logo o amor foi adquirindo proporções inimagináveis para um indivíduo como Versílov, cuja tendência é abandonar o terreno assim que atinge a meta. Tudo bem, ele estava em pleno ócio, mas esse amor resolveu durar a vida toda! Quer dizer, não tenho certeza de que ele a amou, mas pelo menos a arrastou consigo por toda a vida. O que me pergunto é: como minha mãe, uma alma tão pura, que acreditava no casamento, que se dedicava a seu Makar com toda a devoção, pôde se render ao pecado? Uma vez, conversei com ela sobre isso e fui até bem intrometido, como um filho ingrato que julga os próprios pais “culpados”, mas não cheguei ao ponto de fazer essa pergunta diretamente. Imagino que ela tenha amado perdidamente aquele homem belo, suas maneiras francesas, as músicas que ele tocava ao piano. Ouvi dizer que isso ocorria às vezes na época da servidão, quando as servas se encantavam com os proprietários. É algo, no entanto, que 25 nada tem que ver com o servilismo em si. O jovem Versílov atraiu-a em direção a um abismo; e, mesmo enxergando esse abismo, ela se deixou levar. Os dois logo se arrependeram. Versílov chamou Makar ao seu gabinete e se desmanchou em lamentos. Mas existem certas coisas que não podem ser desfeitas; assim, passado o escândalo, Versílov pagou a Makar a alforria de Sófia e levou-a consigo. Estiveram em Moscou, em diversos cantos da Rússia, foram para o exterior e por fim assentaram-se em São Petersburgo. Foi quando nasci; um ano depois nasceu minha irmã, Lisa. As relações com Makar, servo que perdera a esposa com quem tinha acabado de casar, não terminaram aí — pelo contrário, desenvolveu-se um vínculo respeitoso. O jardineiro, que se tornara um errante, passando por mosteiros e cidades de toda a Rússia, escrevia regularmente à “esposa” e aos “filhos”, além de pedir a bênção ao senhor que os acompanhava, com muita seriedade e naturalidade. Makar não chegava a chamar Versílov de “benfeitor”, pois tinha amor-próprio, mas era muito respeitoso com ele. Sófia cuidava de redigir as respostas, do mesmo jeito. Versílov não acompanhava a troca de cartas. Porém, como já disse, pouco depois de nascer fui mandado para a casa de estranhos em Moscou. Um bebê chorão seria um incômodo em viagens, e o orgulhoso Versílov queria desfrutar a companhia da jovem e delicada Sófia em seus passeios. No fim das contas, até os vinte anos só vi minha mãe duas ou três vezes. Aqui cabe mencionar um assunto novo: a “minha ideia”. Isso mesmo. Algo que diz respeito a meu modo de pensar, a meus objetivos na vida, a minha copyright autor do texto

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