segunda-feira, 18 de junho de 2012

metalurgia no brasil (sd. joão vi)

As primeiras usinas para trabalhar ferro e açoO fim do período colonial aconteceu abruptamente, sem obedecer a nenhum planejamento ou estratégia, foi apenas a conseqüência da transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, fugindo às pressas da invasão daquele país pelas tropas napoleônicas. A situação de Reino Unido dura apenas quatorze anos, pois a separação oficial e definitiva ocorre em 1822. Mas já a partir da vinda de D. João VI, Portugal quase não tem o que receber ou fornecer para a sua ex-colônia. Mesmo antes daquele período se admitia a necessidade da criação de uma indústria siderúrgica para que o mercado local pudesse ser atendido com menor dificuldade. O Brasil possuía o básico necessário para que isso acontecesse: matéria-prima, mão-de-obra, rios e cachoeiras para as instalações hidráulicas e força motriz. Isso era suficiente para o início de uma indústria, faltando apenas homens com conhecimentos técnicos aprofundados nessa área. Poucos anos antes que o período colonial terminasse, em 1795, o príncipe regente D. João finalmente autorizara os governadores da colônia a liberarem o estabelecimento de fábricas e manufaturas de ferro. Essa ordem contrariava uma outra ordenança divulgada dez anos antes, na qual Dona Maria havia proibido terminantemente a instalação de qualquer tipo de fábrica no Brasil. No final do século XVIII foi autorizada a criação de uma fábrica de ferro em São Paulo e encomendado um estudo para análise da viabilidade de instalação de uma outra na capitania de Minas Gerais. Esse estudo não só revelou condições acima das expectativas na região, como defendeu a necessidade urgente da instalação de usinas de ferro e aço e de abertura de novas estradas nos vales dos rios Doce, São Francisco e Jequitinhonha para o escoamento de minérios e manufaturas. As condições geográficas apresentadas, o clima e a riqueza de minérios da região davam à capitania de Minas Gerais o privilégio de abrigar o início de uma nova era no Brasil. Ao iniciar-se o século XIX, a administração da colônia convocou o coronel Cândido Xavier, juntamente com dois especialistas, para visitar Sorocaba, em São Paulo, com o intuito de avaliar a possibilidade de instalação de uma fundição de ferro nos arredores de Ipanema. A partir dessa iniciativa, várias outras autorizações foram concedidas para a exploração de jazidas minerais e outros tipos de estabelecimentos voltados à produção de ferro. O rompimento com as determinações impostas pela Corte permitiu que se trouxessem técnicos capacitados para controlar a implantação dos primeiros empreendimentos industriais importantes do país. Mesmo assim, alguns obstáculos surgiram nessa fase, e o principal deles era a importação de equipamentos, que favoreciam basicamente produtos ingleses (afinal, eles iam estar por trás até da vinda da família real em 1808). Embora todos os utensílios importados fossem taxados, uma indústria que ainda engatinhava por aqui não apresentava grandes chances de competir com outras já estruturadas e funcionando a pleno vapor, por exemplo, na já adiantadamente industrializada Inglaterra. Acordos e tratados assinados no início do século dificultaram o estabelecimento da nova indústria durante muitos anos e só em 1844, com a criação da tarifa Alves Branco, a indústria nacional pôde sentir-se minimamente protegida. Enquanto os demais produtos exportados eram taxados em 30%, os metais (o ferro, o aço, o estanho, o chumbo, o zinco e a folha-de-flandres) sofriam taxação de 25%. Mesmo assim, outros fatores de peso impediam o crescimento dessa indústria. A mão-de-obra não era suficientemente treinada, escolas de formação de técnicos, embora já existissem, apenas davam seus primeiros passos, e o transporte e os meios de comunicação eram extremamente precários. Para completar, em 1860, surge a tarifa Ferraz, que isenta as importações das taxas aduaneiras, resultando em um adiamento forçado no crescimento da indústria nacional. Muito antes dessa tarifa, enquanto três usinas eram construídas quase que simultaneamente, seus idealizadores concorriam dia após dia, palmo a palmo de suas construções, para conquistar o título de pioneiro na indústria metalúrgica do Brasil, provando sua capacidade de produzir com qualidade satisfatória. Foram elas: A Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema Localizada nos arredores de Sorocaba, São Paulo, foi criada em 4 de dezembro de 1810 e oficializada pelo príncipe-regente de Portugal. Para dirigi-la recorreu-se a uma equipe sueca liderada por Karl Gustav Hedberg, Também eram importados o maquinário e os demais instrumentos necessários para o início dessa empreitada. Foram instalados quatro fornos pequenos que quatro anos mais tarde seriam o pivô de desentendimentos que acabariam por afastar Hedberg do comando. Sob a direção de Varnhagen, um engenheiro alemão cujas idéias sempre foram conflitantes com as do seu antecessor, dois novos fornos, bem maiores (esse era o principal motivo da discórdia), foram construídos e em 1818 estavam prontos. Varnhagen, que mais tarde viria a ser conhecido como Visconde de Porto Seguro, já havia dirigido em Portugal as fundições de Foz de Alge. O primeiro dos alto-fornos a ser inaugurado inovou ao fazer com que o ferro corresse, sem refino, para fôrmas que o devolveram em forma de três grandes cruzes. A história da Real Fábrica de Ferro de Ipanema registra um longo período de existência, embora nem sempre ativa, tendo sido vítima por várias vezes da competição de preços dos produtos importados ou da falta de reposição de equipamentos obsoletos. Suas atividades foram encerradas definitivamente em 1895, após ter cumprido um papel importante no fabrico de armas no episódio da Guerra do Paraguai. A Real Usina de Ferro do Morro do Pilar Localizada em Minas Gerais, também era chamada de Fábrica do Morro do Gaspar Soares. Sua construção foi autorizada em 1808 e ficou a cargo de Manuel Ferreira da Câmara Bettencourt Aguiar e Sá, o intendente Câmara, que entre outras atividades era minerador, metalurgista e mecânico. Foi ele quem, auxiliado pelo técnico alemão Schönewolf, tentou produzir ferro-gusa. Embora o intendente Câmara tivesse acumulado conhecimentos adquiridos em viagens de estudo à Europa, a Real Usina de Ferro do Morro do Pilar não conseguiu ir além de uma tentativa frustrada. Sua inauguração se deu em 18 de agosto de 1814 e em 1831 todos os seus bens foram vendidos para cobrir dívidas - e a usina era abandonada. A Usina Patriótica Empresa particular, instalada em Congonhas do Campo, também em Minas Gerais, chegou a ser conhecida como Usina da Prata. Sua criação se deu pelas mãos do barão Wilhelm Ludwig von Eschwege, contratado pelo governo português para diversas atividades ligadas à mineração e ao início da indústria metalúrgica no Brasil. Em uma única construção abrigava quatro pequenos fornos, um malho, duas forjas de ferreiro e um engenho de socar. A escolha do local se deu pelas características privilegiadas da região que, além de quedas-d'água, era abundante em minérios de ferro. Posteriormente mais quatro fornos foram erguidos, sempre pequenos por apresentarem custo inferior e porque os acionistas optaram pelo atendimento exclusivo da demanda das regiões mais próximas. O principal problema enfrentado foi a qualidade da mão-de-obra. Eschwege relutou durante muito tempo em utilizar trabalho escravo mas foi obrigado a ceder, treinando seus negros para as funções de mestres e aprendizes. Em 1817 já era sabido que a existência de uma fábrica de ferro capaz de atingir uma produção limitada a duas mil arrobas por ano poderia ser lucrativa. Esse era o limite suportado pelo mercado. Eschwege abandonou suas atividades no Brasil em 1821, juntamente com Schönewolf e Varnhagen, e um ano depois a Usina Patriótica encerrava suas atividades. Em pouco tempo, sob pressão de alguns intelectuais e empreendedores locais ou europeus, novas tentativas foram feitas para a implantação de centros de trabalho do ferro. Algumas chegaram a obter sucesso relativo enquanto outras usinas sequer foram ativadas. Os exemplos que seguem mostram que, embora a indústria no Brasil em alguns momentos parecesse atingir um estágio de otimismo, fatores alheios à vontade de seus fundadores e administradores impediam o desenvolvimento do país e demonstravam que iniciativas isoladas não bastariam para mudar o curso da história. A Fábrica de São Miguel de Piracicaba Em 1827, vários barcos cruzaram o rio Doce trazendo da Inglaterra o maquinário necessário para a instalação de uma nova fábrica de ferro em Minas Gerais. O local escolhido foi Caetés, no rio Piracicaba, não muito distante do arraial de São Miguel, região rica em minerais, água e mata. A fábrica contava com forjas catalãs, uma roda do tipo ariège com uma queda d'água de doze metros de altura, duas rodas de calhas, e o restante dos equipamentos necessários. Jean Monlevade, responsável por essa nova fábrica, encaminhou um relatório ao governo da província, onde narrava que 150 escravos treinados trabalhavam na manipulação de ferro das mais variadas formas e tamanhos. Informava ainda a existência de 84 oficinas de fundição além de várias tendas que, juntas, somavam mais de doze mil empregados e trabalhavam o ferro comprado nas fábricas. A produção média da Fábrica de São Miguel de Piracicaba era de trinta arrobas de ferro por dia. A distância dos centros de importação e a dificuldade das estradas naquela época colaboraram com o sucesso obtido por essa empreitada, voltada para o mercado local - o que permitiu driblar a dura concorrência dos importados. E assim a fábrica sobreviveu até a morte de Monlevade, em 1872. Foram feitas ainda algumas tentativas para injetar nova vida à fábrica com o uso de forjas italianas, mas a ausência de resultados provocou sua venda para a Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros do Rio de Janeiro em 1891. Seis anos depois foi decretada a falência da empresa carioca. A Fábrica de Ponta d'Areia Irineu Evangelista de Souza, antes de ser conhecido como o Visconde de Mauá, encontrou e adquiriu em 1845, uma fábrica em Ponta d'Areia, em Niterói, que nunca havia funcionado. Após a adequação das instalações, distribuiu os mil trabalhadores de sua equipe em tarefas ligadas à fundição de ferro, mecânica, serralheria, galvanização, ferraria, caldeiraria de ferro e construção naval. Com o sucesso das múltiplas atividades do Visconde, em poucos anos a Fábrica de Ponta d'Areia passou a atuar também na produção de tubos para encanamento de água e gás, engenhos de açúcar, caldeiras para máquinas a vapor, prensas, guindastes. Foi também uma das maiores produtoras de navios a vapor e a vela tendo construído em onze anos 72 unidades, das quais grande parte foi utilizada na Guerra do Paraguai. Participou ainda ativamente do fornecimento de equipamentos para as obras de urbanização do Rio de Janeiro. A Usina Esperança Empolgado com os primeiros resultados obtidos pela Escola de Minas de Ouro Preto (de que se falará mais à frente), o geólogo francês Claude Henri Gorceix trouxe para o Brasil o engenheiro metalurgista Joseph Gerspacher que, junto com Amaro da Silveira e o comendador Carlos da Costa Wigg, projetou em 1888, nas proximidades de Itabira do Campo, atual Itabirito, Minas Gerais, um alto forno capaz de produzir até cinco toneladas diárias de ferro. Seus fundadores acreditavam que esses fornos seriam capazes de produzir ferro-gusa com um sistema de recuperação de calor, até então, inédito no Brasil. Foi a primeira grande siderúrgica nacional, pioneira no seu sistema de funcionamento, e também a primeira a produzir tijolos refratários para uso próprio. No entanto, falhas no sistema e capital escasso obrigaram seus administradores a vendê-la à Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros, conglomerado industrial que não foi capaz de manter o forno ativo e acabou falindo. No final do século XIX, Gerspacher e Wigg se uniram novamente para fundar a Usina de Miguel Burnier, outro marco na indústria siderúrgica brasileira, tendo funcionado até o início do século XX. O que restou da Usina Esperança estava hipotecado e foi vendido um ano depois ao engenheiro carioca José Joaquim Queiroz Jr. que passou a fabricar ferro utilizando o sistema de altos fornos, após a recuperação do forno-alto, e das oficinas e máquinas completamente abandonadas. Em manuscrito não datado, Laura de Queiroz, esposa do engenheiro, conta que, no início, as dificuldades eram tantas que só a dedicação do marido e sua equipe impediram o fechamento precoce da usina. As primeiras chuvas que desabaram sobre a região, após o reinício das atividades, foram responsáveis pelo surgimento de imensos atoleiros que impediam a circulação de veículos. Foram várias semanas sem que o fornecimento de carvão pudesse ser regularizado por absoluta falta de transporte e, antes que fosse obrigado a parar o forno por absoluta falta de estoque de carvão, Queiroz Jr. e seus fiéis operários optaram pela única alternativa que lhes restava: seguiram a pé até a carvoaria mais próxima voltando cada um com um pesado saco às costas. Várias crises financeiras foram enfrentadas até o início da construção de um outro forno-alto com capacidade para 25 toneladas diárias, e mais dois anos de batalha até que, em 1910, o novo forno entrasse em funcionamento. A maior parte do material utilizado era de procedência nacional, inclusive os tijolos refratários, e da equipe de Queiroz Jr. constavam apenas dois italianos e um português, os demais eram todos brasileiros. Mas a preferência por produtos estrangeiros, cujo preço ainda era inferior, quase aniquilou mais uma vez o antigo sonho de uma indústria nacional ativa e progressiva. Para melhor aproveitar o novo forno que até então trabalhava com capacidade mínima devido a baixa força motriz, passou a utilizar os gases que ela mesma produzia. Para que isso fosse possível adquiriu um motor de 80 HP e o compressor correspondente que foram ativados em 1911. As crises se agravaram e, sobrecarregado de fretes, sua produção era empilhada em barras de gusa por falta de comprador. Para tentar diminuir seu prejuízo e saldar algumas de suas dívidas vendeu milhares de toneladas de gusa a preço inferior ao seu custo. O esgotamento físico e moral muito contribuíram para a morte de Queiroz Jr., mas a Usina Esperança continuou a produzir mesmo sem ele. Esse talvez possa ser considerado o principal exemplo de persistência e um primeiro grande passo para o desenvolvimento da indústria siderúrgica nacional. O Visconde de Mauá, Irineu Evangelista da Silva, ciente de seu sucesso como industrial, criou posteriormente a Companhia de Rebocadores a Vapor para a Barra do Rio Grande e a Companhia de Navegação do Rio Amazonas, além de ser o construtor da primeira ferrovia do Brasil, que ligava a cidade do Rio de Janeiro a Petrópolis. Com outros sócios, brasileiros e ingleses, foi, em parte, responsável também pelas estradas de ferro que ligavam Recife ao São Francisco, Antonina a Curitiba, no Paraná, Santos a Jundiaí, além do caminho de ferro da Tijuca e a linha de bondes do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, para citar apenas algumas de suas realizações mais significativas. Com tantos empreendimentos em franca atividade, Mauá foi mais uma vítima da competição com os preços e o nível de qualidade dos produtos importados, sobretudo da Inglaterra. Enquanto vigorou a tarifa Alves Branco, protetora da produção nacional, Mauá pôde desenvolver os seus projetos, mas ruiu quando foi decretado o fim dessa tarifa. As estradas de ferro, que serviam para escoar as mercadorias manufaturadas em solo brasileiro, tiveram uma dupla utilidade: através delas também ficou muito mais fácil trazer dos portos para os mercados regionais os produtos importados que faziam encalhar os nacionais. Vários intelectuais e políticos da época pregaram em vão a necessidade da permanência de uma tarifa protetora. No entanto, importava-se de tudo, tornando cada vez mais complicado o crescimento de uma indústria brasileira. Mesmo com todo o empenho e a quantidade de empresas que administrava, e considerando a siderúrgica como "a mãe de todas as outras indústrias", Mauá faliu em 1875 e seus bens foram entregues aos ingleses. COPYRIGHT Autor do texto

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