quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

8684 - HISTÓRIA DA PEDAGOGIA

CASIMIRO MANUEL MARTINS AMADO
HISTÓRIA
DA PEDAGOGIA
E DA EDUCAÇÃO
III PARTE
Guião para acompanhamento das aulas
- Lic. em Ensino Básico (1º Ciclo)
UNIVERSIDADE DE ÉVORA
2006
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7. A educação e a pedagogia de meados do século XIX a meados do século XX.
7.1. As “escolas novas” e o Movimento da Educação Nova.
a) Na Europa e no Mundo
b) Em Portugal.
ANTOLOGIA
(Textos de introdução e sensibilização)
“Foi perante o alargamento da escola a novas classes sociais e como reacção aos
processos brutais e anticientíficos utilizados no ensino que, nos finais do século
passado, princípios do actual, nasceu a corrente conhecida por "Escola Nova" (...). Este
movimento inspirou decisivamente tudo o que se passou a nível do ensino no século
XX". Eduardo Reizinho
"Em que consiste pois este espírito da educação nova ? [...] Quando, sem estar
penetrado desse espírito, um professor se serve de um dos métodos ou técnicas
dependentes da educação nova, fá-lo em seu proveito pessoal. Para ele trata-se de
melhorar e mais frequentemente de facilitar o seu trabalho e obter assim nesta ou
naquela disciplina resultado que, além de superiores, lhe darão menos trabalho.
Permanece, porém, no primeiro plano de actividade educacional em relação à qual ele é
o motor e a educação a sua missão. De modo algum a classe de que se encontra
encarregado muda de fisionomia; é sempre constituída por um professor que ensina,
forma e prepara e que tem à sua frente os alunos que são ensinados, formados e
preparados. (...) é o oposto da educação nova tal como a considerámos na linha de
princípios proclamados por Rousseau". Roger Cousinet
"(...) perigosa é ainda a existência dos «falsos amigos» da educação nova que,
tendo conservado intacto o espírito da educação de outrora, se servem de um certo
número de processos novos colhidos aqui e ali para manter este espírito como auxílio
numa missão a que aliás nenhumas modificações trazem. É assim que este ou aquele
professor divide os alunos em várias equipas, dando a cada uma um exercício
gramatical ou de história depois do que afirma convictamente que introduziu o trabalho
de grupo na sua aula. Há um outro que intercala a sua exposição com perguntas
contínuas e pensa estar a utilizar um método activo. Um outro introduz um exercício de
expressão "livre" num determinado dia e hora. Há ainda quem organize um passeio
escolar com um programa de observação rigidamente fixado de antemão e confere a
este exercício imposto o nome mais pomposo e mais do "tipo educação nova" de estudo
do meio. E, como estes, poderíamos citar muitos mais exemplos. Se nos quiséssemos
dar ao trabalho de elaborar a lista de erros cometidos em nome da educação nova,
teríamos de dispor de muito tempo para o fazer". Roger Cousinet
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
3
TEXTO
SIGNIFICADO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO NOVA
Poder-se-ia, remontando ao passado, encontrar antepassados longínquos da
Educação Nova até mesmo na Antiguidade, com o método socrático que pretendia que
os indivíduos buscassem a verdade pelos seus próprios meios, e passando por Rabelais,
Montaigne, pelo movimento da Renascença e pelos inovadores dos séculos XVII e
XVIII.
Mas, para nos referirmos à época contemporânea basta verificar que,
paralelamente à evolução económica, social e política, à aspiração democrática, à luta
para materializar os ideais de liberdade, de igualdade, de fraternidade universal e de paz
que transformam o nosso mundo, a educação tinha de evoluir e de se adaptar a essas
aspirações e necessidades novas, passando a fazer parte dos costumes, se tal lhe fosse
exigido.
É esse movimento, nascido no plano teórico com J.-J. Rousseau
– reconhecidamente, o primeiro teórico dessas concepções – e que se desenvolveu, em
princípio, pela acção meritória de pioneiros isolados e corajosos, difundido
posteriormente na prática escolar e até nas normas familiares, que se denomina
Educação Nova.
Noutros países recebeu o nome de «Educação Progressiva». E talvez essa
designação exprima melhor o seu profundo significado histórico, na condição de não se
perder de vista a sua intenção democrática e social e de continuar a servir-se dos novos
conhecimentos e processos que a história é fértil em lhe trazer e, em particular, hoje, os
dados fornecidos pela psicologia, pela sociologia e pela ciência pedagógica tomada no
seu conjunto.
Mas também se torna necessário definir que, na superabundância das novas
iniciativas, na difusão aventurosa e inorgânica dessas ideias, muitas vezes se tomam por
Educação Nova práticas que mais não são do que caricaturas abusivas e falhas de
verdadeiro sentido pedagógico.
Frequentemente isso conduz – para lá da falta de informação e de preparação
dos pais no tocante às funções essenciais – a pensar-se que praticar a Educação Nova,
ser um pai à la page, é fazer tudo ao contrário do que se fazia até então. Ora, a
autodisciplina, a verdadeira liberdade, não são exactamente a ausência de disciplina, o
mero «deixa andar», que só conduzem à anarquia; do mesmo modo, o método activo da
redescoberta não consiste em abandonar a criança a si própria. Essa lógica do «sim» e
do «não», esse movimento pendular que faz negar todo o valor da memória para, alguns
anos mais tarde, voltar a descobri-lo, são absolutamente infecundos e indignos de
espíritos esclarecidos.
É preciso reconhecer, finalmente, que se os pioneiros criadores foram grandes,
os seus discípulos nem sempre tiveram a inteligência de continuar a obra de criação dos
seus mestres e que eles se fixam, frequentemente, numa imitação servil e em atitudes
estereotipadas e dogmáticas. Ora, todo e qualquer método assim utilizado
mecanicamente acaba por ser uma receita sem mais valor do que os métodos antigos.
*
Julgo serem perigosas as atitudes de pura oposição, de dogmatismo, bem como
as visões demasiado parciais, É já tempo de a Educação Nova proceder a uma
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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harmonização dos seus princípios e a uma visão global dos seus fins, de definir,
finalmente, o seu verdadeiro espírito, que não reside nem nesta técnica nem naquele
método particular, mas sim nessa enorme vontade de adaptação aos recursos oferecida
pelo desenvolvimento das artes, da ciência e da técnica, e a um destino cada vez mais
humanizado da sociedade. Para tal, talvez seja vantajoso passar em revista a história da
Educação Nova.
A INSPIRAÇÃO DA EDUCAÇÃO NOVA: J. -J. ROUSSEAU
Talvez J. -J. Rousseau, que tanto inspirou os inovadores, se tenha prestado à
confusão pelo carácter oponente, voluntariamente paradoxal, apaixonado, que deu à sua
obra Émile, «romance pedagógico» – como alguns afirmam – ou origem de visão
profética do que será a psicologia da criança, do ser em evolução, da genética ? É, em
todo o caso, a obra que determinou a reviravolta histórica nas concepções da educação,
na atitude em relação à criança, tal como de 1789 e da invenção da máquina a vapor –
pouco antes de 1789 – data o início das transformações que não cessaram de actuar nos
campos da política e da economia.
Conhece-se bem o sucesso universal desse livro, que valeu ao seu autor ser
condenado ao exílio em Genève. Conhece-se pior o que dele se pode extrair na prática,
talvez porque seja lido incompleta ou deficientemente. Dado que conheço poucos
artigos ou obras que, após terem elogiado as perspectivas geniais de determinadas
teorias do autor, não o acusem, finalmente, de haver arquitectado uma teoria puramente
utópica e impraticável; ou então ele é lido parcialmente, sendo retida apenas uma parte
do seu pensamento, caindo no esquecimento tudo o que ele escreveu em outras obras
não menos importantes.
«Comecem por estudar melhor os vossos alunos; porque, seguramente, não os
conhecem», escreve ele no prefácio. «Eis o estudo a que me apliquei mais, para que,
quando todo o meu, método for quimérico e falso, se possam sempre aproveitar as
minhas observações.» É, pois, o estudo do que é a criança antes de ser homem, da sua
natureza, das suas capacidades, dos seus interesses, das melhores motivações e métodos
a utilizar para o formar verdadeiramente, que ele empreendeu. É preciso conhecer a
apresentação sistemática que um Claparède fez das suas ideias na Educação Funcional
para se sentir o que ainda há nele de positivo e válido nos tempos que correm.
A ideia de uma psicologia da criança diferente da do adulto, mas não dissociada
dela, como alguns pensam, de uma educação adaptada à criança e à sua evolução, às
suas capacidades, necessidades, interesses, etapas a respeitar – pedagogia activa que
leva a criança, não a receber, mas a formar ela própria os seus conceitos, a construir o
seu saber, a apoiar-se sobre a sua experiência, sobre o que há de aproveitável na sua
natureza, e muitas outras ideias respeitantes ao futuro, estão patentes em Émile e
inspiraram, segundo ele, vários outros pensadores, como Kant, ou praticantes, como
Basedow, na Alemanha, no seu, Philanthropinum (1774), ou ainda Pestalozzi, na Suíça,
na sua escola de Yverdon inaugurada em 1805, na preocupação democrática de
contribuir para «o progresso intelectual e moral dos menos favorecidos», de todos
aqueles que, até então, não tinham tido, de facto, direito a uma verdadeira educação.
OS PRIMEIROS PIONEIROS: A TENDÊNCIA LÍRICA E CONTESTATÁRIA
Foi por alturas de 1850 que, emergindo do romantismo inicial, surgiram os
primeiros protestos contra a utilização que, durante séculos, tinha sido feita pelas
gerações adultas. A verificação das deficiências, digamos mesmo dos efeitos nocivos da
educação tradicional, ou a consciência profunda das novas necessidades, às quais
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deveria corresponder uma educação mais respeitosa da criança, responsabilizando a
criança, «homem de amanhã», pelas suas ideias e sonhos, conduziu à revolta violenta
contra o sistema estabelecido, fazendo surgir a intenção, cada vez mais frequente, de se
tomar uma posição activa perante tudo o que anteriormente se fazia. Contra o
adestramento, a dependência indiscutível da criança e do adolescente ante regras e
valores impostos pela sociedade adulta à geração que desponta, a transmissão passiva do
saber e das ideias apresentadas como eternas, proclamam-se os direitos da criança, o
apelo à liberdade e à sua espontaneidade, a confiança na sua natureza; tem-se, assim, o
sentido de uma evolução necessária.
Estas intenções idealistas e subjectivas, embora semelhantes na sua inspiração,
são bastante diversas nas suas aplicações. Por outro lado, elas atingem apenas um
reduzido número de alunos, sendo aplicadas frequentemente em escolas particulares e,
portanto, reservadas às crianças mais ricas. Por vezes, é, pelo contrário, a criança
oriunda das camadas modestas, muito pobres, que se retende atingir. Em qualquer dos
casos, trata-se sempre de «libertar» a criança, de a deixar «expandir-se sozinha, ganhar
confiança na sua natureza. Como reacção contra o meio técnico e a vida moderna, tão
pouco adequados às crianças, as escolas são instaladas no campo e num ambiente
natural.
É Tolstoi quem proclama na Rússia que a «criança é a primeira imagem da
harmonia; na criança que vem ao mundo sã, o equilíbrio entre o belo, a verdade e o bem
é perfeito», Em 1858, cria na sua escola de Yasnaia-Poliana este programa de liberdade,
de educação e formação do carácter, do sentido do belo e do bem, para ele superior a
qualquer forma de instrução e ciência.
É na Áustria, Ellen Key convencida – como ela diz no seu livro O Século da
Criança, que, em seis anos, foi editado 64 vezes – de que «quando o pai vir na criança o
filho do rei a quem deverá servir fielmente, aquele terá adquirido todos os seus
direitos». Confiante numa liberdade e num individualismo totais, ela pensa que não há
senão que deixar que, lenta e tranquilamente, a natureza se ajude a si própria».
Mas, simultaneamente ou mais tarde, viriam a surgir, em alguns países mais do
que em outros – por exemplo, na Inglaterra e na Alemanha –, tendências para a
socialização da criança, ensinando-a a viver com os outros, a trabalhar com os outros, a
formar o seu carácter, a organizar a escola em sistema comunitário de trabalho com
monitores, chefes de classes e de escola, à semelhança de uma «monarquia
constitucional ou de uma democracia militar», ou seja, à imagem de um mundo ideal
que se antevia.
Todas estas ideias, fortes na contestação, apresentavam-se como afirmações
isoladas e correspondiam a preocupações ou inspirações individuais dependentes do
carácter ou da sensibilidade particular dos seus autores.
AS TENTATIVAS DE ALARGAMENTO E DE COORDENAÇÃO DA EDUCAÇÃO
NOVA
Vê-se que a Educação Nova nasceu primeiramente da intenção e da acção
individual de pioneiros que sentiam profundamente as deficiências da educação
estabelecida, ou as novas necessidades de um mundo mais justo, mais humano, em que
todos os indivíduos teriam direito a desenvolver plenamente todas as suas
potencialidades, em que a infância e a juventude teriam um verdadeiro lugar e não esse
estado de adultos incompletos, inteiramente dependentes, submetidos à autoridade
absoluta, à obediência servil que talvez conviesse à civilização passada mas que deixou
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de ser apanágio de uma sociedade democrática, feita de liberdade, de responsabilidade e
de disciplina consentida.
Esses pioneiros eram teóricos ou homens de acção que tiveram a coragem de se
rebelarem contra os costumes estabelecidos. Mas os realizadores que queriam fazer
passar as suas ideias à realidade limitavam-se a ver, como todos os homens de acção,
uma parte do que era necessário fazer. Os seus excessos – como os da Escola de
Hamburgo, que se manteve libertária até ao fim e criou «repúblicas de crianças» – foram
úteis e fecundos. É o que se pode chamar o período individualista, idealista e lírico da
Educação Nova.
Veio em seguida a idade dos sistemas, o de Decroly, Montessori,
Kerchensteiner, Dewey, Washburne, Ferrière, Dottrens, Cousinet, Freinet, que,
baseando-se em observações mais largas e mais seguras, tentaram estabelecer sistemas
educativos completos, apoiados em técnicas e métodos precisos e mesmo em
concepções mais elaboradas do homem e dos fins educativos. Esses sistemas não
ficaram menos isolados e, pelo menos aparentemente, mais opostos, pela própria
precisão que proporcionaram aos técnicos.
Sentiu-se, contudo, a necessidade de confrontar essas práticas e essas intenções,
o que constituiu a terceira etapa. Em 1899, por iniciativa de Ferrière – o apóstolo suíço
da E. N. – foi criado, em Genève, o Gabinete Internacional das Escolas Novas,
encarregado de estabelecer a sua lista, de criar laços entre as escolas e de recolher e
difundir os resultados obtidos. Em 1921, em Calais, foi fundada a Liga Internacional da
Educação Nova, que reúne grupos nacionais, como o Grupo Francês de Educação
Nova e que, de três em três anos, organiza congressos internacionais.
Mas as etapas sucessivas desse movimento testemunham uma diversidade e uma
evolução constantes. Em 1912, define-se a escola nova como «um internato familiar
situado no campo, onde a experiência pessoal da criança está na base da educação
intelectual com recurso aos trabalhos manuais (escola do trabalho) e da educação moral
pela prática da autonomia dos alunos».
Definiram-se os 30 pontos característicos da E. N. (...).
MIALARET, Gaston, (Org.), Educação Nova e Mundo
Moderno, Ed. Arcádia, Lisboa, 1971.
TEXTO
Os 30 princípios da “Educação Nova”
ORGANIZAÇÃO GERAL
1. A Escola Nova é um laboratório de pedagogia prática que se propõe servir de
sugestão às escolas oficiais. Baseia-se na psicologia da criança e nas condições da vida
moderna.
2. A Escola Nova é um internato de atmosfera tão familiar quanto possível, só esse meio
sendo capaz de realizar uma educação integral.
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3. A Escola Nova está instalada no campo, meio natural mais são e mais rico do ponto
de vista educativo; na proximidade da cidade, todavia, quando se trata de adolescentes,
de maneira a facilitar a sua educação estética.
4. A Escola Nova agrupa os alunos em pavilhões, de 10 a 15 ao máximo, sob a direcção
de um casal de educadores.
5. A Escola Nova pratica, a maioria das vezes, a coeducação que prepara casamentos
sãos e felizes.
EDUCAÇÃO FÍSICA E HIGIENE
6. A Escola Nova deve ter por dia ao menos uma hora e meia de trabalhos manuais que
tenham uma utilidade prática e educativa.
7. A marcenaria, a cultura do solo, a criação de animais, são as modalidades mais
desejáveis dessa actividade manual por causa do seu maior valor, sob todos os pontos de
vista.
8. A Escola Nova deve dar às crianças a possibilidade de executar trabalhos livres,
adaptados à individualidade de cada um.
9. A Escola Nova assegura a cultura do corpo pela ginástica natural.
10. A Escola Nova pratica viagens a pé ou de bicicleta, com acampamentos debaixo de
tendas e cozinha ao ar livre; esses elementos visam, ao mesmo tempo que a educação
física, a iniciação à geografia e à vida social.
FORMAÇÃO INTELECTUAL
11. A Escola Nova desenvolve o juízo mais que a memória, visando a cultura geral: esta
é baseada no método científico, na exploração do meio e na leitura pessoal.
12. A Escola Nova encara a especialização espontânea e depois reflectida, ao lado da
cultura geral.
13. A Escola Nova baseia o seu ensino sobre os factos e sobre as experiências; na
natureza, nos organismos humanos.
14. A Escola Nova recorre à actividade pessoal do educando pela associação do trabalho
concreto ao estudo abstracto, pela utilização do desenho como auxiliar das diversas
disciplinas.
15. A Escola Nova estabelece um programa partindo dos interesses espontâneos da
criança.
16. A Escola Nova recorre ao trabalho individual que consiste numa investigação, quer
entre os factos, quer nos livros, nos periódicos e que consiste numa classificação
segundo a ordem lógica.
17. A Escola Nova faz apelo ao trabalho colectivo que consiste numa disposição ou
elaboração lógica em comum de documentos particulares.
18. Na Escola Nova o ensino propriamente dito é limitado à parte da manhã.
19. A Escola Nova trata apenas uma ou duas matérias por dia.
20. Na Escola Nova tratam-se poucas matérias por mês e por trimestre, adoptam-se
horários individuais e agrupam-se as matérias segundo o avanço dos alunos.
FORMAÇÃO MORAL, SOCIAL E ESTÉTICA
21. A Escola Nova forma, em certos casos, uma república escolar onde se desenvolve
gradualmente o juízo crítico e o sentido da liberdade.
22. Na Escola Nova procede-se à eleição democrática dos chefes, sendo assim os
professores libertos de toda a parte disciplinar.
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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23. A Escola Nova reparte entre os alunos os cargos sociais.
24. Na Escola Nova as recompensas e as sanções negativas consistem em colocar o
aluno em condições de melhor atingir o fim considerado como bom.
25. A auto-emulação substitui a emulação entre os alunos.
26. A Escola Nova deve apresentar uma atmosfera estética e acolhedora.
27. A música colectiva, o canto coral e a orquestra fazem parte da educação estética.
28. A educação da consciência moral consiste principalmente, nas crianças, em
narrações moralizadoras, em reacções espontâneas.
29. A maioria das escolas nova observa uma atitude religiosa sem sectarismo e praticam
a neutralidade confessional.
30. A Escola Nova prepara não só o futuro cidadão em vista da Nação, mas também em
vista da Humanidade.
Definição oficial de “Escola Nova”
“A Escola Nova é um internato estabelecido a nível familiar no campo, e onde a
experiência da criança serve de base à educação intelectual pelo emprego adequado dos
trabalhos manuais e à educação moral pela prática de um sistema de relativa autonomia
dos alunos”. (Adolphe Ferrière)
Extraído de: PLANCHARD, Émile, Introdução à
Pedagogia, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pp. 193-199.
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7. A educação e a pedagogia de meados do século XIX a meados do século XX
7.2. A pedagogia de Célestin Freinet e a Escola Moderna
ANTOLOGIA
(Textos de introdução e sensibilização)
"Todos os dias a experiência conduz Freinet à mesma conclusão: o ensino
ministrado à maneira tradicional, que exige da criança uma atitude passiva e amorfa, não
tem o menor resultado. É claro que Freinet explica esse malogro pelas suas
insuficiências como educador. Sabe perfeitamente que, se tivesse uma voz forte e bem
timbrada, um olhar firme, uma presença física imponente (...)". Élise Freinet
"Através do contacto com as crianças, das relações de franca e simples
camaradagem que mantinha com elas, tinha compreendido definitivamente que
precisava de colher na própria vida das crianças os novos elementos para o seu trabalho
pedagógico e apoiar-se nos seus interesses mais profundos para satisfazer aquela sua
necessidade de actividade (...)" Célestin Freinet
"(...) não se poderia empregar a expressão "método Freinet", a não ser por abuso
de linguagem. Freinet insistiu sempre em definir a sua obra como um movimento e não
como um catálogo de princípios e de pormenores técnicos (...)" Roger Gilbert
"[Freinet] era adepto dos "métodos naturais": a aprendizagem, tanto quanto
possível, deve estar espontaneamente ligada à iniciativa dos alunos e aos seus trabalhos
práticos; as matérias não devem ser introduzidas friamente, como corpos de teorias
acabados e sistematizados, apresentados numa linguagem frequentemente estranha aos
alunos, fora dos seus entusiasmos diários e das suas interrogações". Eduardo Reizinho
TEXTO
Talvez Freinet tivesse suportado melhor a acção deplorável da defeituosa
instalação escolar e da pobreza, talvez se tivesse adaptado menos mal aos processos
tradicionais que o Director tanto elogiava, se não tivesse existido o grave problema de
uma saúde comprometida. Sentia uma imperiosa necessidade de procurar outras
soluções válidas para o seu caso e para as personalidades cujas respectivas
particularidades ia aprendendo a conhecer. Muito naturalmente, sem ambição nem
preconceitos, tentou adaptar um ensino livre de formalismos às suas possibilidades
físicas limitadas e às reacções dos seus pequenos alunos. Dia a dia, foi improvisando,
comparando o seu comportamento com o dos alunos.
Viu logo sem dificuldade que, por exemplo, as lições tradicionais que,
por impossibilidade respiratória, não podia dar convenientemente, eram tão cansativas
para os alunos como para ele próprio. Quando dispunha na secretária o material que
tinha preparado para uma lição qualquer sobre objectos, as crianças ficavam atentas,
cheias de curiosidade, na expectativa de uma espécie de exibição de prestidigitador.
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Mas, logo que começava a explicação e que era preciso impor o silêncio para dar a lição
e ao mesmo tempo manter a disciplina, o esforço era de tal ordem, que o professor tinha
de se dar por vencido e o mesmo acontecia à curiosidade insatisfeita dos seus alunos
decepcionados.
Mas que fazer então numa aula, se se está impossibilitado de dar as
lições ? Não se pode passar o dia inteiro a ler a cartilha, a fazer cópia e a escrever
algarismos no caderno. Aliás, as crianças são rebeldes a estas actividades que envolvem
uma imobilidade física e mental. Elas acabam por se enervar e o professor por se
impacientar. Todos os dias a experiência conduz Freinet à mesma conclusão: o ensino
ministrado à maneira tradicional, que exige da criança uma atitude passiva e amorfa,
não tem o menor resultado. É claro que Freinet explica esse malogro pelas suas
insuficiências como educador. Sabe perfeitamente que, se tivesse uma voz bem
timbrada, um olhar firme, uma presença física imponente, haveria a hipótese de o
dinamismo próprio de um ser saudável dominar a situação. Mas dominar a situação não
é resolver o problema educativo. Ali bem perto, na sala em frente, o director enfrenta a
indocilidade das crianças com berros, reguadas na mesa, linhas para escrever, verbos
para copiar e, por vezes, com a expulsão violenta de algum indesejável para o meio do
corredor... Mas nem assim é bem sucedido.
Pôr o problema, reconhecer as suas dificuldades, aperceber-se dos dados
que o tornam assim tão complicado, não é obrigatoriamente arranjar-lhe uma solução
ideal. O papel de camarada-educador que Freinet escolheu nem sempre se concilia com
as exigências dos programas e o rigor dos horários. Depois dos momentos de
relaxamento amigável, é preciso retomar uma atitude rígida, dominar o rebanho e
regressar aos deveres escolares sempre decepcionantes para todos.
Esgotadíssimo fisicamente e face às dificuldades praticamente
insuportáveis que surgem quotidianamente, Freinet decide preparar-se para concorrer ao
lugar de inspector primário. Passará assim a ter o espírito mais ocupado e poderá levar
uma vida menos sedentária vivendo junto das crianças de quem já aprendeu a gostar.
Informa-se do programa e contacta pela primeira vez com o pensamento dos homens
que ao longo dos séculos dominaram a pedagogia.
Até agora, tinha apenas uma vaga ideia sobre Rabelais, Montaigne,
Pestalozzi, Rousseau, dos quais não se tinha podido abeirar por ter saído
precipitadamente da Escola Normal. Descobre nesses pioneiros uma segurança e um
vigor que contrastam estranhamente com a psicologia intelectualista e abstracta dos
autores incluídos no programa dos autores incluídos no programa do curso para
inspectores. Decide-se a tragar a purga dos tratados de Spencer, William James, Wundt,
Ribot, mas é com verdadeiro prazer que se detém na companhia de Gargântua e
Pantagruel e, sobretudo, na companhia desse admirável homem que é Pestalozzi, cujas
temeridades o dominam por completo.
O que vai melhorando são as suas relações com os alunos a nível escolar.
Como sabe que um dia irá deixar a sua turma, parece apegar-se ainda mais aos alunos,
abeirando-se deles para os ver viver, esforçando-se por ser indulgente, por estar atento
aos desejos expressos por cada um deles, procurando antes de mais compreender,
ajudar. Essa atitude espontânea traz-lhe todos os dias algumas alegrias que tornam mais
suportável a sua vida de enfermo e o levam cada vez mais à compreensão profunda da
criança. Também tem menos escrúpulos com o cumprimento do horário, com a
obediência ao programa e, pouco a pouco, fora dos caminhos usuais, vai adoptando um
novo comportamento face aos problemas pedagógicos da vida habitual da turma.
*
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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É Joseph, o amigo dos bichos, quem conduz resolutamente Freinet a uma
reconsideração permanente do problema pedagógico. Acabado o recreio, com a
apitadela do director, as duas turmas formam para regressar às aulas; e, enquanto a
coluna se põe em marcha, Joseph, que vinha atrás, sai a correr da forma [fila] e vai
ajoelhar-se diante de um muro. Esquadrinha as velhas pedras com o olhar ávido. O
director já desapareceu no corredor. Intrigado, Freinet observa Joseph que, com gestos
devotos, eleva os braços para a parede, à altura dos olhos.
– Joseph !
Não dá resposta. O nosso noviço está na celebração da missa...
– Joseph !
Então o pequeno volta para o professor o seu rosto preocupado e faz um
gesto apressado, que é simultaneamente uma ordem imperiosa para que ele se cale e
espere:
– Chiu ! Vou já, vou já ! Entra, já vou ter contigo.
A tensão interior do miúdo é tão forte que Freinet compreende a
linguagem da mãozita impaciente logo à primeira vista, e, sem se voltar, entra na aula.
– Sr. professor, falta o Joseph.
– Sr. professor, ele fugiu. Antigamente estava sempre fugir.
Mas a porta abriu-se e Joseph apareceu radiante, soprando como se
tivesse acabado de ganhar uma luta.
– Sr. professor, é que ali no buraco há uma lagarta com penas...
pequenininha, assim (indica o tamanho com o dedo), é azul, Sr. professor... Dei-lhe
comida...
A lição de leitura começa. Enquanto o ponteiro do mestre vai designando
as sílabas no quadro mural, Joseph, de olhos voltados para a janela, continua a velar
pela sua lagartinha que tem penas e que é de um azul tão lindo...
A lagarta do Joseph é um caso entre centenas deles que demonstram a
Freinet a necessidade de ter em conta o interesse da criança e de integrar esse no ensino,
para evitar continuamente a desintegração do pensamento infantil, flagelo da escola
tradicional.
FREINET, Élise, Nascimento de uma pedagogia
popular, Ed. Estampa, Lisboa, 1978, pp. 22-25.
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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7. A educação e a pedagogia de meados do século XIX a meados do século XX.
7.3. A pedagogia libertária: de Tolstoi, por Hamburgo, a A. S. Neill e à escola de
Summerhill.
ANTOLOGIA
(Textos de introdução e sensibilização)
"Nunca fui influenciado pelos grandes educadores. Nunca li Dewey ou outro
qualquer. O meu caminho para a educação foi através da psicologia - à custa de Freud e
de Reich. Fiz eu próprio uma extensa análise e concluí, como muitas outras pessoas, que
a psicanálise alteraria o mundo para melhor. Não haveria mais crimes, mais
infelicidades - mas isto é uma tolice. Não tenho objecções contra a análise. Apenas
penso que está limitada àqueles que têm tempo e dinheiro para se recostarem num
canapé. Para a Humanidade isto não constitui uma esperança nem é processo. O outro e
único caminho é fazer com que as crianças sejam livres de modo a que não necessitem
de análise". A. S. Neill
"(...) preferia antes ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que
um erudito neurótico". A. S. Neill
"[Neill] (...) escolheu fazer uma escola em que possa ser livre e oferecer um
pouco de felicidade a algumas crianças, persuadido de que o seu sistema não poderá
desenvolver nem generalizar-se num tal quadro social". P. Laguillaumie
TEXTO
As crianças devem encontrar as coisas por si próprias. Não se lhes deve
dizer que Beethoven é melhor do que Ellington. Julgo que os pais intimidam demasiado
os filhos ao sugerirem-lhes que eles gostem mais de uma coisa do que doutra. As
crianças não devem ter de aceitar os gostos e ideias dos crescidos. A nossa escola regese
pela autogovernação, e as crianças é que governam. Temos aqui quem não cumpra as
leis, como em qualquer sistema, mas elas acatam melhor as leis.
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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*****
Não dizemos às crianças o que devem fazer; apenas lhes ensinamos a
técnica. Se um rapaz se aproximasse de mim com um pedaço de cobre e me dissesse:
«Que devo fazer?», dir-lhe-ia: «Não faço ideia; tu é que deves decidir.» Mas se me
dirigisse e perguntasse como se juntam duas peças de cobre, dir-lhe-ia: «Eu mostro-te.»
Só as crianças que provêm de escolas disciplinadas perguntam o que devem pintar ou o
que devem fazer. Se uma criança com 16 anos, que tivesse aqui estado desde os 5 anos,
se chegasse a mim e me perguntasse coisas dessas ficaria chocado, e nunca me choquei
pôr um motivo desses em quarenta e um anos.
*****
Protesto fortemente contra um professor que passa e vê uma criança a
brincar com lama e aproveita a oportunidade para falar da erosão das costas ou outro
disparate no género. A brincadeira deve ser completamente separada da aprendizagem.
Ponho fortes objecções aos sistemas que utilizam as brincadeiras para fazer com que as
crianças aprendam coisas. Para mim, a brincadeira não está, de forma alguma, ligada a
nada.
*****
Há pessoas que me têm dito que eu tenho um complexo paternal porque
me rebelei contra o sistema e por isso fundei uma escola à minha maneira. Estas
mesmas pessoas não parecem ser capazes de me dizer por que razão é que sendo nós
oito irmãos e irmãs eu tivesse sido o único a seguir este caminho. Não têm resposta para
isto e, devo acrescentar, eu também não.
*****
As crianças de hoje são criadas num mundo cheio de mentiras e de medo.
«Joãozinho, se for a Srª Smith quem bateu à porta, diz-lhe que não estou em casa.» Ou
então o Joãozinho parte uma chávena ao jantar e chegam-lhe e, no entanto, no dia
seguinte, o pai faz o mesmo e a mãe sorri. Que pensará essa criança? O meu cão,
Biscuit, é um cão simpático, um cão sossegado, mas se o prender durante duas semanas
ele dará patadas e dentadas às pessoas. Nós prendemos os nossos filhos. Gostaria de
saber quanta influência é exercida por uma mãe que tem um filho dentro de si, para
nascer um filho que ela realmente não deseja. Quanto da sua dureza não será passado ao
filho, a ponto de, quando a criança finalmente nasce, ele ou ela não ser já deformada?
Mentalmente deformada, quero dizer. Penso nisto constantemente.
*****
As crianças são honestas por natureza, e esperam que os outros também o
sejam. É uma coisa grande da infância. São abertas e honestas e, se lhes é permitido
experimentar a liberdade, assim permanecerão durante toda a vida, sem fecharem os
seus sentimentos para com os outros. Não terão receio de amar alguém.
*****
Se aqui chegassem essas horríveis histórias de quadradinhos, da América,
corria com elas. Não penso que seja decente pôr uma criança pequena perante toda essa
perversidade e insanidade a que chamamos humor, feito por homens doentes - repare -
homens pervertidos. Corria-as a pontapé, tal-qualmente não admitiria um tipo da
Gestapo no meu corpo docente. Há coisas contra as quais nos temos de proteger.
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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*****
A vida deve ser vivida por si própria - não por dinheiro, não por sucesso,
não por Cadillacs. Tenho dito muita vez que gostaria mais que um antigo aluno fosse
um guarda-freio satisfeito do que um licenciado neurótico. Vejamos, ninguém pode ser
feliz toda a vida. Você não se sente feliz com uma dor de dentes, ou quando a sua
pequena preferida foge com outro qualquer. Por felicidade eu quero significar uma
espécie de sensação de que a vida é fundamentalmente boa, que a pessoa aprecia a vida
sem odiar e sem lutar com outrem para chegar algures. Penso que essa luta para chegar
algures é terrível. Nenhum sistema pode vangloriar-se de ser o supersumo. Eu nunca
afirmaria que todos os meus antigos alunos são perfeitos e integralmente equilibrados.
Como poderia fazê-lo? A única esperança, para nós, é deixarmos as crianças seguirem
por si próprias sem as doutrinarmos desta ou daquela maneira, mas remamos contra a
corrente. O comunismo é baseado na doutrinação subtil. O americanismo, no seu todo, é
de princípio a fim uma doutrinação subtil. Não sei porquê a América e a Rússia se
zangam tanto. São semelhantes em muitos aspectos, especialmente nos métodos de
ensino de crianças.
*****
Ninguém pode ser inteiramente livre. Há que obedecer a leis. Há que
guiar pela mão, na estrada. Há que obedecer aos polícias. O que quero significar por
liberdade é a liberdade interior. Se uma criança não quer aprender matemática é assunto
da criança, só dela, mas se a criança quer tocar trombeta quando as outras estão a dormir
então o assunto já é de todos. Em Summerhill tentamos distinguir entre ambos... Num
lar capaz, os filhos e os pais têm direitos iguais. Num mau lar, ou as crianças têm os
direitos todos, ou os pais têm os direitos todos.
*****
A ideia da imprensa popular sobre crianças livres é que elas partem
janelas todo o dia. Liberdade não é nada disso. Liberdade, em Summerhill, consiste em
cada um viver a sua vida sem interferência exterior. Quando as crianças chegam à
liberdade pela primeira vez, aos 12 ou 13 anos, elas não sabem o que ela é, e leva tempo
para se compenetrarem de que não podem, em Summerhill, fazer exactamente o que
lhes apetece.
*****
Não tento produzir aqui qualquer tipo de pessoa. Apenas tento fazer com
que as pessoas sejam elas próprias, sem interferências exteriores. Ninguém se deveria
atrever a dizer que está tentando produzir um certo tipo de pessoa. Ninguém é
suficientemente perfeito para tentar dizer a uma criança como deve viver ou o que deve
fazer. Acredito que se elas puderem governar-se a si próprias e estiverem libertas do
medo, libertas de obrigatoriedades, de modo a poderem desenvolver uma sinceridade e
um carácter próprios, o resto virá por si. A liberdade proporciona às pessoas uma
enorme dose de sinceridade. Não consigo imaginar um antigo aluno a aparecer na
televisão para dizer que não sei o quê lava mais branco que aqueloutro, pois ele saberia
que isso é uma mentira.
*****
Todos somos mentirosos. Ora bem, se você disser uma mentira não é
uma coisa terrível. Todos o fazemos. O que é terrível é viver em mentira. Há pessoas
que odeiam os patrões, odeiam os empregos, e sorriem para os fregueses mesmo quando
não querem sorrir. Quando uma criança mente, ela está, frequentemente, a imitar os
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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pais, ou os professores, ou outros adultos... Se uma criança parte qualquer coisa e teme a
mãe ou o pai, mente e diz que não foi ela, que foi o gato. Este tipo de mentira pode ser
eliminado se houver pais e professores que não façam as crianças ter medo deles.
*****
Os summerhillianos têm, de facto, dificuldades em ajustar-se ao mundo
exterior, de início - não tanto os de Londres, onde têm o seu grupo, mas quando temos
alunos de Birmingham ou Glasgow, eles queixam-se de que lhes é difícil encontrar
pessoas que sintam de maneira semelhante à deles. Mas eles podem adaptar-se muito
melhor e mais rapidamente do que as outras pessoas que conheço. Creio que as pessoas
livres terão um melhor sentido daquilo que as rodeia. Um dos meus alunos mais antigos,
o segundo que tive, esteve um ano inteiro numa fábrica de motores a meter porcas e
parafusos, odiando essa tarefa, mas perseverou, pois queria ser mecânico; hoje é-o, na
Escócia, e muito bom.
*****
As críticas de que eu trabalho menos a parte intelectual da criança do que
a parte emocional são, de certo modo, verdadeiras. Tenho de insistir no aspecto
emocional, pois sustento que, se as emoções forem livres, o intelecto cuidará de si
próprio. As nossas crianças passam nos exames oficiais após dois anos de estudo,
enquanto outras escolas levam cinco ou seis anos a prepará-las para os mesmos exames.
Elas são emocionalmente livres e podem concentrar-se no que estão a fazer. Não sou
contra a instrução. Sou contra o fazer da instrução a única coisa que existe nas escolas.
Qualquer jornal educativo vem cheio de instrução e nada acerca da vida. Vejamos, eu
próprio estive na Universidade e sou considerado um homem instruído. No entanto, não
julgo que o seja.
*****
Nunca fui influenciado pelos grandes educadores. Nunca li Dewey ou
outro qualquer. O meu caminho para a educação foi através da psicologia – à custa de
Freud e de Reich. Fiz eu próprio uma extensa análise e concluí, como muitas outras
pessoas, que a psicanálise alteraria o mundo para melhor. Não haveria mais crimes, mais
infelicidades -mas isto é uma tolice. Não tenho objecções contra a análise. Apenas
penso que está limitada àqueles que têm tempo e dinheiro para se recostarem num
canapé. Para a Humanidade isto não constitui uma esperança nem é processo. O outro e
único caminho é fazer com que as crianças sejam livres de modo a que não necessitem
de análise.
*****
Não sou freudiano. Fui muito influenciado por Freud. Também fui muito
influenciado por Homer Lane, um americano a quem chamo um génio a lidar com
crianças. Fui influenciado por Wilhelm Reich, mas muito mais tarde. Ele não afectou o
meu trabalho, mas era brilhante, o maior psicólogo depois de Freud. Chamam-me um
pioneiro ? Sou uma mistura de Freud, Lane, Wells, Shaw e todos os outros que li. Não
há ninguém que faça algo de original. Tudo quanto fiz foi aplicar o conhecimento de
homens conscientes do verdadeiro significado da educação. A maioria das escolas
ignora o facto de que devemos encarar as crianças como seres vivos que têm
consciência para escolher aquilo que desejam.
SNITZER, H., A educação pela liberdade. A experiência
pedagógica de A. S. Neill, Pub. D. Quixote, Lisboa, 1972
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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7. A educação e a pedagogia de meados do século XIX a meados do século XX.
7.4. A Pedagogia do Oprimido e a educação libertadora segundo Paulo
Freire (1921-1997)
ANTOLOGIA
(Textos de introdução e sensibilização)
TEXTO
Quanto mais analisamos as relações educador-educandos na escola, em qualquer
de seus níveis, ou fora dela, parece que mais nos podemos convencer de que estas
relações apresentam um carácter especial e marcante - o de serem relações
fundamentalmente narradoras, dissertadoras.
Há uma quase enfermidade da narração. A tónica da educação é
preponderantemente esta - narrar, sempre narrar.
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização
mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em "vasilhas", em
recipientes a serem "enchidos" pelo educador. Quanto mais vá "enchendo" os
recipientes com seus "depósitos", tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem
docilmente "encher", tanto melhores educandos serão.
Desta maneira, a educação se torna um acto de depositar, em que os educandos
são os depositários e o educador o depositante.
Em lugar de comunicar-se, o educador faz "comunicados" e depósitos que os
educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis, aí a
concepção bancária da educação, em que a única margem de acção que se oferece aos
educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.
Na visão "bancária" da educação, o "saber" é uma doação dos que se julgam
sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações
instrumentais da ideologia da opressão - a absolutização da ignorância, que constitui o
que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no
outro.
Na concepção "bancária" que estamos criticando...
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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a) O educador é o que educa; os educandos, os que são educados.
b) O educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem.
c) O educador é o que pensa; os educandos, os pensados.
d) O educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente.
e) O educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados.
f) O educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a
prescrição.
g) O educador é o que actua; os educandos, os que têm a ilusão de que actuam,
na actuação do educador.
h) O educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos
nesta escolha, se acomodam a ele.
i) O educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que
opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às
determinações daquele.
j) O educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros
objectos.
Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele
dar, entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser de
"experiência feito" para ser de experiência narrada ou transmitida.
Não é de estranhar, pois, que nesta visão "bancária" da educação, os homens
sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os
educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos
desenvolverão em si a consciência de que resultaria a sua inserção no mundo, como
transformadores dele. Como sujeitos.
Quanto mais se lhes imponha passividade, tanto mais ingenuamente, em lugar de
transformar, tendem a adaptar-se ao mundo, à realidade parcializada nos depósitos
recebidos. A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa
que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que
implica na acção e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo.
Exactamente porque não podemos aceitar a concepção mecânica da consciência,
que a vê como algo vazio a ser enchido (...).
A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a
libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres "vazios" a
quem o mundo "encha" de conteúdos; não pode basear-se numa consciência
espacializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como "corpos
conscientes" e na consciência como consciência intencionada ao mundo. Não pode ser a
do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com
o mundo.
Neste sentido, a educação libertadora problematizadora, já não pode ser o acto de
depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir "conhecimentos" e valores aos
educandos, meros pacientes, à maneira da educação "bancária", mas um acto
cognoscente. Como situação gnoseológica, em que o objecto cognoscível, em lugar de
ser o término do acto cognoscente de um sujeito, é o mediatizador de sujeitos
cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro, a educação problematizadora
coloca, desde logo, a exigência da superação da contradição educador-educandos. Sem
esta, não é possível a relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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cognoscentes, em torno do mesmo objecto cognoscível.
O antagonismo entre as duas concepções, uma, a "bancária", que serve à
dominação; outra a problematizadora, que serve à libertação, toma corpo exactamente
aí. Enquanto a primeira, necessariamente, mantém a contradição educador-educandos, a
segunda realiza a superação.
Para manter a contradição, a concepção "bancária" nega a dialogicidade como
essência da educação e se faz antidialógica; para realizar a superação, a educação
problematizadora - situação gnoseológica - afirma a dialogicidade e se faz dialógica.
Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os
esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da
liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também
não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo.
É através deste que se opera a superação de que resulta um termo novo: não mais
educador do educando; não mais educando do educador, mas educador-educando com
educando-educador.
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto
educa, é educado em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa.
Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os
"argumentos da autoridade" já não valem.
Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si
mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Mediatizados
pelos objectos cognoscíveis que, na prática "bancária", são possuídos pelo educador que
os descreve ou os deposita nos educandos passivos.
Esta prática, que a tudo dicotomiza, distingue, na acção do educador, dois
momentos. O primeiro, em que ele, na sua biblioteca ou no seu laboratório, exerce um
acto cognoscente frente ao objecto cognoscível, enquanto se prepara para suas aulas. O
segundo, em que, frente aos educandos, narra ou disserta a respeito do objecto sobre o
qual exerceu o seu acto cognoscente.
O papel que cabe a estes, como salientámos nas páginas precedentes, é apenas o
de arquivarem a narração ou os depósitos que lhes faz o educador. Desta forma, em
nome da preservação da cultura e do conhecimento", não há conhecimento, nem
cultura.verdadeiros.
Não pode haver conhecimento, pois os educandos não são chamados a conhecer,
mas a memorizar o conteúdo narrado pelo educador. Não realizam nenhum acto
cognoscitivo, uma vez que o objecto que deveria ser posto como incidência de seu acto
cognoscente é posse do educador e não mediatizador da reflexão crítica de ambos.
A prática problematizadora, pelo contrário, não distingue estes momentos no que
fazer do educador-educando.
Não é sujeito cognoscente em um, e sujeito narrador do conteúdo conhecido em
outro.
É sempre um sujeito cognoscente, quer quando se prepara, quer quando se
encontra dialogicamente com os educandos.
O objecto cognoscível, de que o educador bancário se apropria, deixa de ser,
para ele, uma propriedade sua, para ser a incidência da reflexão sua e dos educandos.
Deste modo, o educador problematizador refaz, constantemente, seu acto
cognoscente, na cognoscibilidade dos educandos. Estes, em lugar de serem recipientes
dóceis de depósitos, são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador,
investigador crítico, também.
Na medida em que o educador apresenta aos educandos, como objecto de sua
"ad-miração", o conteúdo, qualquer que ele seja, do estudo a ser feito, "re-ad-mira" a
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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"ad-miração" que antes fez, na "ad-miração" que fazem os educandos.
Somente o diálogo (...)
Sem ele não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação. A que,
operando a superação da contradição educador-educandos, se instaura como situação
gnoseológica, em que os sujeitos incidem seu acto cognoscente sobre o objecto
cognoscível que os mediatiza.
Daí que, para esta concepção de educação como prática da liberdade, a sua
dialogicidade comece, não quando o educador-educando se encontra com os
educandos-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se
pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em torno do
conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo programático da educação.
Para o "educador-bancário”, na sua antidialogicidade, a pergunta, obviamente,
não é a propósito do conteúdo do diálogo, que para ele não existe, mas a respeito do
programa sobre o qual dissertará a seus alunos. E a esta pergunta responderá ele mesmo,
organizando seu programa.
Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático
da educação não é uma doação ou uma imposição informes a ser depositado nos
educandos, mas a não devolução organizada, sistematizada e acrescentada aos
indivíduos daquilo a que eles aspiram saber. (*)
A educação autêntica, repitamos, não se faz de “A” para “B” ou de “A” sobre
“B”, mas de "A" com “B” mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia
a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele. Visões impregnadas de
anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que implicitam temas
significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo programático da educação. Um
dos equívocos de uma concepção ingénua do humanismo, está em que, na ânsia de
corporificar um modelo ideal de “bom homem”, se esquece da situação concreta,
existencial, presente, dos homens mesmos.
FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido, Ed.
Afrontamento, Porto, 1975.
Consultar na Internet
§ http://www.paulofreire.org/
http://www.paulofreire.ufpb.br/paulofreire/index.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Freire
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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8. Educação e Pedagogia em Portugal, da I República aos nossos dias
8.1. O debate pedagógico no final da Monarquia.
8.2. Educação e pedagogia na I República.
8.2.1. Teorias, temas e problemas em confronto.
8.2.2. As reformas do ensino.
8.2.3. A Escola Nova em Portugal
Resumo:
I REPÚBLICA (1910-1926)
Educação
Educação Pré-escolar
a) A criação legal do “ensino infantil”
b) Os Jardins-Escola João de Deus
Ensino Primário
a) A reformas de 1911 e 1923
b) As Escolas Móveis
c) O Ensino Primário Superior
c) O associativismo do professorado primário
Ensino Secundário
a) As alterações legislativas de 1914
b) As reformas de 1917, 1918, 1919 e 1921
Pedagogia
a) A “educação republicana” de João de Barros
b) Faria de Vasconcelos e a “pedagogia experimental”
c) António Sérgio e Leonardo Coimbra
d) A “Escola Nova” em Portugal
ANTOLOGIA
(Textos de introdução e sensibilização)
"O homem vale, sobretudo, pela educação que possui, porque só ela é capaz de
desenvolver harmonicamente as suas faculdades, de maneira a elevarem-se-lhe ao
máximo em proveito dele e dos outros. (...) Portugal precisa de fazer cidadãos, essa
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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matéria-prima de todas as pátrias, e, por mais alto que se afirme a sua consciência
colectiva, Portugal só pode ser forte e altivo no dia em que, por todos os pontos do seu
território, pulule uma colmeia humana, laboriosa e pacífica, no equilíbrio conjugado da
força dos seus músculos, da seiva do seu cérebro e dos preceitos da sua moral. A
República libertou a criança portuguesa subtraindo-a à influência jesuítica, mas precisa
agora de a emancipar definitivamente de todos os falsos dogmas (...). A máxima que,
neste momento, mais do que nunca, deve presidir à educação infantil cifra-se nestas
palavras: desenvolvimento do carácter pelo exercício permanente da vontade. Ora o
laboratório da educação infantil está, para as camadas populares, sobretudo na escola
primária, e é lá que verdadeiramente se há-de formar a alma da pátria republicana.
[...] E eis porque a República deu tamanha atenção ao problema da instrução primária e
com tanto desvelo distingue, e mais se propõe ainda distinguir, o professor de instrução
primária, que é um grande obreiro da civilização. É que se toma indispensável e urgente
que todo o português da geração que começa, seja um homem, um patriota e um
cidadão." Preâmbulo do Decreto de 29 de Março de 1911
"(...) a República fez da educação e da instrução duas bandeiras de batalha, e
com elas se tem preocupado e ocupado a cada instante. Instruir ! Educar! A todo o
momento os propagandistas lançam estas palavras mágicas para o meio do público. A
todo o momento evocam, por meio delas, um esplendor de civismo e de progresso
intelectual que não existe. a todo o momento ligam a sorte das novas instituições à
vitória das ideias que estas palavras significam! e porque o farão? Porque sentem que,
sem educar e sem instruir as novas gerações, dentro dum critério republicano, que seja
ao mesmo tempo um critério pedagógico, ninguém poderá garantir o futuro da
República e da Pátria. Porque sentem, e porque sabem que à influência depressora de
trezentos anos de educação jesuítica -desnacionalizando, desvirilizando, deprimindo as
almas e os corpos - é indispensabilíssimo opor uma influência de liberdade, de energia,
de vontade, de nacionalização inteligente, e de fortalecimento da nossa sensibilidade
(...). João de Barros
"Sente-se que, durante toda a I República, uma atitude generosa e romântica,
talvez mesmo utópica, esteve presente em muitas decisões, a aposta na dignificação do
homem e na sua promoção moral e social através da educação manifestou-se em
inúmeras situações. Por isso, o combate ao analfabetismo, a difusão da cultura popular
e o empenhamento na educação se transformaram numa bandeira que uniu na actuação
muitos republicanos". Luísa Cortesão
TEXTO
O homem vale, sobretudo, pela educação que possui, porque só ela é capaz de
desenvolver harmonicamente as suas faculdades, de maneira a elevarem-se-lhe ao
máximo em proveito dele e dos outros.
A educação exerce-se, como que automaticamente, durante toda a vida, só com a
diferença de que, na idade adulta, o homem confia a si mesmo a missão de seu próprio
educador, ao passo que, na idade infantil, precisa dum guia, que é conjuntamente a
família e o mestre.
Educar uma sociedade é fazê-la progredir, torná-la um conjunto harmónico e
conjugado das forças individuais, por seu turno desenvolvidas em toda a plenitude. E só
se pode fazer progredir é desenvolver uma sociedade fazendo com que a acção contínua,
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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incessante e persistente da educação, atinja o ser humano sob o tríplice aspecto: físico,
intelectual e moral.
Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de todas as pátrias, e, por
mais alto que se afirme a sua consciência colectiva, Portugal só pode ser forte e altivo
no dia em que, por todos os pontos do seu território, pulule uma colmeia humana,
laboriosa e pacífica, no equilíbrio conjugado da força dos seus músculos, da seiva do
seu cérebro e dos preceitos da sua moral.
A República libertou a criança portuguesa subtraindo-a à influência jesuítica,
mas precisa agora de a emancipar definitivamente de todos os falsos dogmas, sejam os
de moral ou os de ciência, para que o seu espírito floresça na autonomia regrada, que é a
força das civilizações.
A máxima que, neste momento, mais do que nunca, deve presidir à educação
infantil cifra-se nestas palavras: desenvolvimento do carácter pelo exercício permanente
da vontade.
Ora o laboratório da educação infantil está, para as camadas populares,
sobretudo na escola primária, e é lá que verdadeiramente se há-de formar a alma da
pátria republicana.
A instrução foi sempre um dos principais elementos da educação. Sem instrução
a educação foi, em todos os tempos, deficiente, por falta de equilíbrio no seu significado
mais alto. Seria hoje, nesta época de progresso arrebatado, totalmente impossível. Há
homens duma moral idade excelsa que mal sabem ler, e há criaturas duma grande
cultura de espírito que são moralmente uns celerados. É certo; mas as excepções não
alteram a regra, e só pela instrução segura e experimental o homem pode adquirir o
esteio que há-de firmar o edifício moral da sua alma. A moral moderna é diferente da
antiga. Ela traz, à hora presente, uma porção de revolta tal que o velho mundo de
preconceitos oscila nos seus alicerces seculares. Para a interpretar e seguir é preciso
comparar os sentimentos dos homens, analisar o carácter dos povos e perscrutar os
próprios desígnios da História. E para isso é preciso saber ler, conhecer de maneira
elementar, ao menos, esse alfabeto maravilhoso, onde se estratifica a notícia dos
acontecimentos e se agita a opinião dos homens. O a b c, segundo a velha designação, é
por isso hoje o fundamento lógico do carácter, e, quem o ensina e evangeliza, o guia
supremo da consciência dos povos.
Mas na escola primária não se ministra apenas educação pelo facto de se facultar a
sua base essencial: a instrução. Ministra-se também educação directamente, nas suas
consequências e resultados, fornecendo à criança, pela prelecção, pelo conselho e pelo
exemplo, as noções morais do carácter.
Um relancear de olhos pelo esquema desta lei indica desde logo a feição do ensino
que se vai adoptar em Portugal.
Esse ensino é graduado, concêntrico e metódico, mantendo, numa harmonia
constante, o desenvolvimento orgânico e fisiológico, e o desenvolvimento intelectual e
moral.
Pelas disposições deste decreto, que o respectivo regulamento desenvolverá, a
criança cria, desde a escola infantil, hábitos fortes de energia e pureza, habilitando-se
praticamente para a conquista do pão e da virtude. Ao terminar o seu curso obrigatório,
o jovem português amará, dum amor consciente e raciocinado, a região onde nasceu, a
pátria em que vive, a humanidade a que pertence. Sem dar por isso, o seu espírito
encaminhar-se-á para a verdade, e o amor infinito não é mais do que a verdade suprema.
O amor, sem conhecimento, é a tirania, embora tirania benévola, das almas; é uma
espécie de aurora difusa, que pode deslumbrar os olhos mas não chega a esclarecer a
retina. Mas o amor com o conhecimento das coisas, o amor reflexivo e consciente, é a
liberdade altiva dos espíritos, a luz criadora que tudo alumia e fecunda.
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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A criança, de hoje para o futuro, conhecerá os rudimentos das artes, da agricultura,
do comércio, da indústria, familiarizando-se, numa educação essencialmente prática,
com a terra e com os utensílios que o homem põe ao serviço da vida.
A criança, enfim, vai ser reintegrada na natureza, não para ficar abandonada às suas
forças tempestuosas, mas para as aproveitar no fim supremo de dar a si própria unidade
moral e aos seus semelhantes solidariedade afectiva.
E eis porque a República deu tamanha atenção ao problema da instrução primária e
com tanto desvelo distingue, e mais se propõe ainda distinguir, o professor de instrução
primária, que é um grande obreiro da civilização.
É que se toma indispensável e urgente que todo o português da geração que começa,
seja um homem, um patriota e um cidadão.
(Preâmbulo do decreto de 29 de Março de 1911 que aprova
a reorganização dos serviços de instrução primária)
(Leituras complementares)
ÁLVARES, Judite, et allii, "Na escola de ontem, na escola de hoje, que leituras? Breve
análise dos manuais de leitura da Iª República, do Estado Novo e período
pós-25 de Abril", Análise Psicológica, 3, Julho 1987, pp. 441-472
BÁRBARA, A. Madeira, Subsídio para o estudo da educação em Portugal da reforma
pombalina à I República, Assírio e Alvim, Lisboa, 1979
CARVALHO, Rómulo de, História do ensino em Portugal desde a fundação da
nacionalidade até ao fim do regime de Salazar-Caetano, F. C. Gulbenkian,
Lisboa, 1986.
CORTESÃO, Luísa, Escola, sociedade que relação? , Porto, Edições Afrontamento,
1981
FERNANDES, Rogério, A pedagogia portuguesa contemporânea, Instituto de Cultura
Portuguesa, 1979
MONTEIRO, José Rodrigues, e Fernandes, Maria Helena Lopes, A educação e o ensino
no 1º quartel do século XX, Bragança, Escola Superior de .Educação,1985
SERRÃO, Joel," Perspectiva histórica -Estrutura social, ideologias e sistema de ensino",
in TAMEN, M. Isabel, e Manuela Silva, Sistema de ensino em Portugal, F.
C. Gulbenkian, Lisboa, 1981
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
24
8. Educação e Pedagogia em Portugal, da I República aos nossos dias
8.3. Educação e pedagogia na Ditadura Militar e no "Estado Novo".
8.3.1. O debate pedagógico no período da Ditadura Militar e primeiros anos
do regime.
8.3.2. A política educativa do "Estado Novo".
8.3.4. A "primavera" marcelista e a obra do ministro Veiga Simão.
II. DITADURA MILITAR (1926-1933) E “ESTADO NOVO” (1933-1974)
Educação
Educação Pré-escolar
a) Iniciativas na formação especializada dos educadores de infância
b) A criação da Obra das Mães para a Educação Nacional (1936)
c) A extinção do ensino infantil oficial (1937)
d) A educação pré-escolar entregue à iniciativa particular
e) A educação pré-escolar oficial dividido entre o Ministério da Saúde e
Assistência / Ministério dos Assuntos Sociais e o Ministério da Educação
Nacional
Ensino Primário
a) A redução da duração da escolaridade obrigatória
b) A crise do associativismo do professorado primário
c) A criação dos postos de ensino
d) O livro único
e) O Plano dos Centenários
f) O Plano Nacional de Educação de Adultos
g) O aumento da escolaridade obrigatória (1956-1960-1964)
Ensino Secundário
a) O Estatuto do Ensino Secundário de 1931
b) A criação da Mocidade Portuguesa (1936)
c) A Reforma do Ensino Técnico (1947)
d) criação do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário e suas três modalidades
e) A “democratização do ensino” e a “Reforma Veiga Simão”
f) O associativismo do professorado
Pedagogia
O debate pedagógico
a) “Instrução”versus “Educação”
b) O analfabetismo ‘e um problema ?
c) Escola neutra e ensino religioso
d) Coeducação e separação dos sexos
e) A doutrina da escola única
f) O texto programático: “As Bases da Educação Nacional” (1936)
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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ANTOLOGIA
(Textos de introdução e sensibilização)
"O salazarismo (...). Nem a democracia nem o desenvolvimento económico
eram coisas positivas; as massas nunca poderiam exercer o poder e a industrialização
continha em si males e perigos. A educação do povo representava um ideal utópico e
demagógico (...)." Maria Filomena Mónica
"Os republicanos orgulhavam-se de ter substituído Deus pelo ABC. O Estado
Novo pretendeu, exactamente com o mesmo zelo, repor Deus no lugar do ABC." Maria
Filomena Mónica
" A visão salazarista da sociedade como uma estrutura hierárquica imutável
conduziu a uma concepção diferente do papel da escola: esta não se destinava a servir
de agência de distribuição profissional ou de defecção do mérito intelectual, mas
sobretudo de aparelho de doutrinação." Maria Filomena Mónica
"[Salazar] Ele era um entre os seus pares, com a particularidade de possuir
qualidades que o alçaram a posições culminantes da vida nacional, mas, mentalmente,
era apenas um deles (...)." Rómulo de Carvalho
TEXTOS
«[...] sabendo ler e escrever, nascem-lhes ambições: querem ir para as cidades
ser marçanos, caixeiros, senhores; querem ir para o Brasil. Aprenderam a ler! Que lêem?
Relações de crimes; noções erradas de política; livros maus; folhetos de propaganda
subversiva. Largam a enxada, desinteressam-se da terra e só têm uma ambição: serem
empregados públicos. Que vantagens foram buscar à escola? Nenhumas. Nada
ganharam. Perderam tudo. Felizes os que esquecem as letras e voltam à enxada. A parte
mais linda, mais forte, e mais saudável da alma portuguesa reside nesses 75 por cento
de analfabetos» Virgínia de Castro e Almeida, 1927
«Uma criança inteligente filha de um operário hábil e honesto, pode na profissão
de seu pai ser um trabalhador exímio, progressivo e apreciado, pode chegar a fazer parte
do escol da sua profissão e assim deve ser. Na mecânica da escola única, seleccionado
pelo professor primário para estudar ciências para as quais o seu espírito não tem a
mesma preparação hereditária que tem para o ofício, não passará nunca de um medíocre
intelectual.» Marcello Caetano, 1928
«Oiço muitas vezes dizer aos homens da minha aldeia: "Gostava que os
pequenos soubessem ler para os tirar da enxada.” E eu gostaria bem mais que eles
dissessem: "Gostaria que os pequenos soubessem ler, para poderem tirar melhor
rendimento da enxada.”' Precisamos convencer o povo de que a felicidade não se
consegue buscando-a através da vida moderna e dos seus artifícios, mas procurando a
adaptação de cada um às características do ambiente exterior.» Salazar, 1935
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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MINISTÉRIO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA
Secretaria Geral
Decreto nº 21.014
É de manifesto interesse pedagógico proporcionar à
leitura das populações escolares ensinamentos de ordem moral
e patriótica, contidos em frases curtas, fáceis de compreender e
reter;
Convindo porém salvaguardar o critério de escolha das
referidas frases;
Usando da faculdade que me confere o nº 2º do artigo 2º
do decreto nº 12.740, de 26 de Novembro de 1926, por força do
disposto no artigo 1º do decreto nº 15.331, de 9 de Abril de
1928, sob proposta do Ministro da Instrução Pública:
Hei por bem decretar o seguinte:
Artigo 1º É obrigatória a inserção nos livros de leitura
adoptados oficialmente, dos excerptos publicados em anexo ao
presente decreto.
§ único. A obrigação respeita aos livros que de
futuroforem adoptados e a novas edições dos que já o estiverem
nesta data.
O Ministro da Instrução Pública assim o tenha entendido e
faça executar. Paços do Governo da República, 19 de Março de
1932 – ANTÓNIO ÓSCAR DE FRAGOSO CARMONA –
Gustavo Cordeiro Ramos
Relação das frases a que se refere o Decreto nº 21.014
Para os livros de leitura da 4ª classe do ensino primário elementar
Obedece e saberás mandar.
Honra em tudo e por tudo teu Pai e tua Mãe.
Na família, o chefe é o Pai; na escola, o chefe é o Mestre; no Estado, o chefe é o
Governo.
Mandar não é escravizar: é dirigir. Quanto mais fácil for a obediência, mais suave é o
mando.
No barulho ninguém se entende, é por isso que na revolução ninguém se respeita.
Para chegares ao teu fim não acotoveles ninguém: ai dos que vencem à custa da
amargura dos outros.
A tua Pátria é a mais linda de todas as Pátrias: merece todos os teus sacrifícios.
Estuda e faz-te homem, para poderes ter opinião que os outros oiçam.
Não te envaideças do que sabes, mas repara sempre no que fazes.
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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Escola do paraíso
Tem sido um êxito editorial. A mim, ofereceram-mo no Natal. Chama-se Livro
de Leitura da 3ª Classe e relê-lo é uma ordália. Põe à prova as nossas convicções,
como o bacalhau com couves na noite de Natal o nosso progressismo. Só que o
bacalhau deixou de constituir questão central da Nação desde que encareceu demais
para ser agasalho dos pobres. A 3ª Classe, essa, foi a grande aposta das repúblicas
passadas (a I e a II). Exclamava-se até: «Tem a 3ª Classe!»
Era quando Afonso Costa bramava que o sufrágio universal ¯ o voto dos
analfabetos ¯ seria o fim da República. E, se Afonso Costa assim. se indignava contra o
voto não instruído, é que a Escola fora concebida como dispositivo total de propaganda.
Pela criança se «civilizava» a família, se semeavam as famílias do amanhã.
Nisso, como em muitas coisas, o Estado Novo continuou a I República. Tão
nacionalista como ela, tão inflexivelmente seguro dos seus valores, foi apenas mais
eficiente ¯ tanto mais quanto soube agregar a si o catecismo e os padres. O programa
essencial era o mesmo: formar, moldar o espírito da criança nesses anos cruciais.
Cantava-se o Hino republicano (e algumas coisas piores como uma inenarrável
«Moleirinha, toc, toc, toc» saída das penas mais cambadas de Guerra Junqueiro).
Faziam-se redacções, donde se expurgavam implacavelmente expressões como «era
quando» (vide supra) e em que se valorizava o uso de adjectivos corno «luxuriosa» (em
Lisboa, dizia-se da vegetação de Sintra).
Não havia texto de leitura que não se pavoneasse impante de orações
subordinadas ¯ e relativas, de preferência começadas por «cujo». Amesquinhava-se a
capacidade criativa das crianças, e vendiam-se-lhes, desprevenidas, em nota de rodapé,
frases do género «Se soubesses quanto custa mandar, quererias toda a vida obedecer».
Mas ficavam com um cheirinho de que havia monumentos, o que era Alcobaça e
a Batalha e o castelo de S. Jorge. O que fez Deuladeu Martins e a Rainha Santa.
Aljubarrota e a Restauração. E a conhecer algumas versões do Romanceiro: «Ai triste
de mim coitada / Ai triste de mim mofina / Mandei buscar uma escrava / E trazem-me
uma irmã minha».
Podiam ficar, por azar, estadonovistas convictos (basta olhar em volta para ver
que não foram tantos assim). Mas saíam, em todo o caso, com a noção dum território e
dum passado, com a ideia dum dos possíveis sentidos de «luxuriosa» e capazes de ler
um texto de jornal sem se assustarem com a existência de orações subordinadas. E com
uma ideia de religião, mesmo que, como Alçada Baptista contava, pensassem que o
Deus incarnado era encarnado. É esta a ordália: detestar o Regime, mas sentir o vazio
duma Ideia que o tenha substituído, dum valor que forme na democracia e na tolerância
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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como o Livro de Leitura formava no culto dos heróis de outrora, reinventados de
fresco, e no encanto por uma sociedade de vindimas leves e mondas alegres, que afinal
nunca existiu. Como, nunca existiu a escola paradisíaca de pés descalços e sentimentos
altaneiros, nem nos edificios repetitivos das repúblicas nem nas ruas da Alfama de
Rodrigues Miguéis.
De António Sérgio a António José Saraiva, a Oposição, mais democrática ou
mais estalinista, sempre autoritária, pensou a educação como a grande aposta do futuro,
penhor de coesão nacional e de progresso. Algures, entre Veiga Simão e Sottomayor
Cardia, entre os cravos de Abril e a CEE de Janeiro, perdeu-se o rumo ¯ e o consenso
nacional que essa educação dirigista produzira durante sessenta anos. A escola deixou
de reproduzir activamente os «valores de classe»: deixou de ser um mecanismo,
limitado embora, de capilaridade social, para se transformar num reprodutor passivo dos
abismos sociais.
Não existe, creio, falácia mais hipócrita e mais convencida de si que a daqueles
paizinhos liberais que não dão educação religiosa aos filhos porque não querem
interferir na sua liberdade de escolha quando forem grandes. Como se a ausência de
educação religiosa não fosse uma educação em matéria de religião, e como se a pessoa
só começasse com os primeiros calores da puberdade. O nosso regime democracento vai
pelo mesmo: à força de não querer interferir nas consciências, deixa-as sem o mínimo
valor que lhes sirva de critério de escolha. Em abono se diga que é mais por preguiça
que por vontade.
R. R.
(Expresso, Sábado, 8 de Janeiro de 1994)
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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A cantina escolar
- Gostei tanto de ir hoje à escola, minha mãe! A
senhora professora estava muito contente, porquc inaugurou
uma cantina, onde os meninos pobres podem almoçar de
graça. Se visse, Mãezinha! As mesas muito asseadas, os
pratos branquinhos, jarras floridas e tudo tão alegre!
A sopa cheirava que era um regalo: e todos nós
estávamos satisfeitos ao ver os pobrezinhos matar a fome.
O filho do carpinteiro, a quem eu às vezes dava da
minha merenda, de vez em quando ria-se para nós, como que
a dizer:
- Está óptima a sopinha!
Perguntei à senhora professora quem tinha feito tanto
bem à nossa escola e ela respondeu-me:
- Foi o Estado Novo, que gosta muito das crianças e
para elas tem mandado fazer escolas e cantinas, creches e
parques. Mas as famílias que possam também devem ajudar.
Não te esqueças de o dizer à tua mãe.
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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“Temos de nos convencer, de uma vez para sempre, de que o rendimento
nacional está, em larga medida, dependente do nível cultural do povo. [...} não se
concebe um plano de fomento económico que não inclua entre as suas finalidades a
recuperação cultural dos iletrados, ou não seja precedido ou acompanhado de um plano
de educação popular» (subsecretário de Estado da Educação Nacional, 1953)
«Seja como for, a existência de analfabetos, nivelando por baixo a educação
cívica, é um freio ao progresso técnico. E uma das facetas do atraso geral, caracterizado,
nos tempos que vão correndo pela fraca industrialização, diminuta produtividade e
baixo nível de vida» (ministro da Educação Nacional, 1955)
BIBLIOGRAFIA
(Leituras complementares)
ÁLVARES, Judite, et allii, "Na escola de ontem, na escola de hoje, que leituras? Breve
análise dos manuais de leitura da Iª República, do Estado Novo e período
pós-25 de Abril", Análise Psicológica, 3, Julho 1987, pp. 441-472
BÍVAR, Maria de Fátima, Ensino primário e ideologia, Lisboa, Seara Nova, 1975
CARVALHO, Rómulo de, História do ensino em Portugal desde a fundação da
nacionalidade até ao fim do regime de Salazar-Caetano, F. C. Gulbenkian,
Lisboa, 1986.
CORTESÃO, Luísa, Escola, sociedade que relação?, Porto, Edições Afrontamento,
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
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1981
FERNANDES, Rogério, A pedagogia portuguesa contemporânea, Instituto de Cultura
Portuguesa, 1979
MÓNICA, Maria Filomena, Educação e sociedade no Portugal de Salazar, Lisboa,
Editorial Presença, 1978
SERRÃO, Joel," Perspectiva histórica -Estrutura social, ideologias e sistema de ensino",
in TAMEN, M. Isabel, e Manuela Silva, Sistema de ensino em Portugal, F.
C. Gulbenkian, Lisboa, 1981
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006
32
8. Educação e Pedagogia em Portugal, da I República aos nossos dias
8.4. Do 25 de Abril de 1974 à Lei de Bases do Sistema Educativo.
8.5. A “Reforma Educativa”.
Resumo:
III. DO 25 DE ABRIL DE 1974 À LEI DE BASES DO SISTEMA EDUCATIVO
(1974-1986)
Educação
Educação Pré-escolar
a) A reposição legal do “sistema público de educação pré-escolar” (1977)
b) A progressiva concentração da educação pré-escolar no Ministério da
Educação
- O crescimento lento da rede nacional de educação pré-escolar
Ensino Primário
a) Os novos Programas do Ensino Primário
b) O regime de fases
c) Estratégias de combate ao insucesso escolar
Ensino Secundário
a) A criação do Ensino Secundário Unificado (1975)
b) O acrescento de um ano terminal ao Ensino Secundário (1975)
c) Os Cursos Complementares de via única (1978) e a criação do Ensino
Técnico-Profissional (19839
Pedagogia
a) Os problemas do Insucesso Escolar e do Sucesso Educativo
b) Polémica em torno da unificação do Ensino Secundário
Casimiro Amado, História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas, II Parte, Univ. de Évora 2006

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