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Antonio Ribeiro
De Paris
O correspondente em Paris traz os principais temas da Europa
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L’Oréal
14/09/2010
às 13:27 \ Europa
“Chega!”
“Chega!”, declarou em entrevista coletiva à imprensa, Viviane Reding, a comissária de Justiça e Direitos dos Cidadãos da União Européia. A atitude do governo francês em relação à deportação de ciganos, segundo a comissária, é “uma vergonha.” A paciência de madame Reding esgotou-se depois que emergiu do segredo uma circular do Ministério do Interior francês do dia 5 de agosto de 2010. O documento ministerial recomenda às autoridades locais que adotem “medida sistemática de desmonte dos acampamentos ilícitos, prioritariamente, os de ciganos.”
A circular do governo francês nunca foi comunicada à União Européia, cuja Convenção proíbe todo tipo de discriminação que tenha etnias ou minorias como causas de fundo. Há dias, o ministro da Imigração, Eric Besson, vem afirmando categoricamente que a França jamais tomou medida específica contra a comunidade zíngara. Em conseqüência, no espaço de duas semanas, a UE vai lançar dois procedimentos de infração judicial como medida de penalização à França. A primeira é baseada sob a diretiva européia de livre circulação de seus cidadãos – o caso dos ciganos húngaros e romenos. A segunda diz respeito ao caráter “discriminatório” da política de deportação do governo Nicolas Sarkozy.
A reação do Quai d´Orsay, o Itamaraty francês, às declarações de Viviane Reding veio rápido, em forma de tapumes diplomáticos para disfarçar o desagrado. No lugar do “Pas question”, expresso pelo ministro, na semana passada, quando uma diretiva do parlamento europeu exigiu que a França parasse com as deportações, dessa vez, o porta-voz Bernard Valero afirmou que as medidas são “surpreendentes” e enfatizou: “Este tipo de declaração não ajuda melhorar a sorte dos ciganos que estão no centro de nossas preocupações e de nossas ações.”
O ministro do Interior da França, Brice Hortefeux, anunciou que emitirá uma nova circular pedindo o desmantelamento independente de quem sejam seus ocupantes. Madame Reding retrucou de Bruxelas: “Não basta mudar as palavras, é preciso também que o governo francês mude sua atitude.”
O braço de ferro de Nicolas Sarkozy – dono de apenas 32% de aprovação popular e com o risco de se tornar o segundo presidente francês a não ser reeleito nos últimos 30 anos – com a comunidade européia, coincide com a acusação de que o presidente da França violou a lei de imprensa. O diretor do jornal Le Monde, Eric Fottorino, afirma que o governo recorreu a procedimentos ilegais, inclusive grampos de linhas telefônicas, para identificar fonte do jornal que vazou informações do caso Liliane Bettencourt, a viúva bilionária, dona da L´Oréal. A policia francesa confirma que investigou de forma legítima porque trata-se de um funcionário público sujeito ao segredo profissional.
Por Antonio Ribeiro
Tags: Brice Hortefeux, ciganos, Eric Besson, Eric Fottorino, imigração, L'Oréal, Le Monde, Liliane Bettencourt, Nicolas Sarkozy, Viviane Reding
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19/07/2010
às 15:17 \ França
A bilionária
É a novela do verão francês. Duzentos anos depois, o conjunto dos 25 estupendos volumes escritos por Honoré de Balzac justapondo cenas da sociedade francesa do século XIX, La Comédie Humaine, não encontra rivalidade na edificação rocambolesca da história real, no que está sendo chamado de “Caso Bettencourt”. Ele já contaminou governo e a popularidade em queda do presidente Nicolas Sarkozy, empenhado em evitar maiores estragos.
Françoise
No início, lá pelos idos de 2007, o enredo resumia-se à disputa judicial da irada herdeira única, Françoise, com a mãe octogenária, Liliane Bettencourt, a mulher mais rica da Europa, dona de fortuna avaliada em 17 bilhões de euros mais 33% das ações da L’Oréal, florão da indústria cosmética da França cujos tentáculos espraiam-se pelo globo e as conexões políticas, tanto à esquerda como à direita, confundem com a história moderna do país.
Madame Bettencourt foi acusada de senilidade pela filha. Deficiência que teria sido oportuna para aproveitadores manipularem a bilionária para surrupiarem em benefício próprio. Quem escuta a discretíssima Liliane montar seus argumentos — e ela já o fez ao vivo desde sua casa de campo na Bretanha até via telejornal de maior audiência — não vê traço de decrepitude. Dificuldade auditiva, sim. Mas isso é inerente à idade avançada.
Liliane e Barnier
As doações de um mais de milhão de euros, obras de arte e uma ilhota no Oceano Índico ao fotógrafo François-Marie Banier, de 63 anos, com quem madame Bettencourt diz ter mantido “uma relação sem ter outras relações” foram a gota d’água. A mãe considera a filha para quem já doou quase a integralidade de suas posses, acometida de crise descontrolada de ciúmes agudos, algo semelhante a versão francesa da peça Rei Lear, de William Shakespeare (1564 – 1616). “Minha filha poderia esperar pacientemente pela minha morte no lugar de fazer o que pode para precipita-la”, queixa-se Liliane. No entanto, os regalos ao amigo Barnier motivaram indignação fora do círculo familiar.
Alguns franceses para quem os endinheirados são a intervenção do diabo na terra, tomaram os tempos de crise econômica para julgar a mesada da velha senhora como algo próximo à indecência. “Por que eles estão chocados? Precisamos contar quando não necessitamos calcular, devo pedir reembolso ao beneficiário?”, pergunta Liliane. E vai indo com franqueza rara na França, a de ser legitimamente rico sem complexo: “Quem faz conta é um país, uma empresa, quem trabalha… o resto, o que é isso?”
Mas suspense clássico envolvendo famílias abastadas sem o golpe do mordomo é pouco atraente ao imaginário popular francês. E o de madame Bettencourt, diligente aliado da filha, não fugiu à tradição. Durante um ano, Pascal Bonnefoy gravou, clandestinamente, mais de 21 horas de conversas telefônicas da patroa com gente próxima. Dos registros sonoros, emergiram papos que sugerem evasão fiscal e contas numeradas na Suíça. Nesta altura, o fisco francês, instituição mais temida na França do que tropa de choque em protestos de rua, matriculou-se na querela.
Florence e Eric
A pendenga adentrou o terreno político quando Claire Thibout, ex-contadora de Liliane Bettencourt, acusou o ministro do Trabalho, Eric Woerth, ex-tesoureiro da União por um Movimento Popular (UMP), de aceitar 150.000 euros da bilionária durante a campanha presidencial de Sarkozy, em 2007. Na França, as doações individuais a candidatos limitam-se a 7.500 euros por eleição. Sarkozy, por sua vez, foi a TV explicar aos compatriotas. Florence, mulher de Woerth, foi até o estouro do escândalo, uma assistente na gerência da fortuna de Liliane Bettencourt, emprego conseguido através de pedido do marido ministro ao administrador, Patrice de Maistre.
Se madame Woerth pediu demissão, o marido virou alvo predileto da oposição socialista para atingir Sarkozy e minar a proposta de reforma que aumenta o tempo para se aposentar na França. A medida polemica, mas incontornável para sobrevivência da Previdência francesa vai começar a ser debatida quarta-feira, dia 21 de julho, na Assembléia Nacional.
Três inquéritos judiciais investigam as alegações comandados pelo procurador de Nanterre, Philippe Courroye, acusado de ter relações amistosas com Sarkozy. Ainda que com objeções de Courroye, um quarto processo, sob a responsabilidade da juíza independente Isabelle Prévost-Deprez, irá seguir o mesmo rastro.
Muitos apostam que o “Caso Bettencourt” encetado pelos proprietários do grupo venha, uma vez mais, borrar a maquiagem tão bem desenhada da gigante L’Oréal, líder mundial do setor. O fundador da empresa em 1939, o quimico Eugéne Schueller, pai de Liliane, colaborou com a ocupação nazista na França durante a Segunda Guerra Mundial. Ajudou financeiramente o grupo fascista francês La Cagoule que funcionava na sede da L’Oréal.
André Marie Joseph Bettencourt, o marido da bilionária Liliane, foi quando jovem, simpatizante do III Reich alemão. Escreveu no virulento semanário anti-semita La Terre française nos primeiros anos da guerra. Depois, engajou-se na resistência francesa onde conheceu François Mitterrand, mais tarde, primeiro presidente socialista e o mais longevo da França. Bettencourt ajudou Mitterrand fugir para Londres. Ele foi ministro dos governos de Jacques Chaban-Delmas, Georges Pompidou e Pierre Messmer.
A Justiça francesa deverá ouvir Liliane Bettencourt em breve. Ela não parece nem um pouco abalada: “Como vocês querem que eu reaja? Nós estamos em uma República. Eu não vou fazer uma revolução, não é? Somos dóceis… também.”
Por Antonio Ribeiro
Tags: André Bettencourt, Claire Thibout, Eric Woerth, François Mitterrand, François-Marie Banier, Françoise Bettencourt-Meyers, Georges Pompidou, Honoré de Balzac, Isabelle Prévost-Deprez, Jacques Chaban-Delmas, L'Oréal, Liliane Bettencourt, Nicolas Sarkozy, Pascal Bonnefoy, Patrice de Maistre, Philippe Courroye, William Shakespeare
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08/03/2009
às 8:05 \ Gente
A estrela do Brasil
O céu do hemisfério sul é mais estrelado. A partir desta semana, que começa com o Dia da Mulher no Ano da Astronomia, ele tornou-se ainda mais brilhante. Por quê? A história começa com uma menina que a subia no galho mais alto da árvore no quintal da sua casa, enquanto os irmãos escolhiam os inferiores, os mais seguros. E lá, ela ficava namorando as estrelas, as bolhas de gás, velhas de 14 bilhões de anos, grávidas permanentes de reações atômicas que produzem luz. A astrofísica brasileira, professora da USP, Beatriz Barbuy, de 59 anos de idade, membro da Academia de Ciências da França, recebeu o prestigioso prêmio L’Oréal-Unesco 2009 para Mulheres na Ciência (100.000 doláres) devido as suas pesquisas sobre “A vida das estrelas, desde a origem do universo até nossos dias”.
Uma vez mais, o Brasil atrai atenção mundial pela sua diversidade. Enquanto em Pernambuco, um obtuso de batina, zagueiro bruto de um dogma medieval que assusta o país — ele anda de uma indignação à outra —, em Paris, uma cientista paulistana foi reverenciada pela contribuição seminal para aclarar o Big Bang, o primeiro gesto de quem a Bíblia chama de Verbo, no livro de Gênesis. “Meus estudos quase nunca tem aplicação imediata, mas grandes descobertas vieram da astronomia”, diz Beatriz Barbuy a Veja.com, lembrando a singeleza do químico inglês John Dalton (1766–1844) diante do pouco-caso dos seus contemporâneos quando ele revelou a menor partícula da matéria, o átomo. Ela refere-se, por exemplo, aos satélites cuja existência se deve a estudos das órbitas planetárias, aparentemente, sem serventia.
As pesquisas de Barbuy tentam descobrir, pela observação das “estrelas velhas” — a mais próxima está 4,3 anos luz do sistema Alfa Centauro —, como a nossa galáxia, a Via Láctea, foi formada. Especificamente, ela busca determinar qual a composição química de 200 a 400 bilhões de estrelas. Isso é feito através do brilho visível que as estrelas emitem. Através de um espectroscópio, a luz é quebrada em feixes de cor tal como um arco-iris. As estrelas são melhor observadas em telescópicos ópticos equipados com espelhos de 8 metros de diâmetro. Eles custam 100 milhões de dólares e a tarifa de uma noite de observação, daria para dormir mais de um mês no mais caro hotel do mundo: 50.000 dólares. É o caso do Very Large Telescope (VTL), construído pelos europeus no deserto do Acatama, no Chile, paraíso dos telescópicos porque está em lugar alto coberto por um céu limpo no hemisfério sul onde se pode ver o centro da galáxia. “No Brasil, brinca Beatriz, o lugar mais alto chama-se Pico da Neblina.”
Todas as estrelas, incluindo o sol, são reatores nucleares. No processo de fusão atômica, elas queimam hidrogênio e hélio para produzir elementos pesados. O sol, por exemplo, é composto de 91% de hidrogênio, 9% de hélio, no que diz respeito ao numero de átomos, e apenas traços de elementos pesados. Determinando a composição das estrelas, astrônomos como Barbuy, descobrem duas coisas importantes: a idade relativa das estrelas e como a Via Láctea foi envolvida no processo. Isso porque a única matéria que produz luz, existente durante a formação do universo, de onde derivou todos outros elementos, são as estrelas. “Eu me interesso pela origem dos elementos não só porque ela nos informa a respeito da criação do universo, mas também lança luzes sobre a nossa própria origem” , diz Barbuy. E pode ser , Beatriz, que ajude explicar porque uma menina arrisca subir no galho mais alto da arvore para flertar com as estrelas.
Um feliz Dia Internacional da Mulher para as queridas leitoras. Se só 27% dos cientistas no mundo são mulheres, vocês são maioria aqui, no blog DE PARIS. Sinto-me honrado e muito feliz pela presença e colaboração.
Por Antonio Ribeiro
Tags: Beatriz Barbuy, John Dalton, L'Oréal, Unesco
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