sábado, 15 de janeiro de 2011

7650 - A GHRANDE DEPRESSÃO DE 1929 NA ALEMANHA

Pedro Lains
Economia e História Económica Home
Archives
Profile
Subscribe
Blogues
A Destreza das Dúvidas

A Douta Ignorância

Blogoexisto

Clube das Repúblicas Mortas

Córtex Frontal

Desmitos

e.economia.info

Economia das Pessoas

Economia Política

Ladrões de Bicicletas

Macrometria

Mãos Visíveis

Nada es Gratis

O Cachimbo de Magritte

Pegada

PNETeconomia

Sedes

The Irish Economy

Visto da Economia

Vox

Recent Posts
3.000.000.000 €
Por um país mais flexível (IV)
Cavaco e o BPN
Por um país mais flexível (III)
Os políticos e o seu (deles) poder
Por um país mais felxível (II)
Por um país mais flexível (I)
Pois
Basileia 3
Já todos perceberam que...
Categories
Coisas
Convidados
Desigualdade
Economia internacional
Economia portuguesa
História
História económica
Become a Fan
« Dois republicanos em Wall Street | Main | Ler Ben Bernanke »

09/24/2008
Em torno da crise de 1929
O texto que transcrevo em baixo não é sobre as razões do crash de Nova Iorque de 1929. É sobre as circunstâncias da economia internacional que o precederam e sobre as suas repercussões na economia europeia. Cito-o porque está lá mais ou menos tudo o que sei sobre o assunto. Serve para lembrar que as crises financeiras devem ser vistas sobretudo como fruto de reajustamentos importantes e não como o resultado de más práticas ou de falta de legislação adequada. Estas podem ajudar àquela, mas geralmente os problemas são mais profundos. Uma dedução que ajuda a compreender o que se está a passar nos dias de hoje. E ajuda também a escolher vias não proteccionistas para as soluções (texto retirado de P. Lains, Os Progressos do Atraso, Lisboa, 2003, pp. 150-156).




* * *

A Primeira Guerra Mundial obrigou à interrupção do comércio internacional, assim como dos investimentos estrangeiros e da emigração europeia e asiática em direcção às Américas. (…) As alterações nas relações económicas internacionais obrigaram também ao reajustamento das economias nacionais, por forma a substituir as importações de matérias-primas e de produtos alimentares. Para além disso, o esforço militar dos países envolvidos directamente na guerra obrigou ao aumento da produção dos sectores ligados ao armamento. Em consequência, uma vez terminada a guerra, as estruturas das economias nacionais estavam de alguma forma alteradas relativamente ao que haviam sido antes de 1914.

Grande parte dos governos europeus, entre os quais o português, financiou o esforço militar através do aumento da dívida pública interna e da circulação monetária, assim como do recurso a empréstimos no exterior. Entre os países da Europa, apenas a Grã-Bretanha manteve uma posição financeiramente mais saudável, uma vez que o esforço de guerra foi fundamentalmente financiado pelo recurso ao aumento dos impostos e da dívida pública interna. O equilíbrio financeiro colocou a Grã-Bretanha na posição de conceder empréstimos de guerra aos aliados continentais. Juntamente com os outros aliados europeus, Portugal beneficiou de empréstimos ingleses desde a sua entrada na guerra, em Março de 1916. Assim, no fim da guerra, a Grã-Bretanha era credora dos países aliados no continente europeu e devedora dos Estados Unidos.
Endividados no exterior e conhecendo sérias dificuldades financeiras, os aliados exigiram da Alemanha reparações de guerra por forma a pagarem as suas dívidas. Essas exigências partiram sobretudo da Grã-Bretanha e da França, enquanto os Estados Unidos foram mais reticentes. As reparações foram consagradas na Conferência de Paris de 1919. A insistência francesa nas reparações prendia-se com a experiência da derrota perante a Prússia, em 1870-1871, que obrigara também a reparações no sentido inverso. A diferença é que, ao contrário do que sucedera com a França da III República, abundante em créditos sobre o estrangeiro que foram canalizados para o pagamento das indemnizações, em 1919 a Alemanha de Weimar tinha maiores dificuldades em pagar as reparações exigidas. As dificuldades alemãs foram ulteriormente exageradas por Hitler e pelo Partido Nazi, na ascensão ao poder, mas eram reais, sobretudo pela urgência com que a sua liquidação foi exigida.

Considerando porventura o potencial de recuperação económica da Alemanha no pós-guerra, os Estados Unidos da América concederam créditos, maioritariamente de carácter privado, com os quais a Alemanha pôde pagar parte das reparações. O financiamento norte-americano à Alemanha fechava o círculo de pagamentos compensatórios internacionais: os Estados Unidos exportavam capitais para a Alemanha, possibilitando o pagamento das reparações aos países aliados por parte da Alemanha. Os aliados do continente podiam assim pagar as dívidas contraídas junto de Londres e Londres pagava as suas dívidas aos Estados Unidos.

O sistema internacional de pagamentos que acabámos de descrever sumariamente era em muito diferente do que funcionara ao longo do século xix, e isso por vários motivos. Pela primeira vez, os Estados Unidos aparecem como credores da Europa e a Alemanha, tradicional credora no século xix, aparece agora na posição de devedora. Para além disso, a principal fonte de financiamento internacional eram agora os Estados Unidos e a bolsa de Nova Iorque, e já não Londres. Mais importante, estas transferências internacionais de capitais dependiam de um diferencial de taxas de juro, a favor da Alemanha, que em breve seria alterado. Acresce que, ao contrário do sistema financeiro que a guerra destruiu, em que imperava o padrão ouro, o novo sistema não tinha mecanismos de ajustamento automático. Finalmente, faltava ao novo sistema uma autoridade internacional, papel que em grande medida coubera ao Banco de Inglaterra, assim como aos bancos centrais dos outros dois grandes exportadores de capitais, a França e a Alemanha. Esse papel não foi preenchido por outra autoridade financeira, que, nas condições de então, deveria ter como sede os Estados Unidos.

Com a década de 1920 deu-se início a um período de recuperação da produção agrícola e industrial em países da Europa ocidental, nomeadamente em França, em Itália, na Bélgica e Países Baixos, nos países escandinavos e, em menor grau, na Grã-Bretanha. Alguns países da periferia europeia também conheceram um certo dinamismo económico nesta altura, contando-se entre eles Portugal. Na Europa central, a recuperação veio um pouco mais tarde, na segunda metade da mesma década. Esta recuperação prendia-se com o retorno aos níveis de produção agrícola e industrial anteriores à guerra e foi em muito ajudada pela intervenção directa e reguladora dos Estados nacionais. Todavia, tal como acontecia no campo monetário, também no campo das políticas económicas não houve coordenação internacional. A tradução mais evidente dessa falta de coordenação foi o reforço do proteccionismo alfandegário, que implicou que o comércio externo não seguisse o rumo da restauração do resto da economia. Em consequência do proteccionismo europeu, o resto do mundo não pôde beneficiar da recuperação das economias europeias durante a década de 1920. Como resposta às dificuldades sentidas nas balanças de pagamentos em virtude da queda nas receitas de exportação, também esses países reforçaram o proteccionismo aduaneiro.

De qualquer modo, a reanimação das economias europeias e o regresso da estabilização monetária durante os primeiros anos da década de 1920 foram acompanhados por algum esforço de coordenação política internacional, que acabou por se revelar insuficiente. Sob a tutela da Sociedade das Nações, a Europa regressou paulatinamente a um sistema monetário que reproduzia o do padrão ouro, em que as reservas dos bancos centrais dos países aderentes podiam ser constituídas por ouro ou por outras moedas que estivessem ligadas ao ouro. Este sistema, recomendado pela Conferência de Genebra de 1922, visava fazer face à escassez de ouro na Europa. Essa escassez também influenciou a decisão de coordenar a adopção do gold-exchange standard de uma forma gradual, começando pelos países mais afectados pela inflação da guerra. Assim a vaga iniciou-se a leste, na Alemanha, na Áustria e na Hungria, para depois seguir para os novos países saídos do Tratado de Versalhes e, finalmente, chegar aos aliados. O plano Dawes de 1924 marcou o reequacionamento do pagamento das reparações de guerra por parte da Alemanha através do apoio aos empréstimos privados norte-americanos a Weimar, empréstimos que o governo alemão podia utilizar, como vimos, para pagar as dívidas aos países aliados que haviam contraído dívidas com a Grã-Bretanha.

A questão mais importante no regresso à nova versão do padrão-ouro prendia-se com a definição do valor relativo das moedas nacionais. Dado que a guerra tinha afectado de forma diferente o valor dessas moedas, não era possível regressar às paridades anteriores a 1914 sem afectar a competitividade relativa das economias. (...) A diversidade dos casos nesta enumeração mostra as dificuldades em estabelecer um novo equilíbrio nas paridades entre as moedas nacionais. Assim, o padrão ouro foi restaurado numa situação de instabilidade e bastaria uma alteração num dos principais fluxos financeiros internacionais paradesencadear uma crise. Foi precisamente o que aconteceu na sequência da crash de Nova Iorque de Outubro de 1929.

A adesão de Paris ao novo padrão ouro em 1926 implicou uma valorização do franco e criou expectativas positivas quanto à estabilidade do seu valor. O resultado foi o repatriamento dos capitais franceses que tinham saído por causa da incerteza, parte considerável dos quais estava investida na bolsa de Nova Iorque. Por forma a limitar a saída de capital, o Federal Reserve, que actuava como banco central nos Estados Unidos, adoptou uma política de contracção monetária, aumentando as taxas de juro. Em consequência, as exportações de capitais norte-americanos em direcção à Europa, em particular à Alemanha, sofreram uma contracção acentuada a partir do Verão de 1928. Durante alguns meses, os créditos norte-americanos foram substituídos por créditos europeus, mas isso não impediu a crise de rebentar.

A partir do início de 1929, a economia alemã, depois de alguns anos de recuperação, entrou em crise. Esta crise foi identificada com a diminuição de importações de capital norte-americano e com as inerentes dificuldades no pagamento das reparações. A quebra nas importações de capital originário dos Estados Unidos contribuiu, acima de tudo, para a quebra no investimento interno alemão, já que cerca de dois terços tinham esse destino. Mas os problemas alemães eram mais graves, sendo relacionados com dificuldades de gestão dos governos frágeis da República de Weimar. Depois de anos de crise e de desgaste nos níveis de vida da população, a agitação social tornou-se um factor recorrente e, em resultado da pressão dos sindicatos, os salários aumentaram mais do que a inflação.

(…)

O fim da grande depressão viria a coincidir com o fim do padrão ouro e os dois fenómenos podem, inclusivamente, estar ligados. A partir de, sensivelmente, 1935, a maior parte dos países recuperou ou, eventualmente, ultrapassou o nível de produção anterior à crise. Todavia, foram abandonadas as tentativas de coordenação política a nível internacional e o mundo entrou numa fase de maior proteccionismo. As consequências últimas dessa fase dificilmente poderão ser determinadas, dada a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939.

(…)




Posted at 14:34 in Economia internacional | Permalink

| Reblog (0)
TrackBack
TrackBack URL for this entry:
http://www.typepad.com/services/trackback/6a00e5519683fa8833010534ca2418970b

Listed below are links to weblogs that reference Em torno da crise de 1929:

Comments
CN said...
O fim do padrão ouro até parece que foi uma evolução natural.

Mas para ter terminado ou sido "abandonado", no caso americano, Roosevelt nacionalizou o ouro e por decreto executivo obrigou ao depósito de todo o ouro e proibiu a sua posse e o uso como moeda, sob pena de prisão até 10 anos.

Nunca o uso do ouro tera sido abandonado pelas pessoas não fosse este acto de violência que podemos com clareza de classificar de totalitário.

Outra coisa que deve ficar clara é que o padrão ouro não tem nenhuma problema. Problema era o facto do sistema bancário agora com a presença do FED em 1913 teve a capacidade de criar notas que diziam valer "ouro" (uma obrigação contratual) para o qual não tinham na sua posse de facto esse ouro.

Isso criou a expansão dos anos 20 tal como previsto pela teoria dos ciclos económicos da escola austriaca.

Se quisermos ser rigorosos podemos dizer que fabricar notas afirmando que valiam determinada quantidade de ouro, quando na verdade esse ouro não existia, é uma fraude.

CN
Reply 09/28/2008 at 20:42

Comment below or sign in with TypePad Facebook Twitter and more...

Em torno da crise de 1929
O texto que transcrevo em baixo não é sobre as razões do crash de Nova Iorque de 1929. É sobre as circunstâncias da economia internacional que o precederam e sobre as suas repercussões na economia europeia. Cito-o porque está lá mais ou menos tudo o que sei sobre o assunto. Serve para lembrar que as crises financeiras devem ser vistas sobretudo como fruto de reajustamentos importantes e não como o resultado de más práticas ou de falta de legislação adequada. Estas podem ajudar àquela, mas geralmente os problemas são mais profundos. Uma dedução que ajuda a compreender o que se está a passar nos dias de hoje. E ajuda também a escolher vias não proteccionistas para as soluções (texto retirado de P. Lains, Os Progressos do Atraso, Lisboa, 2003, pp. 150-156).




* * *

A Primeira Guerra Mundial obrigou à interrupção do comércio internacional, assim como dos investimentos estrangeiros e da emigração europeia e asiática em direcção às Américas. (…) As alterações nas relações económicas internacionais obrigaram também ao reajustamento das economias nacionais, por forma a substituir as importações de matérias-primas e de produtos alimentares. Para além disso, o esforço militar dos países envolvidos directamente na guerra obrigou ao aumento da produção dos sectores ligados ao armamento. Em consequência, uma vez terminada a guerra, as estruturas das economias nacionais estavam de alguma forma alteradas relativamente ao que haviam sido antes de 1914.
____________________________


_____________________________



WWW
pedrolains.typepad.com
Subscribe to this blog's feed Investigação

EconPapers
EH.Net
Fundación de Estudios de Economía Aplicada
Globaleuronet
Groningen G & D Centre
Instituto Figuerola
Links p/ História
História da Integração Europeia
e-JPH
Parlamento, 1821-1910
Penélope
Pages
Alguns dos meus artigos / Some of my articles
Drafts / Working Papers
Estatísticas / Data
Os meus livros / My books
RecomendoArchives
janeiro 2011
dezembro 2010
novembro 2010
outubro 2010
setembro 2010
agosto 2010
julho 2010
junho 2010
maio 2010
abril 2010
Pedro Lains
Powered by TypePad

COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contador de visitas