segunda-feira, 18 de junho de 2012
FALÊNCIA DA ECONOMIA DO CAFÉ NO VALE DO PARAÍBA
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Uma breve história do Café na região da Vila de Resende no século XIX.
Julio César Fidelis Soares1
Resumo
Este artigo mostra a importância da nascente economia agro-exportadora cafeeira, que na
Vila de Resende, teve o seu primeiro pólo dispersor no Brasil. Beneficiando-se da conjuntura
favorável daquele momento. O café constituiu-se no centro dinâmico da economia, atraindo as
forças econômicas - capitais e mão-de-obra - e provocando mudanças em todos os outros
principais setores da sociedade. Como na criação de novas atividades, no uso de vários
equipamentos, na distribuição da renda e na constituição das classes sociais, com o declínio de
umas e a ascensão de outras.
Palavras Chave: Café - Economia agro-exportadora-Escravos-Propriedade
I – O homem, a terra e o café.
O café foi para o Vale do Paraíba o estímulo definitivo à sua ocupação pelos
homens brancos. Mas se compararmos com o tempo em que o Brasil foi descoberto, com o
tempo em que o café chega para ficar no Vale do Paraíba - em Resende, os historiadores
falam que as primeiras plantações datam nos anos de 1800 - percebamos que há uma boa
diferença de uns trezentos anos ou mais que separam estas datas.
Se olharmos dentro da historiografia tradicional parece que nada aconteceu no Vale
até então. Então, quais teriam sido as razões que explicam a não ocupação desta vasta
região brasileira, tão próxima do Rio de Janeiro e de São Paulo?
Na verdade, desde os tempos das Entradas e Bandeiras (século XVI), na busca de
metais preciosos e índios para o cativeiro, os homens brancos se arriscavam por esta
região. Depois, no século XVIII, quando foram descobertas os aluviões de ouro das Minas
Gerais, eles tornaram a se arriscar por aqui e abriram as primeiras picadas e formaram os
primeiros caminhos. Mas foram realmente muito pouco que resolveram se estabelecer,
passar a morar no Vale. Os primeiros homens brancos que passaram a viver aqui
plantavam algum alimento e cuidavam de umas vacas para vender aos viajantes que
rumavam às minas, tudo dentro de uma estrutura de abastecimento e suporte logístico.
Eram os donos de pousadas e que nunca foram muitos. Nossa Senhora da Conceição do
Campo Alegre eram até então um dos poucos núcleos populacionais entre o litoral e sertão
das gerais. Neste momento podemos falar que os homens brancos se arriscavam e eram
poucos.
Pois, dois motivos aparecem, neste momento, como verdadeiros obstáculos à
penetração do homem branco colonizador. Por um lado, a natureza apresenta-se como
obstáculo a este novo elemento; a grande floresta do vale dificultou seriamente os
deslocamentos do homem branco. Transpô-la era um verdadeiro risco e uma verdadeira
aventura nas selvas. Um maciço matagal, fechado e denso, oferecia um panorama que
fascinava e amedrontava o desbravador com sua variedade florestal. Onde a figueira brava,
a sucupira, o jacarandá escuro, o jequitibá, a cabuína, o cedro do vale, o timburibá e outros,
1 Mestre em História Social, Professor de História Econômica, Formação Econômica do Brasil de Desenvolvimento Econômico e
Social – Faculdade de Ciências Econômicas Dom Bosco –Resende-RJ. Orientadora Dissertação de Mestrado: Profª Drª Ana Maria da
Silva Moura.
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destacavam-se pela altura e pelos seus grossos troncos centenários, costurados pelos
diversos tipos de cipós e trepadeiras.
Além desta grandiosa floresta tropical, a Serra do Mar formava um verdadeiro
paredão de difícil ultrapassagem. Até chegar a ferrovia, sempre foi muito difícil para as
tropas de burros cruzarem os caminhos que eram meras picadas no mato muitas vezes rota
indígena.
A natureza do Vale foi um importante fator que afastou, até o final do século
XVIII, o domínio do homem branco.
Por outro lado, um outro elemento muito importante desempenhou um papel
fundamental neste afastamento do colonizador, os habitantes primitivos do lugar. Ficaram
famosos os relatos de viajantes destas paragens sobre a bravura e resistência dos índios da
região do Vale do Paraíba. Profundos conhecedores da geografia do vale eram mestres em
preparar emboscada para os brancos, de quem só temiam a poderosa arma de fogo.
Sabedores do destino dado aos índios que habitavam o litoral do Rio e São Paulo, não
pouparam esforços em resistir aos "estrangeiros". Puris, Coroados, Guaianases, Goitacases
e Botocudos eram um verdadeiro obstáculo aos colonos. As resistências das tribos
indígenas só não eram maiores e mais bem organizadas devido às próprias disputas
existentes entre eles.
II – A expansão Cafeeira
A historiografia tradicional é farta em tratar do famoso percurso que fez o café até
chegar ao Brasil. Originário da Etiópia, ele foi descoberto por um pastor, já na Arábia,
então se percebeu que as ovelhas saíam saltitantes após comerem aquelas sementes
vermelhas, e que deveriam ser estimulantes. Da Arábia o café fez um longo percurso, onde
passou por Java, foi à França, até chegar à América, onde foi plantado nas colônias
francesas da Martinica e da Guiana. Daí, em 1727, Palheta trouxe algumas mudas para o
Maranhão e Pará, donde o café veio parar na capital do Rio de Janeiro no final do século
XVIII (1770, aproximadamente).
Como podemos notar o café fez longo curso e antes de fixar-se no Vale do Paraíba,
ele rodou meio mundo. No entanto, se o ”turismo do café" parece ser pitoresco, ele
somente não explica o porquê a partir do início do século XIX e, particularmente, após
1840, o café passaria a ser o mais importante produto exportado pelo Brasil.
Complexas são as razões que justificam o fato de em apenas alguns anos ter-se
mudado a paisagem do Vale do Paraíba, que se manteve quase inalterada por mais de três
séculos. Falaremos das mais importantes e de uma forma breve, dessas condições
necessárias para que o café passasse a ser chamado de "ouro verde" pelos brasileiros
daquela época.
Desde os tempos das Grandes Navegações e Descobrimentos os europeus
estabeleceram relações comerciais com o resto do mundo e formaram um mercado
mundial, que até então não existia. Neste mercado mundial as colônias funcionariam como
fornecedores de matérias-primas produtos tropicais comercializáveis ou metais e pedras
preciosas. O comércio foi fundamento muito importante para que se conseguisse acumular
muito capital, para que no final do século XVIII, a Inglaterra principalmente e depois a
França, Alemanha (Prússia) e Holanda, transformassem o mundo com o aparecimento das
máquinas e outros elementos de produção no que ficou conhecido como Revolução
Industrial. A partir de então, não seria mais o comércio a atividade econômica principal,
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mas a produção industrial. Assim aqueles países de passado colonial, que não
conseguiram desenvolver uma produção industrial, pois eram colônias produtoras de bens
primários; continuariam a depender da produção européia e depois, norte-americana e
mais, continuariam tendo que pagar essas importações com produtos primários (agrícolas e
minerais) que produziam da mesma forma que quando eram colônias.
No século XIX o comércio mundial - agora dominado pela produção industrial -
crescerá num ritmo sem precedentes. A América Latina transformar-se-ia num palco de
disputas entre as nações industrializadas, pois além de grande fornecedora de matériasprimas,
destacava-se cada vez mais como um grande mercado consumidor da produção
européia e norte-americana.
O café, desde o final do século XVIII, transformara-se em produto de luxo que aos
poucos se tornava cada vez mais consumido. As casas onde se vendia café tornavam-se
cada vez mais comuns (os chamados "cafés"). Os preços do mercado apresentavam-se cada
vez mais tentadores, particularmente, quando Haiti (ex-colônia francesa) teve sua produção
desbaratada com as guerras de independência, quando os escravos assumiram o poder e
eliminaram a elite local.
Portanto, as condições externas eram favoráveis ao café. Internamente quando
o Brasil passa a produzir café em grande quantidade, as colônias holandesas e francesas já
o produziam há algum tempo. Até a crise da produção mineral das Minas Gerais no final
do século XVIII, o café não ofereceu grandes atrativos no mercado do Brasil. Mas a
situação econômica brasileira após a independência política em 1822, era verdadeiramente
difícil. Os principais produtos exportados pelo Brasil passavam momentos de sérias
dificuldades. A descoberta do açúcar de beterraba retirou do Brasil uma boa parcela do
mercado e os norte-americanos passaram a consumir açúcar de Cuba. O algodão dos
Estados Unidos passou a abarrotar os mercados europeus levando quase que à falência as
plantações do Nordeste (sobretudo do Maranhão). O fumo, o couro e o cacau que nunca
foram produtos de grande expressão também atravessavam uma séria crise.
Acrescentando-se a tudo isso, desde antes de consumada a independência já estávamos
endividados com os bancos ingleses. Dando início a nossa vultosa dívida externa, quando
para pagar o reconhecimento de Portugal pedíamos um empréstimo de dois milhões de
libras que nem chegaram a sair dos cofres ingleses (pois foi debitado da conta que os
portugueses já tinham com os ingleses). O novo Estado brasileiro sem poder aumentar as
taxas da alfândega, pois os produtos exportados não encontravam bons preços no mercado,
vivia uma situação de crise.
Essa situação de incertezas perdura até aproximadamente 1830 a 1840, quando o
café passará a ser o principal produto exportado pelo Brasil. Em 1822 ele já era
responsável por 18% das exportações (vindo logo abaixo do açúcar e do algodão) e em
1840, passa a representar 41,4% das exportações (enquanto o açúcar passa para 26% e o
algodão 7,5%)2.
Não seria uma força de expressão dizer que o café tirou o Brasil e, particularmente,
o governo e as elites do país, da crise em que se achavam logo após a independência.
Progressivamente ele será o responsável pelo fato das exportações voltarem a superar as
importações - fato que só acontecerá após 1860. E em somente dois períodos, 1861 e 1886,
o resultado da balança comercial exportações – importações terá resultado negativo.
2 Comércio Exterior do Brasil, nº1, c.e., e nº12-a, Serviço de Estatística Econômica e Financeira do Ministério da Fazenda, em Helio
Schlitter Silva, “Tendências e características gerais do comércio exterior no século XIX”, Revista de História da Economia Brasileira,
ano 1 jun.1953, p.8. Apud FAUSTO, 1994, P.191.
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Estatística sobre o valor do comércio exterior em milhares de contos-de-réis 1851-1890
Período Exportações Importações
1851 68 76
1860 123 123
1870 168 162
1880 230 179
1890 280 255
Fonte: Magalhães Filho, Francisco de B.B. de –História Econômica, Ed. Saraiva, SP, 1982.P.328
O Vale do Paraíba e a Vila de Resende entram nesta história primeiramente com a terra
que se mostrou atrativa pelo custo e produtividade, um aspecto importante é a visão ou a
protovisão dos conceitos econômicos de custo de oportunidade nos investimentos. Vários
aspectos técnicos geológicos da terra valeparaibana favoreceram a chegada do café. Por
um lado, num país onde apesar das vastas quantidades de terras disponíveis, a terra sempre
foi um bem disputadíssimo (principalmente quando eram próximas aos grandes portos), o
Vale do Paraíba oferecia um atrativo fascinante: terras praticamente desocupadas. Com
exceção de algumas pousadas e de uns poucos engenhos de açúcar sem grande expressão, a
mata virgem dominava soberana região. Se a floresta tropical havia resistido ao
colonizador até a passagem do século XVIII para o XIX, a partir daí os altos preços do café
no mercado externo abriu contra ela uma guerra de vida ou morte. Somente a possibilidade
grandiosa de enriquecimento proporcionada pelo café, fez com que este eliminasse o
primeiro dos grandes riscos que a região impunha a floresta. O desmatamento e as
"coivaras" (as queimadas que os índios faziam em pequena escala) passaram a fazer parte
do cotidiano do Vale. O solo era fértil, sem dúvida. Como toda floresta recém cortada,
mantinha por um bom tempo ainda seu húmus além de que as cinzas das queimadas, de
imediato, reforçavam esta aparência de fertilidade permanente.
Preço café séc.XIX - 1850-1885
0,00
10.000,00
20.000,00
30.000,00
40.000,00
50.000,00
60.000,00
1850 1851 1852 1853 1854 1855 1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885
ano p
re ç
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em ré is s
a
c
a
Fontes: Café: TUANAY, Afonso d'E. – Pesquisa História do Café no Brasil – D.N.C., Rio, 1945; Câmbio: NORMANO, J. F. – Evolução Econômica do Brasil – CEN, S. Paulo, 1945 e ONODY, Oliver – A Inflação Brasileira – Rio, 1960
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Por outro lado, o café é uma planta extremamente delicada e exigente, precisando
de um clima onde o frio não seja intenso e também onde o calor não fosse abrasador.
Além disso, exigia que as chuvas não fossem demasiadas, nem escassas e, de preferência,
bem distribuídas o ano inteiro. Essas pré-condições a região valeparaibana oferecia em
abundância e foram atrativos irresistíveis aos futuros cafeicultores, que naquele momento
eram donos de pequenas e médias propriedades.
Mas restava ainda um empecilho à ocupação definitiva. Foi sempre só interesse do
governo português a distribuição de sesmarias3 na região do Vale. No entanto, o habitante
primitivo do lugar foi sempre uma grande barreira a esta ocupação, resistindo à invasão.
Mas como no caso do pau-brasil e da cana do Nordeste, quando a possibilidade de
enriquecimento era muito grande, o homem branco era capaz do impossível. Assim, como
no caso da natureza, foi também aberta uma guerra de vida ou morte contra os índios do
Vale. Em Vassouras, depois de violentos combates, os Coroados foram confinados numa
aldeia em Valença, afastados do roteiro do café. Em Resende, conta o historiador da
cidade, João Carneiro de Azevedo Maia, que os Puris como não conseguiram ser
derrotados pelos brancos num primeiro embate, tiveram um fim triste. Pessoas
contaminadas de varíola foram colocadas a banharem-se no rio que os Puris tiravam água
para beber. Parte da tribo, agora derrotada, partiu para a Serra da Mantiqueira, rumo a
região de Visconde de Mauá4 e outra, foi confinada numa aldeia em São Vicente Ferrer5 (a
atual Vila da Fumaça).
III – Os Mineiros, capitais e escravos.
Com a terra preparada da forma como foi descrita acima, faltavam ainda dois
componentes básicos para a implantação do café no Vale. Por um lado, o café - ao
contrário da cana-de-açúcar - necessitava de quatro anos para dar os primeiros frutos e, de
cinco para chegar à idade adulta com sua produção máxima. Por outro lado, era necessário
o desmatamento, a construção da sede da fazenda, dos paióis para armazenagem e outros
apetrechos. Tudo isso exigia dinheiro, até que o café pudesse repor esses gastos iniciais.
Este capital vem dos primeiros povoadores, de algumas famílias vieram de
Portugal, e de outras já estavam no local e cultivavam cana e no caso de dos primeiros
povoadores de Resende, que plantavam anil. Mas a maioria foi mineira que após a crise
das minas de ouro, partiram de suas terras e vieram se estabelecer no Vale do Paraíba mais
precisamente em Resende. Ao contrário da cana-de-açúcar, que foi em grande parte
financiada com o capital da burguesia flamenga (holandeses e belgas), as plantações de
café foram estabelecidas com capital local oriunda do crédito familiar. O sistema de
empréstimos foi familiar, ou seja, os parentes se emprestavam dinheiro e, em certos casos,
como a família Teixeira Leite de Vassouras6, se especializaram neste ramo de empréstimos
a juros. Depois, os comissários de café começaram também a desempenhar este papel de
3 As sesmarias eram terrenos incultos e abandonados, entregues pela Monarquia portuguesa, desde o século XII, às pessoas que
se comprometiam a colonizá-los dentro de um prazo previamente estabelecido. Os títulos de terras da época,eram doadas àqueles que
possuíssem escravos, fossem católicos, passassem dízimo à coroa e prestassem qualquer serviço como a construção de estradas ou
plantassem alimentos.
4 Visconde de Mauá distrito do atual Município de Resende-RJ localizado nos contraforte da Serra da Mantiqueira o local tem seu nome
em razão das terras terem sido do Visconde de Mauá. Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), o Visconde de Mauá, ou Barão de Mauá
nasceu em Arroio Grande, município de Jaguarão-RS, no dia 28 de dezembro de 1813. Industrial, banqueiro, político e diplomata, é um
símbolo dos capitalistas empreendedores brasileiros do século XIX.
5 SãoVicente Ferrer freguesia de Resende de onde foi criado o aldeamento reserva de São Luiz Beltrão para os Puris, pelo Capitão e
sargento-mor em comissão Joaquim Xavier Curado nomeado pelo Vice-Rei D. Luiz de Vasconcelos e Souza (1779-1790).
6 A Família Teixeira Leite de Vassouras e´ representada dentro da linhagem do Barão de Aiuruoca, Custódio Ferreira Leite, do Barão
de Itambé Francisco José Teixeira e do Barão de Vassoura Francisco José Teixeira Leite.
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banco, pois praticamente não existiam naquela época instituições para crédito rural,
abrindo crédito aos fazendeiros ou lavradores.
Restava, portanto, resolver o último problema: a mão-de-obra, logicamente não
foram os grandes fazendeiros que se tornaram plantadores de café - apesar de ser um
costume da época eles se chamarem assim. A Proclamação da Independência política em
1822 e a Constituição de 1824 haviam garantido a continuidade da escravidão negra,
apesar dos violentos protestos da Inglaterra. Garantida a escravidão e o tráfico de escravos
até 1850, os mineiros trouxeram os escravos que antes trabalhavam nas minas de ouro e
puderam continuar a comprar mais escravos num mercado que a cada dia se ampliava.
O escravo negro africano será a mão-de-obra fundamental das fazendas de café.
Sem eles nada seria possível segundo a historiografia tradicional, entretanto, segundos
estudos mais recentes verificaram-se a coexistência de pequenas e médias propriedades
onde o plantel de escravos é menor em relação aos números apregoados pelo pensamento
clássico numa visão de grandes propriedades grande quantidade de cativos. Muitos
proprietários enriqueceram não só explorando os escravos como trabalhador obrigado nas
plantações, mas também e, antes de tudo, como mercadoria no tráfico. Sendo propriedade
de seu senhor, sua vontade estava sujeita à autoridade de seu dono, não existindo enquanto
pessoa física mais como instituto jurídico-comercial na rubrica semovente e ainda com
trabalho compulsório, fato comum inserido no cotidiano das fazendas. A escravidão negra
nas fazendas de café foi completa, ou seja, o escravo era escravo por toda a vida e, da
mesma forma, seus filhos, seus netos. A escravidão completa é aquela que é hereditária.
Enquanto o tráfico negreiro seja ele diretamente da África, seja ele inter ou intraprovincial
(vindos do Nordeste, ou de outras regiões da Província do Rio), os grandes fazendeiros não
tiveram problemas para administrar as fazendas, pois o café lhes concedia muito dinheiro
para que pudessem renovar as "peças" (escravos negros) que a fazenda necessitava. E essa
renovação era constante para os grandes cafeicultores, pois quando da compra do escravo -
o fazendeiro pagava um bom dinheiro ao traficante - e este teria que o mais rápido possível
repor o dinheiro gasto pelos fazendeiros. Daí talvez a violência, a disciplina obrigatória, o
castigo até a carga chegar ao seu dono.
É também por causa disso, que depois de chegarem ao Brasil os escravos, só
durarem de cinco a dez anos, principalmente aqueles que trabalhavam nas plantações. As
revoltas dos negros, os suicídios, as fugas, os quilombos, os abortos eram as formas
encontradas pelos negros para reagirem a esta situação e não foram esses casos fatos
isolados descritos ao longo da história, fatos estes também muitas vezes dentro de uma
visão panfletária tanto dos escravistas como dos abolicionistas. Pois há também registros
de formas de tratamento mais brandas numa visão ainda que primária de que o escravo era
um implemento caro e ao mesmo tempo precioso para se mover à máquina produtiva.
IV – Resende e São João Marcos centro irradiadores do Café
Se o café é primeiro plantado nos arredores da cidade do Rio, na Floresta da Tijuca
(conhecida na época como "Morro Pelado"), nos anos de 1770, ocupando depois a baixada
Fluminense (região de Nova Iguaçu e Caxias), não será aí que ele mais prosperará como
atividade econômica. Foi com a experiência de Resende e São João Marcos (cidade hoje
não mais existente, pois está submersa na represa de Furnas), que outras localidades do
Vale se interessaram em plantar cafés.
O café percorreu muitos caminhos, desde o início do século XIX, saindo do Rio,
passando por Resende e S. João Marcos e sendo distribuindo para Valença, Barra Mansa,
Vassouras, Piraí, Paraíba do Sul, passando também para a parte paulista do Vale (Bananal,
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Areias, S. José do Barreiro, Lorena, Silveiras). Bem como para a parte mineira: Juiz de
Fora, Cataguazes, Leopoldina, Carangola, até Visconde do Rio Branco.
O antigo arraial de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova
(que foi o nome primitivo de Resende), deu os seus sinais de vida lá pelos anos de 1747 e
passou a se chamar Vila de Resende7.
As primeiras mudas de café, trazidas pelo padre Couto8 da fazenda do holandês
Hoppman no Rio de Janeiro, foram plantadas, como experiência, na região de São Vicente
Ferrer (atual vila da Fumaça)na Fazenda Monte Alegre. Depois de confinar os índios Puris
na aldeia de São Luiz Beltrão, próximo do mesmo lugar que começaram a plantar os
cafezais.
Os motivos que explicam o fato de ser Resende o centro irradiador do café pelo
Vale do Paraíba podem ser muitos e, até hoje foram pouco estudados. Dentre estes
estímulos prováveis, podemos citar: a) os aspectos geográficos da região do "Campo
Alegre" (Resende), que apresentava uma boa baixada, e um solo propício e um clima
favorável; b) a proximidade do Rio de Janeiro, que funcionaria como porto para a
exportação; c) a atuação estimulante do Marquês do Lavradio, representante do governo de
D. João VI que, a partir de 1772, dispensou o serviço militar os habitantes da região que
plantassem café. Portanto, todos estes elementos uniram-se para criar as condições
necessárias à chegada do café por estas paragens.
Em 1802, Resende já era exportadora de café e, a partir daí, a região sofreria uma
grande mudança. O início do reinado do café começou mudando, aos poucos, toda a
economia da região. Se até antes da chegada do café, os poucos habitantes do arraial e
redondezas do "Campo Alegre", plantavam e beneficiavam um pouco de cana-de-açúcar,
cuidavam de plantações de anil, criavam algum gado (vendendo alguma carne para Minas
e Rio), tudo, a partir do século XIX, estaria sujeito à novidade cafeeira. Antigas fazendas
de gado, engenhos de açúcar e cachaça, plantações de anil, passavam a plantar. Outras
plantações como as de milho, feijão, arroz e mandioca passaram a alimentar as fazendas de
café e as sedes dos núcleos urbanos dentro de um sistema de apoio e subsistência.
Entretanto o café já impunha o seu poder quase absoluto como cultura comercial destinada
a exportação.
Quando a Vila de Resende passa a ser considerada como cidade em 18489, a região
resendense já se destacava como um dos maiores centros cafeicultores da província. Já
estávamos no Segundo Império e o reinado de D. Pedro II esteve marcado pela expansão
do café pelo Vale, salvando, progressiva e lentamente, o Império da falência financeira
econômica que estava sujeito após a Independência. Ao falarmos em Império devemos
sempre lembrar do café, num outro aspecto fundamental ter garantido para Império seu
sustento político através das elites agrárias e na escravidão negra como força motriz da
economia agro-exportadora. Confirmada pela Constituição de 1824 e garantido o tráfico
até 1850, possibilitando a compra maciça de mais braços para lavoura do café.
7 Em homenagem a D. José Luís de Castro, 2° Conde de Resende, que foi Vice-Rei do Brasil por onze anos, de 9 de maio de 1790 a 14
de outubro de 1801, na mesma ocasião em que o café começa a ser plantado por aqui em 1801.
8 Padre Antônio Couto da Fonseca proprietário da "Fazenda do Mendanha" cujo nome se deve ao primeiro proprietário e poderoso
senhor de escravos e grande produtor de açúcar e café, Luiz Vieira Mendanha, passou por mãos sucessivas até ser comprada por padre
Couto, que foi o grande protetor do sábio Freire Allemão, que iniciou sua vida como sacristão, na capela da Fazenda do Mendanha,
onde aprendeu os primeiros rudimentos de latim com Padre Couto.
9 Elevação da Vila à Cidade de Rezende: Decreto 438 de 12/07/1848 com a promulgação pela Assembléia Provincial no dia :
6/07/1848. A resolução foi sancionada a 12/07/1848, pelo Chefe do Governo Províncial (Visconde de Barbacena). Foi publicada na
imprensa oficial no dia 13/07/1848. Fonte: acervo documentação da Câmara Municipal de Resende – 1848.
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No entanto, apesar de toda essa euforia cafeicultora, a região de Resende nunca
ocupará o lugar de maior produtora de café da Província do Rio de Janeiro. Resende foi
grande centro produtor, mas não o maior. Mesmo que no início do século XIX, seja a Vila
de Resende o centro irradiador do café, espalhando-o por todo o Vale do Paraíba, será
Vassouras, Valença, Paraíba do Sul, Barra Mansa e Piraí que possuirão as maiores
fazendas e também a maior produção.
Uma das maneiras de compreender este fato é comparar os títulos de nobreza que
foram distribuídos nestas outras localidades do Vale, com aqueles que foram cedidos à
Resende. E o volume de pequenos e médios produtores face aos de outras regiões do vale.
Número de Fazendeiros e Lavradores -Resende 1846 a 1885
76
413
431 432
504 510
552 561
631
157
260
308
147
244
0
100
200
300
400
500
600
700
1840 1842 1844 1846 1848 1850 1852 1854 1856 1858 1860 1862 1864 1866 1868 1870 1872 1874 1876 1878 1880 1882 1884 1886 1888
Anos
Número de Proprietários
Fonte: dados Almanack Laemmert 1846-1885
Os chamados "barões do café" - grandes fazendeiros que eram ligados diretamente com o
governo imperial do Rio de Janeiro - em Resende foram apenas quatro (Barão de Monte
Verde, Barão de Bananal, Visconde do Salto e Barão de Bela Vista - que depois conseguiu
o título de Visconde de Aguiar Toledo)10; enquanto isso, em Vassouras, por exemplo,
foram dezenas de fazendeiros que obtiveram títulos de barões, condes, marqueses.
Por outro lado, se a população de Resende (em 1876) era superior a de Barra
Mansa, S. João Marcos, Piraí, Vassouras, Valença, no entanto os escravos eram muito
poucos, apenas nove mil. Joaquim Souza Breves - o chamado "rei do café” - grande
proprietário de mais de 25 fazendas distribuídas por todo o Vale (que morava no Palácio da
Grama em S. João Marcos), produzia 90 mil arrobas de café numa fazenda sua de Arrozal
e em outra de S. João Marcos, 60 mil arrobas, enquanto que na fazenda de S. Vicente
Ferrer (Fumaça/Jacuba) produzia 10 mil arrobas, Breves tinha segundo estudos cerca de
6000 escravos em seu plantel distribuído pelo vale.11
10 Francisco Terziano Fortes de Bustamante[ Barão de Monte Verde], Luiz da Rocha Miranda Sobrinho[ Barão de Bananal,29/5/1869],
Antonio Jose Dias Carneiro[ Visconde do Salto,29/5/1886],Jose de Aguiar Toledo[Barão de Bela Vista]; PORTO, Luiz de A. Nogueira.
Bananal no Império: famílias e fazendas. Rio de Janeiro: EGAL, 1994. p.12 e Vallim, João Rabello de Aguiar. Famílias paulistas do
Bananal. São Paulo, Revista do I. H. G. S. P., volume LXXX, 1985, p. 50-70.
11 O Prof. Alberto Lamego, em seu livro «O homem e a restinga», afirmava ter sido o "Rei do Café" proprietário de mais de 90 fazendas
e de 6.000 escravos. Em outra obra do mesmo autor - «A aristocracia rural do café na Província Fluminense» [1946] - confirmou-se este
alto número de 90 fazendas. Em uma terceira obra, ainda do Professor Lamego - «O homem e a Guanabara [1964] - reduz este número
para 20 fazendas [pág. 250]: «Com os 6.000 negros das vinte fazendas dessa família é que se fez Mangaratiba.» Gustavo Barroso, em
seu artigo «O Solar do Rei do Café», também registrou 20 fazendas.
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Alguns motivos explicam as razões de Resende não ter alcançado a mesma
projeção de Vassouras, Valença ou mesmo Barra Mansa. Por um lado, as terras no
município foram as primeiras a dar sinais de cansaço, porque em Resende o café chegou
primeiro; por outro lado o café era primeiro levado de barca pelo Rio Paraíba até Barra do
Piraí, para então ser conduzido até o porto em lombo de burro, o que encarecia o preço do
transporte; ou ainda após 1850 com a extinção do tráfico, a dificuldade de obter escravos
mesmo ainda que os pequenos e médios produtores não utilizassem maciçamente deste
recurso; e também a praga que deu nos cafezais em 1858 que destruiu grande parte dos
cafezais. Ainda assim o café será produzido em Resende até o século XX e dentro
basicamente das pequenas e médias propriedades como originalmente.
V – A fazenda de Café: o núcleo da produção cafeeira.
Se compararmos a fazenda de café do Vale do Paraíba, com os engenhos de açúcar
do Nordeste, talvez seja o fato de em um se plantar café e noutro cana-de-açúcar, a
diferença mais importante que se encontre entre os dois. O esquema das grandes fazendas
de café foi inspirado na organização dos engenhos. Percebamos bem as semelhanças: por
um lado, em ambos a produção mais importante será de um só produto (a monocultura:
cana, algodão ou tabaco) que não era produzido para ser aqui consumido. Tanto a cana e o
café são plantados e ligeiramente beneficiados para que sejam exportados. Por outro lado,
se no engenho o principal trabalhador era escravo, nas fazendas de café, o negro africano
será da mesma forma, a mão-de-obra fundamental nos grandes empreendimentos para a
produção. Tanto o café como a cana serão plantados e cuidados pelo trabalhador escravo.
Portanto, aquilo que era básico na colônia, ou seja, a agro-exportação de bases escravistas
permanecerá como básico no Brasil Imperial. A fazenda de café estará organizada quase
que da mesma forma que um engenho.
A fazenda do café era o mundo dos fazendeiros. De vez em quando eles
costumavam passear com a família no Rio de Janeiro, mas era na fazenda que eles
passavam a maior parte do ano. Ali eles eram senhores e soberanos de tudo. Eram
autoridade máxima, aos quais todos estavam sujeitos, inclusive a própria mulher e filhos.
As leis do país dentro da fazenda eram praticamente ignoradas e o que vigorava era a
vontade única e exclusiva dos fazendeiros. Até a crise do café no Vale (anos de 1870/80)
as fazendas produziam grande parte dos alimentos de que precisavam. A cachaça, o açúcar,
a farinha de mandioca e de milho, arroz e feijão, eram, geralmente, cultivados e produzidos
na fazenda pelos escravos. Do Rio de Janeiro vinham apenas àqueles produtos importados.
Com isso a vida das fazendas era voltada, neste aspecto, sobre si mesma. As cidades locais
tinham uma relação econômica bem forte com as fazendas e a riqueza girava em torno
destas e não daquelas.
A maior parte das terras era ocupada pelas plantações de café. Seus donos
comandavam tudo, e quem comandava essas plantações era o mercado externo. Se o preço
do café aumentava, aumentavam também as plantações, geralmente diminuindo a mata
virgem e as outras culturas de alimentos. Se o preço do café diminuía, reduziam-se as
plantações e aumentavam não as matas, mas a produção de alimentos. Assim funcionava a
fazenda.
Já a pequena e média propriedade funcionavam com uma unidade de produção
flexível que tanto produzia gêneros alimentícios para seu uso e subsistência, bem como
fazia parte de uma estrutura de apoio e abastecimento do núcleo urbano-rural, ou seja, a
sede administrativa da vila ou município a que estava vinculada. A cachaça, o açúcar, a
farinha de mandioca e de milho, arroz, o feijão, o anil e o café eram gêneros produzidos
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dentro destas pequenas unidades. Eram administradas por famílias e um pequeno grupo de
escravos, pois também o simples fato de ter um ou dois escravos lhes davam uma posição
em termos de status-quo frente à sociedade que tinha como forte característica o poder face
demonstração econômica dele. Utilizando dados de exportação de 1868 pode-se avaliar o
poder dos pequenos e médios dentro deste ambiente a partir dos dados quantitativos
referentes ao número cafeicultores listados no porto de Angra dos Reis.
Estudo quantitativos referentes ao número cafeicultores listados no porto
de Angra dos Reis 1868
Tipificação Prov.RJ Nº Produtores Província Nº Produtores Resende Participação percentual em relação ao grupo
Pequenos 50 37 74%
Médios 60 53 88%
Grandes 73 27 37%
Totais 183 117 64%
Tipificação Prov.RJ Produção em @ Província Produção em @ Resende Participação percentual em relação ao grupo
Pequenos 23.400 18.100 77%
Médios 95.100 101.400 107%
Grandes 685.000 218.000 32%
Totais 803.500 337.500 42%
Tipificação Prov.RJ e SP Nº Produtores Províncias Nº Produtores Resende Participação percentual em relação ao grupo
Pequenos Médios 324 90 28%
Grandes 163 27 17%
Totais 487 117 24%
Tipificação Prov.RJ e SP Produção em @ Província Produção em @ Resende Participação percentual em relação ao grupo
Pequenos Médios 365.600 119.500 33%
Grandes 1.339.000 218.000 16%
Totais 1.704.600 337.500 20%
Fonte: Pereira, Waldick, Cana, café & laranja: historia econômica de Nova Iguaçu. Rio de
Janeiro 1977.Anexos
VI – Rumo a São Paulo
Uma característica importantíssima da economia cafeeira é que ela é itinerante, pois
o plantio do café sempre esteve em movimento. Primeiramente, ele foi plantado nas
redondezas do Rio sem objetivos comerciais (na cidade e na Baixada Fluminense); depois
veio para Resende e S.João Marcos de onde se espalhou pelo Vale do Paraíba (São Paulo,
Rio e Minas) e mais tarde penetra pelo Estado de São Paulo (Oeste Paulista), chegando
depois ao Paraná.
Assim, o café terá sempre uma região onde ele está se implantando (zona pioneira
ou de influência embrionária), uma outra onde ele está consolidado (em plena produção e
influência específica) e, finalmente, uma última onde o café está em decadência (zona de
influência residual). O que regulava essas mudanças do café eram os seus momentos de
crise. Isso significa que quando o produtor café sentia dificuldades na continuação de sua
produção, ele "arrumava as malas e partia para outro lugar". Só que esta partida não era
uma coisa simples, muito pelo contrário, geralmente era marcada por um processo bastante
doloroso e sofrido passado pelas regiões que o café abandonava. Um panorama das regiões
onde o café imperou, após a sua partida, nos dá a verdadeira medida do seu caráter. O Vale
do Paraíba, por exemplo, que plantou café desde o início do século XIX e começou entrar
na sua grande crise a partir de 1870, traz até hoje as marcas desta época. O café por onde
passa deixa o seu rastro. O desgaste da terra e da natureza são imensos e uma região que
plantou café nos moldes como foi cultivado no Brasil, como monocultura extensiva. O
itinerário do café é sempre marcado pela modificação da paisagem, da fauna, da flora, do
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solo, do clima e das relações sociais através da dinâmica da mobilidade social de toda uma
região. Assim aconteceu com o Vale do Paraíba onde Resende é um exemplo típico.
Quanto ao que acontecia fora do Brasil dois aspectos importantes se destacam. Por
um lado, outras regiões passaram a reproduzir café. Na América, principalmente na
América Central, na Ásia e na África, diversos países começaram a plantar café o que
gerou uma concorrência ao café brasileiro que continuava cada vez mais a aumentar sua
produção. Juntou-se a isso, o fato de que a Europa e os Estados Unidos atravessaram na
década de 1870 a 1880 uma séria crise econômica que reduziu o consumo de produtos que
não eram vitais à vida das pessoas, como o café. Por outro lado, um fator fundamental para
a decadência do café no Vale tem seu estímulo inicial no estrangeiro: a abolição do tráfico
de escravos em 1850. O trabalho escravo há muito (desde a Revolução Industrial) deixara
de ser interessante para os ingleses, que necessitavam ampliar os mercados consumidores
internacionais. Para tal, a escravidão tornou-se um obstáculo, pois o escravo não era um
consumidor. Durante anos, os ingleses tentaram acabar definitivamente com a escravidão.
Desde os tempos de D. João VI, que os ingleses pressionavam para que fosse aceita essa
reivindicação. No entanto, a questão não era muito simples, pois os escravos eram à base
de toda a economia brasileira. Senhores de engenho e fazendeiros de café lutaram até onde
foi possível para que não se aprovasse o fim da escravidão. Mas o Brasil já estava
suficientemente endividado com os ingleses para desprezar totalmente as pressões
britânicas. Quando D. Pedro I, ainda em 1827, aceita providenciar a extinção do tráfico
negreiro, os sinais da crise já começaram a se anunciar. Mesmo assim, sob a pressão dos
proprietários de terras e escravos o tráfico negreiro ainda será intenso até 1850. A partir do
momento em que os ingleses ameaçaram de guerra declarada ao Brasil e passaram a
afundar os negreiros e perseguir traficantes até mesmo nas praias brasileiras, a situação não
teve outra solução. Com a lei Eusébio de Queiroz de 1850, ficou extinto definitivamente o
tráfico negreiro africano, apesar de continuar ainda havendo o contrabando.
As conseqüências internas para Brasil é que o Segundo Império esteve montado
num tripé fundamental que o sustentava e lhe dava sentido: escravidão, café e monarquia.
Um justificava o outro. No momento que um desses estivesse ameaçado todo o esquema
que derivava daí estaria comprometido. E assim foi: quando faltou o braço escravo o café
no Vale entra em crise, a monarquia perde o seu sentido de ser, pois estavam quebradas as
estruturas de relação de poder.
VII - O mecanismo do círculo vicioso do café.
Derrubada a mata e plantado o café, o fazendeiro para ampliar essa produção, hipotecava a
escravaria da fazenda (pois o escravo era garantia de crédito, e não a fazenda). Após 1873,
passou a hipotecar também as safras futuras - conseguindo dinheiro com os comissários,
para comprar mais escravos, derrubar mais mata, plantar mais café e assim por diante.
Chamamos a isso um "círculo vicioso" porque neste mecanismo um momento se articula
ao outro e todos se dependem mutuamente. Um era feito em função do outro.
Um dos primeiros sinais que assinalava a fragilidade deste mecanismo foi
percebido quando as casas comissárias - responsáveis pelos adiantamentos em dinheiro aos
fazendeiros - sentiram as pressões de seus financiadores: os grandes bancos. Em 1864, a
famosa "quebra (falência) da Casa do Souto" - uma das maiores casas comissárias do Rio,
refletia que o sistema montado não era tão seguro como se imaginava. Os comissários, a
partir de então, continuavam a emprestar aos fazendeiros, assumindo as hipotecas dos
escravos e mais tarde as safras que ainda seriam colhidas, mas já tinham alguma
desconfiança, e passaram a exigir pagamentos mais precisos, não estendendo tanto os
prazos. Bem mais tarde, a partir de 1878 - quando os preços dos escravos começam a cair
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pela metade - os fazendeiros sem condições de garantias mais seguras, colocaram as casas
comissárias em situação mais difícil ainda. Posteriormente, os grandes bancos passarão a
financiar a produção (o fazendeiro) diretamente.
As fragilidades começavam a aflorar e tudo seria uma questão de tempo. No
momento que faltasse um desses fatores, todo sistema estaria comprometido e a sua
reprodução seria impossível.
No entanto, curiosamente, a abolição do tráfico negreiro na África não causou de
imediato a crise do café no Vale. Pelo contrário, logo após a abolição do tráfico (1850)
vem a época da grande expansão do café por todo o Vale do Paraíba (exceção seja feita à
Resende, que a partir de 1851, já dava sinais reais de crise). Isso se explica, porque, de
imediato, todo o capital acumulado nos escravos até então, foi duplicado, porque o preço
destes aumentou consideravelmente e em Resende a produção sendo por base formada por
pequenos e médios mostra bem a dificuldade de compra de novas peças. Dessa forma, se
os escravos eram garantias de crédito (pelo menos até 1873), as hipotecas duplicaram de
valor, conseguindo os fazendeiros muito mais dinheiro. Por outro lado, foram eliminados
os traficantes que progressivamente tornaram-se uns credores bastante incômodos (o que
justifica o apoio do Nordeste açucareiro à abolição do tráfico, já que o açúcar passava por
maus momentos). Era uma grande contradição tudo isso, pois alguns anos depois, tendo os
fazendeiros que renovar a escravaria, recolocando as peças perdidas, passariam a sofrer os
pesados custos dos escravos com preços a partir de então, cada vez mais caros (pelo menos
até 1880). A partir daí, as coisas começaram a ficar realmente complicada. Mesmo assim,
sem o tráfico vindo da fonte africana, os fazendeiros do vale, passaram a comprar escravos
do Nordeste açucareiro, de Minas e também, da própria Província do Rio de Janeiro
(região de Campos, por exemplo). O tráfico inter e intraprovincial foi um paliativo
conjuntural, ou seja, uma opção temporária que não eliminou o problema, apenas o adiou.
Isso veio definitivamente acontecer em 1888.
Mas se a questão da escravidão negra é talvez tida como principal aspecto da crise
do café no Vale do Paraíba, ela não é a única. O café é uma cultura predatória, ou seja, sua
plantação com o tempo esgota e destrói o solo e modifica a natureza da região. As fazendas
do café do Vale, até a sua crise definitiva já no século XX, nunca pararam de ampliar suas
plantações de café. Ora, isso só era possível através da derrubada da mata-virgem. Assim
se deu: a cada nova plantação de café, menos uma mata. Isso foi possível, logicamente, até
que continuasse a existir matas e florestas virgens. A partir de 1870, essas matas começam
a escassear e a maior prova disso é que se antes nos inventários e heranças a mata não
constava dos bens a serem herdados, passam a ser um elemento fundamental destes. Junto
com o fim da floresta tropical do Vale do Paraíba, acrescentam-se também as
conseqüências das técnicas do plantio do café. Essas técnicas constituem um importante
fator da decadência. Quando os cafezais eram plantados, nunca se teve grande cuidado na
sua escolha e trato. Eles eram plantados de qualquer maneira, pois a terra ainda era fértil e
o café dava bem de qualquer forma. Além disso, plantados quase que verticalmente nas
encostas, as chuvas de verão levavam para as baixadas todo o "húmus", favorecendo a
erosão do solo e enfraquecendo o cafezal. Os fazendeiros nunca se preocuparam com esses
detalhes, até o momento em que os pés de café deixaram de produzir em grande quantidade
e envelhecerem precocemente.
Assim, a partir de 1870, uma nova região começa a despontar no cenário brasileiro
como provável sucessora do Vale do Paraíba. O Oeste Paulista (Campinas e Ribeirão
Preto), com terras novas e mais férteis (terra roxa). Não dependendo tanto do trabalho
escravo, mas a partir de então da mão-de-obra dos imigrantes europeus e conseguindo cada
vez maior influência nos meios políticos do decadente Império, passavam
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progressivamente a fazer uma concorrência com o Vale do Paraíba, e este não pode resistir.
O Café abandona o Vale e sua sorte parte para São Paulo. E Junto com ele muitos
fazendeiros o seguirão como é o caso de Pereira Barreto, resendense que levará para região
de Ribeirão Preto o café do tipo "Bourbon".
Podemos afirmar então, que a crise do café no Vale está ligada totalmente, a
questão do trabalho escravo, mas talvez ao seu esgotamento das matas virgens e
depredação do solo devido às técnicas rudimentares em que se baseavam os plantios.Pois
no caso específico de Resende onde braço escravo não era utilizado na mesma escala que
nas outras regiões do vale com seus grandes planteis de escravos. Sem condição de atrair o
imigrante europeu (pois São Paulo oferecia melhores atrativos), sem possibilidades de
recuperar o solo depredado durante mais de cinqüenta anos de exploração predatória.E sem
meios de ampliar as plantações com a escassez da mata e terras virgens, a crise do café no
Vale é um processo doloroso onde não faltaram os suicídios de grandes fazendeiros
desesperados com as suas dívidas e com a perda de seus privilégios e perda de poder.
Em Resende, a crise se antecipa a outras regiões do Vale. Sendo pólo primitivo do
café, sofre anteriormente as conseqüências da monocultura escravistas. Apesar de frágeis
momentos de recuperação, como após 1862, a cultura cafeeira já estava condenada,
persistindo agonizante até as duas primeiras décadas do século XX. A chegada da ferrovia
em 1871 ( eliminou a navegação pelo Paraíba, encurtando o caminho até o Rio), os novos
terreiros pavimentados ( melhoraram a qualidade do café, que antes se misturava com a
terra) e as novas máquinas de beneficiamento (despolpadores e descascadores a vapor),
pouco representaram diante do quadro crítico formou-se. Em 1912, a primeira página de
"A Lira" notificava um artigo intitulado "Dynamite na Agricultura", aconselhando a
utilização do explosivo na recuperação do solo, refletindo bem a real situação da terra ao
penetrar no século XX.
Não podendo competir com São Paulo (o Oeste Paulista), que contando não só
com uma situação econômica favorável (novos cafezais em terras novas), mas também
com o apoio do Governo (que após 1870 passou a financiar a imigração e após 1906 a
garantir os preços do café). Não conseguiram solucionar satisfatoriamente os seus
problemas de mão-de-obra. Os imigrantes que vieram para Resende, geralmente, não
vinham para trabalhar nas plantações de café. Estes formaram os chamados "núcleos
coloniais", que foram criados para resolverem um outro problema muito sério: o
abastecimento de alimentos do Rio. Os italianos de Porto Real (que aqui chegaram desde a
década de 1850), os alemães, suíços e franceses dos núcleos de Mauá e Itatiaia (ou ainda os
do núcleo Albuquerque Lins de Formoso, que chegam entre 1908 e 1909). Passaram a
cultivar outros gêneros como cana-de-açúcar (no caso de Porto Real) e frutas e alimentos
em geral (como em Mauá, Itatiaia e Formoso). Estes, no entanto, sem apoio governamental
e distante dos mercados consumidores, também estiveram fadados ao fracasso. Depois de
alguns anos partiram para São Paulo ou para o sul em busca de melhores oportunidades.
VIII - conclusão
O Vale do Paraíba passou a representar uma região definitivamente incorporada ao
Brasil, apenas quando o café aqui se estabeleceu. Após a sua chegada muita coisa se
modificou. Em menos de cinqüenta anos de exploração intensa, o café transformaria a vida
em toda uma região. Ele fez do Vale o centro da economia do Segundo Império, sendo a
região mais agraciada com os ambicionados títulos de nobreza. Os "barões do café"
controlaram não só a economia como também a política do Império, até o longo e
progressivo início do seu processo de decadência. A partir de 1870, o Vale passaria a sentir
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os sinais da decadência inevitável. No entanto, apesar da forte concorrência paulista, o café
ainda será plantado no Estado do Rio até as primeiras décadas do século XX, apesar de
penetrar na década de 1920 com uma produção inferior a de São Paulo, Minas e Espírito
Santo.
Somente com a chegada de uma nova leva de mineiros - no caso de Resende
proveniente do Vale do Rio Grande - que se aproveitando dos baixos preços das terras,
trazem seu gado e começam a instalar, progressivamente, uma nova atividade econômica
que salvará o Vale da decadência total. A pecuária leiteira que sucede ao café, só pode ser
entendida como uma conseqüência deste. A criação de gado leiteiro é uma das heranças do
café.
O café marcou toda esta região, após a sua partida para São Paulo, a terra, o
clima, a flora, a fauna e a natureza em geral nunca puderam ser as mesmas. A depredação
do ambiente é o maior reflexo disso até os dias de hoje. Eliminada a mata virgem, hoje
praticamente não mais existente (exceção seja feita às florestas da Serra, como no maciço
de Itatiaia), tudo que dela dependia foi violentamente sacrificado. Juntando a isso,
depredação do solo por anos consecutivos de exploração, progressivamente, o clima da
região também começou a se alterar. Se antes se possuía um verão não muito carregado e
chuvas e um inverno não com longas estiagens, após o café, a irregularidade das estações
passou a ser um fato constante: o inverno passou a ter nove meses de seca e o verão
apresentar apenas quatro meses de chuvas. Eliminada a fauna, a saúva e o gafanhoto
invadiram as plantações e a terra, nem mesmo com adubo ou com o arado não resistiu à
depredação. No final das contas, uma das heranças físicas do café está no desequilíbrio
ecológico que ele causou no Vale.
A pecuária leiteira que se segue ao café reproduz, de certa forma, esses mesmos
mecanismos predatórios. Por um lado, ela só foi possível porque era a única opção para o
Vale após o desgaste das terras. Por outro, quando foram roçados os cafezais envelhecidos,
tudo se tornou um grande pasto e o gado foi colocado a pisotear o terreno. Assim,
efetivamente podemos dizer que no decorrer de mais de quinhentos anos, a economia
brasileira funcionou como reflexo dos interesses externo, reagindo aos estímulos do
estrangeiro como os da Inglaterra um dos nossos principais compradores de café. Esta
orientação voltada para o exterior conduziu nossa região a praticar e implantar de forma
maciça a monocultura com a produção e a exportação centrada em um único produto o
café. O que fez com que os reflexos deste período econômico paire até hoje com suas
conseqüências e influências nas áreas sociais, culturais, políticas e econômicas.
Concluindo nosso artigo, enfatizo o fato da necessidade novas pesquisas sobre a
formação econômica da região do médio Vale do Paraíba Fluminense. Elemento de
extrema importância para entendermos Formação Econômica do Brasil a luz de um novo
modelo historiográfico que considere as relações de poder regionalmente. E as dinâmicas
econômicas vividas por cada recanto do Vale do Paraíba, pois pela historiografia clássica
as cidades locais tinham uma pequena relação com as fazendas e a riqueza girava em torno
destas e não daquelas, o que no caso de Resende podemos ver exatamente o contrário; com
a formação de um grupo bem destacado de pequenos e médios produtores, ocasionando
uma distribuição de renda bem diferente do se poderia imaginar face as grandes
propriedades. Tudo isto no período em que o Brasil era o Império do Café, mesmo quando
o processo econômico brasileiro se desenvolvia nas condições de economia incipiente nos
moldes de um capitalismo tardio, com traços coloniais, dependente e mercantilista, ainda
que no século XIX o mercantilismo já tivesse sido superado como modelo internacional, os
pequenos e médios cafeicultores coexistiam, agiam e interagiam no tão afamado mundo
das grandes propriedades.
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