sexta-feira, 23 de março de 2012

OS GERMANOS POR TÁCITO - PARTE I

eBookLibris

GERMÂNIA

Publius Cornélio Tácito

www.ebooksbrasil.org

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Germânia [c. 98 D.C.]
Públio Cornélio Tácito [55-c. 117/120 D.C.]
Versão para eBook
eBooksBrasil
[Para os estudiosos, recomenda-se a versão em eBookLibris]
Fonte Digital:
Digitalização de Germânia
Tradução de João Penteado Erskine Stevenson
Ed. e Publicações Brasil

IMPORTANTE:
Veja a
NOTA DE COPYRIGHT

Copyright desta edição
Domínio Público


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Nota do Editor
A publicação desta obra, uma das muitas obras primas que a Edições e Publicações Brasil S.A. publicou em sua Biblioteca de Autores Célebres, tem por objetivo divulgar junto às novas gerações, que não tiveram (nem têm) a oportunidade de aprender o latim no currículo escolar, uma tradução séria e bem cuidada deste clássico.

E, para incentivar os autodidatas que queiram por seus próprios esforços aprender a língua mãe de tantas outras, incluímos o texto original latino.

Como não temos clara a situação de copyright deste título, o leitor é convidado a ler a NOTA DE COPYRIGHT ao final do livro.

Sem mais, boa leitura!



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GERMÂNIA
DE
CORNÉLIO TÁCITO
A grande obra tacitiana acerca dos usos e costumes dos antigos germânicos, foi elaborada ao tempo de Trajano, em plena guerra, insuspeitando o autor a preciosidade monumental, qual insinua Burnouf, que legava à posteridade, a respeito daqueles povos.

“Curta a obra”, aprecia Montesquieu, “porque é obra de Tácito, que tudo abrange e tudo vê.”

De feito, o poder de síntese e o estilo vigoroso de Tácito, coloca-o entre os mais primorosos escritores da latinidade. Difícil, então, a sua assimilação em traslado para o vernáculo.

A atualidade do manuscrito que Justus Lipse desvendou ao mundo, na névoa dos tempos de Roma Imperial, e que a edição Insel Verlag colheu às mais puras fontes, mereceu acurada e moderna tradução.

Útil à cultura nacional e aos estudiosos das letras clássicas, acreditamos oferecer alguma coisa apreciável, com o volume que ora editamos.

*

Edições e Publicações
Brasil Editôra S.A.
Rua Liberdade, 704
Caixa postal, 1.806
SÃO PAULO


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ÍNDICE
GERMÂNIA
Prefácio
Explicação
Capítulo 1
Limites da Germânia
Capítulo 2
Fatos germânicos
Capítulo 3
Hércules e Ulisses
Capítulo 4
Aspectos físicos
Capítulo 5
Recursos da terra
Capítulo 6
Armamentos. Direção da arte bélica
Capítulo 7
Reis. Chefes. Mulheres
Capítulo 8
Veleda e Aurínia
Capítulo 9
Mercúrio. Hércules. Marte
Capítulo 10
Augúrios e oráculos
Capítulo 11
Assembléia dos povos germânicos
Capítulo 12
Jurisdição
Capítulo 13
Dignidade das armas
Capítulo 14
Chefes para a vitória. Companheiros pelo príncipe
Capítulo 15
O tempo não dedicado à guerra
Capítulo 16
Habitam isolados e esparsos
Capítulo 17
Vestuário
Capítulo 18
Do matrimônio
Capítulo 19
Mulheres e libertos
Capítulo 20
Filhos robustos como os pais
Capítulo 21
Inimigos e amigos
Capítulo 22
Alimentos e cerveja
Capítulo 23
Alimentos e cerveja (bis)
Capítulo 24
Espetáculo
Capítulo 25
A direção dos lares
Capítulo 26
Agricultura
Capítulo 27
Funerais sem pompa
Capítulo 28
Gaulêses na Germânia. Germânicos na Gália
Capítulo 29
Bátavos. Matíacos-Campos
Capítulo 30
Os catos
Capítulo 31
Ainda os catos
Capítulo 32
Usípios e tenteros
Capítulo 33
Bruteros
Capítulo 34
Angrivários. Chamavos. Dulgibinos. Chasuaros
Capítulo 35
Chaucos e Frísios
Capítulo 36
Cheruscos e Fosos
Capítulo 37
Glória insígne ao renome dos Címbrios
Capítulo 38
Suévos
Capítulo 39
Semnomes
Capítulo 40
Lombardos e os adoradores de Herta
Capítulo 41
Hermunduros
Capítulo 42
Nariscos. Marcomanos. Quados
Capítulo 43
Outros povos germânicos
Capítulo 44
Outros povos germânicos
Capítulo 45
Litoral dos mares suévos
Capítulo 46
Fim da Suévia. O mais é fabuloso


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CORNÉLIO TÁCITO


GERMÂNIA
(DE ORIGINE ET SITU GERMANORUM
Traduzido do original segundo o texto de Insel-Verlag, Leipzig, com breves comentários.

JOÃO PENTEADO ERSKINE STEVENSON
(Do Departamento de Cultura da Reitoria da Universidade de São Paulo)


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Para minhas filhinhas

BEATRIZ e RITINHA ALZIRA:

incentivo para os estudiosos das línguas clássicas,

oferece o

PAPAI


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GERMANIA
C. CORNELII TACITI HISTORICII
ILLVSTRIS XXX LIBRORVM
QVOS AEDIT FRAGMENTA
INCIPIVNT & PRIMO LIBER
TERCIVSDECIMVS VIXITQUE
SVB DOMICIANO

(Título do manuscrito de Tácito)


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PREFÁCIO

do

Professor Doutor G. D. LEONI

(Da Facuidade de Filosofia Sedes Sapientiae
e da Sociedade de Estudos Filológicos de São Paulo}


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PREFAÇÃO
Todas as vezes que, ao abrir um livro, encontro a palavra “prefácio”, lembro-me da justa definição de um humorista: “O prefácio é aquilo que se escreve depois, se imprime antes e não se lê nem antes nem depois”... Numa palavra é inútil. Por isso talvez nunca me agrade escrever prefações para livros de outrem; e desta vez a exceção vem confirmar a regra. Quando o amigo João Penteado Erskine Stevenson, com especial cortesia, convidou-me para ler a tradução, e comentário apenas terminados, da “Germânica” de Tácito, confesso ter experimentado uma estranha sensação de prazer, que poderia ser interpretada assim: eis um estudioso dotado de bom gosto e de bom senso.

De fato, o bom gosto era justificado logo pela escolha da obra; o bom senso era determinado pela preocupação de dar ao patrimônio cultural de seu país a tradução de uma das mais nobres e perfeitas obras da historiografia latina.

Para dizer a verdade, sempre gostei de Tácito, como gosto de todos os escritores que mostram profunda humanidade. Mesmo se algumas vezes essa humanidade diminui a arte. Mas em Tácito, não é difícil ver o homem quase sempre unido à expressão artística: quando dizemos “estilo tacitiano”, queremos dizer muito mais do que o simples periodizar ou as características da linguagem. O estilo, em Tácito, define mais o homem do que o artista.

Ora, poderíamos discutir o fato de que a objetividade do historiador deveria torná-lo completamente imune de qualquer paixão humana e que nas obras de Tácito demasiadas vezes notamos essa paixão; mas, se refletirmos bem, a paixão não nasce de fonte política, como em Salústio, nem tão pouco de uma parcialidade patriótica, como em Tito Lívio: a paixão de Tácito é moral, é civil, é social, logo verdadeiramente humana. Este vive, de fato, em época de transição, quando depois de absolutismo tirânico dos sucessores de Augusto, Roma conhece um novo período de bem estar com Nerva e Trajano; mas a alma do estudioso que indaga o passado oscilava entre a reação contra os excessos e a restauração político-moral dos imperadores “filósofos”.

Desse modo, somente, podemos explicar e compreender as idéias de Tácito que pareceriam antinômicas e que, ao contrário, são bem coerentes: ele pertencia àquele grupo, que diminuia cada vez mais, de cidadãos em cujas almas continuava o espírito republicano, mas cientes da própria fraqueza e da impossibilidade de conseguir aquilo que no coração almejavam, adaptavam-se ao presente estado da política, aceitando o império, invocando contudo para chefe de governo um homem que fosse digno de Roma por inteligência, costumes e valor.

Além disso, tal atitude explica como ele tivesse a certeza de narrar tudo, como um juiz imparcial, “sine ira et studio”, vendo todavia, mais facilmente o mal do que o bem e sentindo prazer em representar com cores sombrias aquele mal que via nos Césares e no Senado.

Eis porque Tácito não se preocupa em ligar os fatos em suas grandes linhas de desenvolvimento: seu conceito histórico não visa as grandes ações militares e políticas, mas observa com muito interesse o interior da história, os bastidores, os episódios, os casos particulares, tudo, enfim, o que serve para traçar os caracteres das personagens e para iluminar os moventes psicológicos e morais das ações.

* * *

O melhor exemplo dessa moralidade o encontramos justamente nas duas perfeitas monografias: Agrícola e Germânia. Pelo que diz respeito, porém, à Germânia, não me parecem absolutamente acertadas as observações comuns lidas em todos os tratados de literatura latina e que se repetem com monótona precisão: Tácito quis comparar os costumes corrompidos dos romanos com os primitivos e rudes, mas sadios, dos antigos povos germânicos.

Definindo assim a obra do historiador; os estudiosos limitam muitíssimo a importância de uma tratação, que, ao contrário, tem todas as características da moral observada sob o ponto de vista social. Não é a comparação, mas o conhecimento real daqueles povos o que interessava a Tácito: na Germânia não encontramos uma tese política, sim uma finalidade informativa.

A Alemanha apresentava um interesse permanente para os romanos e especialmente para quem, como Tácito, possuía elevado conceito da missão histórica de Roma: Os povos germânicos resistiam com tenacidade a uma profunda penetração da influência romana; e o império não podia tolerar vizinhos poderosos e hostís que limitassem a erpansão das Legiões.

O grave problema das relações entre romanidade e germanismo ainda não tinha sido resolvido; e era um problema essencialmente militar, que Tácito expõe em sua quase brutal nudez (capítulo 37). Sob esse aspecto devemos aceitar a obra de Tácito, assim como chegou até nós, com seus muitos erros e inexatidões, que nada tiram todavia da importância da descrição; e sob tal aspecto a Germânia tacitiana é perfeita em seus propósitos artísticos e em suas peculiaridades estilísticas.

* * *

O interesse do assunto nos levou além dos limites impostos por uma simples prefação: analisar outras observações e mencionar exemplos não teria outra finalidade a não ser a de destruir o prazer do leitor na leitura dessa obra perfeita, que encontra seu perfeito tradutor português.

Dificilmente acho ter encontrado em minhas pesquisas uma tradução moderna que possa mais do que essa concordar com o texto. Sou de opinião de que cada idade necessita de suas traduções: sem dúvida alguma Tácito encontrou seu moderno tradutor em língua portuguesa.

E faço votos para que nesse renascimento de estudos clássicos (que há algum tempo parece esclarecer a obscuridade da incompreensão e para a qual procurei contribuir com minhas modestas forças de estudioso e de professor) o nome desse tradutor se encontra unido ainda à obra imortal de muitos outros autores latinos.

São Paulo, 15 de Março de 1945.
DR. G. D. LEONI


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EXPLICAÇÃO
Difícil descrever-se as obras de Tácito, tais os méritos que delas inferimos relativamente ao conspícuo autor. Biógrafo, historiador, pensador, político e filósofo, não sabemos o que mais apreciar neste estilista proteiforme da literatura latina.

Simples, tão simples quão difícil na forma, repassada de ironia e de profundo senso crítico, Públio Cornélio Tácito foi possivelmente o maior historiador da antiga Germânia.

Não isento de falhas é o admirável trabalho de síntese histórica, mas, até nossos dias, ainda constitui a mais autorizada fonte de estudos dos povos da Alemanha. Raças, costumes, línguas, religiões, geografia, clima, tudo mereceu acurada observação do polígrafo romano.

Tinha razão Montesquieu quando definiu a obra do escritor insígne como a de alguém que tudo abarca porque vê. Vê, observa e sente. É a vida vivida daqueles povo bárbaros, por isso não é exagero dos escritores que qualificam a Germânia de principal monumento que herdamos da história dos antigos povos do Norte.

O historiador Louandre, no século passado, afirmava que, transcorridos mil e oitocentos anos, pode julgar-se ainda a exatidão, e verificar através dos acontecimentos, o perfeito conhecimento do mundo bárbaro revelado por Tácito.

Quais as fontes em que Tácito teria haurido informes tão completos? Ainda hoje causa-nos espanto a revelação da antiga Germânia, com abundância de pormenores, quase impossíveis para a época; sobretudo para um cidadão romano, quando o Império sofria os mais constantes e feros embates dos bárbaros. Seria Tácito o genial rebento daquele outro Tácito, general romano, comandante da Gália Belga, às fronteiras da Germânia, a que se refere Plínio em sua História Natural?

Contemporaneamente com a biografia de Agrícola, teria Tácito elaborado a Germânia, no ano 98 de nossa era. É também dessa opinião, entre outras, Sir William Peterson, notável tradutor das obras de Tácito e professor honorário da Universidade de Oxford, por nós tantas vezes consultado nesta versão. O manuscrito original, continha o seguinte título em latim: De situ, moribus et populis Germaniae libellus. Preferimos o título da autorizada edição alemã, Pandora n. 7, Insel-Verlag, Leipzig: De Origine et Situ Germanorum.

Muitas foram as edições compulsadas na presente tradução, desde as aludidas por Brunet, sobretudo as dos autores medievais e do começo do nosso tempo, com o grande licenciado, Emmanuel Sueyro — Las Obras de Cornélio Tácito Edição da Viúva Martin, Madrid, 1614, dedicada ao Arquiduque Alberto da Áustria, que tivemos a oportunidade de examinar, graças à fidalguia dos inteligentes bibliófilos e proprietários da Livraria Brasil, incansáveis colecionadores de obras raras, até às imperfeitíssimas traduções acadêmicas de algures e de alhures.

Não nos esquecemos dos meritórios comentários do bacharel Eduardo da Silva Chaves, lente de latim do curso anexo à Faculdade de Direito desta Capital, em Edição de J. B. Endrizzi & Comp. – São Paulo, 1914 – Germânia.

* * *

Resolvemos aceitar a divisão da Insel Verlag, como se fora do próprio Treubner, nas letras helênicas, tal a autoridade do nosso editor, quando dividiu a Germânia em quarenta e seis capítulos.

De feito o trabalho de Tácito está dividido em três partes: a primeira ele expõe a situação da Germânia, desde a origem da sua população, até a natureza do solo; a segunda em que descreve os costumes germânicos e a arte bélica; a terceira finalmente — De Ceteris Gentibus Germanorum — estuda os diversos povos germânicos em suas principais características.

Acerca do autor, cumpre-nos ainda esclarecer que muito embora fosse ele de inacreditável modéstia, quando aludia a maior parte dos fatos registados nos seus escritos “dir-se-iam mesquinhos e indignos da História”. E entretanto quanto amamos, através do tempo o seu monumental registo — Os Anais... Confessava-o, contudo: “Não sou tão desconhecido, e às letras devo esse mérito!”

Tantas edições e em tantas línguas têm sempre atualizado o nome do imortal romano: há a primeira impressa em Veneza em 1469; a de Londres, 1790; a de Edimburgo, 1790; a de Leipzig, 1801. A melhor tradução francesa é atribuida a Naudet; há outras traduções na mesma língua: a de Amelot de La Houssaye, a de La Bletterie, a de M. Charpentier, edição Garnier, a de Dotteville, a de Du Reau de La Malle, e a notável tradução de Burnouf. Não falar nas afamadas edições alemãs, além da consagrada de Nipperdey — Berlim 1861.(*).

Desejamos igualmente acentuar o valor incontestável das críticas acerca do autor e da obra que encontramos no Larousse, em Brockhaus e na Enciclopédia Britânica, Luicherat, De Freund, Michael Bréae, Calepius, Gardin Dimesnil.

Esta tradução despretenciosa e sem dúvida inçada de imperfeições, visa desvendar aos estudiosos das letras clássicas latinas o imortal historiador da Germânia. Mantivemos literalmente o texto, com prejuizo da elegância da forma. Alteramos apenas a acentuação e alguns tempos de verbo para corresponder ao vernáculo.

J.P.E.S.


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CAPÍTULO 1
LIMITES DA GERMÂNIA
Toda a Germânia está separada dos Gauleses, dos Retos e dos Panônios, pelos rios Reno(1) e Danúbio,(2) e dos Sarmatas e Dacos(3) pelo receio (medo) uns dos outros e por montanhas, o Oceano amplos golfos e imensas ilhas abrange, e outros espaços, há pouco conhecidos, e povos e reis que a guerra revelou.

O Reno dos Alpes Réticos do inaccessível vértice precipita-se em ligeira flexão ao Ocidente, dirigindo-se para incorporar-se ao Oceano Setentrional. O Danúbio, do fraco e pouco elevado cimo do monte Abnoba(4) se derrama, por entre vários povos, até irromper no Ponto Euxino(5) por seis canais; o sétimo é absorvido nos pantanais.

Latim


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CAPÍTULO II
FATOS GERMÂNICOS
Os próprios Germânicos eu acreditava fossem indígenas,(*) e absolutamente sem cruzamento com ádvenas e outros povos estrangeiros; porque os que procuravam mudar de lugar não se transportavam por terra mas em navios, e o imenso Oceano além, adverso dir-se-ia, dá acesso aos nossos navios. Aquele que ante o perigo do hórrido e desconhecido mar, a Ásia ou a África ou a Itália abandonasse, a Germânia buscaria no feio aspecto, áspero clima, triste de habitar e viver se não fosse sua pátria?

Celebram em antigos cânticos, que é a única maneira entre eles de recordar os anais(1) do deus Tristão(2) fautor da terra. E a Mano seu filho,(3) origem e condutor do povo, atribuem-lhe três filhos, cujos nomes dos mais próximos ao Oceano são (denominados) Ingevões,(4) os do meio Hermionos,(5) os outros Istevões. Alguns, que mercê da vetustês, afirmam, decorrem do deus outras denominações, cujo verdadeiro e antigo nome são os Marsos,(6) Gambrívios(7) e Suevos, Vandálios.(8)

Além disso, o nome Germânia, é recente e pouco usado (adotado), mesmo porque os prieiros a atravessar o Reno expulsaram os Gauleses, e agora (depois) são os Tungros(9) que foram então chamados Germanos; assim o nome da nação, não do povo, prevaleceu aos poucos, paulatinamente, e todos (primeiro) antes do nome inventado pelo vencedor (para incutir medo), e pouco depois o nome por eles mesmos inventado se chamaram Germanos.


Latim


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CAPÍTULO III
HÉRCULES E ULISSES
Entre eles existira a memória de Hércules, celebrado, como o primeiro dos heróis, ao marcharem para as pugnas. Têm eles também da mesma forma cânticos, cujos versos, (entoação), a que chamam bardito(1), excitam os ânimos e propiciam o êxito de futuro embate; tremem ou porque trepidam, segundo saa o exército; não parecem vozes mas uma harmonia (um concerto) de virtudes (coragem). Semelham (afetam) precipuamente a ásperos sons e interrompido murmúrio, em colocando os escudos à boca, para que mais cheia e grave repercuta a voz.

Outros são de opinião de que Ulisses, em suas longas e fabulosas derrotas lançado a este Oceano, penetrou às terras da Germânia; e a cidade de Asburgo,(2) que à margem do Reno está situada e que ainda hoje é habitada, foi fundada por Ulisses de quem conservou o nome; fora encontrado também altar consagrado a Ulisses, aditando o nome de seu pai Laerte, ao mesmo lugar, e que ainda monumentos e túmulos com inscrições gregas existem nos confins da Germânia(3) e da Rhecia.(4) O que não tenho intenção de confirmar com argumentos, nem de desmentir: cada um a seu talante neles confie ou descreia.

Latim


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CAPÍTULO IV
ASPECTOS FÍSICOS
Eu mesmo propendo à opinião de que os povos da Germânia jamais se aliaram por casamentos a outras nações e não foram desnaturados,(1) e existiram como povo (nação) permanente e puro somente semelhantes a eles próprios.

Daí o aspecto corpóreo (de corpos), não obstante o avultado número de homens, ser o mesmo entre todos: olhos turvos e cerúleos,(2) cabelos loiros, grande estatura, e somente impetuosos no ataque. Para as fadigas e trabalhos, não têm paciência e não podem tolerar a sede e o calor; suportam porém o frio e a fome, em conseqüência do clima e do solo.

Latim


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CAPÍTULO V
RECURSOS DA TERRA
A terra não obstante difira no aspecto, tem geralmente grosseiras selvas (intrincadas florestas) e pantanais; é mais úmida para as partes da Gália,(1) mais exposta ao vento à Nórica,(2) e à Panônia; (3) fértil em grãos, imprópria para árvores frutíferas, abundante em gado, quase sempre pequeno. Nem mesmo possui o ornato que é a glória da sua fronte. Contentam-se com o número, que são suas únicas e agradáveis riquezas.

A prata e o ouro lhes negaram por mercê os deuses em ira. Não se afirma também que nenhum veio a Germânia produza de prata ou ouro: quem foi examiná-la? Não são afeiçoados pela sua posse e uso.

Entre eles vêem-se vasos de prata oferecidos a seus chefes e legados, que consideram tanto como se fossem de barro, conquanto os que nos estão mais próximos usam no comércio do ouro e da prata e conheçam e prefiram nossas moedas: os do interior permutam mercadorias conforme a antiga simplicidade.

Preferem o dinheiro velho e mais conhecido, dentado, com uma biga (carro puxado por dois cavalos). Preferem mais a prata do que o ouro, sem predileção especial, porque o número de pratas (vem da prata) é mais fácil para o uso da compra de mercadorias comuns e de ínfimo preço.

Latim


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CAPÍTULO VI
ARMAMENTOS. DIREÇÃO DA ARTE BÉLICA(1)
Nem o próprio ferro possuem em abundância como se colige (infere), do gênero de suas armas. Raros são os que se utilizam de gládios ou de lanças maiores: usam frâmeas, na sua expressão (linguagem), de fino e curto ferro, mas tão aguçadas e de fácil manejo (uso) que com a mesma arma lutam de perto ou de longe de acordo com as circunstâncias. E a cavalaria (o soldado) se contenta com o escudo e a frâmea; a infantaria lança também (dardos) flexas, grande número cada qual e à grande distância, (andam) nus ou cobertos de um saiote.(2) Nenhuma (jactância) ostentação; enfeitam apenas os escudos das mais variegadas cores. Poucos possuem couraças, apenas um ou outro tem capacete de metal ou de couro.

Os cavalos não são afamados nem pela forma (beleza), nem pela velocidade. Não são amestrados a fazer várias voltas, como é do nosso costume: dirigem-nos (reto) direito para a frente ou em curva para a direita, em um apertado conjunto (esquadrão) de maneira que não fique ninguém à retaguarda. Em estimativa geral há mais vigor na infantaria; e por isso pelejam em conjunto (mixto): cavalaria e infantaria, e se torna útil e perfeita (congruente, conveniente) à pugna dos cavaleiros a velocidade dos infantes, que são escolhidos entre a juventude para a vanguarda do exército.

Estabelecem (fixam) o número: cem para cada aldeia, assim se chamam na sua própria expressão, e o que recebeu o primeiro número (convocação), já, agora, constitui motivo de nome e honra. O exército é composto em forma de cunha. Recuar do lugar, desde que retorne a carga, pensam ser ato de bom aviso de prudência e não de temor.

Trazem os corpos dos seus, mesmo na indecisão do combate. É suprema torpeza abandonar o escudo, e não é permitido ao ignominioso comparecer aos sacrifícios e às assembléias, e muitos que sobreviveram à guerra conjuraram a infâmia com o laço (enforcamento).


Latim


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CAPÍTULO VII
REIS. CHEFES. MULHERES.
Os reis são escolhidos entre a nobreza, os generais pelo mérito. Nem os reis desfrutam de infinito e livre poder, e os generais mais pelo exemplo do que pela autoridade se impõem; se forem prestos, valorosos, se atuam na vanguarda, despertam admiração.

A ninguém é permitido senão aos sacerdotes, punir, amarrar, e nem vergastar nem como pena, nem por ordem do chefe, mas como por inspiração de deus, que eles creem dirigir as guerras. Efígies e símbolos cintilantes (resplandescentes) levam aos combates; o principal incitamento (encorajamento) à audácia, é que organizam o conjunto (esquadrão) em forma de cunha, não ao acaso nem por fortuito encontro (reunião), mas por famílias e (parentes) vizinhos; e às próximidades em garantia deixam as mulheres cujos lamentos se fazem ouvir, e o vagido das crianças.

São para cada um as mais santas testemunhas, seus maiores (estímulos) louvadores: as mães e as esposas pensam-lhes as feridas; nem se arreceiam de contar ou sugar (curar) as chagas, trazem alimento e entusiasmo (exortação)(1) aos combatentes.

Latim


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CAPÍTULO VIII
VELEDA E AURÍNIA
Rememora-se que exércitos indecisos foram incentivados pelas mulheres, da constância de suas preces e oferecimento de seus seios (peitos), e pelo cativeiro (por eles) pressentido próximo, de que se arreceiarn muito mais para as suas mulheres do que para eles próprios, de tal modo se demanda com mais eficácia o compromisso (fidelidade) das cidades, delas exigindo-se entre as presas (reféns) moças nobres. Acreditam ainda que elas têm algo dc santidade e de (providencial) previdência, não desprezam seus conselhos nem desatendem suas previsões (oráculos).

Vimos sob o divino Vespasiano, Veleda(1) considerada pela maioria, por longo tempo, como deusa; e adoraram, também, algures, Aurínia(2) e outras densas, não por (adulação) lisonja, nem para endeusá-las.

Latim


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CAPÍTULO IX
MERCÚRIO. HÉRCULES. MARTE.
Dos deuses o que mais veneram é Mercúrio, que em certos dias acham lícito imolar-lhe vítimas humanas. Hércules e Marte aplacam com animais permitidos. Parte dos Suevos sacrifica também à Isis: donde proveio a causa e origem desse culto estrangeiro, recém (há pouco) descoberto, sob a forma (signo) de uma nave, evidenciando que a religião (é estrangeira) veio de fora.

Alguns e não todos atribuem magnificência aos deuses ou guardam-nos em paredes e assemelham-nos à figura humana: os bosques(1) são consagrados aos deuses, e denominam pelos seus nomes aquele sítio secreto (misterioso), que eles vêem apenas em espírito (reverência).(2)

Latim


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CAPÍTULO X
AUGÚRIOS E ORÁCULOS
São (entre outros povos) os que mais acreditam (observam) nos augúrios e oráculos (sortilégios). O modo (costume) de tirar a sorte é simples. Cortam uma vara de árvore frutífera e espalham discretamente, ao acaso assinalando-as, por sobre uma alva toalha, (pano branco). Ao depois, se houver consulta de interesse público, o sacerdote(1) da cidade, ou o próprio chefe de família, no interesse privado (particular), depreca aos deuses, auscultando os céus: toma-os cada um por três vezes, e os interpreta segundo o sinal observado (notado antes). Se houver proibição, nenhuma consulta se faz no mesmo dia acerca da mesma coisa; se permitirem, exige-se a confirmação dos auspícios.(2)

E aqui também se observa (o sistema) de interrogar as vozes e os vôos das aves. É próprio desse povo experimentar também os presságios e as mensagens (avisos) dos cavalos. Sustentam eles nos mesmos bosques à expensa pública dois cavalos brancos e sem contacto com o trabalho profano (dos mortais); os quais atrelados ao carro sagrado, o sacerdote e o rei, os principais cidadãos acompanham e observam seus relinchos e bramidos (estremecimentos).

Nenhum auspício inspira maior fé, não só ao povo como aos maiorais; os sacerdotes, que se julgam ministros dos deuses, fazem-nos seus confidentes. Há ainda outra maneira de consultar os augúrios, com o qual auscultam as eventualidades das guerras. Ao indivíduo do povo com que se está em guerra, aprisionado de qualquer forma, fazem lutar com um eleito de sua nação, cada qual com suas armas pátrias (nacionais): a vitória desse ou daquele é tida (aceita) como prejulgamento (preságio).

Latim


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CAPÍTULO XI
ASSEMBLÉIA DOS POVOS GERMÂNICOS
Os chefes deliberam sobre as coisas de somenos importância,(1) e as de maior monta decidem todos, de maneira que também tais assuntos, pertinentes (arbítrio) aos assuntos do povo, sejam pelos (principais) chefes prejulgados (anteriormente tratados).

Reúnem-se, quando não haja fato fortuito e imprevisto, em certos dias, nas primícias da lua nova ou da (lua) cheia; porque julgam o momento mais favorável (auspicioso) para entreterem os negócios. Não contam (computam) o número de dias, como nós, mas os das noites. Assim se reúnem, assim se congregam: a noite parece impelir (conduzir) o dia.

Oferecem a desvantagem (inconveniente), de não se reunirem todos (ao mesmo tempo), para não parecerem dirigidos (comandados), e dispendem dois ou três dias em se reunirem, quando a multidão se acalma, eles se sentam armados. O silêncio é imposto pelo sacerdote, que tem o direito (autoridade) de censurar (reprimir).

Em seguida o rei(2) ou o chefe, pela ordem da idade de cada um, segundo a nobreza, segundo a hierarquia guerreira, segundo a eloqüência, se fazem ouvir, mais pela autoridade de persuasão do que pela própria força. Se desagradou a decisão, repelem-na em clangor; mas se agradou, agitam as frêmeas; é a forma mais honrada de assentimento (aprovação), de louvar com as armas.

Latim


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CAPÍTULO XII
JURISDIÇÃO
É licito perante a assembléia (concílio) acusar e do mesmo modo conhecer de crime capital. A distinção das penas é feita segundo o delito: os traidores e os desertores enforcam-nos em árvores, os (corruptos) indignos e covardes (infames) afogam nos charcos, sob uma grade. A diversidade de suplícios tem por fim ocultar as infâmias e demonstrar os crimes, durante a punição. E há para os delitos mais leves a penalidade correspondente: em certa quantidade de cavalos e gado são multados os condenados.

Parte da multa pertence ao rei ou à cidade, parte ao próprio ofendido, ou aos seus próximos (parentes). Elegem em as mesmas assembléias os chefes,(1) a quem cumpre administrar justiça nas aldeias e (cantões) povoados; cada um possui cem assessores populares para assisti-los (aconselhá-los) e prestigiar-lhes a autoridade.

Latim


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CAPÍTULO XIII
DIGNIDADE DAS ARMAS
De nada cuidam, além disso, de negócio (coisa) público nem particular, senão armados. Ninguém, porém, segundo o costume das armas, poderá trazê-la antes que a cidade o tenha declarado capaz. Então na própria assembléia ou algum príncipe ou o pai ou parente armam o jovem(1) com o escudo e a frâmea: essa é a toga viril entre eles, a primeira honra para os jovens; antes disso é ele considerado no lar, ao depois (do Estado) coisa pública. Nobreza insígne ou grandes méritos dos pais emprestam aos adolescentes a mesma dignidade de chefe; os demais se reúnem a guerreiros mais experimentados (robustos), e já muito (experimentados) provados, nem têm pejo (ruborizam-se) dos rudes companheiros.

O próprio séquito além disso tem também seus graus segundo a compreensão dos que o seguem; e há entre os companheiros grande emulação na obtenção do primeiro lugar junto ao chefe;(2) os chefes têm a emulação de congregar o maior número de companheiros e os mais valentes.

O que constitue a sua dignidade, o que faz o seu prestígio é estarem cercados sempre de uma multidão de jovens escolhidos, apanágio na paz, reduto (auxílio) na guerra. Se a sua companhia (séquito) sobressai pelo número e valor, o seu nome e a sua glória não se limitam somente ao seu povo, chegam até as cidades vizinhas; são, pois, procurados por meio de legados (embaixadas) e cumulados (ornados) de honrarias e na maioria das vezes decidem as guerras com a sua fama (o seu renome).

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CAPÍTULO XIV
CHEFES PARA A VITÓRIA. COMPANHEIROS PELO PRÍNCIPE
Assim como em combate é deshonroso ao chefe não exceder em coragem, é vergonhoso à companhia não igualar em valor ao chefe. Na verdade é (opróbrio) para toda vida e infamante a sobrevivência na guerra ao seu chefe:(1) defendê-lo, garanti-lo, acrescer-lhe a sua glória as suas próprias proezas constitui o seu principal (sagrado) juramento: os chefes lutam pela vitória, os companheiros pelo chefe.

Se a cidade em que nasceram, em longa paz e ócio entorpece, a maior parte dos nobres adolescentes procura aquelas outras nações que se empenham em guerra, porque o repouso é desagradável (ingrato) a essa gente e porque para eles se torna mais fácil sustentar uma grande companhia (séquito) pelo saque e pela guerra; exigem, pois, da liberalidade dos chefes o mesmo cavalo na guerra, e a sangrenta (cruenta) frâmea da vitória, acepipes e adornos abundantes ainda que grosseiros preferem em vez de soldo. A munificiência é paga pela guerra e pela pilhagem.

Nem arar a terra ou esperar a colheita anual é tão fácil para eles como provocar o inimigo e ser ferido; acreditam além disso ser preguiça inépcia (inércia) adquirir pelo suor o que se poderia obter pelo sangue.

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CAPÍTULO XV
TEMPO NÃO DEDICADO A GUERRA
O tempo que não dedicam à guerra, passam um pouco a caçar,(1) mais tempo porém, votam ao ócio entregues ao leito e à mesa; os mais fortes e aguerridos nada fazem; cometidos o cuidado do lar e da família e dos campos, às mulheres e aos velhos e às pessoas mais fracas de cada casa: vivem na ociosidade, sendo de admirar a contradição da sua natureza, o de terem apego à inércia e odiarem o repouso (quietude).

É costume das cidades fornecer expontânea e separadamente aos chefes certa quantidade de rebanho ou de cereais, aceitos como uma honra, que, além disso, vêm em auxilio de suas necessidades.

O que mais apreciam são os donativos dos povos vizinhos, não só os remetidos pelos particulares, mas também pelo público (governo): cavalos escolhidos, pesadas armas, arnéses e colares; já os ensinamos também a receber dinheiro.

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CAPÍTULO XVI
HABITAM ISOLADOS E ESPARSOS
Nenhuma cidade é habitada pelos povos germânicos segundo o que consta (se sabe), e eles não permitem que as habitações se agrupem (se juntem). Moram isolados e esparsos conforme lhes tenha agradado uma fonte, um campo, um bosque.

Não instalam as aldeias à maneira nossa com edifícios(1) contíguos ou juntos (ligados, juntamente): cada um cerca a sua casa de um espaço (intervalo), ou seja remédio (prevenção) contra casos de incêndio ou por incompetência em edificar. Nem (não) fazem uso de alvenaria (cimento) ou de telhas: empregam material completamente rústico e sem beleza e aparência.

Cuidam da casa diligentemente, esfregando-a com terra fina e brilhante que imita pintura (as cores da pintura), costumam também abrir subterrâneos cobertos de grossa camada de estrume, refúgio de inverno e depósito de cereais, porque se resguardam do rigor do frio em semelhantes lugares, e se chegarem inimigos, devassam os campos abertos, mas as riquezas ocultas e (ignoradas) enterradas iludem (o inimigo), porque devem ser procuradas.

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CAPÍTULO XVII
VESTUÁRIO
O vestuario de todos é o saiote, preso por fivela, ou na falta desta por um espinho: quanto aos mais, dos cobertos, passam os dias inteiros junto ao fogo. Os abastados se distinguem pelas vestes não flutuantes, como fazem (usam) os Sarmatas e Perthas(1) porém justos (apertados) e revelando as formas. Trazem também peles de animais: aqueles que ficam próximos à praia, peles mais comuns; peles mais preciosas (exquisitas) os que ficam no interior, porque a ninguém é fornecido adorno dc comércio.

Procuram animais (escolhidos) e mesclam (espargem) com peles arrancadas de outras peles manchadas de animais, que o Oceano Setentrional (exterior) e (ignoto) desconhecido mar produzem.

As vestes femininas não diferem das dos homens, salvo apenas quando as mulheres se cobrem com mantos de linho e os tingem de púrpura, e não ampliam às mangas a parte superior do vestido, trazendo os braços nus; a parte superior do seio (peito) fica descoberto. Ainda que sejam severos os casamentos, nada causa maior admiração (coisa alguma) em seus costumes:

— São quase os únicos dos bárbaros que têm uma só mulher, excetuados os poucos, que não por incontinência, mas por motivo de nobreza, são solicitados (acercados), por muitas esposas.

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CAPÍTULO XVIII
DO MATRIMÔNIO
A mulher não (dota) oferece dote ao marido, mas o marido à mulher. Interferem os pais e os parentes e verificam os presentes; presentes não para despertar (vaidade) à mulher, nem para com eles se adornar a nova esposa, porém bois e um cavalo arreado e um escudo com a frâmea e o gládio.

Com tais presentes é a mulher aceita, e por sua vez ela própria oferece algumas armas ao marido: imaginam nisto o mais profundo vínculo, o arcano misterioso de sua união, o desígnio dos deuses.

Para que a mulher não se julgue alheia às cogitações de coragem e aos eventos da guerra, é advertida (nesse sentido) pelas próprias cerimônias do matrimônio,(1) cujas prímicias como companheira de trabalhos e perigos do marido, com quem deve sofrer e lutar (ousar) não só na pz como na luta; os bois jungidos, o cavalo equipado, as armas doadas, assim lhe ensinam.

É assim que devem viver, é assim que devem perecer: recebe um depósito para intacto (inviolável) e digno a seus filhos restituir, e que (o qual) suas noras receberão e por sua vez transmitirão aos netos.

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CAPÍTULO XIX
MULHERES E LIBERTOS
Envolvem-nas a pudicicia,(1) sem as seduções dos espetáculos, sem as exaltações dos banquetes. Os maridos e as mulheres ignoram o mistério das cartas Em tão numeroso povo muito poucos são os adultérios, cuja imediata punição é permitida aos maridos: de cabelos cortados, desnuda na presença dos parentes, o marido a expulsa de casa e a persegue, de açoite por toda a (povoado) aldeia; não há na verdade perdão, não encontrará marido, nem tendo beleza, nem tendo riqueza.

Ninguém lá se (ri) diverte com o vício, nem o corromper e ser corrompido é o viver como o século. Melhor procede ainda a cidade em que só as virgens podem casar e que somente uma vez se fixa o limite para o voto da mulher.

Assim só se vêm um marido da mesma forma que há um só corpo e uma só alma (vida), para que seu pensamento não vá além e seu desejo (cupidez) não seja mais (prolongado) intenso, para que amem o marido, tanto como o matrimônio. Limitar o número dos filhos ou matar algum nascido, é considerado infâmia pois os bons costumes valem aí mais do que as boas leis.

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CAPÍTULO XX
FILHOS ROBUSTOS COMO OS PAIS
Vivem no lar nus e sujos, e assim crescem com esses membros e corpos de que nos espantamos. Cada mãe(1) cria (amamenta) seus filhos,(2) e não os entregam a criadas nem a amas. Nenhuma distinção há entre o senhor e o escravo quanto à educação: vivem entre seus rebanhos, e na mesma terra até que a idade separa os livres e o mérito os tornam conhecidos. Conhecem tarde mulheres, e isto (prolonga) conserva-lhes a juventude (puberdade).

Nem se apressam em casar as filhas; devem (os nubentes) ser iguais em corpo, idade e forças: e assim se transmite (refletem) a robustez dos pais. Os filhos das irmãs gozam no lar tio da mesma estima (honra) como em casa do pai.

Alguns pensam que semelhante parentesco é mais precioso e íntimo (laço de sangue). Quando recebem reféns os preferem com o mais seguro e firme ânimo de conservar o lar.

Todavia os filhos são os herdeiros e sucessores dos pais, e ninguém faz testamento. [Se não são livres] os irmãos, os tios paternos, os tios maternos. É mais agradável (considerada) a velhice aos que têm mais afins; não há vantagens entre eles em não constituir família.

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