sexta-feira, 23 de março de 2012

PLUTARCO DE QUERONÉIA E SUAS VIDAS PARALELAS

ISSN 1807-1783 atualizado em 23 de dezembro de 2009






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Plutarco de Queronéia e suas Vidas Paralelas

por Natália Frazão José


Sobre o artigo[1]

Sobre a autora[2]

Não quero dizer (...) que nós simplesmente inventamos histórias sobre o mundo ou sobre o passado (...), mas (...) que o mundo ou o passado sempre nos chegam como narrativas para verificar se correspondem ao mundo ou ao passado reais, pois elas constituem a ‘realidade’. (JENKINS, 2005:28)

As obras de historiadores antigos constituem uma referência inevitável para que conheçamos, a partir de seus olhares, as sociedades que retratam, além de suas próprias. Como nos mostra Paul Veyne (1998:31), a escrita da História é apenas uma reconstrução, feita pelo historiador, o qual toma de início a sua própria interpretação de determinado (s) fato (s) histórico (s).

As obras nos deixada por Plutarco não são diferentes, já que ele relata, analisa e descreve, segundo sua própria maneira, sociedades, épocas e personagens distintos.

Notícias sobre a vida de Plutarco: a trajetória de um biógrafo e de suas obras através do tempo.

Até o momento, detectamos poucos historiadores que nos revelam a vida de Plutarco. Embora seja um autor muito trabalhado pela historiografia ibérica, francesa e britânica, poucos pesquisadores relatam aspectos de sua vida, até mesmo porque tais informações são escassas.

Plutarco nasceu em 45 d.C., em uma cidade chamada Queronéia, interior da Beócia, região localizada entre os golfos de Eubéia e Corinto, próxima a Tebas. Filho de Lâmprias e neto de Autóbulo, fez parte da nobreza de sua sociedade, o que lhe abriu inúmeras possibilidades. Ao completar vinte anos, o jovem grego segue para Atenas, onde passa a aprender os fundamentos da Retórica, da Física, da Medicina, da Filosofia e das Literaturas gregas e latinas.

O homem de letras, seja ele um filósofo ou apenas um estudioso, adquire, dentro da sociedade grega, certa ascensão social e política ocasionada por sua profissão. Este era o caso de Ammonius, o professor de Plutarco, que, como nos mostra Maria Aparecida de Oliveira (2006:33), gozava de prestígio intelectual no governo de Nero e foi apresentado a seu pupilo como líder filosófico e general hoplita. Também sobre Ammonius podemos citar C.P Jones[3]:

Ammonius, o professor de Plutarco, pertence a essa companhia. Como filósofo ele é mais interessante por causa de seu mais famoso pupilo. Na administração de Atenas sobre o Principado, no entanto, ele se mantinha em uma importante posição que vale a atenção do historiador. (JONES, 1967:205)

Por meio de seu professor, o jovem grego desperta seu interesse pelos ensinamentos platônicos, que irão influenciar seus escritos posteriores.

Ao finalizar seus estudos em Atenas, visando a aprimorar seus conhecimentos, Plutarco viaja por diversas regiões, passando pela Sicília, Ásia Menor e Alexandria, além de diferentes áreas da própria Grécia[4]. No ano de 68 d.C., o futuro escritor grego, agora com vinte e três anos, retorna à sua terra natal, onde se casa com Timossena, tendo cinco filhos, sendo que três destes faleceram ainda novos. Ainda em sua cidade, começa a escrever suas obras, assume cargos políticos e, por inúmeras vezes, viaja a Roma.

Nesta época, Roma passava por um período de relativa estabilidade onde a produção intelectual gozava de privilegiado destaque entra a elite romana. É neste cenário que Plutarco ministra diversas palestras que lhe proporcionaram certa notoriedade, aproximando-o, desta forma, de romanos politicamente influentes, tais como Mestrio Floro, um incentivador cultural de sua época. Por intermédio deste último é concedida ao, até então, cidadão grego, a cidadania romana. Já considerado um romano, pois possui o que hoje já entendemos como dupla cidadania passa a exercer importantes cargos políticos e militares durante o governo de Domiciliano, sendo nomeado Procurador da Acaia, Embaixador e Procônsul durante o governo de Trajano[5]. Além disso, segundo Norberto Guarinello (2006:16), Plutarco foi amigo e protetor do futuro imperador Adriano, que ascende ao poder no ano de 117 d.C.

Apesar de sua importância política em Roma, retorna à sua pátria, que lhe era de muito apreço, uma vez que foi o berço de poetas estimados, tais como Hesíodo, Píndaro e Epaminondas. Segundo informações, ainda casado, no ano de 90 d.C., o grego passa a dividir seu tempo entre Queronéia e Delfos onde, por mais de vinte anos[6], foi sacerdote laico do templo de Apolo. Neste novo cargo, foi incumbido de organizar os Jogos Píticos, além de presidir as assembléias da liga dos povos da Grécia Central.

O então escritor, sacerdote e político falece em 125 d.C., relegando à humanidade, além de suas muitas obras, ensinamentos sobre a moral, a política e a religião.

Mostra-se, desta maneira, como Plutarco constituiu-se em um indivíduo de diversas facetas, tal como nos mostra Pedro Paulo Abreu Funari:

Plutarco encarna muito bem essa fluidez de identidades, cidadão de muitas cidades, grego, mas romano, filósofo, mas sacerdote e líder local, amigo da elite romana, mas também orgulhoso herdeiro de Hélade. (FUNARI, 2007:134.)

Tal característica flutuante, por assim dizer, do autor grego possibilita-nos a compreensão de diversos aspectos de sua obra, principalmente as intituladas “Vidas Paralelas”, em que o escritor utiliza tanto seus conhecimentos e fontes da sociedade grega quanto da sociedade romana para relatar a vida de personagens ilustres.

Ainda segundo Funari (2007:135), a produção literária de Plutarco atinge a considerável soma de duzentos e cinqüenta obras, sendo que nos chegaram aos dias de hoje cento e uma completas, além de trinta fragmentos. As obras completas foram divididas em dois volumes que estão intitulados: Vidas Paralelas e Obras Morais e de Costumes. A cunhagem do título Obras Morais e de Costumes é de responsabilidade do monge bizantino Máximo Planudes, o qual, no século XIII, dividiu os escritos filosóficos, morais, religiosos e de costumes das biografias. A ordenação anterior era de autoria de Lâmprias, considerado por certos historiadores, tais como J.P. Jones (1967:207), o filho de Plutarco.

A obra Vidas Paralelas reúne em torno de cinqüenta biografias comparadas de políticos e militares gregos e romanos. Nas Obras Morais e de Costumes , podemos encontrar sucintos tratados filosóficos sobre política, moral, história e diversos aspectos da natureza humana.

A primeira tradução das biografias escritas por Plutarco para a língua moderna foi realizada por Juan Fernández de Heredia entre os anos de 1379 e 1384, em aragonês. Com a intenção de simplificar a narrativa e sem possuir profundos conhecimentos históricos sobre as civilizações greco-romanas, o tradutor diluiu o conteúdo histórico da obra, realizando certas interpretações, as quais são consideradas errôneas por diversos autores contemporâneos em diversas passagens, além de se mostrar incapaz de compreender a sociedade em que se inseria o biógrafo. Assim, durante a sua primeira tradução, como nos mostra mais uma vez Maria Aparecida de Oliveira Silva, as obras plutarquianas perderam grande parte do seu sentido. (SILVA, 2006:37.)

Várias traduções parciais foram realizadas no intervalo de tempo entre a primeira tradução completa e a segunda, realizada por Jacques Amyot, na língua francesa, no ano de 1559. Foi esta tradução que impulsionou a difusão da obra de Plutarco, uma vez que Amyot evidenciou a forma biográfica plutarquiana, estabelecendo, a partir de então, o modelo para a escrita da biografia moderna.

A tradução para o inglês só foi realizada no ano de 1579 por Sir Thomas North. Foi esta tradução que chegou ao conhecimento de William Shakespeare que a usando, escreveu várias peças teatrais, dentre estas Antônio e Cleópatra[7]. A difusão das obras shakesperianas fez com que os relatos de Plutarco fossem ainda mais divulgados, o que proporcionou a confusão do conteúdo de sua obra. Passou-se a se misturarem as questões literárias com as históricas.

Verificamos que um grande número de estudos a respeito das obras de Plutarco aparecem em uma época específica da História, tal como o Renascimento ou Renascença, período na história do mundo ocidental com um movimento cultural marcante na Europa, considerado como um marco de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. Começou no século XIV, na Itália, e difundiu-se pela Europa no decorrer dos séculos XV e XVI.

Além de atingir a Filosofia, as Artes e as Ciências, tal movimento fez parte de uma ampla gama de transformações culturais, sociais, econômicas, políticas e religiosas que caracterizam a transição do modo feudal para um novo sistema político - econômico. Neste sentido, o Renascimento pode ser entendido como um elemento de ruptura, no plano cultural, com a estrutura medieval.

O pensamento renascentista associou-se ao Humanismo, ocasionando um interesse cada vez maior dos eruditos europeus pelos escritos clássicos em latim ou grego, dos períodos anteriores à expansão do cristianismo; notando-se um estudo mais profundo dos escritos plutarquianos.Tal característica é retomada, tempos mais tarde, pela tendência neoclassicista do século XVII e início do século XVIII, onde Plutarco aparece como o maior representante da literatura greco-romana.

Apesar da grande publicação das suas obras nos séculos anteriores, é no advento do Iluminismo que as biografias de Plutarco atingirão seu ápice, influenciando de maneira intensa a sociedade acadêmica da época. Ao contrário do século anterior, em que a obra plutarquiana delimitava o perfil moral dos heróis, no Século das Luzes, as obras se tornaram um modelo narrativo a ser seguido.

Sendo assim, é interessante salientarmos que suas obras percorriam inúmeros domínios e incorporavam diversas facetas, de acordo com as necessidades das sucessivas épocas culturais da história, principalmente as das sociedades européias.Tornaram-se modelos políticos, sociais, morais, educacionais e literários, influenciando épocas, pessoas e sociedades distintas.

Sobre as Vidas Paralelas: uma confluência de personagens gregos e romanos.

Entre seus escritos, as Vidas Paralelas, ou, como também ficaram conhecidas, as Vidas Comparadas, recebem uma maior notoriedade entre seus estudiosos. A referida obra é composta de cinqüenta biografias comparadas de militares, legisladores e governantes gregos e romanos; todos personagens que se destacaram na sua própria sociedade.

As biografias são estruturadas da seguinte forma: inicialmente, a biografia de um grego seguida pela a de um romano e, finalmente, uma breve comparação entre ambos. Dentro desta comparação, o escritor grego preocupa-se em confrontar e, até mesmo, equiparar os feitos e valores dos homens romanos e gregos, emitindo suas próprias concepções.Os pares comparados são enumerados da seguinte forma[8]:

1.Teseu e Rômulo

2.Licurgo e Numa

3.Temístocles e Camilo

4.Sólon e Publícola

5.Péricles e Fábio Máximo

6.Alcibíades e Coriolano

7.Epaminondas e Cipião (fragmentos[9])

8.Fócion e Catão, o jovem

9.Ágis e Cleômenes

10.Tibério e Caio Gracos

11.Timoleão e Paulo Emílio

12.Eumênes e Sertório

13.Aristides e Catão, o velho

14.Pelópias e Marcelo

15.Lisandro e Sula

16.Pirro e Mário

17.Filopêmen e Tito Flaminino

18.Nícias e Crasso

19.Cimão e Lúculo

20.Dião e Bruto

21.Agesilau e Pompeu

22.Alexandre e César

23.Demóstenes e Cícero

24.Árato e Artaxerxes

25.Demétrio e Antônio

26.Augusto ( perdida)

27.Tibério (fragmento)

28.Cipião Africano ( fragmento)

29.Cláudio ( perdida)

30.Nero (fragmento)

31.Caio César (perdida)

32.Galba e Oto

33.Vitélio ( fragmento)

34.Herácles ( fragmento)

35.Hesíodo ( perdida )

36.Píndaro (fragmento)

37.Crates (fragmento)

38.Deinfanto (fragmento)

39.Aristômens (fragmento)

40.Árato

As Vidas Paralelas de Plutarco caracterizam-se como uma inovação no território grego. O estilo de biografias comparadas, atendia, antes de mais nada, a interesses romanos e não necessariamente gregos. (Funari, 2007:132). A comparação sistemática descendia dos gêneros biográficos romanos e, ao fazer uso desta, o escritor grego pretendia mostrar que, para cada romano ilustre, existia um heleno de mesmo valor.

Notamos, a partir da análise das associações plutarquianas, que o confronto entre gregos e romanos possuem como pano de fundo um passado pré-imperial onde as cidades antigas ainda eram consideradas autônomas. Segundo Norberto Luiz Guarinello (2006:15), os personagens descritos nas biografias inseriam-se na história de suas próprias cidades:

A vida e a história dessas cidades não são, assim, apenas o pano de fundo sobre o qual se delineiam as Vidas, mas os termos constituintes da própria comparação.Gregos e romanos aproximam-se, desse modo, não apenas pelas semelhanças de sua vivência existencial, mas por serem produtos de cidades que também possuem histórias comparáveis.(GUARINELLO, 2006,p.p 20)

Eram, desta forma, personagens inseridos em um contexto histórico próprio e, na maioria das vezes, possuíam seus atos delimitados por esse mesmo contexto.Tem-se aí uma das principais questões notadas por Plutarco ao descrever todos os seus biografados.

Plutarco e suas histórias bibliográficas.

Desde a sua primeira tradução para uma língua considerada moderna, as biografias plutarquianas são classificadas de diferentes maneiras: ora são consideradas escritos filosóficos, ora literários ou pedagógicos. Sendo assim, diversos estudiosos e até mesmo a maioria de seus leitores, habituaram-se a enxergar tais escritos como biografias, que não possuíam nenhuma base histórica.

Tal característica perpetuou-se em todo o século XIX onde as biografias eram consideradas a - históricas por não responderem, diretamente, às necessidades de uma história universal. Esta mesma tendência atingiu meados do século XX, em que a obra de Plutarco era vista, basicamente, como escritos de fins pedagógicos. Para muitos autores, tais como Alan Wardman (1955:96), Plutarco se preocupava em somente avaliar o caráter e a virtude de seus biografados, reconstruindo os fatos históricos de acordo com sua própria opinião a respeito das atitudes dos personagens.

Além de Wardman, muitos pesquisadores desconsideravam o conteúdo histórico das biografias, vendo como ponto central dos fatos o discurso retórico plutarquiano. Para eles, o escritor grego manipulava os fatos de acordo com seus interesses, simplificando, na maioria das vezes, os acontecimentos narrados. (SILVA, 2006:44). Muitas dessas concepções partem do fato de que Plutarco é inserido, por historiadores como Jean-Marie de Crozals (1989:16), na filosofia platônica e, por isso, teria como fundamento o ensinamento de virtudes aos homens.

Para outros escritores, Plutarco estaria voltado para as questões religiosas ou faria uso da análise do caráter de seu biografado no sentido de educar as gerações futuras para que estas não cometessem o mesmo erro de seus antepassados.

[...] em virtude de a obra biográfica ser vista como uma deformação da realidade, os estudiosos analisaram-na e enfatizaram suas características filosóficas e literárias. Com isso, relegaram ao esquecimento seus aspectos sociais e históricos. Para esses autores, a finalidade de sua obra seria a de divertir o seu público, bem como a de transmitir ensinamentos filosóficos-moralistas para as gerações futuras. (SILVA, 2006:49)

O engano de tais pesquisadores estaria em não dar importância ao conteúdo histórico presente nas obras plutarquianas, que nos mostram o contexto histórico dos biografados, além do contexto do próprio autor.

Porém, em meados do século XX, a utilização de obras biográficas no estudo da História mudou de perspectiva. O aumento de interesse pelas biografias é um movimento perceptível em diversas correntes modernas, tais como a Nova História Francesa, o grupo contemporâneo britânico de inspiração marxista, a nova história cultural norte-americana, a historiografia alemã recente; e a própria historiografia brasileira atual. Apesar das inúmeras diferenças entre tais historiografias, é possível notarmos nestas o interesse pelas trajetórias de personagens peculiares que muitas vezes são relatados nas biografias. (SCHMIDT, 1997:03)

Apesar de Plutarco ter sido classificado por muitos autores como um mero biógrafo, discordamos de tais opiniões; uma vez que, se fizermos uma leitura mais analítica de suas obras, percebemos que Plutarco desenvolveu um trabalho de historiador, além de ser um biógrafo, constituindo-se em um dos principais autores estudados ao se tratar da história greco-romana. Portanto, concordamos com o trabalho de Gerhard Aalders (1982), o qual defende que o autor grego centrava-se na investigação de assuntos externos e internos à política das cidades, considerando-se que, para Plutarco, a política caracterizava-se como a principal atividade humana. Por esta questão, a maioria de seus personagens biografados seriam, com exceção de Cícero e Demóstenes, governantes políticos e militares. Desta forma, tal questão nos remete à idéia de que Plutarco fazia uso das questões políticas para demonstrar o caráter de seus biografados.

Logo, ao narrar a vida política de uma cidade, far-se-iam necessárias a pesquisa e a análise de diversos fatos. A busca e a coleta por diversas informações, mesmo que estas fossem direcionadas a um único objetivo, atribuíram ao trabalho de Plutarco dimensões próximas a um trabalho de historiador. É de extrema importância salientarmos aqui que as concepções de um historiador da Antiguidade Clássica diferem-se das de um historiador moderno. Como nos mostra Carlos Augusto Machado (1998: 26), a obra de historiadores antigos está sujeita a diversos problemas, uma vez que o escritor antigo depende totalmente de escritos anteriores a ele, ou seja, de obra de historiadores ainda mais antigos, as quais podem conter erros anacrônicos, além de informações defasadas.

Por conseguinte, Plutarco pode e deve ser considerado um historiador, porém dentro de seus próprios parâmetros e limites, visto que sua obra está sujeita a erros anacrônicos e expressa, por muitas vezes, suas opiniões pessoais. Tal característica das obras plutarquianas é destacada por Isis Borges da Fonseca (2007) que, ao fazer a tradução do grego para o português da Vida de César, nota vários erros ligados à cronologia e a nomes de pessoas cometidos por Plutarco.

Em torno do tratamento documental: outras referências plutarquianas.

Na verdade, estando disposto à escrita de um texto histórico, com diferentes fontes e não tendo as informações à mão, mas distribuídas em diversos locais, realmente é preciso ir para o estrangeiro. Deve ser para uma grande cidade, que seja de muito boa fama, amante do belo e bastante populosa.Lá, haverá acesso a livros de todas as espécies. Também, estando disponível para ouvir, é possível captar e buscar, por meio de perguntas, os registros que escaparam aos escritores, que também são de confiança, pois foram mantidos pela memória dos homens.Assim, a obra executada não necessitará de mais atributos. (PLUTARCO in Demóstenes, II, I – 2)

Analisando esta passagem do próprio autor, podemos perceber a sua preocupação com a escrita de suas biografias baseada em fontes, tanto literárias quanto orais. Embora Plutarco tenha dito na Vida de Alexandre:

Se os meus leitores notarem que não reproduzo, por completo e detalhadamente, os grandes feitos célebres, mas que, em geral, apresento apenas um breve resumo, que esses leitores não me recriminem. Na verdade, não escrevo uma obra de história, mas biografias. (PLUTARCO in Alexandre, 1.).

Plutarco se refere no trecho acima ao gênero historiográfico de Tucídides[10], onde a descrição minuciosa de grandes acontecimentos é o ponto central para uma construção histórica. Ao se preocupar com questões filosóficas, além das históricas, Plutarco acreditava que não estava escrevendo aquilo que lhe era conhecido como História.(DALY, 1977:124-125)

Entretanto, no percorrer de outras biografias, o biógrafo ático demonstra certo cuidado com o caráter historiográfico de seu método, sempre citando suas fontes, além de expor as divergências sobre um mesmo fato nelas encontradas.

Em contraposição a pesquisadores que ressaltam que Plutarco não se preocupou com a coleta de fontes, tais como Pedro Paulo Funari ( 2007, p.p.133 – 134), Cristopher Pelling defende que:

Plutarco precisava juntar informações antes de escrever as Vidas.[...].Torna-se provável que Plutarco sabia, consideravelmente, um pouco dos detalhes da história romana e esta ‘considerável’ pesquisa – leitura direta e metódica – foi necessária para a composição. (PELLING, 1979:74)

Segundo este autor, Plutarco foi obrigado a buscar fontes e diversos dados para poder escrever suas obras. Ele também ressalta que é possível notarmos certas semelhanças entre as obras plutarquianas e os escritos de Apiano, historiador grego nascido por volta dos anos 90 d.C. Tal relação nos sugere duas hipóteses: a primeira seria que ambos os autores podem ter feito uso das mesmas fontes; a segunda, trata-se da possibilidade das obras de Plutarco terem sido consultadas por Apiano, o que pode nos mostrar que as biografias do escritor receberam a conotação de obras historiográficas durante a Antiguidade. (Pelling, 1979, p.p. 85 – 88)

Uma outra questão de extrema importância que podemos perceber nos escritos biográficos plutarquianos é a condenação, por parte do autor, do drama e da tragédia. Para ele, tragédia seria uma representação falsa de certos atos dos personagens, através dos quais os leitores seriam enganados. Utilizando-se de atos dramáticos e teatrais, homens que ocupavam cargos públicos, enganariam o povo; ocultando suas reais características. Por outro lado, o uso destes recursos por escritores antigos, conforme as suas convicções, estaria relacionado ao intento de impressionar e agradar a audiência; porém isso não seria algo verdadeiro e passaria noções e relatos falsos, como nos mostra Philip de Lacy:

Nas Biografias e Ensaios Plutarco normalmente cita o trágico e o teatral como mítico e falso, em contraste com o histórico e verdadeiro. (LACY, 1952:160)

Nota-se, desta forma, a preocupação com a veracidade dos atos e dos fatos em Plutarco, pois seria através deles que apareceria o verdadeiro caráter do biografado. Logo, mesmo Plutarco tendo escrito, em forma biográfica, um conteúdo que pode ser denominado histórico, sua temática diferenciou-se dos outros historiadores gregos. Suas Vidas Paralelas relatam sim o que para ele seria a História, ou seja, os grandes e memoráveis feitos humanos, as guerras e batalhas. Todavia, este não era o ponto central de sua obra, uma vez que se preocupava com o caráter do biografado - a matéria da ética - sempre corroborada pela veracidade. Desta maneira, construía, ao mesmo tempo, uma obra histórica e filosófica, inspirada na tradição peripatética e nos escritos aristotélicos de sua época.

Podemos, assim, classificar Plutarco como um historiador antigo; no entanto, como já citamos acima, é necessário dizer que suas obras não estão livres de erros anacrônicos e opiniões pessoais; já que, como toda obra historiográfica, literária e filosófica, a subjetividade do autor perpassa todos os seus escritos.

Bibliografia

1.1. Documentação:

PLUTARCH.The Parallel Lives. Londres: Loeb Classical Library edition, 1919, 4v.

PLUTARCH.The Parallel Lives. Londres: Loeb Classical Library edition, 1919, 5v.

PLUTARCO. Vidas Paralelas. São Paulo: Editora PAUMAPE,1991,4v.

PLUTARCO. Vidas Paralelas. São Paulo: Editora PAUMAPE,1991,5v.

PLUTARCO,SUETÔNIO.Vidas de César.Tradução e notas de Antônio da Silveira Mendonça e Ísis Borges da Fonseca.São Paulo:Estação Liberdade,2007.

2.2. Livros e Artigos

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WERNER,J.M .Biografos Griegos.Madrid :Edições Aguilar,1964.


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[1] Este artigo faz parte da pesquisa de Iniciação Cientifíca intitulada “As relações político-amorosas de Cleópatra VII com os generais militares Júlio César e Marco Antônio: o testemunho de Plutarco.”, que foi realizada com a orientação da Profa.Dra.Margarida Maria de Carvalho e com o financimento da agência de fomento FAPESP.

[2] Atualmente, a autora é Mestranda em História Antiga – FHDSS – Unesp/Franca, sob orientação da Profa.Dra.Margarida Maria de Carvalho.

[3] Todas as citações estrangeiras que aparecem no decorrer do texto são de nossa tradução

[4] Podemos encontrar referências destas viagens nas obras de FLACELIÈRE, R., CHAMBRY, E. e JUNEAUX, M., Introducion, In: Viés.I, Paris: Les Belles Lettres, 1957.

[5] Domiciliano governa Roma de 81 a 96 d.C., enquanto Trajano de 98 a 117 d.C.

[6] Plutarco é nomeado sacerdote laico do templo de Apolo no ano de 95 d.C, terminando seu sacerdócio por volta de 116 d.C..

[7] A referida obra foi produzida no ano de 1607.

[8] Utilizamos aqui a mesma ordenação empregada por Maria Aparecida de Oliveira Silva em sua obra, a qual segue a primeira ordenação realizada por Lâmprias e enumera,inclusive, as obras perdidas.

[9] Estes fragmentos foram estabelecidos por FLACELIÈRE, R., CHAMBRY, E. e JUNEAUX, M., Introducion, In: Viés.I, Paris: Les Belles Lettres, 1957

[10] Tucídides ( 460 a.C – 400 a.C) foi uma antigo historiador grego, que escreveu a História da Guerra do Peloponeso, onde, em oito volumes, conta a guerra entre Esparta e Atenas ocorrida no V a.C. Preocupado com a imparcialidade, embora saibamos que isto não é possível, relata os fatos com aguçada precisão, procurando explicar suas causas.










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