sábado, 5 de fevereiro de 2011

8599 - HISTÓRIA DA LINGUISTICA

28 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004.
HISTÓRIA E LINGÜÍSTICA: ALGUMAS REFLEXÕES EM
TORNO DAS PROPOSTAS QUE APROXIMAM
A HISTÓRIA DA ANÁLISE DO DISCURSO
Giselda Brito Silva1
Considerações Iniciais
A questão central que aqui se coloca é um debate acerca da problemática
construída em torno das propostas de estudo interdisciplinar entre a História e a
Lingüística (esta última aqui tratada no campo da Análise do Discurso) e o estatuto
dessa relação em nossos dias. Pois, não são poucos os historiadores que afirmam
ficar “arrepiados” com a utilização desta metodologia de análise no campo da
História, ao mesmo tempo em que vivemos a ampliação deste campo para os
estudos dos discursos na história. Diante da questão, pretendemos promover um
debate a partir de algumas propostas interdisciplinares defendidas por representantes
da Escola dos Annales desde a década de 60/ 70.
Um primeiro aspecto a destacar é a necessidade de situar a Análise do Discurso
como um campo disciplinar da Lingüística, daí a necessidade de promover uma
rápida discussão acerca do estatuto e abordagens desta ciência na atualidade e
em que medida se aproxima dos estudos históricos; o que nos leva ao segundo
aspecto: uma discussão sobre o lugar epistemológico da Lingüística que predomina
entre os historiadores. Com base em algumas discussões já promovidas sobre a
relação da História com a Lingüística, podemos especular que a resistência por
parte de alguns historiadores, quanto ao reconhecimento de trabalhos na fronteira
entre a História e a Análise do Discurso, têm suas raízes na perspectiva que alguns
historiadores têm do trabalho do lingüista, vendo neste apenas as vertentes
estruturalistas saussurianas. Por sua vez, não é difícil encontrar entre os lingüistas
afirmações de que o historiador continua preocupado com os grandes fatos,
personagens e datas. Considerando-se estas questões, diríamos que, num lugar e
noutro, há claros limites de percepção das mudanças e transformações por que
tem passado o trabalho tanto do lingüista como do historiador.
Para muito de nós, felizmente, tornou-se evidente que o trabalho do historiador
é muito mais do que ler e descrever fatos presos aos documentos, havendo uma
compreensão de que é preciso, inclusive, conhecer as particularidades formais do
documento escrito e oral numa clara aproximação com a Lingüística sem prejuízo
para o trabalho do historiador. Da mesma forma, temos observado uma maior
utilização da Análise do Discurso para o estudo da produção de sentido e dos
discursos entrelaçados a determinados fatos históricos, considerados como práticas
discursivas.
1 Professora Adjunta do Curso de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Pesquisadora
do CNPq. Doutora em História pela UFPE. Este texto é resultado de parte das leituras teóricometodológicas
do Projeto “Estudos Históricos da relação entre o político e o religioso“, que recebe
apoio financeiro do CNPq. E-mail: .
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004. 29
Diante desta conscientização, alguns historiadores passaram a se interessar
pelos estudos das categorias e conceitos da Análise do Discurso, investindo numa
maior aproximação com lingüistas e analistas do discurso. Entretanto, conforme
já salientamos, esta aproximação ainda se mostra muito tímida e, em alguns lugares,
ainda muito polêmica. A percepção das dificuldades de um trabalho interdisciplinar
entre estas duas ciências não está restrita a nós historiadores, também entre
lingüistas e analistas do discurso se pode localizar um lugar de debate sobre tais
questões.
Para Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau, falando do lugar de
lingüistas/ analistas do discurso, vivemos um momento de incompreensão entre
um número importante de historiadores que se inquietam com uma aproximação
com a Lingüística por medo de perderem o estatuto científico ao optarem por
estudar a produção de sentido dos discursos nos contextos históricos. Para os
autores, o debate sobre as aproximações entre História e Lingüística surgiu com
intensidade durante as duas guerras, especialmente dentro da Escola dos Annales,
com Lucien Febvre (1953), seguido por Mandrou e Dupront, que atribuíram uma
grande importância à linguagem como objeto da História. Contudo, teria sido
apenas nos anos 70 que a categoria “discurso”, como objeto da história, teria
passado a incorporar os trabalhos do historiador ocupando o cargo que eles
denominam de historiador do discurso 2. Lembramos, aqui, que foi neste contexto
que surgiu a grande contribuição do trabalho de Regine Robin discutindo a relação
História/ Lingüística3.
Contudo, para Charaudeau e Maingueneau, apesar dos primeiros debates, foi
com Koselleck que passamos a ter uma noção mais clara acerca das aproximações
entre historiadores e lingüistas. Este teria sugerido propostas viáveis para se contornar
algumas problemáticas geradas com os estudos das condições linguageiras das
formas discursivas, para o acesso a uma compreensão histórica sem qualquer
prejulgamento sobre a ligação da realidade ao discurso4.
Outros vêem em Michel Foucault uma das principais contribuições para as
aproximações entre historiadores e analistas do discurso. Maria do Rosário V.
Gregolin, por exemplo, afirma que Foucault formulou um lugar mais consistente
para as aproximações entre a História e a Análise do Discurso, pois, foi com ele
que historiadores, e também os analistas do discurso, passaram a tomar contato
com formulações teórico-metodológicas que os levaram a compreender melhor a
relação do saber com o poder por meio de análise das práticas ou acontecimentos
discursivos5. Por outro lado, salienta a autora, uma compreensão da posição e
2 CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. São
Paulo: Editora Contexto, 2004, p. 264. ROBIN, Regine. História e lingüística. São Paulo: Cultrix,
1977.
3 ROBIN, Regine. História...
4 KOSELLECK, R. L’expérience de l’histoire. Paris: Gallimard/ Seuil, 1997.
5 De acordo com Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau esta é uma noção empregada desde
os anos 60 entre o vocabulário marxista e o de Foucault. Quando se diz prática discursiva em vez de
“discurso” efetua-se um posicionamento teórico que considera o discurso como uma forma de ação
sobre o mundo produzida nas relações de forças sociais. Em Foucault (1969b: 153), é um conjunto
de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço as condições de exercício
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importância de Michel Foucault para os que desejam compreender a relação
História - Análise do Discurso “exige um ir e vir porque seu pensamento não é
linear” 6, gerando muitas vezes falsas afirmações sobre seu pensamento.
Isso faz com que haja muitas leituras conflitantes sobre as contribuições de
Foucault para a História, incluindo aí muita incompreensão sobre suas reflexões
históricas relacionadas às propostas da Análise do Discurso. Estes fatos são
pertinentes de se analisar porque não são poucos os que reconhecem nos discursos
apenas elementos de uma estrutura lingüística, negando as possibilidades de uma
abordagem sobre o acontecimento tratado em sua irrupção histórico-discursiva.
Mas, conforme já destacamos, uma discussão acerca destes encontros e
desencontros entre a História e a Análise do Discurso passa por uma noção da
concepção de Lingüística que ainda hoje prevalece entre os historiadores. Em
primeiro lugar é preciso ter mais clareza sobre o trabalho do lingüista na atualidade.
Um estudo da evolução histórica da Lingüística caberia bem neste texto, entretanto,
apesar da pertinência, não será nossa intenção fazer tal percurso. Não apenas
porque nos consideramos incapazes para tal empreitada, mas porque no momento
estamos mais interessados em situar algumas mudanças dentro da Lingüística que
a aproximou da História. Algumas destas mudanças foram percebidas desde as
décadas de 60/ 70, por representantes dos Annales, que estavam interessados em
indicar Novas Abordagens, Novos Objetos e Novos Problemas para a História,
sugerindo o estudo da língua como objeto da História tomado numa perspectiva
interdisciplinar da História com a lingüística. Tomemos, então, o momento em que
Jean-Claude Chevalier começa seu artigo, “Língua: lingüística e história”, situando
alguns conflitos presentes nos estudos que envolvem as duas ciências, com o seguinte
questionamento: “Se vê a lingüística perder-se na - ou apoderar-se da - semiótica,
ciência dos signos; vê-se ela apoderar-se dos discursos (discurso político fechado)
- e aí o historiador fica de orelha em pé -, mas, trata-se ainda da mesma disciplina
que estuda a língua como instrumento social?” 7.
Passaram-se três décadas e a pergunta de Chevalier se mostra bem atual. Pois,
sua preocupação com o trabalho dos lingüistas e em que medida se aproxima de
nosso trabalho parece ainda muito presente entre alguns de nós. É interessante
salientar que essa preocupação não é apenas dos historiadores, uma vez que
também entre os lingüistas há uma grande necessidade de mostrar a historicidade
da Lingüística, bem como seu encontro com a História, conforme se pode visualizar
com Luiz Antônio Marcuschi. Para este, a discussão das aproximações entre a
da função enunciativa. Com isto, Foucault põe em primeiro plano a historicidade radical do discurso
e as condições institucionais da enunciação. Cf. CHARAUDEAU & MAINGUEGENEAU, Dicionário...,
p. 396. Sobre isso vide também FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições
Loyola, 1996, p. 57, quando trata de definir “acontecimento discursivo” e COSTA, Eleonora Z.
Sobre o acontecimento discursivo. In: SWAIN, Tânia Navarro (org.). História no plural. Brasília: UnB,
1994, p. 189-207.
6 GREGOLIN, Maria do Rosário V. Michel Foucault: o discurso nas tramas da história. In: FERNANDES,
Cleudemar Alves & SANTOS, João Bosco Cabral dos (orgs.). Análise do Discurso: unidade e
dispersão. Uberlândia: Entremeios, 2004, p. 19-20.
7 CHEVALIER, Jean-Claude. A Língua: lingüística e história. In: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre
(orgs.) História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 84-98.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004. 31
História e a Lingüística passa necessariamente por uma tomada de consciência
por parte de ambos de algumas das posições assumidas pelos lingüistas em relação
à linguagem como atividade sócio-interativa sistemática, de caráter cognitivo e
instauradora de sentidos. Ainda segundo ele, o funcionamento de uma língua no
dia-a-dia é, antes de tudo, um processo de integração social. Língua, cultura e
sociedade se pressionam mutuamente de maneira muito dinâmica e integrada,
aproximando desta forma os estudos da Lingüística e da História. Para ser mais
explícito, ele afirma:
“Com efeito, dominar uma língua sempre foi um imperativo social e
cultural. Por isso, nós que trabalhamos com a linguagem lidamos com
um dos aspectos fundamentais da vida humana. Pela linguagem
constituímos nossos discursos, nossas identidades, formulamos nossas
crenças, construímos nossos mundos e, sobretudo, interagimos com
nossos semelhantes, construímos nossos argumentos, nossas teorias e
visão de mundo. Admitir esses aspectos é estender o estudo da
linguagem para muito além da gramática, da fonologia e do
léxico.” (grifo do autor) 8
A noção acima defendida pelo autor apresenta uma aproximação dos lingüistas
que se posicionam dentro desta perspectiva com o campo da História, uma vez
que afirmam estarem os estudos da língua para além das estruturas gramaticais
formais. Obviamente, não se poderá deixar de localizar entre os lingüistas os que
de fato permanecem preocupados com a forma estrutural da língua, mas não se
pode mais generalizar esta posição diante das diversas formas de abordagem da
lingüística, estando algumas delas muito próximas da História. Essa aproximação
é mais decidida quando se trata dos analistas do Discurso. Para estes, o discurso
deve ser analisado nas suas condições históricas de produção de sentido, bem
como na análise da relação unidade-dispersão inerente aos discursos. Para se ter
um exemplo, tomemos Eni P. Orlandi, analista do discurso já conhecida dos
historiadores, quando afirma a importância de se conceber não apenas as condições
de produção de sentido dos discursos pela contextualização dos mesmos, mas
com uma abordagem analítica da dispersão dos sentidos e dos sujeitos como
condição de existência dos discursos, mesmo que, para funcionar, ele tome a forma
de unidade. Para essa analista do discurso, é nessa relação entre as diferentes
formações discursivas e seus jogos discursivos nas tramas da história, que se pode
localizar a produção de sentido dos discursos como atividades históricas. Pois,
conforme se pode daí inferir, o sentido não está no dito, nem no sujeito, mas na
relação entre eles em determinados contextos9.
Também Cleudemar Fernandes, em seu trabalho “Lingüística e História: formação
e funcionamentos discursivos”, localiza pontos de cruzamento que se instauram
entre a História e a Lingüística com “certos questionamentos e contestações à
8 MARCUSCHI , Luis Antônio. O papel da heterogeneidade cultural nos materiais didáticos. Texto
apresentado no IV Seminário Internacional em Letras: linguagem, ensino e inclusão social. Santa
Maria, Centro Universitário Franciscano - UNIFRA, setembro de 2004.
9 ORLANDI, E. P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 5. ed. Campinas: Editora da
Unicamp, 2002, p. 18.
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lingüística imanente, à lingüística do significante, e ampliação do conteúdo semântico
em movências integrantes ao processo histórico resultante das transformações
sociais” 10. Para ele, isto se dá especialmente no contexto dos anos 60 com a Análise
do Discurso, em decorrência do entrecruzamento de três áreas de conhecimento: a
Lingüística, o Materialismo Histórico e a Psicanálise11. Fernandes nos lembra que,
para os próprios lingüistas e analistas do discurso, discurso não é apenas língua e
nem fala, é também silenciamento e se realiza com a exterioridade, “realiza-se por
meio de uma materialidade lingüística” 12.
Entre alguns historiadores, há alguns consensos com o dito acima. Andréia
Silva, professora de História da UFRJ, por exemplo, concorda que os discursos
“fazem-se presentes e constituem as práticas, as relações sociais, as instituições e
as representações”, ou seja, o social como um conjunto múltiplo de discursos13.
Lembrando que entre nós, historiadores, não importa apenas buscar a produção
dos discursos e os sentidos enquanto ditos historicamente situados, mas em que
medida tais discursos se consubstanciam como práticas ou acontecimentos
histórico-discursivos. Para aprofundar estas questões vejamos, em seguida, o
estatuto da Lingüística dentro da Escola dos Annales retomando a perspectiva de
Chevalier, para depois levantar alguns pontos da contribuição de Michel Foucault
para os estudos do discurso na história, de modo a cumprir nossos propósitos de
destacar aspectos positivos da aproximação da História com a Lingüística no
campo da Análise do Discurso em nossos dias.
A Escola dos Annales como lugar de debate da
interdisciplinaridade entre a História e a Lingüística
Tomemos como ponto de partida de nossas reflexões algumas das principais
questões que nortearam as aproximações da História com a Lingüística na década
de 60/ 70 na perspectiva da Escola dos Annales. Segundo a maioria dos
historiadores, as novas questões que foram colocadas para a história são
provenientes da Nova História. Antes, porém, é importante lembrar que a proposta
interdisciplinar dos Annales, desde o começo da escola, enfrentou vários problemas
para se fazer aceitar, com conseqüências até nossos dias.
Para começar, é preciso ter em mente que a relação da História com outras
ciências defendida pelos Annales foi um dos pontos mais debatidos no contexto
que se seguiu à crise dos paradigmas da História, especialmente entre os que viam
nesta proposta um caminho escorregadio para o ofício do historiador. Sobre este
aspecto, é preciso lembrar também que essa não é uma escola que vai atrair a
simpatia de todos os historiadores, especialmente se considerarmos a perspectiva
histórica assumida por alguns historiadores no contexto entre guerras em diferentes
10 FERNANDES, Cleudemar A. Lingüística e História: formação e funcionamentos discursivos. In:
FERNANDES & SANTOS, Análise..., p. 43.
11 FERNANDES, Lingüística..., p. 43.
12 FERNANDES, Lingüística..., p. 45.
13 SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva. Reflexões metodológicas sobre a Análise do Discurso
em perspectiva histórica: paternidade, maternidade e gênero. Cronos - Revista de História. Pedro
Leopoldo, n. 6, 2002, p. 194-223.
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partes do mundo. Nem mesmo dentro da França, onde a escola vai imperar, se
pode falar em uma unanimidade de apoio à proposta interdisciplinar dos Annales.
Tomemos aqui dois exemplos dessa questão. O primeiro pode ser localizado na
postura de E. H. Carr, que se posiciona cauteloso acerca da tendência dos Annales
de procurar abrigo nas ciências sociais, vendo em suas relações vantagens
unilaterais. Para este, “a história não é mera servidora das ciências sociais, que vai
a elas pela teoria e as supre de materiais”. O importante, diz Carr, é assumir uma
posição de mão-dupla entre a História e as ciências14. Um segundo exemplo pode
vir da própria França, onde estava inserida a Escola. Tomemos a posição de François
Dosse que vai se colocar contra as inovações dos Annales, apontando essa escola
como um “cartel” que na sua ânsia de destruir a escola positivista tentara agrupar
outras ciências em torno da História em nome de uma inovação que teria
fragmentado os objetos e objetivos da História15. Para Dosse, atualmente se pode
observar a falência da intenção de uma história global dos Annales, que tentou
“apoderar-se das roupagens dos outros para desestabilizar a história historicizante
hegemônica”, ficando os Annales nos limites dessa ambição16. Entretanto, não
aprofundaremos essas questões ligadas aos críticos dos Annales, considerando-se
que nosso interesse é destacar alguns aspectos da proposta dos Annales que nos
levam a pensar nas possibilidades das aproximações entre a História e a Lingüística.
Como diz Peter Burke, as aproximações entre a História e outras ciências têm
provocado alguns problemas de definição, de método, de fontes, de explicação
que têm resultado numa má adequação dessa abordagem, mas que se trata muitas
vezes de uma má interpretação das intenções dos Annales. Para o autor, um dos
problemas apontados é a questão de se avançar em território não familiar seja
com relação aos novos objetos, novos problemas ou às novas abordagens sem
procurar adquirir conhecimento adequado para tal, conforme defendem os Annales.
Com esse autor, temos uma leitura mais interessante acerca das influências benéficas
dessa Escola que se aproximam mais dos nossos interesses17.
As influências positivas dessa escola são tantas, para Burke, que ele considera
que seria melhor falar de um movimento contra a História positivista do século
XIX. Lembrando, ainda, que dentro da Escola temos alguns que não descartam as
conquistas técnicas da Escola Metódica, considerando algumas delas ainda muito
válidas, como as ligadas à crítica interna e externa do documento. Para esse autor,
a contribuição dos Annales para a História, ligada à proposta interdisciplinar com
outras ciências, vai além da simples ampliação dos métodos da História para
métodos de outras disciplinas. A proposta dos Annales representa muito mais o
resultado de uma nova forma de ver, estudar e escrever a História; de uma nova
forma de selecionar quais os objetos da História, bem como as abordagens possíveis
e os problemas que se podem levantar. A questão central está na nova forma com
14 CARR, Edward Hallet. Que é história? 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. XXI.
15 DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Ensaios;
Campinas: Editora da Unicamp, 1992, p. 58.
16 DOSSE, A História..., p. 15.
17 BURKE, Peter. A Escola dos Annales 1929-1989: a revolução francesa da historiografia. São Paulo:
Editora da Unesp, 1992, p. 20-22.
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que os Annales se propõem considerar uma história-problema, associada a uma
história de todas as atividades humanas, extrapolando a história voltada apenas
para a política até então considerada a mais importante18.
Essa proposta de ampliação do ofício do historiador se consolida com Le Goff
e Nora em Novos Objetos, Novos Problemas, Novas Abordagens, que representam
as principais preocupações de um trabalho publicado por Jacques Le Goff na
década de 1970, com o título “A Nova História”. Esses trabalhos são lugares por
onde podemos visualizar as aproximações de Michel Foucault com alguns
representantes dos Annales, visto que todos vão defender uma concepção de
“história-problema” com alguns pontos em comum, pois, tanto Le Goff quanto
Foucault vão considerar o documento como uma escolha e tratamento do historiador
guiado pelos interesses do seu tempo. O documento como um Monumento, onde o
historiador passa a trabalhar e a recriar os discursos da História com as visões do
seu tempo19.
Estes representantes dos Annales defendem que a história não é mais concebida
como um fato que está pronto em algum lugar dos arquivos, museus ou bibliotecas,
nos quais bastaria o historiador recuperar por levantamento e coleta dos dados
(fontes) e expor ao público leitor tal qual registrado nos documentos como forma
de garantir a objetividade da História. Desde o começo do século XX, Marc Bloch
insiste na defesa de um novo papel para o historiador, declarando a necessidade
da interação desse com seus documentos. Sobre esse empenho de Bloch, já há um
consenso entre os estudiosos atuais da área de que a produção historiográfica é
resultado da escolha e posicionamento do historiador em relação aos seus objetos,
fontes, abordagens e métodos. Considera-se, aqui, a subjetividade tão importante
quanto a objetividade na produção historiográfica sem prejuízo para a cientificidade
da História. Dentro dessa perspectiva, Bloch defende que a aproximação com
outras ciências constitui muito mais uma conseqüência necessária do
reconhecimento dessa nova postura do historiador na compreensão de uma
“história-problema”; de uma “história mais consciente das múltiplas dimensões
das atividades humanas; de uma história que ele sabe ter um papel crucial na narrativa
dos eventos” 20.
Concordando com Bloch, retomemos Chevalier para continuar o debate sobre
as aproximações da História com a Lingüística, ao sugerir que uma reflexão para
além destas questões que envolvem uma posição de resistência contra os Annales
seria pensar a forma de abordar esse novo objeto da História: a língua. Para ele,
um olhar mais profundo sobre a língua mostrará que a mesma funciona em dois
níveis interdependentes que se condicionam mutuamente e que a aproximam da
História: a) língua como objeto que apresenta regularidades e que podem ser
formalizadas e estudadas na especificidade da Lingüística (numa perspectiva
18 BURKE, A Escola..., p. 12-15.
19 Sobre essas questões são indicadas as leituras de Michel de Certeau, especialmente A Escrita da
História (2002) e Jacques Le Goff, com seu importante trabalho sobre a relação História e Memória
(1994) e os trabalhos do próprio Foucault entre outros. Os textos de Michel Foucault que fazem
referências a estas questões estão indicados na bibliografia.
20 BLOCH, Marc. Introdução à história. 4. ed. Lisboa: Europa-América, s.d.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004. 35
estruturalista) e b) língua como produção e utilização dos homens em sociedade
que pode ser ampliada para o campo da História. Numa ou noutra não é possível
separar a relação linguagem-sociedade21.
Apesar de estar mais preocupado em destacar um tipo de historiador naquele
contexto, o historiador-lingüista sobre o qual iremos tratar mais adiante, as propostas
de Chevalier são instigantes para algumas questões dos dias atuais. Afinal, há
sérios indícios de que os historiadores ainda pensam que os lingüistas da atualidade
estão presos ao projeto de Saussure, isto é, presos à idéia de que os lingüistas
estão apenas preocupados com as estruturas formais da língua. Já na década de
70, Chevalier afirmava que o ponto crucial para uma melhor compreensão dos
aspectos positivos acerca de uma aproximação entre a Lingüística e a História
deveria ser localizado no contexto dos anos 1960, momento de rompimento do
estudo da língua fechada em si mesma, na qual não lhe era permitido exceder o
“grupo de palavras” proposto por Saussure para uma nova forma de estudar a
língua numa perspectiva interligada ao social22. Neste ponto, Chevalier certamente
se reportava à idéia saussuriana de que a língua devia ser estudada “em si e por si
mesma”, como objeto autônomo. Esta visão mudaria radicalmente dos anos 80
para cá e hoje essa não é a corrente hegemônica entre os lingüistas.
Foi naquele contexto, segundo Chevalier, que surgiram novos estatutos para a
Lingüística aproximando-a positivamente das outras ciências humanas e sociais,
entre elas a História. A questão central, conforme nos diz Chevalier, é que as
transformações operadas no interior da Lingüística não são tão simples, nem visíveis
para outras áreas. E, ainda segundo o autor, é neste ponto que têm origem alguns
dos problemas epistemológicos do estatuto da Lingüística no campo da História, e
que o autor identifica como: “o problema da legitimidade do corpo de conceitos
estabelecidos, sempre indo buscar na sua base tradicional saussuriana os
fundamentos dessa ciência” 23. Essa necessidade de recorrência às bases da
Lingüística é um dos pontos fundamentais do afastamento de alguns historiadores
da Lingüística. É importante lembrar que, desde o contexto de crise dos paradigmas
do começo do século XX, alguns historiadores vinham assumindo uma postura
bastante decidida para se afastar das idéias positivistas que definiram o campo da
História desde o século passado e não viam com bons olhos a proposta estruturalista
dos Lingüistas.
Além destas questões, as aproximações da Lingüística para o campo da História
buscam, naquele momento, muito mais compreender algumas de suas questões
para percorrer a história dos grandes sistemas lingüísticos, a fim de compreender
antigas bases epistemológicas da Lingüística, do que uma perspectiva
interdisciplinar tal qual pensada pelos Annales nos anos 60/ 70. Estes estavam
mais preocupados em aprofundar as propostas dos fundadores da Escola, que
desde os anos 20/ 30 defendiam a ampliação dos objetos, abordagens e métodos
da História, buscando em outras ciências um diálogo que permita viabilizar essas
21 CHEVALIER, A Língua..., p. 86.
22 CHEVALIER, A Língua..., p. 86.
23 CHEVALIER, A Língua..., p. 86.
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novas propostas que será também a preocupação da chamada Nova História nos
anos 60/ 70.
Considerando-se tais questões, vamos observar, então, uma aproximação, ainda
bastante precária e limitada, devido aos interesses de cada um desses lados naquele
momento. Entretanto, apesar dos limites aqui apontados, foi possível identificar
aspectos positivos da aproximação entre as duas ciências. Ainda segundo Chevalier,
a História ganhou com essa aproximação, pois foi a partir daí que o historiador,
na figura do “historiador-lingüista” trouxe alguns conhecimentos para o campo da
História. Como resultado dessa aproximação, o historiador passou a tomar contato
com algumas das categorias de análise da Língua, viabilizando um olhar sobre a
mesma como um novo objeto para a História. Paralelamente, para lidar com esse
novo objeto, ele sentiu a necessidade de se aproximar da Lingüística em busca de
novos métodos e novas formas de abordagem que lhes permitissem lidar com este
novo objeto da História24.
Paulatinamente, também os discursos passam a fazer parte dos interesses dos
historiadores, não apenas como discursos políticos dos grandes personagens, mas
na sua intrincada rede de relações de saber e poder, tal qual apontado por Michel
Foucault. Nos anos 60/ 70, no entanto, a entrada da Análise do Discurso na História
vai se dar muito mais para atender a um tipo de História que privilegiava a História
Política, de onde se afastam alguns historiadores que se distanciam do positivismo.
Segundo Luiz Antônio Marcuschi, Denise Maldidier25 situa o início da Análise
do Discurso francesa nos anos 68-70 sob a dupla paternidade de Jean Dubois e
Michel Pêcheux. O primeiro propôs uma Análise de Conteúdo, na qual Regine
Robin26 vai identificar uma aproximação com a História para um tipo de estudo
lexical em que o conteúdo representava tudo, predominando o factual. Já Pêcheux,
por ser um filósofo que vem da psicologia social e recebe influências decisivas de
Michel Foucault e de L. Althusser, vai se aproximar mais do marxismo27. Ou seja,
enquanto Dubois vai ficar preso ao conteúdo da política, Pêcheux transita para a
dinâmica da história política numa perspectiva marxista28.
Ainda segundo Marcuschi, é importante dizer que até os anos 60 o estruturalismo
esteve no auge na França, sofrendo a partir daí um processo de esgotamento com
o avanço do gerativismo chomskyano, com o qual se passa a ter novas alternativas
teóricas para a Lingüística. Contudo, como já se disse, muitos são seus problemas
e neste campo, recorrendo sempre aos modelos anteriores para se afirmar o novo.
É neste contexto que surge a Análise do Discurso Francesa (ADF) como um “novo
24 CHEVALIER, A Língua..., p. 86.
25 MALDIDIER, Denise. Elementos para uma história da Análise do Discurso na França. In: ORLANDI,
E.P. Gestos da Leitura: da História no Discurso. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994.
26 ROBIN, História...
27 Segundo os lingüistas, uma boa contribuição de Michel Pêcheux para o campo da História estaria
em seu trabalho Semântica e Discursos: uma crítica à afirmação do óbvio, editado pela Editora da
Unicamp em 1988.
28 MARCUSCHI, Luiz Antônio. Perspectivas teóricas na Análise do Discurso. Texto utilizado no Curso
de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística. Recife: CACUFPE,
2° Semestre de 1999.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004. 37
modo de leitura” diante do esgotamento dos demais métodos. Mas, com uma série
de questões que se chocam com o novo momento da História. Pois, enquanto
para Dubois, os textos políticos são o objeto legítimo da AD e não mais as obras
literárias, aproximando-a dos positivistas, Michel Pêcheux vai pensar a AD como
uma ruptura epistemológica com a ideologia dominante nas ciências humanas;
como uma espécie de metodologia alternativa em relação à perspectiva saussuriana.
Neste lugar, Pêcheux faz uma articulação entre sujeito e ideologia (veja-se seu
Análise Automática do Discurso, de 1969) que o aproxima de uma noção de língua
atrelada ao movimento da história29.
Neste mesmo ano, em que Pêcheux vai discutir aspectos da ADF que têm ampla
repercussão no campo da História, temos Michel Foucault polemizando o fazer
dos analistas do discurso em relação a algumas questões que os ligam a determinadas
formas de ver e escrever a história. Foucault sugere que uma das preocupações
dos historiadores deveria ser no sentido de se afastar das análises das grandes
unidades, descritas como épocas ou séculos para uma compreensão dos fenômenos
de rupturas. Para Foucault o importante é ver as incidências das interrupções,
devendo o historiador sair dessa metodologia de regressão sem fim em direção
aos primeiros precursores, mas identificar um novo tipo de racionalidade e de
seus múltiplos efeitos30. Nesta perspectiva de quebrar com a visão linear, continuísta,
Foucault também expressa algumas críticas aos analistas do discurso, sugerindo a
necessidade destes saírem desse lugar em que se considera o discurso em sua
condição manifesta de um já-dito, que não seria apenas “uma frase já pronunciada,
um texto já escrito, mas um jamais-dito” 31. Para Foucault é preciso acolher o discurso
em sua irrupção de acontecimentos, na dispersão temporal que lhe permite ser
repetido, sabido ou esquecido. Neste sentido, ele vai afirmar que não é preciso
assumir uma forma regressiva para buscar a origem dos discursos, mas que é
preciso considerá-los no jogo de suas instâncias32.
Michel Foucault como lugar de debate
da Análise do Discurso na História
Conforme já destacamos nas considerações iniciais, segundo Maria do Rosário
Gregolin, será com Foucault e com os analistas do discurso, que com ele se
posicionam, que poderemos localizar uma ponte estabelecendo uma profunda
relação da Análise do Discurso com a História. Para a autora, este engajamento
de Foucault se dá num contexto criado pela perspectiva da história-problema dos
Annales, quando os representantes desta escola assumem uma postura crítica em
relação à concepção positivista e tradicional da História33. Posicionado com alguns
aspectos desta escola, Foucault considera a impossibilidade de objetividade do
29 MARCUSCHI, Perspectivas...
30 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.
4.
31 FOUCAULT, A arqueologia..., p. 28.
32 FOUCAULT, A arqueologia..., p. 28.
33 GREGOLIN, Maria do Rosário Valencise. Michel Foucault: o discurso nas tramas da história. In:
FERNANDES, & SANTOS, Análise ..., p. 21.
38 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004.
ofício do historiador, visto que é ele quem escolhe e faz os recortes da sua história,
tratando os documentos como monumentos que manipula em seu tempo. Em
contrapartida, sugere uma abordagem crítica não apenas sobre os discursos dos
documentos, mas uma análise crítica sobre os discursos contidos na escrita da
história, nos discursos do próprio historiador. Estes estariam presos às condições
de produção e sentido de sua época.
Com isto, ele não apenas destaca uma nova forma de ver e escrever a história,
mas promove um diálogo frutífero entre analistas do discurso e historiadores. Pois,
conforme diz Gregolin, Foucault ajudou a pensar um lugar epistemológico para o
discurso no qual defende que este (que não está no mesmo plano da língua, mas
no campo do enunciado) deve ser visto em sua função enunciativa, no qual o
importante é considerar não apenas o sujeito que o produziu, mas de que lugar
institucional e sob que regras sócio-históricas produziu34.
No campo da Análise do Discurso, as principais contribuições de Michel Foucault
estão em seu trabalho A arqueologia do saber, no qual define algumas categorias
que estão no cotidiano de trabalho do analista do discurso, especialmente o que
ele define como formação discursiva e enunciado. Aqui traremos apenas um tópico
de debate sobre a posição de Foucault em relação à Análise do Discurso. Porém,
deixemos claro que há alguns pontos de divergência entre Foucault e algumas
posições da Análise do Discurso, especialmente a francesa.
Enquanto alguns analistas do discurso desta escola destacam a importância do
interdiscurso, como um processo incessante de reconfiguração, na qual uma
formação discursiva incorpora elementos pré-construídos, produzidos fora dela,
seja como repetição, apagamento, esquecimento ou degeneração de determinados
elementos, como nos diz Maingueneau35, Foucault propõe um olhar sobre um novo
tipo de racionalidade, seus deslocamentos e transformações; sobre as várias formas
de encadeamento dos discursos à medida que seu presente se modifica. E, neste
processo, não deixam de romper com elas mesmas. Para ele, a noção de
descontinuidade, de ruptura, quebra com qualquer idéia de continuidade, porque
procura a dispersão; porque põe em questão os agrupamentos. O que Foucault
afirma é a necessidade de quebrar com a noção de interligação dos discursos dos
homens, mas tratá-los como acontecimentos dispersos em suas historicidades. A
crítica de Foucault recai sobre a noção de interdiscurso, pois para ele, para além
da identificação de um já-dito numa relação incessante de unidade e dispersão,
“é preciso estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua
irrupção de acontecimento, nessa pontualidade em que aparece a nessa
dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido,
transformado, apagado até nos menores traços, escondido bem longe
de todos os olhares, na poeira dos livros. Não é preciso remeter o
34 GREGOLIN, Michel Foucault..., p. 31.
35 MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em Análise do Discurso. 3 ed. Campinas: Pontes,
1997, p. 113.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004. 39
discurso à longínqua presença da origem; é preciso tratá-lo no jogo de
sua instância.” 36
Com isto, Foucault não quer dispensar estas posturas, mas provocar inquietudes;
chamar a atenção para o campo dos fatos do discurso a partir do qual são
constituídos. Um dos pontos é não esquecer a questão da autoridade relacionada
à enunciação presente na formulação de Foucault. Tomemos aqui, como exemplo
desta abordagem, o “Putsh Integralista” de 1938 contra Getúlio Vargas como lócus
de análise dos discursos que, produzidos sobre um já-dito (a “Intentona Comunista
de 1935”) são repetidos para legitimar a repressão aos integralistas em 1938,
denominando o ataque armado dos integralistas ao palácio Guanabara, na noite
de 10 de maio de 1938, de “Intentona Integralista”. Os discursos de repressão
contra os integralistas não produzem sentido exclusivamente porque tenham sido
atrelados a um já-dito sobre os comunistas e que repetidos em relação aos
integralistas reacenderiam na memória discursiva os mesmos sentimentos. É
importante considerar o novo contexto de 1938, marcado por novos elementos
que são articulados à repetição de alguns discursos já pronunciados contra os
comunistas. Há neste novo momento uma série de fatores que vão compor a fala
de autoridade de Getúlio Vargas, agora legitimado pelas ações atentatórias de
dois inimigos materializados em suas ações armadas contra o governo: esquerda
e direita. Cada um, em sua posição de ofensiva contra o governo, se relaciona nos
discursos de repressão de Getúlio Vargas a partir de suas instâncias de formulações
discursivas, historicamente situadas.
Com as contribuições de Foucault e da Análise do Discurso, aprendemos que,
não é apenas a identificação da presença do interdiscurso nos discursos de Getúlio
Vargas 1938, reacendendo na memória discursiva o atentado dos comunistas em
1935 que garante o consentimento ao processo de repressão contra os novos
inimigos, mas, um conjunto de fatores que permite a repetição dos discursos. Tratase
de considerar os fatos ligados às ações governamentais de Getúlio Vargas de
1935 até 1938; as atitudes dos comunistas antes e depois de 1935; bem como as
práticas discursivas e não-discursivas dos próprios integralistas entre estes períodoschave37.
Estes pontos devem ser mais bem aprofundados em outros momentos,
pois trata-se de uma abordagem merecedora de mais atenção por parte dos
historiadores que tratam deste período e temática. No momento, esperamos ter
conseguido destacar alguns pontos de debate que incentivem tal abordagem aos
estudos históricos em sua relação com a Lingüística, especialmente no campo da
Análise do Discurso.
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36 FOUCAULT, A arqueologia..., p. 28.
37 Para mais dados sobre estes acontecimentos e abordagem, ver SILVA, Giselda Brito. A Lógica da
suspeição contra a força do Sigma: discursos e polícia na repressão aos integralistas. Recife: CFCHUFPE,
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Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004. 41
ABSTRACT
HISTORY & LINGUISTICS: SOME
REFLECTIONS AROUND THE
APPROXIMATION
BETWEEN HISTORY AND
DISCOURSE ANALYSIS
This text is about some polemical questions
concerning the interdisciplinary relationship
between History and Linguistics which is
analyzed from the perspective of Discourse
Analysis in its French version and its benefits
for the work of the historian. In order do
discuss these questions some examples and
categories were taken from both historical and
linguistic areas of knowledge to exemplify the
benefits of interdisciplinary work as it is
operative today.
Keywords: Interdisciplinary Studies; History;
Linguistics; Discourse Analysis.
RESUMO
HISTÓRIA E LINGÜÍSTICA:
ALGUMAS REFLEXÕES EM TORNO
DAS PROPOSTAS QUE APROXIMAM
A HISTÓRIA DA ANÁLISE DO
DISCURSO
Este texto trata de algumas questões
polêmicas acerca da relação interdisciplinar
entre a História e a Lingüística, essa última
analisada na perspectiva da Análise do
Discurso em sua vertente francesa e seus
benefícios para o oficio do historiador. Para
discutir tais questões foram tomadas algumas
abordagens e categorias de uma e de outra
área de conhecimento para exemplificar os
benefícios de um trabalho interdisciplinar em
nossa atualidade.
Palavras-Chave: Interdisciplinaridade;
História; Lingüística; Análise do Discurso.
SILVA, Giselda Brito. A Lógica da suspeição contra a força do Sigma: discursos e polícia na repressão
aos integralistas. Recife: CFCH-UFPE, 2002 (Tese de Doutorado em História).,


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