quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

9037 - HISTÓRIA DO ACRE

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Uma breve história da luta acreana

Por Marcos Vinicius Neves

O Acre é hoje um estado multiétnico. Sua população é constituída por descendentes de todas as raças que historicamente formaram a sociedade brasileira. Ainda possui 14 etnias indígenas reconhecidas e organizadas, além de grupos de índios isolados dentro da floresta vivendo como há cinco mil anos. Esta sociedade multifacetada apresenta, entretanto, uma intensa identificação sócio-cultural. O sentimento de ser acreano é muito mais amplo que as fronteiras desse pequeno estado situado no extremo ocidental da Amazônia brasileira.

Esta característica, facilmente percebida por qualquer pessoa que conheça o Acre, é ainda mais surpreendente ao pensarmos que esta identidade histórica e cultural do povo acreano tem apenas 100 anos de reconhecimento. Um século apenas, breve, mas intenso o suficiente para forjar um povo consciente e orgulhoso de suas raízes. Alguma coisa deve haver de especial nesse lugar que criou as condições para que tivéssemos homens como Wilson Pinheiro e Chico Mendes. E a compreensão do que se passou no Acre nos anos 70 e 80 culminando com o assassinato de Chico Mendes não pode ser completa sem consciência da gênese desse povo e de sua trajetória histórica.

A luta com o meio

O povoamento do Acre, como de boa parte da Amazônia, foi feito sob o signo da malignidade do meio ambiente. Os exploradores europeus, já escolados por muitos séculos de expedições por todas as partes do planeta, eram os primeiros a anunciar o caráter maléfico da umidade, da imensa quantidade de insetos, da insalubridade geral das florestas tropicais. Principalmente a maior de todas, a Amazônia. No ambiente amazônico tudo é grande e farto; porque haveria de ser diferente com relação as suas febres e endemias?

Por isso, quando os primeiros nordestinos começaram a afluir para a Amazônia - e especialmente para o Acre - as notícias eram aterradoras. Os retirantes que fugiam da secas do sertão iam pelo caminho sendo assombrados pelas histórias de fome, do impaludismo (hoje mais conhecido como malária), do beri-beri e das feridas brabas que nunca saravam.

A terra do ouro negro, das terras inesgotáveis e inexploradas, das árvores fartas em um leite que valia como ouro e da fortuna rápida, logo se transformava diante dos olhos incrédulos dos imigrantes nordestinos, gaúchos, cariocas, espanhóis, italianos e sírio-libaneses em terrível “inferno verde”, devorador de almas.

Porém, para boa parte desses homens não havia retorno possível. Para os fugitivos da Guerra de Canudos, para os rebelados dos pampas gaúchos, para os tangidos pela seca, para os repudiados de toda sorte, não havia outro caminho possível senão a floresta que a todos acolhia e escondia. A única opção era mesmo encarar a solidão das colocações de seringa, dias e dias internados mata adentro, ou a falta de leis e de condições para o seu cumprimento nos raros povoados espalhados ao longo dos rios.

Seria necessário que uma figura de renome nacional como Euclides da Cunha, viesse ao Acre (em 1905) para desmentir os mitos sobre o clima e o meio amazônico. Através de artigos como “Um clima caluniado” e “Rios em abandono” - depois reunidos no livro “À margem da história” - Euclides deixou claro que a raiz dos males que afligiam a população espalhada ao longo dos rios acreanos não era o meio ambiente, mas as condições de transporte e de trabalho que matavam anualmente milhares de homens. Os vapores circulavam levando e trazendo gentes, mercadorias, animais e produtos do extrativismo florestal em total promiscuidade, sem a menor preocupação com a higiene e a saúde dos passageiros. A alimentação, tanto nessas embarcações como nos próprios seringais, era a pior possível. E o trabalho imposto aos seringueiros nos primeiros tempos era sobre-humano.

Apesar de tantos obstáculos, reais ou imaginários, há pouco mais de um século o povoamento do Acre se realizou e conseguiu fixar uma sociedade que vivia da e na floresta, longe dos mitos da insalubridade, descobrindo modos e estratégias para desfrutar de uma vida saudável em plena Amazônia. Isso aconteceu há apenas cento e vinte anos.

A luta com os outros

“Terras incontestavelmente bolivianas”. Assim se expressavam as autoridades brasileiras sobre as terras ao sul da linha oblíqua imaginária que, desde o Tratado de Ayacucho (1867), marcava a fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Enquanto não houve ocupação efetiva da terra estava tudo bem, mas tão logo o mercado internacional demandou maior produção de borracha e a região foi povoada, a questão das fronteiras se tornou um grave conflito entre nacionalidades.

A partir de 1880 grandes levas de imigrantes nordestinos penetraram livremente naqueles territórios sem dono e sem lei. Os rios Purus e Juruá, como afluentes do rio Amazonas, davam acesso direto aos vapores provenientes de Belém e Manaus, trazendo milhares de brasileiros e levando toneladas de borracha. Já os bolivianos possuíam contra eles a direção de seus rios mais explorados que levavam para o rio Madeira e não para as terras acreanas, caminhos que passavam por grupos indígenas Pano muito aguerridos na defesa de seu território e uma sociedade andina que apresentava grandes dificuldades de povoamento na planície amazônica.

Ao surgirem as primeiras proclamações bolivianas de posse do Acre, em 1895, os brasileiros já estavam ali situados há pelo menos 15 anos. Com grandes e produtivos seringais que comerciavam sua borracha com as casas aviadoras de Manaus e Belém e através destas, com os centros consumidores na Inglaterra, França, Alemanha, Holanda e Estados Unidos. O povoamento brasileiro dos altos rios Purus e Juruá era já um fato consumado.

Ainda assim, mal se iniciava o ano de 1899, quando o governo da Bolívia tentou uma cartada decisiva: ocupar militarmente o rio Acre enquanto negociava um contrato de arrendamento com capitalistas europeus e norte-americanos interessados na exploração da borracha da região. Entretanto, a ocupação do Acre não seria tão fácil.

Logo, alguns brasileiros revoltados contra as duras medidas alfandegárias dos bolivianos decidiram contestar a administração estrangeira daquele território povoado por brasileiros. Assim, sem nenhum aviso, já em maio de 1899, ocorria a Primeira Insurreição Acreana, quando os bolivianos foram pela primeira vez expulsos de Puerto Alonso, o povoado que eles mesmos haviam fundado nas margens do rio Acre.

Enquanto isso tudo se dava, Luiz Galvez - espanhol de nascimento, mas cidadão do mundo por vocação - partia de Manaus para o Acre. Galvez levava o apoio velado do governo amazonense já que o governo brasileiro exigia o fim dos conflitos no Acre e a devolução do território aos bolivianos. E foi durante o encontro dos seringalistas do Acre com Galvez que surgiu uma solução para o impasse em que estavam metidos os revoltosos.

Com a palavra de ordem: “Já que nossa pátria não nos quer, criamos outra” Galvez e os brasileiros da região proclamaram criado o “Estado Independente do Acre”. Uma republica da borracha fundada no dia 14 de julho de 1899, de forma a reverenciar a Revolução Francesa que 110 anos antes havia estabelecido os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade fundamentais para a formação da cidadania burguesa contemporânea.

Foram oito meses de governo do Presidente Galvez. Meses nos quais se tentou organizar escolas, estabelecer normas de saúde e instituir uma legislação de exploração racional da borracha adaptada às condições ambientais locais. Oito meses de ordem em uma região que nunca havia conhecido a mínima organização política ou administrativa. Um Estado Independente cujo maior objetivo era se libertar do domínio boliviano para ser anexado ao Brasil.

Entretanto, o presidente Campos Sales estava mais preocupado com o funding loan, com a política dos governadores e com o apoio da oligarquia cafeeira do que com a sorte dos brasileiros da longínqua Amazônia ocidental. Assim, já em março de 1900, chegavam ao Acre três navios da marinha brasileira para prender Galvez e devolver aquelas terras à Bolívia. Ainda que os jornais das principais cidades brasileiras não se cansassem de denunciar o inteiro absurdo da situação.

Mas, mesmo com o apoio do governo brasileiro, as autoridades bolivianas não conseguiram pacificar a região. Os “revolucionários” brasileiros se mantiveram mobilizados e em constante atitude de confronto. O Governo do Amazonas, mesmo contra a vontade federal, continuava apoiando a luta acreana e chegou a financiar a famosa “Expedição dos Poetas”, poderosa em ideais e frágil em combate, cujo maior resultado foi ter mantido viva a luta contra a dominação boliviana.

Até que, nos primeiros meses de 1902, a notícia da constituição do Bolivian Syndicate desabou sobre a opinião pública nacional. Essa companhia comercial de capital anglo-americano estava arrendando o Acre pelo prazo de vinte anos com amplos poderes territoriais, militares e alfandegários. Seu contrato com a Bolívia implicava também na livre navegação internacional dos rios amazônicos e feria frontalmente a soberania brasileira sobre a Amazônia.

Enquanto o governo federal era sacudido de sua letargia pelo clamor nacional, os brasileiros do Acre mantinham a resistência armada contra os bolivianos. A notícia do Bolivian Syndicate precipitou os acontecimentos que se configuraram como uma verdadeira guerra.

De um lado o exército regular da Bolívia entrincheirado em alguns pontos estratégicos do rio Acre. De outro um exército de seringalistas e seringueiros organizados pelo ex-militar Plácido de Castro. Uma guerra que foi conflagrada no Xapuri, em agosto de 1902, e só foi concluída seis meses depois em Puerto Alonso com um saldo de quinhentos mortos em uma população de dez mil indivíduos.

Os brasileiros do Acre mais uma vez haviam expulsado os bolivianos e proclamado o Estado Independente do Acre como forma de obrigar o governo federal a considerar a região como litigiosa. E tamanha foi a pressão nacional que Rodrigues Alves, recém instalado no cargo de presidente, teve que reverter a posição oficial brasileira estabelecendo negociações que culminaram com a assinatura do Tratado de Petrópolis e anexaram o Acre ao Brasil em novembro de 1903.

Finalmente, depois de quatro anos de resistência armada, o Acre passou a fazer parte do Brasil e os brasileiros do Acre conquistaram o direito de se autodenominar acreanos. Isso aconteceu há apenas um século.

A luta com os mesmos

O governo do Amazonas esperava que as ricas terras acreanas lhe fossem concedidas depois de anexadas ao Brasil. Afinal de contas o Amazonas havia investido grandes somas na Revolução Acreana em suas diferentes etapas. Mas os acreanos haviam arriscado não só terras e fortunas, como suas próprias vidas nas trincheiras e varadouros da guerra contra os bolivianos. Era justo então esperar que o Acre se tornasse o mais novo estado da federação brasileira e seus cidadãos pudessem usufruir os mesmos direitos políticos básicos de qualquer brasileiro.

Contra todas as expectativas, o governo federal decidiu não atender a ninguém, senão a seus próprios interesses. No principio de 1904, o Acre se tornou o primeiro Território Federal da história brasileira. Exemplo de um novo sistema político-administrativo, não previsto na Constituição, que estabelecia que o Acre seria administrado diretamente pela Presidência da Republica, a quem caberia nomear seus governantes e arrecadar impostos.

Para justificar sua atitude o governo federal alegou que precisaria recuperar o capital utilizado para afastar o Bolivian Syndicate das negociações de limites. Também precisava cumprir as clausulas previstas no Tratado de Petrópolis: indenização de dois milhões de libras esterlinas e a construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Por isso, toda a estupenda arrecadação de impostos sobre a borracha acreana teria que ser canalizada para os cofres da União.

O resultado imediato da surpreendente medida do governo brasileiro foi que a sociedade acreana passou a uma condição de tutela e dependência do poder executivo federal sem precedentes na história brasileira.

Como Território, o Acre não teria direito a uma Constituição própria como os outros estados federados; não poderia arrecadar seus impostos, dependendo dos repasses orçamentários do governo federal – que eram sempre infinitamente inferiores às necessidades de uma região onde tudo estava por fazer – e sua população não poderia votar para as funções executivas ou legislativas (que sequer existiam) na região.

Portanto, os acreanos que haviam conquistado pelas armas o direito de serem brasileiros, ao alcançar a vitória foram condenados a serem cidadãos de segunda categoria em seu próprio país. Enquanto isso o Presidente da Republica - de seu gabinete no Rio de Janeiro a mais de quatro mil quilômetros de distancia dos problemas acreanos - nomeava sucessivamente militares, magistrados ou políticos derrotados para governar o Território Federal do Acre.

Começava assim uma nova etapa de lutas da sociedade acreana. Agora não mais contra os estrangeiros, mas contra o governo de seu próprio país. Pois logo se perceberia que das fabulosas somas arrecadadas sobre a exportação de borracha e sobre a importação de mercadorias para abastecer os seringais, o governo federal mandava apenas uma pequena parte para a administração do Território, onde não havia escolas, hospitais ou quaisquer outras estruturas públicas. Além disso, os governantes nomeados para o Acre não possuíam o menor compromisso com aquela sociedade, aproveitando as verbas públicas em proveito próprio e afastando os acreanos do exercício de cargos políticos ou administrativos. A situação era agravada ainda pela distancia e isolamento das cidades acreanas e pela ineficiência do poder judiciário.

A autonomia política do Acre tornava-se então a nova e necessária bandeira de luta do povo acreano. Na verdade, era uma aspiração muito simples: a transformação imediata do Território Federal do Acre em Estado autônomo da federação brasileira. E para lutar por essa causa começaram a ser fundados clubes políticos e organizações de proprietários e/ou de trabalhadores em diversas cidades como Xapuri, Rio Branco e Cruzeiro do Sul.

Em poucos anos a situação social acreana se agravaria muito. Não bastasse a concorrência da borracha que começava a ser produzida no sudeste asiático, a partir de sementes amazônicas contrabandeadas pelos ingleses, os desmandos cometidos pelos governantes nomeados para o Acre obrigaram a sociedade a reagir.

A radicalização dos conflitos logo produziria novas cicatrizes no tecido social acreano. Plácido de Castro, um dos líderes da oposição ao governo federal, foi assassinado (ainda em 1908) numa emboscada que todos sabiam de antemão que iria ocorrer. Em Cruzeiro do Sul, em 1910, a primeira revolta autonomista depôs o Prefeito Departamental do Alto Juruá, proclamando a criação do Estado do Acre. Cem dias depois, tropas federais atacaram os revoltosos e restabeleceram a “ordem” e a tutela. Sena Madureira em 1912 e Rio Branco em 1918 também conheceram revoltas autonomistas que foram igualmente sufocadas à força pelo governo brasileiro.

A sociedade acreana viveu então um dos períodos mais difíceis da sua história. Os anos 20 foram marcados pela completa decadência econômica provocada pela queda dos preços internacionais da borracha graças à produção infinitamente mais barata dos seringais de cultivo asiáticos. Os seringais acreanos entraram em falência, uma boa parte dos seringueiros começou a voltar para suas regiões de origem e a desesperança geral transformou o Acre num “igapó de almas” segundo a descrição de Océlio de Medeiros no livro “A Represa”. Toda a imensa riqueza acumulada durante os anos áureos da borracha amazônica havia sido drenada para os cofres federais relegando o Acre ao completo abandono oficial.

Era tempo de se buscar novas formas de organização social e de encontrar novos produtos que pudessem substituir a borracha no comércio internacional. Os seringais se transformaram em unidades produtivas mais complexas. Teve início a pratica de uma agricultura de subsistência que diminuía a dependência de produtos importados, uma intensificação da colheita e exportação da castanha e o crescimento do comércio de “peles de fantasia”, como era chamado então o couro de animais silvestres da fauna amazônica. Começavam assim, impulsionadas pela necessidade, as primeiras experiências de manejo dos recursos florestais acreanos.

Além disso, a escassez da mão de obra nordestina levou ao emprego crescente das comunidades indígenas remanescentes nos seringais e os comerciantes sírio-libaneses substituíram as casas aviadoras de Belém e Manaus na função de abastecer os barracões e manter ativos os seringais acreanos. Entretanto, a situação de tutela política sobre a sociedade acreana se mantinha inalterada.

Nem mesmo o novo período de prosperidade da borracha, provocado pela Segunda Guerra Mundial, foi capaz de modificar esse quadro. Durante três anos (1942-1945) a “Batalha da Borracha” trouxe milhares de famílias nordestinas para o Acre, repovoando e enriquecendo novamente os seringais.

Essa melhoria do contexto econômico fez com que os anseios autonomistas ganhassem nova força. Mas os acreanos teriam que esperar ainda quase vinte anos para ver sua antiga aspiração de autonomia política ser realizada. Só em 1962, os acreanos conseguiram através de uma longa batalha legislativa transformar o Território em Estado.

O Acre, que havia sido o primeiro Território Federal de nossa história, foi também o primeiro a ser “elevado” à categoria de estado, já que o governo brasileiro havia estendido o sistema territorial a outras regiões (talvez não por coincidência sempre na Amazônia: Rondônia, Amapá, Roraima).

Foram 58 anos de resistência, entre 1904 e 1962, até que o movimento autonomista finalmente conquistasse para os acreanos os mesmos direitos básicos e essenciais de qualquer cidadão brasileiro. Pela primeira vez na história os acreanos poderiam exercer plenamente sua cidadania. Isso aconteceu há apenas quarenta anos.

A luta com os novos

No principio dos anos sessenta os seringais acreanos ainda estavam em plena atividade apesar dos preços mais baixos da borracha no mercado externo. Anos de tutela federal haviam produzido uma forte dependência do Acre em relação aos repasses orçamentários da União. Portanto, a criação do Estado do Acre e a possibilidade da primeira experiência democrática da sociedade acreana anunciavam grandes mudanças e o início de um novo tempo para a região.

Nas eleições realizadas ainda em 1962 confrontaram-se os dois grandes e hegemônicos partidos da época. Pelo PSD a candidatura ao governo do estado coube a sua maior liderança: Guiomard Santos, mineiro de nascimento, militar que havia sido governador do Território no fim da década de 40, dominou a cena política acreana por mais de vinte anos e se elegeu por três vezes consecutivas para o cargo de Deputado Federal. Como se não bastasse, foi o autor da lei 4.070 que transformou o Acre em Estado. O PTB, a princípio dividido, acabou escolhendo a surpreendente candidatura de um jovem acreano de Cruzeiro do Sul: o professor José Augusto de Araújo de apenas 32 anos.

O que parecia uma barbada política, a vitória fácil de Guiomard Santos, tornou-se uma enorme surpresa. José Augusto foi eleito o primeiro governador constitucional da história do Acre. Ou seja, já na primeira oportunidade em que os acreanos puderam decidir seus rumos políticos, deixaram claro seus anseios e escolheram um acreano nato para governar o então mais novo estado da federação brasileira.

Entretanto, o peso da história se revelou mais uma vez opressivo para a sociedade acreana. Menos de dois anos depois da eleição de José Augusto, o Brasil sofreu um golpe militar que mudaria também, e bruscamente, os rumos da história do Acre. Diante de um governo com problemas políticos internos, apesar de seu caráter popular, o capitão do exército Edgar Cerqueira cercou o Palácio Rio Branco e exigiu a renuncia de José Augusto. Acabava, ainda em 1964, com pouco mais de um ano de duração, o primeiro governo constitucional e democrático do Estado do Acre.

Mais uma vez a sociedade acreana seria obrigada a conviver com governantes indicados pelo poder federal, condição que perduraria até 1982, quando a “abertura lenta, gradual e segura” voltaria a permitir novas manifestações democráticas, não só no Acre, como no resto do país.

Entretanto, as conseqüências da Ditadura Militar para o Acre, como para boa parte da Amazônia brasileira, foram muito mais profundas e dolorosas do que aquelas relativas ao exercício dos direitos políticos. O início da década de 70 foi marcado por uma nova diretriz governamental para o “progresso econômico” da região. Sob o discurso de “integrar para não entregar” foi estimulada uma nova ocupação da Amazônia, com grandes projetos mineradores, madeireiros e agropecuários recebendo financiamento internacional e incentivos fiscais em nome de uma pretensa defesa da soberania brasileira.

No Acre o resultado mais evidente dessa política desenvolvimentista foi a “invasão dos paulistas”, como eram chamados genericamente os novos imigrantes que vinham do sul do país atrás de terras fartas e baratas. Assim, o Acre ajudava a aliviar os conflitos rurais da região Sul e ganhava uma nova política econômica que, segundo seus apologistas, seria capaz de substituir com vantagens o já combalido extrativismo da borracha.

Com a transformação do Banco da Borracha em Banco da Amazônia e o corte de outras fontes de financiamento, muitos seringais faliram e foram vendidos por preço muito baixo. Em suas terras instalou-se a agropecuária. No Rio de Janeiro e em São Paulo, a propaganda oficial anunciava o Acre: “um sul sem geadas, um nordeste sem seca” e, mais tarde, “o filé mignon da Amazônia”. E foram muitos os empresários que acreditaram no novo eldorado amazônico trazendo para cá todo seu capital. Mas junto com esses vinham também um sem-número de grileiros e especuladores.

O resultado de todo esse processo de mudança do eixo econômico da Amazônia brasileira acabou arrebentando sobre o lado mais fraco: as populações tradicionais da floresta. Repentinamente, índios, seringueiros, ribeirinhos e colonos viram suas terras sendo invadidas e devastadas em nome de um novo tipo de progresso que transformava a floresta em terra arrasada.

Acelerou-se a migração para as cidades. Mas a maior parte da população migrante não tinha outra profissão além de colher os produtos da floresta. A maioria sequer sabia ler e escrever, tamanho era o abandono oficial em que tinham vivido até então. Expulsas da terra, muitas vezes por jagunços armados que ateavam fogo em seus barracos, milhares de famílias encostaram-se na periferia urbana, formando assim os primeiros bairros populares em terrenos insalubres onde a miséria e a doença tinham campo fértil para se espalhar.

Nos anos 70, a sociedade acreana vivia novamente um momento de grande tensão social. Nem mesmo as tentativas do Governo Geraldo Mesquita de reverter as políticas implementadas por seu antecessor Vanderlei Dantas, foram suficientes para deter o avanço do novo modelo econômico proposto pelo governo federal para a região.

A partir de 1975 as populações tradicionais da floresta começaram a se organizar e a desenvolver diferentes estratégias de resistência. Foram fundados os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais em Brasiléia, Xapuri, Rio Branco e Sena Madureira. A implantação da primeira Ajudância da Funai no estado possibilitou que se iniciasse o processo de demarcação e regularização das terras indígenas acreanas. A igreja católica do vale do Acre, de perfil progressista, reforçou a luta popular com as Comunidades Eclesiais de Base. Intelectuais, artistas, estudantes e trabalhadores em geral criaram organizações civis e um intenso movimento social em Rio Branco. Jornalistas e militantes da oposição criaram o jornal “O Varadouro” para noticiar os graves problemas sociais, especialmente os conflitos pela posse da terra.

Não foi uma luta fácil e muito menos rápida. Os conflitos foram se tornando cada vez mais explosivos e perigosos. Em 1980, Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brasiléia, foi assassinado. Muitas outras mortes ocorreriam, culminando com a de Chico Mendes, em 1988.

A partir desse assassinato as coisas começaram a mudar de verdade. O Movimento Ambientalista havia tornado Chico Mendes uma figura pública conhecida e reconhecida em todo o mundo por sua luta em defesa da floresta e de seus povos. Sua morte criou uma enorme pressão sobre os organismos financeiros internacionais, que foram obrigados a rever critérios de investimento na Amazônia. Mais uma vez os acreanos haviam sido obrigados a lutar até a morte para defender sua integridade, seus modos de vida tradicionais, seu direito à cidadania e à autodeterminação. Isso aconteceu há apenas quinze anos.

Novas lutas

Se olharmos a história acreana desde seus primórdios e procurarmos as linhas de permanência e de mudança do povo que fez das florestas do ocidente amazônico seu lugar no planeta, perceberemos que existe uma continuidade histórica, social, política e cultural. O acreano é um povo que luta. Nas suas lutas, afirma sua vontade de escolher livremente seu caminho. Recusa modelos impostos de fora pra dentro, de cima pra baixo. Busca um modelo de desenvolvimento verdadeiramente justo e sustentável. E vai criando, em seu caminho de lutas, uma profusão de símbolos e paradigmas.

As criações mais recentes desse povo, como o Governo da Floresta e a florestania, já se tornam referências para outras regiões do Brasil e até para outros países. Mas isso está apenas começando a acontecer, é missão para os historiadores que virão.


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