segunda-feira, 18 de junho de 2012

FALÊNCIA DA ECONOMIA DO CAFÉ NO VALE DO PARAÍBA

1 1 Uma breve história do Café na região da Vila de Resende no século XIX. Julio César Fidelis Soares1 Resumo Este artigo mostra a importância da nascente economia agro-exportadora cafeeira, que na Vila de Resende, teve o seu primeiro pólo dispersor no Brasil. Beneficiando-se da conjuntura favorável daquele momento. O café constituiu-se no centro dinâmico da economia, atraindo as forças econômicas - capitais e mão-de-obra - e provocando mudanças em todos os outros principais setores da sociedade. Como na criação de novas atividades, no uso de vários equipamentos, na distribuição da renda e na constituição das classes sociais, com o declínio de umas e a ascensão de outras. Palavras Chave: Café - Economia agro-exportadora-Escravos-Propriedade I – O homem, a terra e o café. O café foi para o Vale do Paraíba o estímulo definitivo à sua ocupação pelos homens brancos. Mas se compararmos com o tempo em que o Brasil foi descoberto, com o tempo em que o café chega para ficar no Vale do Paraíba - em Resende, os historiadores falam que as primeiras plantações datam nos anos de 1800 - percebamos que há uma boa diferença de uns trezentos anos ou mais que separam estas datas. Se olharmos dentro da historiografia tradicional parece que nada aconteceu no Vale até então. Então, quais teriam sido as razões que explicam a não ocupação desta vasta região brasileira, tão próxima do Rio de Janeiro e de São Paulo? Na verdade, desde os tempos das Entradas e Bandeiras (século XVI), na busca de metais preciosos e índios para o cativeiro, os homens brancos se arriscavam por esta região. Depois, no século XVIII, quando foram descobertas os aluviões de ouro das Minas Gerais, eles tornaram a se arriscar por aqui e abriram as primeiras picadas e formaram os primeiros caminhos. Mas foram realmente muito pouco que resolveram se estabelecer, passar a morar no Vale. Os primeiros homens brancos que passaram a viver aqui plantavam algum alimento e cuidavam de umas vacas para vender aos viajantes que rumavam às minas, tudo dentro de uma estrutura de abastecimento e suporte logístico. Eram os donos de pousadas e que nunca foram muitos. Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre eram até então um dos poucos núcleos populacionais entre o litoral e sertão das gerais. Neste momento podemos falar que os homens brancos se arriscavam e eram poucos. Pois, dois motivos aparecem, neste momento, como verdadeiros obstáculos à penetração do homem branco colonizador. Por um lado, a natureza apresenta-se como obstáculo a este novo elemento; a grande floresta do vale dificultou seriamente os deslocamentos do homem branco. Transpô-la era um verdadeiro risco e uma verdadeira aventura nas selvas. Um maciço matagal, fechado e denso, oferecia um panorama que fascinava e amedrontava o desbravador com sua variedade florestal. Onde a figueira brava, a sucupira, o jacarandá escuro, o jequitibá, a cabuína, o cedro do vale, o timburibá e outros, 1 Mestre em História Social, Professor de História Econômica, Formação Econômica do Brasil de Desenvolvimento Econômico e Social – Faculdade de Ciências Econômicas Dom Bosco –Resende-RJ. Orientadora Dissertação de Mestrado: Profª Drª Ana Maria da Silva Moura. 2 2 destacavam-se pela altura e pelos seus grossos troncos centenários, costurados pelos diversos tipos de cipós e trepadeiras. Além desta grandiosa floresta tropical, a Serra do Mar formava um verdadeiro paredão de difícil ultrapassagem. Até chegar a ferrovia, sempre foi muito difícil para as tropas de burros cruzarem os caminhos que eram meras picadas no mato muitas vezes rota indígena. A natureza do Vale foi um importante fator que afastou, até o final do século XVIII, o domínio do homem branco. Por outro lado, um outro elemento muito importante desempenhou um papel fundamental neste afastamento do colonizador, os habitantes primitivos do lugar. Ficaram famosos os relatos de viajantes destas paragens sobre a bravura e resistência dos índios da região do Vale do Paraíba. Profundos conhecedores da geografia do vale eram mestres em preparar emboscada para os brancos, de quem só temiam a poderosa arma de fogo. Sabedores do destino dado aos índios que habitavam o litoral do Rio e São Paulo, não pouparam esforços em resistir aos "estrangeiros". Puris, Coroados, Guaianases, Goitacases e Botocudos eram um verdadeiro obstáculo aos colonos. As resistências das tribos indígenas só não eram maiores e mais bem organizadas devido às próprias disputas existentes entre eles. II – A expansão Cafeeira A historiografia tradicional é farta em tratar do famoso percurso que fez o café até chegar ao Brasil. Originário da Etiópia, ele foi descoberto por um pastor, já na Arábia, então se percebeu que as ovelhas saíam saltitantes após comerem aquelas sementes vermelhas, e que deveriam ser estimulantes. Da Arábia o café fez um longo percurso, onde passou por Java, foi à França, até chegar à América, onde foi plantado nas colônias francesas da Martinica e da Guiana. Daí, em 1727, Palheta trouxe algumas mudas para o Maranhão e Pará, donde o café veio parar na capital do Rio de Janeiro no final do século XVIII (1770, aproximadamente). Como podemos notar o café fez longo curso e antes de fixar-se no Vale do Paraíba, ele rodou meio mundo. No entanto, se o ”turismo do café" parece ser pitoresco, ele somente não explica o porquê a partir do início do século XIX e, particularmente, após 1840, o café passaria a ser o mais importante produto exportado pelo Brasil. Complexas são as razões que justificam o fato de em apenas alguns anos ter-se mudado a paisagem do Vale do Paraíba, que se manteve quase inalterada por mais de três séculos. Falaremos das mais importantes e de uma forma breve, dessas condições necessárias para que o café passasse a ser chamado de "ouro verde" pelos brasileiros daquela época. Desde os tempos das Grandes Navegações e Descobrimentos os europeus estabeleceram relações comerciais com o resto do mundo e formaram um mercado mundial, que até então não existia. Neste mercado mundial as colônias funcionariam como fornecedores de matérias-primas produtos tropicais comercializáveis ou metais e pedras preciosas. O comércio foi fundamento muito importante para que se conseguisse acumular muito capital, para que no final do século XVIII, a Inglaterra principalmente e depois a França, Alemanha (Prússia) e Holanda, transformassem o mundo com o aparecimento das máquinas e outros elementos de produção no que ficou conhecido como Revolução Industrial. A partir de então, não seria mais o comércio a atividade econômica principal, 3 3 mas a produção industrial. Assim aqueles países de passado colonial, que não conseguiram desenvolver uma produção industrial, pois eram colônias produtoras de bens primários; continuariam a depender da produção européia e depois, norte-americana e mais, continuariam tendo que pagar essas importações com produtos primários (agrícolas e minerais) que produziam da mesma forma que quando eram colônias. No século XIX o comércio mundial - agora dominado pela produção industrial - crescerá num ritmo sem precedentes. A América Latina transformar-se-ia num palco de disputas entre as nações industrializadas, pois além de grande fornecedora de matériasprimas, destacava-se cada vez mais como um grande mercado consumidor da produção européia e norte-americana. O café, desde o final do século XVIII, transformara-se em produto de luxo que aos poucos se tornava cada vez mais consumido. As casas onde se vendia café tornavam-se cada vez mais comuns (os chamados "cafés"). Os preços do mercado apresentavam-se cada vez mais tentadores, particularmente, quando Haiti (ex-colônia francesa) teve sua produção desbaratada com as guerras de independência, quando os escravos assumiram o poder e eliminaram a elite local. Portanto, as condições externas eram favoráveis ao café. Internamente quando o Brasil passa a produzir café em grande quantidade, as colônias holandesas e francesas já o produziam há algum tempo. Até a crise da produção mineral das Minas Gerais no final do século XVIII, o café não ofereceu grandes atrativos no mercado do Brasil. Mas a situação econômica brasileira após a independência política em 1822, era verdadeiramente difícil. Os principais produtos exportados pelo Brasil passavam momentos de sérias dificuldades. A descoberta do açúcar de beterraba retirou do Brasil uma boa parcela do mercado e os norte-americanos passaram a consumir açúcar de Cuba. O algodão dos Estados Unidos passou a abarrotar os mercados europeus levando quase que à falência as plantações do Nordeste (sobretudo do Maranhão). O fumo, o couro e o cacau que nunca foram produtos de grande expressão também atravessavam uma séria crise. Acrescentando-se a tudo isso, desde antes de consumada a independência já estávamos endividados com os bancos ingleses. Dando início a nossa vultosa dívida externa, quando para pagar o reconhecimento de Portugal pedíamos um empréstimo de dois milhões de libras que nem chegaram a sair dos cofres ingleses (pois foi debitado da conta que os portugueses já tinham com os ingleses). O novo Estado brasileiro sem poder aumentar as taxas da alfândega, pois os produtos exportados não encontravam bons preços no mercado, vivia uma situação de crise. Essa situação de incertezas perdura até aproximadamente 1830 a 1840, quando o café passará a ser o principal produto exportado pelo Brasil. Em 1822 ele já era responsável por 18% das exportações (vindo logo abaixo do açúcar e do algodão) e em 1840, passa a representar 41,4% das exportações (enquanto o açúcar passa para 26% e o algodão 7,5%)2. Não seria uma força de expressão dizer que o café tirou o Brasil e, particularmente, o governo e as elites do país, da crise em que se achavam logo após a independência. Progressivamente ele será o responsável pelo fato das exportações voltarem a superar as importações - fato que só acontecerá após 1860. E em somente dois períodos, 1861 e 1886, o resultado da balança comercial exportações – importações terá resultado negativo. 2 Comércio Exterior do Brasil, nº1, c.e., e nº12-a, Serviço de Estatística Econômica e Financeira do Ministério da Fazenda, em Helio Schlitter Silva, “Tendências e características gerais do comércio exterior no século XIX”, Revista de História da Economia Brasileira, ano 1 jun.1953, p.8. Apud FAUSTO, 1994, P.191. 4 4 Estatística sobre o valor do comércio exterior em milhares de contos-de-réis 1851-1890 Período Exportações Importações 1851 68 76 1860 123 123 1870 168 162 1880 230 179 1890 280 255 Fonte: Magalhães Filho, Francisco de B.B. de –História Econômica, Ed. Saraiva, SP, 1982.P.328 O Vale do Paraíba e a Vila de Resende entram nesta história primeiramente com a terra que se mostrou atrativa pelo custo e produtividade, um aspecto importante é a visão ou a protovisão dos conceitos econômicos de custo de oportunidade nos investimentos. Vários aspectos técnicos geológicos da terra valeparaibana favoreceram a chegada do café. Por um lado, num país onde apesar das vastas quantidades de terras disponíveis, a terra sempre foi um bem disputadíssimo (principalmente quando eram próximas aos grandes portos), o Vale do Paraíba oferecia um atrativo fascinante: terras praticamente desocupadas. Com exceção de algumas pousadas e de uns poucos engenhos de açúcar sem grande expressão, a mata virgem dominava soberana região. Se a floresta tropical havia resistido ao colonizador até a passagem do século XVIII para o XIX, a partir daí os altos preços do café no mercado externo abriu contra ela uma guerra de vida ou morte. Somente a possibilidade grandiosa de enriquecimento proporcionada pelo café, fez com que este eliminasse o primeiro dos grandes riscos que a região impunha a floresta. O desmatamento e as "coivaras" (as queimadas que os índios faziam em pequena escala) passaram a fazer parte do cotidiano do Vale. O solo era fértil, sem dúvida. Como toda floresta recém cortada, mantinha por um bom tempo ainda seu húmus além de que as cinzas das queimadas, de imediato, reforçavam esta aparência de fertilidade permanente. Preço café séc.XIX - 1850-1885 0,00 10.000,00 20.000,00 30.000,00 40.000,00 50.000,00 60.000,00 1850 1851 1852 1853 1854 1855 1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 ano p re ç o / em ré is s a c a Fontes: Café: TUANAY, Afonso d'E. – Pesquisa História do Café no Brasil – D.N.C., Rio, 1945; Câmbio: NORMANO, J. F. – Evolução Econômica do Brasil – CEN, S. Paulo, 1945 e ONODY, Oliver – A Inflação Brasileira – Rio, 1960 5 5 Por outro lado, o café é uma planta extremamente delicada e exigente, precisando de um clima onde o frio não seja intenso e também onde o calor não fosse abrasador. Além disso, exigia que as chuvas não fossem demasiadas, nem escassas e, de preferência, bem distribuídas o ano inteiro. Essas pré-condições a região valeparaibana oferecia em abundância e foram atrativos irresistíveis aos futuros cafeicultores, que naquele momento eram donos de pequenas e médias propriedades. Mas restava ainda um empecilho à ocupação definitiva. Foi sempre só interesse do governo português a distribuição de sesmarias3 na região do Vale. No entanto, o habitante primitivo do lugar foi sempre uma grande barreira a esta ocupação, resistindo à invasão. Mas como no caso do pau-brasil e da cana do Nordeste, quando a possibilidade de enriquecimento era muito grande, o homem branco era capaz do impossível. Assim, como no caso da natureza, foi também aberta uma guerra de vida ou morte contra os índios do Vale. Em Vassouras, depois de violentos combates, os Coroados foram confinados numa aldeia em Valença, afastados do roteiro do café. Em Resende, conta o historiador da cidade, João Carneiro de Azevedo Maia, que os Puris como não conseguiram ser derrotados pelos brancos num primeiro embate, tiveram um fim triste. Pessoas contaminadas de varíola foram colocadas a banharem-se no rio que os Puris tiravam água para beber. Parte da tribo, agora derrotada, partiu para a Serra da Mantiqueira, rumo a região de Visconde de Mauá4 e outra, foi confinada numa aldeia em São Vicente Ferrer5 (a atual Vila da Fumaça). III – Os Mineiros, capitais e escravos. Com a terra preparada da forma como foi descrita acima, faltavam ainda dois componentes básicos para a implantação do café no Vale. Por um lado, o café - ao contrário da cana-de-açúcar - necessitava de quatro anos para dar os primeiros frutos e, de cinco para chegar à idade adulta com sua produção máxima. Por outro lado, era necessário o desmatamento, a construção da sede da fazenda, dos paióis para armazenagem e outros apetrechos. Tudo isso exigia dinheiro, até que o café pudesse repor esses gastos iniciais. Este capital vem dos primeiros povoadores, de algumas famílias vieram de Portugal, e de outras já estavam no local e cultivavam cana e no caso de dos primeiros povoadores de Resende, que plantavam anil. Mas a maioria foi mineira que após a crise das minas de ouro, partiram de suas terras e vieram se estabelecer no Vale do Paraíba mais precisamente em Resende. Ao contrário da cana-de-açúcar, que foi em grande parte financiada com o capital da burguesia flamenga (holandeses e belgas), as plantações de café foram estabelecidas com capital local oriunda do crédito familiar. O sistema de empréstimos foi familiar, ou seja, os parentes se emprestavam dinheiro e, em certos casos, como a família Teixeira Leite de Vassouras6, se especializaram neste ramo de empréstimos a juros. Depois, os comissários de café começaram também a desempenhar este papel de 3 As sesmarias eram terrenos incultos e abandonados, entregues pela Monarquia portuguesa, desde o século XII, às pessoas que se comprometiam a colonizá-los dentro de um prazo previamente estabelecido. Os títulos de terras da época,eram doadas àqueles que possuíssem escravos, fossem católicos, passassem dízimo à coroa e prestassem qualquer serviço como a construção de estradas ou plantassem alimentos. 4 Visconde de Mauá distrito do atual Município de Resende-RJ localizado nos contraforte da Serra da Mantiqueira o local tem seu nome em razão das terras terem sido do Visconde de Mauá. Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), o Visconde de Mauá, ou Barão de Mauá nasceu em Arroio Grande, município de Jaguarão-RS, no dia 28 de dezembro de 1813. Industrial, banqueiro, político e diplomata, é um símbolo dos capitalistas empreendedores brasileiros do século XIX. 5 SãoVicente Ferrer freguesia de Resende de onde foi criado o aldeamento reserva de São Luiz Beltrão para os Puris, pelo Capitão e sargento-mor em comissão Joaquim Xavier Curado nomeado pelo Vice-Rei D. Luiz de Vasconcelos e Souza (1779-1790). 6 A Família Teixeira Leite de Vassouras e´ representada dentro da linhagem do Barão de Aiuruoca, Custódio Ferreira Leite, do Barão de Itambé Francisco José Teixeira e do Barão de Vassoura Francisco José Teixeira Leite. 6 6 banco, pois praticamente não existiam naquela época instituições para crédito rural, abrindo crédito aos fazendeiros ou lavradores. Restava, portanto, resolver o último problema: a mão-de-obra, logicamente não foram os grandes fazendeiros que se tornaram plantadores de café - apesar de ser um costume da época eles se chamarem assim. A Proclamação da Independência política em 1822 e a Constituição de 1824 haviam garantido a continuidade da escravidão negra, apesar dos violentos protestos da Inglaterra. Garantida a escravidão e o tráfico de escravos até 1850, os mineiros trouxeram os escravos que antes trabalhavam nas minas de ouro e puderam continuar a comprar mais escravos num mercado que a cada dia se ampliava. O escravo negro africano será a mão-de-obra fundamental das fazendas de café. Sem eles nada seria possível segundo a historiografia tradicional, entretanto, segundos estudos mais recentes verificaram-se a coexistência de pequenas e médias propriedades onde o plantel de escravos é menor em relação aos números apregoados pelo pensamento clássico numa visão de grandes propriedades grande quantidade de cativos. Muitos proprietários enriqueceram não só explorando os escravos como trabalhador obrigado nas plantações, mas também e, antes de tudo, como mercadoria no tráfico. Sendo propriedade de seu senhor, sua vontade estava sujeita à autoridade de seu dono, não existindo enquanto pessoa física mais como instituto jurídico-comercial na rubrica semovente e ainda com trabalho compulsório, fato comum inserido no cotidiano das fazendas. A escravidão negra nas fazendas de café foi completa, ou seja, o escravo era escravo por toda a vida e, da mesma forma, seus filhos, seus netos. A escravidão completa é aquela que é hereditária. Enquanto o tráfico negreiro seja ele diretamente da África, seja ele inter ou intraprovincial (vindos do Nordeste, ou de outras regiões da Província do Rio), os grandes fazendeiros não tiveram problemas para administrar as fazendas, pois o café lhes concedia muito dinheiro para que pudessem renovar as "peças" (escravos negros) que a fazenda necessitava. E essa renovação era constante para os grandes cafeicultores, pois quando da compra do escravo - o fazendeiro pagava um bom dinheiro ao traficante - e este teria que o mais rápido possível repor o dinheiro gasto pelos fazendeiros. Daí talvez a violência, a disciplina obrigatória, o castigo até a carga chegar ao seu dono. É também por causa disso, que depois de chegarem ao Brasil os escravos, só durarem de cinco a dez anos, principalmente aqueles que trabalhavam nas plantações. As revoltas dos negros, os suicídios, as fugas, os quilombos, os abortos eram as formas encontradas pelos negros para reagirem a esta situação e não foram esses casos fatos isolados descritos ao longo da história, fatos estes também muitas vezes dentro de uma visão panfletária tanto dos escravistas como dos abolicionistas. Pois há também registros de formas de tratamento mais brandas numa visão ainda que primária de que o escravo era um implemento caro e ao mesmo tempo precioso para se mover à máquina produtiva. IV – Resende e São João Marcos centro irradiadores do Café Se o café é primeiro plantado nos arredores da cidade do Rio, na Floresta da Tijuca (conhecida na época como "Morro Pelado"), nos anos de 1770, ocupando depois a baixada Fluminense (região de Nova Iguaçu e Caxias), não será aí que ele mais prosperará como atividade econômica. Foi com a experiência de Resende e São João Marcos (cidade hoje não mais existente, pois está submersa na represa de Furnas), que outras localidades do Vale se interessaram em plantar cafés. O café percorreu muitos caminhos, desde o início do século XIX, saindo do Rio, passando por Resende e S. João Marcos e sendo distribuindo para Valença, Barra Mansa, Vassouras, Piraí, Paraíba do Sul, passando também para a parte paulista do Vale (Bananal, 7 7 Areias, S. José do Barreiro, Lorena, Silveiras). Bem como para a parte mineira: Juiz de Fora, Cataguazes, Leopoldina, Carangola, até Visconde do Rio Branco. O antigo arraial de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova (que foi o nome primitivo de Resende), deu os seus sinais de vida lá pelos anos de 1747 e passou a se chamar Vila de Resende7. As primeiras mudas de café, trazidas pelo padre Couto8 da fazenda do holandês Hoppman no Rio de Janeiro, foram plantadas, como experiência, na região de São Vicente Ferrer (atual vila da Fumaça)na Fazenda Monte Alegre. Depois de confinar os índios Puris na aldeia de São Luiz Beltrão, próximo do mesmo lugar que começaram a plantar os cafezais. Os motivos que explicam o fato de ser Resende o centro irradiador do café pelo Vale do Paraíba podem ser muitos e, até hoje foram pouco estudados. Dentre estes estímulos prováveis, podemos citar: a) os aspectos geográficos da região do "Campo Alegre" (Resende), que apresentava uma boa baixada, e um solo propício e um clima favorável; b) a proximidade do Rio de Janeiro, que funcionaria como porto para a exportação; c) a atuação estimulante do Marquês do Lavradio, representante do governo de D. João VI que, a partir de 1772, dispensou o serviço militar os habitantes da região que plantassem café. Portanto, todos estes elementos uniram-se para criar as condições necessárias à chegada do café por estas paragens. Em 1802, Resende já era exportadora de café e, a partir daí, a região sofreria uma grande mudança. O início do reinado do café começou mudando, aos poucos, toda a economia da região. Se até antes da chegada do café, os poucos habitantes do arraial e redondezas do "Campo Alegre", plantavam e beneficiavam um pouco de cana-de-açúcar, cuidavam de plantações de anil, criavam algum gado (vendendo alguma carne para Minas e Rio), tudo, a partir do século XIX, estaria sujeito à novidade cafeeira. Antigas fazendas de gado, engenhos de açúcar e cachaça, plantações de anil, passavam a plantar. Outras plantações como as de milho, feijão, arroz e mandioca passaram a alimentar as fazendas de café e as sedes dos núcleos urbanos dentro de um sistema de apoio e subsistência. Entretanto o café já impunha o seu poder quase absoluto como cultura comercial destinada a exportação. Quando a Vila de Resende passa a ser considerada como cidade em 18489, a região resendense já se destacava como um dos maiores centros cafeicultores da província. Já estávamos no Segundo Império e o reinado de D. Pedro II esteve marcado pela expansão do café pelo Vale, salvando, progressiva e lentamente, o Império da falência financeira econômica que estava sujeito após a Independência. Ao falarmos em Império devemos sempre lembrar do café, num outro aspecto fundamental ter garantido para Império seu sustento político através das elites agrárias e na escravidão negra como força motriz da economia agro-exportadora. Confirmada pela Constituição de 1824 e garantido o tráfico até 1850, possibilitando a compra maciça de mais braços para lavoura do café. 7 Em homenagem a D. José Luís de Castro, 2° Conde de Resende, que foi Vice-Rei do Brasil por onze anos, de 9 de maio de 1790 a 14 de outubro de 1801, na mesma ocasião em que o café começa a ser plantado por aqui em 1801. 8 Padre Antônio Couto da Fonseca proprietário da "Fazenda do Mendanha" cujo nome se deve ao primeiro proprietário e poderoso senhor de escravos e grande produtor de açúcar e café, Luiz Vieira Mendanha, passou por mãos sucessivas até ser comprada por padre Couto, que foi o grande protetor do sábio Freire Allemão, que iniciou sua vida como sacristão, na capela da Fazenda do Mendanha, onde aprendeu os primeiros rudimentos de latim com Padre Couto. 9 Elevação da Vila à Cidade de Rezende: Decreto 438 de 12/07/1848 com a promulgação pela Assembléia Provincial no dia : 6/07/1848. A resolução foi sancionada a 12/07/1848, pelo Chefe do Governo Províncial (Visconde de Barbacena). Foi publicada na imprensa oficial no dia 13/07/1848. Fonte: acervo documentação da Câmara Municipal de Resende – 1848. 8 8 No entanto, apesar de toda essa euforia cafeicultora, a região de Resende nunca ocupará o lugar de maior produtora de café da Província do Rio de Janeiro. Resende foi grande centro produtor, mas não o maior. Mesmo que no início do século XIX, seja a Vila de Resende o centro irradiador do café, espalhando-o por todo o Vale do Paraíba, será Vassouras, Valença, Paraíba do Sul, Barra Mansa e Piraí que possuirão as maiores fazendas e também a maior produção. Uma das maneiras de compreender este fato é comparar os títulos de nobreza que foram distribuídos nestas outras localidades do Vale, com aqueles que foram cedidos à Resende. E o volume de pequenos e médios produtores face aos de outras regiões do vale. Número de Fazendeiros e Lavradores -Resende 1846 a 1885 76 413 431 432 504 510 552 561 631 157 260 308 147 244 0 100 200 300 400 500 600 700 1840 1842 1844 1846 1848 1850 1852 1854 1856 1858 1860 1862 1864 1866 1868 1870 1872 1874 1876 1878 1880 1882 1884 1886 1888 Anos Número de Proprietários Fonte: dados Almanack Laemmert 1846-1885 Os chamados "barões do café" - grandes fazendeiros que eram ligados diretamente com o governo imperial do Rio de Janeiro - em Resende foram apenas quatro (Barão de Monte Verde, Barão de Bananal, Visconde do Salto e Barão de Bela Vista - que depois conseguiu o título de Visconde de Aguiar Toledo)10; enquanto isso, em Vassouras, por exemplo, foram dezenas de fazendeiros que obtiveram títulos de barões, condes, marqueses. Por outro lado, se a população de Resende (em 1876) era superior a de Barra Mansa, S. João Marcos, Piraí, Vassouras, Valença, no entanto os escravos eram muito poucos, apenas nove mil. Joaquim Souza Breves - o chamado "rei do café” - grande proprietário de mais de 25 fazendas distribuídas por todo o Vale (que morava no Palácio da Grama em S. João Marcos), produzia 90 mil arrobas de café numa fazenda sua de Arrozal e em outra de S. João Marcos, 60 mil arrobas, enquanto que na fazenda de S. Vicente Ferrer (Fumaça/Jacuba) produzia 10 mil arrobas, Breves tinha segundo estudos cerca de 6000 escravos em seu plantel distribuído pelo vale.11 10 Francisco Terziano Fortes de Bustamante[ Barão de Monte Verde], Luiz da Rocha Miranda Sobrinho[ Barão de Bananal,29/5/1869], Antonio Jose Dias Carneiro[ Visconde do Salto,29/5/1886],Jose de Aguiar Toledo[Barão de Bela Vista]; PORTO, Luiz de A. Nogueira. Bananal no Império: famílias e fazendas. Rio de Janeiro: EGAL, 1994. p.12 e Vallim, João Rabello de Aguiar. Famílias paulistas do Bananal. São Paulo, Revista do I. H. G. S. P., volume LXXX, 1985, p. 50-70. 11 O Prof. Alberto Lamego, em seu livro «O homem e a restinga», afirmava ter sido o "Rei do Café" proprietário de mais de 90 fazendas e de 6.000 escravos. Em outra obra do mesmo autor - «A aristocracia rural do café na Província Fluminense» [1946] - confirmou-se este alto número de 90 fazendas. Em uma terceira obra, ainda do Professor Lamego - «O homem e a Guanabara [1964] - reduz este número para 20 fazendas [pág. 250]: «Com os 6.000 negros das vinte fazendas dessa família é que se fez Mangaratiba.» Gustavo Barroso, em seu artigo «O Solar do Rei do Café», também registrou 20 fazendas. 9 9 Alguns motivos explicam as razões de Resende não ter alcançado a mesma projeção de Vassouras, Valença ou mesmo Barra Mansa. Por um lado, as terras no município foram as primeiras a dar sinais de cansaço, porque em Resende o café chegou primeiro; por outro lado o café era primeiro levado de barca pelo Rio Paraíba até Barra do Piraí, para então ser conduzido até o porto em lombo de burro, o que encarecia o preço do transporte; ou ainda após 1850 com a extinção do tráfico, a dificuldade de obter escravos mesmo ainda que os pequenos e médios produtores não utilizassem maciçamente deste recurso; e também a praga que deu nos cafezais em 1858 que destruiu grande parte dos cafezais. Ainda assim o café será produzido em Resende até o século XX e dentro basicamente das pequenas e médias propriedades como originalmente. V – A fazenda de Café: o núcleo da produção cafeeira. Se compararmos a fazenda de café do Vale do Paraíba, com os engenhos de açúcar do Nordeste, talvez seja o fato de em um se plantar café e noutro cana-de-açúcar, a diferença mais importante que se encontre entre os dois. O esquema das grandes fazendas de café foi inspirado na organização dos engenhos. Percebamos bem as semelhanças: por um lado, em ambos a produção mais importante será de um só produto (a monocultura: cana, algodão ou tabaco) que não era produzido para ser aqui consumido. Tanto a cana e o café são plantados e ligeiramente beneficiados para que sejam exportados. Por outro lado, se no engenho o principal trabalhador era escravo, nas fazendas de café, o negro africano será da mesma forma, a mão-de-obra fundamental nos grandes empreendimentos para a produção. Tanto o café como a cana serão plantados e cuidados pelo trabalhador escravo. Portanto, aquilo que era básico na colônia, ou seja, a agro-exportação de bases escravistas permanecerá como básico no Brasil Imperial. A fazenda de café estará organizada quase que da mesma forma que um engenho. A fazenda do café era o mundo dos fazendeiros. De vez em quando eles costumavam passear com a família no Rio de Janeiro, mas era na fazenda que eles passavam a maior parte do ano. Ali eles eram senhores e soberanos de tudo. Eram autoridade máxima, aos quais todos estavam sujeitos, inclusive a própria mulher e filhos. As leis do país dentro da fazenda eram praticamente ignoradas e o que vigorava era a vontade única e exclusiva dos fazendeiros. Até a crise do café no Vale (anos de 1870/80) as fazendas produziam grande parte dos alimentos de que precisavam. A cachaça, o açúcar, a farinha de mandioca e de milho, arroz e feijão, eram, geralmente, cultivados e produzidos na fazenda pelos escravos. Do Rio de Janeiro vinham apenas àqueles produtos importados. Com isso a vida das fazendas era voltada, neste aspecto, sobre si mesma. As cidades locais tinham uma relação econômica bem forte com as fazendas e a riqueza girava em torno destas e não daquelas. A maior parte das terras era ocupada pelas plantações de café. Seus donos comandavam tudo, e quem comandava essas plantações era o mercado externo. Se o preço do café aumentava, aumentavam também as plantações, geralmente diminuindo a mata virgem e as outras culturas de alimentos. Se o preço do café diminuía, reduziam-se as plantações e aumentavam não as matas, mas a produção de alimentos. Assim funcionava a fazenda. Já a pequena e média propriedade funcionavam com uma unidade de produção flexível que tanto produzia gêneros alimentícios para seu uso e subsistência, bem como fazia parte de uma estrutura de apoio e abastecimento do núcleo urbano-rural, ou seja, a sede administrativa da vila ou município a que estava vinculada. A cachaça, o açúcar, a farinha de mandioca e de milho, arroz, o feijão, o anil e o café eram gêneros produzidos 10 10 dentro destas pequenas unidades. Eram administradas por famílias e um pequeno grupo de escravos, pois também o simples fato de ter um ou dois escravos lhes davam uma posição em termos de status-quo frente à sociedade que tinha como forte característica o poder face demonstração econômica dele. Utilizando dados de exportação de 1868 pode-se avaliar o poder dos pequenos e médios dentro deste ambiente a partir dos dados quantitativos referentes ao número cafeicultores listados no porto de Angra dos Reis. Estudo quantitativos referentes ao número cafeicultores listados no porto de Angra dos Reis 1868 Tipificação Prov.RJ Nº Produtores Província Nº Produtores Resende Participação percentual em relação ao grupo Pequenos 50 37 74% Médios 60 53 88% Grandes 73 27 37% Totais 183 117 64% Tipificação Prov.RJ Produção em @ Província Produção em @ Resende Participação percentual em relação ao grupo Pequenos 23.400 18.100 77% Médios 95.100 101.400 107% Grandes 685.000 218.000 32% Totais 803.500 337.500 42% Tipificação Prov.RJ e SP Nº Produtores Províncias Nº Produtores Resende Participação percentual em relação ao grupo Pequenos Médios 324 90 28% Grandes 163 27 17% Totais 487 117 24% Tipificação Prov.RJ e SP Produção em @ Província Produção em @ Resende Participação percentual em relação ao grupo Pequenos Médios 365.600 119.500 33% Grandes 1.339.000 218.000 16% Totais 1.704.600 337.500 20% Fonte: Pereira, Waldick, Cana, café & laranja: historia econômica de Nova Iguaçu. Rio de Janeiro 1977.Anexos VI – Rumo a São Paulo Uma característica importantíssima da economia cafeeira é que ela é itinerante, pois o plantio do café sempre esteve em movimento. Primeiramente, ele foi plantado nas redondezas do Rio sem objetivos comerciais (na cidade e na Baixada Fluminense); depois veio para Resende e S.João Marcos de onde se espalhou pelo Vale do Paraíba (São Paulo, Rio e Minas) e mais tarde penetra pelo Estado de São Paulo (Oeste Paulista), chegando depois ao Paraná. Assim, o café terá sempre uma região onde ele está se implantando (zona pioneira ou de influência embrionária), uma outra onde ele está consolidado (em plena produção e influência específica) e, finalmente, uma última onde o café está em decadência (zona de influência residual). O que regulava essas mudanças do café eram os seus momentos de crise. Isso significa que quando o produtor café sentia dificuldades na continuação de sua produção, ele "arrumava as malas e partia para outro lugar". Só que esta partida não era uma coisa simples, muito pelo contrário, geralmente era marcada por um processo bastante doloroso e sofrido passado pelas regiões que o café abandonava. Um panorama das regiões onde o café imperou, após a sua partida, nos dá a verdadeira medida do seu caráter. O Vale do Paraíba, por exemplo, que plantou café desde o início do século XIX e começou entrar na sua grande crise a partir de 1870, traz até hoje as marcas desta época. O café por onde passa deixa o seu rastro. O desgaste da terra e da natureza são imensos e uma região que plantou café nos moldes como foi cultivado no Brasil, como monocultura extensiva. O itinerário do café é sempre marcado pela modificação da paisagem, da fauna, da flora, do 11 11 solo, do clima e das relações sociais através da dinâmica da mobilidade social de toda uma região. Assim aconteceu com o Vale do Paraíba onde Resende é um exemplo típico. Quanto ao que acontecia fora do Brasil dois aspectos importantes se destacam. Por um lado, outras regiões passaram a reproduzir café. Na América, principalmente na América Central, na Ásia e na África, diversos países começaram a plantar café o que gerou uma concorrência ao café brasileiro que continuava cada vez mais a aumentar sua produção. Juntou-se a isso, o fato de que a Europa e os Estados Unidos atravessaram na década de 1870 a 1880 uma séria crise econômica que reduziu o consumo de produtos que não eram vitais à vida das pessoas, como o café. Por outro lado, um fator fundamental para a decadência do café no Vale tem seu estímulo inicial no estrangeiro: a abolição do tráfico de escravos em 1850. O trabalho escravo há muito (desde a Revolução Industrial) deixara de ser interessante para os ingleses, que necessitavam ampliar os mercados consumidores internacionais. Para tal, a escravidão tornou-se um obstáculo, pois o escravo não era um consumidor. Durante anos, os ingleses tentaram acabar definitivamente com a escravidão. Desde os tempos de D. João VI, que os ingleses pressionavam para que fosse aceita essa reivindicação. No entanto, a questão não era muito simples, pois os escravos eram à base de toda a economia brasileira. Senhores de engenho e fazendeiros de café lutaram até onde foi possível para que não se aprovasse o fim da escravidão. Mas o Brasil já estava suficientemente endividado com os ingleses para desprezar totalmente as pressões britânicas. Quando D. Pedro I, ainda em 1827, aceita providenciar a extinção do tráfico negreiro, os sinais da crise já começaram a se anunciar. Mesmo assim, sob a pressão dos proprietários de terras e escravos o tráfico negreiro ainda será intenso até 1850. A partir do momento em que os ingleses ameaçaram de guerra declarada ao Brasil e passaram a afundar os negreiros e perseguir traficantes até mesmo nas praias brasileiras, a situação não teve outra solução. Com a lei Eusébio de Queiroz de 1850, ficou extinto definitivamente o tráfico negreiro africano, apesar de continuar ainda havendo o contrabando. As conseqüências internas para Brasil é que o Segundo Império esteve montado num tripé fundamental que o sustentava e lhe dava sentido: escravidão, café e monarquia. Um justificava o outro. No momento que um desses estivesse ameaçado todo o esquema que derivava daí estaria comprometido. E assim foi: quando faltou o braço escravo o café no Vale entra em crise, a monarquia perde o seu sentido de ser, pois estavam quebradas as estruturas de relação de poder. VII - O mecanismo do círculo vicioso do café. Derrubada a mata e plantado o café, o fazendeiro para ampliar essa produção, hipotecava a escravaria da fazenda (pois o escravo era garantia de crédito, e não a fazenda). Após 1873, passou a hipotecar também as safras futuras - conseguindo dinheiro com os comissários, para comprar mais escravos, derrubar mais mata, plantar mais café e assim por diante. Chamamos a isso um "círculo vicioso" porque neste mecanismo um momento se articula ao outro e todos se dependem mutuamente. Um era feito em função do outro. Um dos primeiros sinais que assinalava a fragilidade deste mecanismo foi percebido quando as casas comissárias - responsáveis pelos adiantamentos em dinheiro aos fazendeiros - sentiram as pressões de seus financiadores: os grandes bancos. Em 1864, a famosa "quebra (falência) da Casa do Souto" - uma das maiores casas comissárias do Rio, refletia que o sistema montado não era tão seguro como se imaginava. Os comissários, a partir de então, continuavam a emprestar aos fazendeiros, assumindo as hipotecas dos escravos e mais tarde as safras que ainda seriam colhidas, mas já tinham alguma desconfiança, e passaram a exigir pagamentos mais precisos, não estendendo tanto os prazos. Bem mais tarde, a partir de 1878 - quando os preços dos escravos começam a cair 12 12 pela metade - os fazendeiros sem condições de garantias mais seguras, colocaram as casas comissárias em situação mais difícil ainda. Posteriormente, os grandes bancos passarão a financiar a produção (o fazendeiro) diretamente. As fragilidades começavam a aflorar e tudo seria uma questão de tempo. No momento que faltasse um desses fatores, todo sistema estaria comprometido e a sua reprodução seria impossível. No entanto, curiosamente, a abolição do tráfico negreiro na África não causou de imediato a crise do café no Vale. Pelo contrário, logo após a abolição do tráfico (1850) vem a época da grande expansão do café por todo o Vale do Paraíba (exceção seja feita à Resende, que a partir de 1851, já dava sinais reais de crise). Isso se explica, porque, de imediato, todo o capital acumulado nos escravos até então, foi duplicado, porque o preço destes aumentou consideravelmente e em Resende a produção sendo por base formada por pequenos e médios mostra bem a dificuldade de compra de novas peças. Dessa forma, se os escravos eram garantias de crédito (pelo menos até 1873), as hipotecas duplicaram de valor, conseguindo os fazendeiros muito mais dinheiro. Por outro lado, foram eliminados os traficantes que progressivamente tornaram-se uns credores bastante incômodos (o que justifica o apoio do Nordeste açucareiro à abolição do tráfico, já que o açúcar passava por maus momentos). Era uma grande contradição tudo isso, pois alguns anos depois, tendo os fazendeiros que renovar a escravaria, recolocando as peças perdidas, passariam a sofrer os pesados custos dos escravos com preços a partir de então, cada vez mais caros (pelo menos até 1880). A partir daí, as coisas começaram a ficar realmente complicada. Mesmo assim, sem o tráfico vindo da fonte africana, os fazendeiros do vale, passaram a comprar escravos do Nordeste açucareiro, de Minas e também, da própria Província do Rio de Janeiro (região de Campos, por exemplo). O tráfico inter e intraprovincial foi um paliativo conjuntural, ou seja, uma opção temporária que não eliminou o problema, apenas o adiou. Isso veio definitivamente acontecer em 1888. Mas se a questão da escravidão negra é talvez tida como principal aspecto da crise do café no Vale do Paraíba, ela não é a única. O café é uma cultura predatória, ou seja, sua plantação com o tempo esgota e destrói o solo e modifica a natureza da região. As fazendas do café do Vale, até a sua crise definitiva já no século XX, nunca pararam de ampliar suas plantações de café. Ora, isso só era possível através da derrubada da mata-virgem. Assim se deu: a cada nova plantação de café, menos uma mata. Isso foi possível, logicamente, até que continuasse a existir matas e florestas virgens. A partir de 1870, essas matas começam a escassear e a maior prova disso é que se antes nos inventários e heranças a mata não constava dos bens a serem herdados, passam a ser um elemento fundamental destes. Junto com o fim da floresta tropical do Vale do Paraíba, acrescentam-se também as conseqüências das técnicas do plantio do café. Essas técnicas constituem um importante fator da decadência. Quando os cafezais eram plantados, nunca se teve grande cuidado na sua escolha e trato. Eles eram plantados de qualquer maneira, pois a terra ainda era fértil e o café dava bem de qualquer forma. Além disso, plantados quase que verticalmente nas encostas, as chuvas de verão levavam para as baixadas todo o "húmus", favorecendo a erosão do solo e enfraquecendo o cafezal. Os fazendeiros nunca se preocuparam com esses detalhes, até o momento em que os pés de café deixaram de produzir em grande quantidade e envelhecerem precocemente. Assim, a partir de 1870, uma nova região começa a despontar no cenário brasileiro como provável sucessora do Vale do Paraíba. O Oeste Paulista (Campinas e Ribeirão Preto), com terras novas e mais férteis (terra roxa). Não dependendo tanto do trabalho escravo, mas a partir de então da mão-de-obra dos imigrantes europeus e conseguindo cada vez maior influência nos meios políticos do decadente Império, passavam 13 13 progressivamente a fazer uma concorrência com o Vale do Paraíba, e este não pode resistir. O Café abandona o Vale e sua sorte parte para São Paulo. E Junto com ele muitos fazendeiros o seguirão como é o caso de Pereira Barreto, resendense que levará para região de Ribeirão Preto o café do tipo "Bourbon". Podemos afirmar então, que a crise do café no Vale está ligada totalmente, a questão do trabalho escravo, mas talvez ao seu esgotamento das matas virgens e depredação do solo devido às técnicas rudimentares em que se baseavam os plantios.Pois no caso específico de Resende onde braço escravo não era utilizado na mesma escala que nas outras regiões do vale com seus grandes planteis de escravos. Sem condição de atrair o imigrante europeu (pois São Paulo oferecia melhores atrativos), sem possibilidades de recuperar o solo depredado durante mais de cinqüenta anos de exploração predatória.E sem meios de ampliar as plantações com a escassez da mata e terras virgens, a crise do café no Vale é um processo doloroso onde não faltaram os suicídios de grandes fazendeiros desesperados com as suas dívidas e com a perda de seus privilégios e perda de poder. Em Resende, a crise se antecipa a outras regiões do Vale. Sendo pólo primitivo do café, sofre anteriormente as conseqüências da monocultura escravistas. Apesar de frágeis momentos de recuperação, como após 1862, a cultura cafeeira já estava condenada, persistindo agonizante até as duas primeiras décadas do século XX. A chegada da ferrovia em 1871 ( eliminou a navegação pelo Paraíba, encurtando o caminho até o Rio), os novos terreiros pavimentados ( melhoraram a qualidade do café, que antes se misturava com a terra) e as novas máquinas de beneficiamento (despolpadores e descascadores a vapor), pouco representaram diante do quadro crítico formou-se. Em 1912, a primeira página de "A Lira" notificava um artigo intitulado "Dynamite na Agricultura", aconselhando a utilização do explosivo na recuperação do solo, refletindo bem a real situação da terra ao penetrar no século XX. Não podendo competir com São Paulo (o Oeste Paulista), que contando não só com uma situação econômica favorável (novos cafezais em terras novas), mas também com o apoio do Governo (que após 1870 passou a financiar a imigração e após 1906 a garantir os preços do café). Não conseguiram solucionar satisfatoriamente os seus problemas de mão-de-obra. Os imigrantes que vieram para Resende, geralmente, não vinham para trabalhar nas plantações de café. Estes formaram os chamados "núcleos coloniais", que foram criados para resolverem um outro problema muito sério: o abastecimento de alimentos do Rio. Os italianos de Porto Real (que aqui chegaram desde a década de 1850), os alemães, suíços e franceses dos núcleos de Mauá e Itatiaia (ou ainda os do núcleo Albuquerque Lins de Formoso, que chegam entre 1908 e 1909). Passaram a cultivar outros gêneros como cana-de-açúcar (no caso de Porto Real) e frutas e alimentos em geral (como em Mauá, Itatiaia e Formoso). Estes, no entanto, sem apoio governamental e distante dos mercados consumidores, também estiveram fadados ao fracasso. Depois de alguns anos partiram para São Paulo ou para o sul em busca de melhores oportunidades. VIII - conclusão O Vale do Paraíba passou a representar uma região definitivamente incorporada ao Brasil, apenas quando o café aqui se estabeleceu. Após a sua chegada muita coisa se modificou. Em menos de cinqüenta anos de exploração intensa, o café transformaria a vida em toda uma região. Ele fez do Vale o centro da economia do Segundo Império, sendo a região mais agraciada com os ambicionados títulos de nobreza. Os "barões do café" controlaram não só a economia como também a política do Império, até o longo e progressivo início do seu processo de decadência. A partir de 1870, o Vale passaria a sentir 14 14 os sinais da decadência inevitável. No entanto, apesar da forte concorrência paulista, o café ainda será plantado no Estado do Rio até as primeiras décadas do século XX, apesar de penetrar na década de 1920 com uma produção inferior a de São Paulo, Minas e Espírito Santo. Somente com a chegada de uma nova leva de mineiros - no caso de Resende proveniente do Vale do Rio Grande - que se aproveitando dos baixos preços das terras, trazem seu gado e começam a instalar, progressivamente, uma nova atividade econômica que salvará o Vale da decadência total. A pecuária leiteira que sucede ao café, só pode ser entendida como uma conseqüência deste. A criação de gado leiteiro é uma das heranças do café. O café marcou toda esta região, após a sua partida para São Paulo, a terra, o clima, a flora, a fauna e a natureza em geral nunca puderam ser as mesmas. A depredação do ambiente é o maior reflexo disso até os dias de hoje. Eliminada a mata virgem, hoje praticamente não mais existente (exceção seja feita às florestas da Serra, como no maciço de Itatiaia), tudo que dela dependia foi violentamente sacrificado. Juntando a isso, depredação do solo por anos consecutivos de exploração, progressivamente, o clima da região também começou a se alterar. Se antes se possuía um verão não muito carregado e chuvas e um inverno não com longas estiagens, após o café, a irregularidade das estações passou a ser um fato constante: o inverno passou a ter nove meses de seca e o verão apresentar apenas quatro meses de chuvas. Eliminada a fauna, a saúva e o gafanhoto invadiram as plantações e a terra, nem mesmo com adubo ou com o arado não resistiu à depredação. No final das contas, uma das heranças físicas do café está no desequilíbrio ecológico que ele causou no Vale. A pecuária leiteira que se segue ao café reproduz, de certa forma, esses mesmos mecanismos predatórios. Por um lado, ela só foi possível porque era a única opção para o Vale após o desgaste das terras. Por outro, quando foram roçados os cafezais envelhecidos, tudo se tornou um grande pasto e o gado foi colocado a pisotear o terreno. Assim, efetivamente podemos dizer que no decorrer de mais de quinhentos anos, a economia brasileira funcionou como reflexo dos interesses externo, reagindo aos estímulos do estrangeiro como os da Inglaterra um dos nossos principais compradores de café. Esta orientação voltada para o exterior conduziu nossa região a praticar e implantar de forma maciça a monocultura com a produção e a exportação centrada em um único produto o café. O que fez com que os reflexos deste período econômico paire até hoje com suas conseqüências e influências nas áreas sociais, culturais, políticas e econômicas. Concluindo nosso artigo, enfatizo o fato da necessidade novas pesquisas sobre a formação econômica da região do médio Vale do Paraíba Fluminense. Elemento de extrema importância para entendermos Formação Econômica do Brasil a luz de um novo modelo historiográfico que considere as relações de poder regionalmente. E as dinâmicas econômicas vividas por cada recanto do Vale do Paraíba, pois pela historiografia clássica as cidades locais tinham uma pequena relação com as fazendas e a riqueza girava em torno destas e não daquelas, o que no caso de Resende podemos ver exatamente o contrário; com a formação de um grupo bem destacado de pequenos e médios produtores, ocasionando uma distribuição de renda bem diferente do se poderia imaginar face as grandes propriedades. Tudo isto no período em que o Brasil era o Império do Café, mesmo quando o processo econômico brasileiro se desenvolvia nas condições de economia incipiente nos moldes de um capitalismo tardio, com traços coloniais, dependente e mercantilista, ainda que no século XIX o mercantilismo já tivesse sido superado como modelo internacional, os pequenos e médios cafeicultores coexistiam, agiam e interagiam no tão afamado mundo das grandes propriedades. 15 15 Bibliografia Almanaque Laemmert. 1845-1885 Arquivo Público de Resende, Fundação Casa de Cultura Macedo Miranda, acervo documentação da Câmara Municipal de Resende. Bopp, Itamar. Casamentos na Matriz de Resende. Instituto Genealógico Brasileiro, 1971. ____________. Notas Genealógicas. São Paulo, Gráfica Sangirardi.S.N.ed .1987. Burlamaque, F. L. C. Monografia do Cafeeiro e do Café. Rio de Janeiro, Tip. N. L. Viana & Filhos, 1860. Brum, Argemiro J. O Desenvolvimento Econômico Brasileiro. Rio de Janeiro, Vozes.19ª Ed., 1999. Calógeras, J. 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