sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

8735 - CIÊNCIA POLÍTICA

Departamento
de Ciência Política
CÉLIA QUIRINO
ACiência Política, como todas as ciências humanas que se desenvolveram
no interior da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Paulo, como era então denominada
por ocasião de sua fundação, teve a sua marca francesa. Não se
configurou de inicio como ciência, nem possuía luz própria. Sua origem
foi sociológica com forte influência filosófica. Seu ensino nasceu no
interior da Cadeira de Sociologia I e era apenas uma parte do curso de
Sociologia Especial, enquanto Sociologia Política. Nessa matéria, os
temas ensinados diziam respeito ao "Estado na sociedade contemporânea,
ao problema do Estado de Natureza e do Estado de Sociedade do
século XVIII até o século XX'' (1). Apesar disso, foi a Cadeira de Direito
Político que, tendo passado por várias transformações, deu origem ao
atual Departamento de Ciência Política. Essa passagem, entretanto, não
foi direta. Muitas foram as etapas. Primeiro, tornou-se Cadeira de Política,
no interior de um Departamento de Sociologia e Antropologia.
Depois, com o fim da Cátedra e como parte integrante do Departamento
de Ciências Sociais, Área de Política. Finalmente em 1988, extinguindo-
se o Departamento de Ciências Sociais, é que passou a se constituir
como Departamento de Ciência Política.
Os primeiro anos
Nos primeiros anos, é bom lembrar que mesmo as Ciências
Sociais, como um todo, não eram estrela de primeira grandeza. Havia
duas grandes seções nessa nova Faculdade: a de Filosofia e a de Ciências.
O curso que, de 1934 a 1941, se chamava Ciências Sociais e Políticas era
apenas uma subseção de Ciências, juntamente com a Matemática e Física,
a Química, a História Natural, e a Geografia e História.
Por suas origens, portanto, poder-se-ia dizer que a Política teve
suas raízes no Direito e na Sociologia. Mas seu juridicismo logo desapareceu
e, ao contrário, se sua dependência formal e burocrática da Sociologia
não teve longa duração, seus laços com essa matéria, sobretudo os
teóricos, sempre se mantiveram. A dominação mais ampla e mais geral,
porém, válida para quase todos os demais cursos, era a da Filosofia. Era
o curso de Filosofia que dava o tom do que se deveria ler, para se estar
atualizado e, sobretudo, para que se pudesse desenvolver a boa discussão
metodológica e teórica. A culpa, se é que houve alguma, ainda em boa
parte, deve-se aos franceses fundadores, mas também aos próprios alunos.
Ambos transitavam tranqüilamente de uma seção a outra. Os alunos
matriculados, ou simplesmente aqueles que vinham apenas para
ouvir os mestres, assim se comportavam, por imensa sede de conhecimento
ou por puro modismo, atraídos por essa grande oportunidade
que se apresentava de adquirirem novos saberes, de poderem, talvez,
pela primeira vez, aprender esses ensinamentos como um todo, mas
também, de poderem se sentir participando dessa moderna intelectualidade
européia que lhes parecia tão distante e de tão difícil acesso.
A organização dos cursos
Quando os cursos da Faculdade de Filosofia começaram a se organizar,
a partir de 1934, a subseção de Ciências Sociais abrangia cinco
matérias obrigatórias em seu currículo. Os professores deveriam estar
alocados às seguintes Cadeiras: primeira e segunda de Sociologia; Economia
Política, Finanças e História das Doutrinas Econômicas; Direito
Político e Estatística. A primeira Cadeira de Sociologia foi, desde o
início, ocupada pelo professor Arbousse-Bastide (o Bastidão, pois era
fisicamente alto e forte), enquanto a segunda coube a Claude Lévi-
Strauss, ambos importados diretamente da França. Já para a Cadeira de
Direito Político foi escolhido, em 1936, um nacional, Antônio de Sampaio
Dória, jurista, professor de Direito Constitucional da Faculdade do
largo de São Francisco.
O professor Paul Arbousse-Bastide era responsável pelos cursos
de Sociologia Geral e Sociologia Especial. Neste último, a Sociologia
Política aparecia como uma pequena parte do programa, da mesma
forma que a Sociologia Doméstica, Estética etc. Nos cursos do professor
Sampaio Dória, de Direito Político, estudavam-se o Estado, Direito
Constitucional e Direito Administrativo. Ambos os professores não tinham
formação em Ciência Política, se é que consideravam esta e as
outras disciplinas sociais como ciências. Sem dúvida, este era um dos
temas centrais das aulas e discussões entre alunos e professores.
Arbousse-Bastide, licenciado em Letras e agregé de Filosofia, buscava
apresentar em seus cursos o clássico debate sobre questões como: "Pode
a sociedade ser objeto de estudo científico? Fatos sociais e processo social
podem ser considerados como fenômenos específicos do estudo
sociológico? A Sociologia, enquanto ciência, pode ter métodos próprios
de análise?''
Com relação às demais Ciências Sociais, entre elas a Política e a
Antropologia, embora estudadas no âmbito das Cadeiras de Sociologia,
já se buscava também compreendê-las à luz de alguma autonomia. Por
isso, é possível afirmar que havia, por um lado, a tentativa de se
estabelecer uma discussão sobre a possibilidade de se poder criar um
approach científico em relação à Sociologia em geral, porém, por outro,
desenvolvia-se a discussão sobre a necessidade e as dificuldades de se
encarar a individualidade de cada Ciência Social estudada e a especificidade
de seus métodos.
As ciências fundamentais
História e Filosofia eram também ensinamentos fundamentais.
Além da História e da Filosofia Geral, aprendia-se História da Filosofia
e Psicologia Social. Apesar dessa maneira mais teórica e filosófica de se
aproximar das Ciências Sociais, em geral, e da Política, em particular, o
Brasil não era esquecido. Se era necessário conhecer os fundamentos
teóricos e filosóficos da Política, como as questões sobre Poder, Dominação
e Estado, estudar as idéias políticas de alguns pensadores considerados
clássicos, discutir os problemas levantados pelo jus-naturalismo
e pelo contratualismo ou discorrer historicamente sobre a formação do
Estado Moderno, era também necessário pensar e pesquisar o Brasil.
Apesar de existir e ter-se mantido por algum tempo grande preconceito
em relação a alguns autores brasileiros, por serem não científicos
e considerados conservadores, Gilberto Freire, Silvio Romero,
Oliveira Vianna eram lidos e estudados. Mas esses autores não eram
encarados como bons analistas da realidade brasileira. Sobretudo, o que
se percebia, era a grande falta de bibliografia sobre o Brasil e a necessidade
de se realizar pesquisas que tivessem um caráter científico sobre o
país. Antônio Candido e Décio de Almeida Prado relatam, em suas entrevistas
sobre a formação da Faculdade de Filosofia, como foram realizadas
algumas dessas primeiras pesquisas (2). Em geral, o tema e a
forma de coletar os dados eram sempre indicados pelo próprio professor
francês, interessado, ele também, em conhecer e analisar o Brasil. Era o
momento em que se aprendia a trabalhar com as fontes primárias e se
começava a freqüentar os arquivos e a levantar o material in loco.
Em 1938, com o afastamento do professor Sampaio Dória da
Cadeira de Direito Político, esta passa a ser regida por dois outros professores
da missão francesa: Pierre Froment (por curto espaço de tempo)
que era especialista em Direito Financeiro e Roger Bastide (que na
Faculdade ficou mais conhecido como Bastidinho, pois em oposição ao
outro Bastide, era magro e baixo). Preocupou-se este em discutir em
seus cursos a questão da Soberania, salientando, dessa forma, uma das
questões centrais da Política, ao mesmo tempo em que realizava análises
críticas das teorias políticas contemporâneas. Os dois Bastides, ao longo
dos anos que permaneceram no Brasil ocupando ambos ora a Cadeira de
Sociologia ora a de Política, quando esta passou a existir, dedicaram-se
a realizar importantes estudos sobre o país. Bastidão terminará, já na
França, por escrever vários artigos sobre o positivismo no Brasil e Bastidinho,
que havia começado pesquisando o barroco brasileiro, nos seus
últimos anos na Faculdade de Filosofia, desenvolveu uma pesquisa sobre
as possíveis relações entre as origens nacionais e culturais de imigrantes
estrangeiros no Brasil possuidores de doenças mentais, e os tipos de
doenças que apresentavam.
Por um curto período — 1939-1941 — a Cadeira de Direito Político
foi ocupada pelos padres Leopoldo Aires (primeiro semestre de
1939) e Luiz de Abreu (até junho de 1941). Os dois padres enfocaram
seus trabalhos na Filosofia Jurídica e Política de filiação predominantemente
tomista (3).
A consolidação: 1941-1964
Em julho de 1941, os cursos da Faculdade são ajustados aos
padrões federais, isto é, são obrigados a se enquadrar no que é definido
pelo Decreto 12511, como curso de Ciências Sociais. As modificações
burocráticas e administrativas que o regulamento federal impôs, apesar
de não transformarem o conteúdo dos cursos já existentes, consolidaram
certa autonomia do ensino da Política ao estabelecer a criação da Cadeira
de Política. Na Faculdade, esta Cadeira nasce como contrapartida da
extinção daquela de Direito Político. Promove-se também uma dança de
cátedras entre os dois Bastides. Roger Bastide passa para uma das Cátedras
de Sociologia e Arbousse-Bastide vai para a Cadeira de Política que
acabara de ser implantada. Bastidão leva consigo, para a Política o seu já
primeiro assistente na Sociologia, Lourival Gomes Machado. Esses dois
professores serão, juntamente com Gurvitch e Morazé, os responsáveis
pela consolidação da forma e do conteúdo do ensino da Política na
Faculdade.
Bastidinho e Bastidão, apesar de franceses, são também responsáveis
pela introdução de boa parte da Teoria Política, americana, inglesa
e alemã. Isso se refletirá no primeiro doutorado realizado na Cadeira
de Política pelo primeiro assistente, Lourival Gomes Machado. Sua tese,
defendida em 1942, sobre Alguns aspectos atuais do problema do método,
objeto e divisões da Ciência Política apresenta como bibliografia básica, em
meio aos seus quarenta títulos, 23 autores, entre ingleses e americanos,
muitos destes bem recentes, isto é, publicados durante os anos trinta,
alguns alemães, outros franceses. Por essa bibliografia é possível perceber
um pouco o que se lia na época com relação à Ciência Política.
Pode-se destacar entre outros: Georges Cattlin, A study of the principles
of politics; Raymond Gettell, Political science; R. M. MacIver, The modern
State; Charles E. Merriam, History of political theories e Recent tendencies
of political thought; Francis G. Wilson, The elements of modern politics;
Georges Gurvitch, Sociology of law;K. Mannheim, Ideologia y utopia, em
tradução do Fondo de Cultura Economica. Como lembra muito bem
Antonio Candido, em sua entrevista já citada, foi por muitos anos responsável
por boas traduções em espanhol de obras alemãs, que podem,
por exemplo, permitir a algumas gerações de cientistas sociais brasileiros
ler Weber antes mesmo que os franceses o tivessem traduzido; e muitos
outros como Jellineck, Pollock, Sabine e, evidentemente, artigos recentíssimos,
de professores da casa, como o de Lévi-Strauss Sommaire du
cours de méthodologie sociale e o de Arbousse-Bastide Introduction à un
cours de politique.
Sem dúvida, essa primeira tese apresentada e defendida na Cadeira
de Política é uma tentativa de marcar a importância e definir o papel que
essa ciência passa a ter no conjunto das Ciências Humanas. Percebe-se
nessa obra, nitidamente, a preocupação em mostrar a necessidade do
conhecimento dos fenômenos políticos, para se chECAr ao entendimento
da sociedade como um todo e estabelecer métodos de análise que
possam ser mais adequados a essa ciência. Por isso, procura Gomes
Machado encaminhar o problema da especificidade do objeto da Ciência
Política em contraponto à Sociologia Política, que já vinha sendo colocado
por alguns especialistas, e da questão do método, tão cara aos
mestres franceses. Assim, ao discutir e apresentar algumas conclusões
acerca das tendências metodológicas e do objeto da Ciência Política procura
fazê-lo sempre de maneira comparativa, em relação às demais Ciências
Sociais.
Esse tipo de discussão servia também para mostrar a importância
de as aulas de Política serem introduzidas somente quando os alunos já
possuíssem conhecimento básico de Sociologia e de outras Ciências
Humanas. Dessa forma, quando da reorganização do currículo dos
cursos de Ciências Sociais, a matéria Política irá aparecer a partir do
terceiro ano, após o aluno ter tido dois anos de Sociologia e Economia
Política e um de História da Filosofia, de Geografia Humana, Estatística,
Antropologia, Ética e Psicologia Social.
É também no começo dos anos 40 que tem início a organização
dos cursos de especialização. Estes eram realizados em uma só Cadeira
e tinham a duração de dois anos, quando o aluno, após ter realizado uma
pesquisa da escolha e sob a orientação do Catedrático, deveria apresentar
sua dissertação para uma banca examinadora. Era o momento de o aluno
se integrar aos trabalhos de pesquisa da Cadeira. Essa fórmula é, sem
dúvida, o germe dos futuros mestrados.
De 1941 a 1943, os dois professores Arbousse-Bastide e seu assistente
procuraram, nos cursos de Política, discutir o estudo científico
das realidades políticas. Por um lado, buscavam desenvolver ''a definição
sociológica dos fenômenos políticos'' enquanto, por outro, "abordavam,
pela leitura crítica de textos, a evolução das idéias e doutrinas''.
Em 1941, "uma vez feita uma introdução teórica sobre as relações entre
morfologia social e os fatos políticos, os dois professores iniciam dois
novos cursos intensivos: um sobre o desenvolvimento geral da ideologia
democrática e outro destinado especialmente às leituras do Contrato
Social de Rousseau" (4).
Em 1944, quando o professor Arbousse-Bastide se afasta para
prestar serviços especiais à embaixada francesa no Rio de Janeiro, o
professor Gomes Machado, já com um doutorado que versava especificamente
sobre a Ciência Política, o substitui assumindo as funções da
Cátedra. Para o cargo de assistente, por um pequeno espaço de tempo,
é nomeado Benedito Ferri de Barros.
Por essa época, os cursos de Política já são estruturados em torno
de três grandes unidades didáticas. O Anuário da Faculdade referente a
esse período informa que essas três unidades são assim distribuídas: "I
— Curso sistemático de introdução à ciência política: visão panorâmica
dos problemas políticos (organização constitucional e administrativa,
fundamentos sociais, econômicos e ideológicos do Estado; história e
geografia das idéias políticas; relações internacionais; as ciências políticas
em sua multiplicidade) e sistematização da ciência política (principais
interpretações; quadros gerais de uma introdução: a ciência política
como estudo sistemático das instituições e dos regimes políticos); II —
Lições sobre a história das idéias políticas'' (5). Este curso, desde então,
dedicou-se a desenvolver estudos interpretativos do pensamento político
clássico. Podia-se discutir um único pensador, ou mesmo uma única
obra durante um ano letivo, como poder-se-ia trabalhar sobre vários
autores durante apenas um semestre; "III — Seminário de leituras e
comentários, bem como de apresentação, debate e crítica de trabalhos
de alunos" (6). Esse seminário, aos poucos, vai se transformando em
discussões das pesquisas realizadas por alunos e professores da Cadeira
e acabará por ser o ponto de apoio que dará sustentação, no futuro, em
meados dos anos cinqüenta, à criação dos cursos de Instituições Políticas
Brasileiras. Com pequenas transformações, é em torno desses três temas
fundamentais que se define o tripé que por longos anos foi a base e a
marca da Ciência Política da USP.
Hoje, fazendo um levantamento retrospectivo dos cursos de Política
na Faculdade de Filosofia, pode-se afirmar que o item I passou por
várias denominações, embora por muito tempo tenha sido designado
como Introdução Conceitual, permitindo, por essa vaga definição, que
se enfatizasse ora um, ora outro conceito ou autor. Muitas vezes a ênfase
em um tema ou autor dependeu tanto da atualidade dos conceitos e de
certos autores, como das situações políticas concretas em que se encontrava
o país. Por isso, podia abranger, por exemplo, um aprendizado
mais teórico dos ensinamentos sobre poder, dominação, soberania,
Estado, capitalismo, democracia, em Weber, Marx, Mannheim, Gurvitch,
Cassirer, Bertrand de Jouvenel, Friedrich, Lasswell, W. Mills,
Dahl etc.; dedicar-se a realizar leituras do Capital e acompanhar a discussão
de diferentes autores sobre a acumulação primitiva e a passagem
do feudalismo para o capitalismo, para se compreender melhor a formação
do Estado Moderno; mas também era necessário ler Lukács e
Marcuse nos anos 60, Gramsci e Poulantzas nos 70 e discorrer sobre
liberalismo, autoritarismo e democracia nos anos 70 e 80.
O item II manteve sempre, como ponto de honra, a obrigatoriedade
e a importância da leitura dos clássicos. Alguns autores e temas logo
foram definidos como os mais significativos para o aprendizado da Política.
As análises dos textos eram realizadas levando-se em conta a do pensamento político de autores anteriores e contemporâneos, a
importância para os tempos presentes etc. Assim, Maquiavel, Locke,
Hobbes, Montesquieu, Rousseau etc. e, também, por vezes, Juan de
Marianna, Puffendorf, Grotius, Bodin e outros, dependendo da escolha
e do interesse do professor encarregado de ministrar o curso. Pois que,
dentro da ampla escolha que a História das Idéias Políticas permite, a
liberdade de Cátedra sempre foi mantida.
O item III, Instituições Políticas Brasileiras, nasceu como parte do
grande projeto de pesquisa que Lourival Gomes Machado imaginara ser
a tarefa que professores e pesquisadores (de início alguns alunos de
especialização) deveriam realizar para que se pudesse cobrir a história
política brasileira. Embora os cursos sobre Brasil só tivessem oficialmente
começado em meados dos anos 50, o grande projeto, com o fito
de desenvolver pesquisa para se conhecer melhor o país, parece ter sido
elaborado e iniciado antes mesmo que Gomes Machado se tornasse
Catedrático. Aos poucos, alguns alunos e professores pesquisaram o
sistema de administração da época colonial, o pensamento político dos
Inconfidentes, logo seguido por tese de doutorado sobre o Império e a
formação de uma equipe para pesquisar a Primeira República e outra
tese de doutorado sobre o fenômeno do populismo brasileiro. Sem
dúvida, a Cadeira tinha um amplo projeto de pesquisa bem-definido, o
qual todos que nela trabalhavam consideravam importante realizar e do
qual todos participaram, ao menos, por algum tempo.
Em 1944, Arbousse-Bastide reassumiu suas funções. Em 1946, a
Cadeira voltou a ser entregue ao primeiro assistente. Em 1947, por
sugestão do professor substituto, Georges Gurvitch é contratado e
assume a regência da Cátedra. Nesse ano, o professor Gomes Machado
desenvolveu em suas aulas temas sobre Ética e Política, Sociologia do
Conhecimento de Durkheim e o Sistema de Saint Simon, que funcionaram
como uma espécie de introdução aos cursos ministrados por Gurvitch.
Este professor inicia dois cursos monográficos sobre Proudhon e Marx e
Sociologia do Conhecimento.''O primeiro abordando, do ponto de vista
da história das idéias, as concepções da realidade social, de acordo com
os dois filósofos socialistas e o segundo visando à apresentação teórica
dos problemas principais da sociologia do conhecimento em seu atual
estado de desenvolvimento (6). Ambos foram franqueados ao público.
Abrir os cursos de grandes mestres ao público já vinha há algum tempo
sendo uma prática da Faculdade
Em 1948, novamente o professor-substituto assume a Cadeira de
Política. Dedica-se, especialmente nesse ano, a desenvolver novo curso
sobre a Evolução do Estado Moderno. Este tema é abordado separadamente
em dois aspectos paralelos, "um sobre a evolução históricainstitucional
e outro sobre o movimento das idéias'' (7). Para os alunos
de quarto ano e para alguns que já estavam se especializando em outras
cadeiras da seção de Ciências Sociais, desenvolve um seminário de leitura
crítica de textos de Karl Marx. Inaugura, dessa forma, uma prática de
leitura de textos, unindo alunos e professores, não necessariamente da
mesma área de interesse, o que irá dar muitos frutos, por algumas gerações,
será responsável pela aquisição de formação teórica mais consistente
e dará nascimento a interessantes grupos de estudos.
Em 1949, novo professor francês vem reger a Cadeira: Charles
Morazé, que permanece nesse posto até 1952. Ainda no de 1949, a
Cadeira recebe reforço didático e de pesquisa com a entrada de Paula
Beiguelman como auxiliar de ensino. E nesse período que professores e
alunos começam a realizar as primeiras pesquisas eleitorais. As eleições,
depois do primeiro período Vargas, eram novidade. De início, a tarefa
proposta pela Cátedra pretendia realizar um Mapa politico de São Paulo,
como um ensaio prático de cartografia eleitoral. Estas pesquisas serão
desenvolvidas e desdobradas em outras durante alguns anos. Assim é
que, em 1951, os trabalhos de pesquisa da Cadeira de Política se encontram
voltados para os Estudos das eleições de janeiro de 1947; Estudos evolutivos
da, demografia eleitoral nos diversos estados da. União a partir de
1920; Estudo da campanha eleitoral de 1950, realizado através da imprensa
nos diversos estados da União. Em 1952, no entanto, atendendo ao grande
projeto da Cadeira, Paula Beiguelman já está trabalhando em sua pesquisa
de doutorado sobre o Desenvolvimento das idéias abolicionistas no
Brasil e, juntamente com o professor Assis Simão, estudando a Formação
do operariado em São Paulo.
Em 1952, Oliveiros Ferreira é contratado como auxiliar de ensino.
Logo, o novo professor, começa a trabalhar no projeto da Cadeira.
Cabe-lhe, assim, iniciar estudos sobre a administração colonial e se responsabilizar
pelos seminários de leitura do Contrato Social de Rousseau.
Ainda em 1949, Gomes Machado presta concurso de livre-docência
com tese sobre o Tratado do Direito Natural de Tomás Antônio Gonzaga
e, em 1954, com a apresentação da tese Homem e Sociedade na
Teoria Política de Jean-Jacques Rousseau, passa a ocupar a Cátedra de
Política. Desde 1950, a Cadeira de Política era parte integrante do
Departamento de Sociologia e Antropologia, o qual, por sua vez, era
responsável pela organização dos cursos de Ciências Sociais.
Com suas teses, o professor Lourival Gomes Machado parecia
querer, ele também, completar a construção do tripé sustentador dos
estudos de Política. Os três temas abordados eram uma demonstração
clara da importância de se tratar esses aspectos da política:
• definição e compreensão dos conceitos e do método;
• levantamento de diferentes aspectos da política brasileira;
• história das idéias políticas.
À medida que as pesquisas sobre Brasil se desenvolveram, tornavase
evidente a dificuldade na obtenção de dados, sobretudo no que se
referia à documentação histórica mais antiga. A leitura de fontes primárias
parecia fundamental. Novo projeto se impôs: a formação de um
arquivo no qual os dados coletados e as publicações de difícil acesso,
necessárias à realização das diversas pesquisas, pudessem ser organizados.
Em 1961, uma pessoa especializada em Política e em documentação
foi contratada. Com ajuda financeira da Fapesp, os Arquivos de
Política começaram a se desenvolver e a se mostrar de imensa utilidade
para os pesquisadores.
No final dos anos 50 e início dos 60, a Cadeira havia crescido
bastante. Alguns professores e pesquisadores, recentemente contratados,
trabalhavam em tempo integral, sempre orientados pelos professores
mais antigos. É, sem dúvida, um período de intensa atividade intelectual.
A Cadeira ocupava nessa época três grandes salas no quarto
andar do prédio da rua Maria Antônia. Nos fins de tarde, todos se
reuniam em uma das salas e conversava-se animadamente. Comentavam-
se as publicações mais recentes, os artigos dos colegas, falava-se
sobre arte, afinal era uma das especialidades do Catedrático e, discutia-se
muita política.
Resistência, desagregação
e sobrevivência: 1964-1975
Antes do golpe militar, já em 1963, o professor Lourival Gomes
Machado havia se afastado para trabalhar na Unesco. A assistente mais
antiga o substituiu e deu continuidade à programação estabelecida. Em
1964, outro professor foi obrigado a deixar o país. Fez parte da primeira
leva de exilados indo para o Chile. Durante alguns anos tudo parecia
muito difícil, embora os trabalhos continuassem. Censura, denúncias,
policiais em salas de aula, tudo havia tornado o ato de aprender e o de
ensinar extremamente complicados. Mas até 1968, a aparência de normalidade
foi mantida. Trabalhava-se muito e entre professores e alunos
havia respeito e certa cumplicidade intelectual e política.
Os cursos de introdução giravam em torno do desenvolvimento
do capitalismo e da formação do Estado Moderno. Lia-se Marx, Weber,
Dobb, Mannheim, Lukács, Heller e, em 1968, muito Marcuse. Também
Gramsci começava a ser estudado. De início, no curso de História das
Idéias, foram introduzidos os seus escritos sobre Maquiavel, mas nos
anos 70, tornou-se um dos autores mais trabalhados, a ponto de, no
princípio dos anos 80, ter sido tema de tese de livre-docência de um dos
professores da Cadeira. Nos cursos de Instituições Políticas Brasileiras
discutia-se desde as questões referentes ao escravismo, ao feudalismo e
ao capitalismo na formação do estado brasileiro, debate que foi uma
constante durante certo período, até os aspectos mais atuais do país, ou
seja, a revolução brasileira, o populismo e o autoritarismo. Caio Prado
e Celso Furtado eram leituras obrigatórias, mas também lia-se Nabuco,
Victor Nunes Leal, Nestor Duarte, Faoro etc.
Em 1968, a desagregação começou. Após a destruição da Maria
Antonia e a mudança para a Cidade Universitária, foi difícil guardar a
aparência de normalidade. Pouco tempo depois dos cursos de Ciências
Sociais terem sido instalados nos barracões, descobriu-se que quase todo
o material juntado nos Arquivos de Política havia sido perdido. Ainda
nesse ano, realizou-se o concurso para preenchimento da Cátedra, que
se encontrava vaga com a morte do professor Lourival Gomes Machado,
ocorrida em 1967, quando ainda em missão na UNESCO. Em 1969,
por força do AI-5, alguns professores da Universidade de São Paulo são
aposentados, entre eles o novo catedrático Fernando Henrique Cardoso
e a professora Paula Beiguelman. Alguns professores já haviam abandonado
a Cadeira. Em 1970, um é preso e outros dois partem para o exílio.
Em meados de 1970, a Cadeira estava reduzida a dois professores.
Concluindo...
Nesses vinte anos muita coisa mudou. Desde o término da Cátedra,
ocorrido no início dos anos 70, ao fim do Departamento de Ciências
Sociais, até o surgimento do Departamento de Ciência Política e do
grande aumento do número de professores com formação bastante
variada, muitas foram as transformações.
Talvez seja possível afirmar que o estudo de Ciência Política e o
Departamento por ele responsável tenham sofrido por todo esse período
o impacto das transformações e crises do sistema político brasileiro.
Quando ainda no período de Vargas, a Ciência Política, nos seus primordios,
parecia querer negar sua vocação e apenas transformar-se num
aspecto do ensino do Direito. Com os movimentos para a redemocratização
do país e de 1945 a 1964, o estudo da Política adquiriu forças,
não só para tentar entender os complexos caminhos da liberdade, mas
também para enfrentar a busca de uma sociedade mais igualitária.
Democracia e Socialismo foram, então, os seus temas fundamentais. A
redescoberta dos direitos fundamentais e a construção da nova Constituição
aproximou de novo a Política do Direito. A redemocratização
trouxe consigo os estudos de transição democrática e novo interesse
pelas velhas e novas análises sobre Democracia.
Sem dúvida, pelo menos até os anos 70, duas atividades foram
fundamentais: o projeto comum e a leitura dos clássicos. Afinal, ''as
obras clássicas, de pensadores eminentes, que suportaram a prova do
tempo, são indispensáveis para a compreensão da Política'' (8).
Notas
1 Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Universidade de São Paulo — 1939-
1949), v. H, p. 667.
2 Sonia Maria de Freitas, Reminiscências. São Paulo, Maltese, 1993.
3 Anuário da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, op. cit. p. 668.
4 Idem, p. 669.
5 Ibidem.
6 Ibidem.
7 Ibidem.
8 Leslie Lipson. Os grande problemas da Ciência Política. Rio de Janeiro, Zahar, 1976. p.
506.
Célia Quirino é professora do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP.

COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contador de visitas