quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

7570 - A P´RIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Voando pelo passado nas asas do presente

Projeto e elaboração de: Esperança Blanco Capp

Digitação: Guilherme Eduardo Hernández (filho do primo Paco) / Santos 1.998

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Havia domingo de pic-nic, os estrangeiros usavam levar a merenda em cestos grandes, e meu pai não fugia a regra, e lá íamos nós de farnel para Guarujá, para o Recreio Astúrias do Sr. Ramon, espanhol asturiano, homem fino vermelhão e (??donairoso??), quando nos avistava, (íamos de charrete) ele vinha ao nosso encontro cheio de salamaleques, nos acomodava na varanda do Recreio, em mesinhas de mármore redondas, o mar naquele costão batia no paredão e borrifava as pessoas. Sr. Ramon, era um homem fino, espanhol de estudo, hospedeiro, sabia como agradar as senhoras, ele servia Vinho do Porto com "galletas" (bolachas) estrangeiras, que vinham da Inglaterra em latas litografadas, e as bolachas, cada uma era envolta em papel frisado parecia plisse.

Outras vezes mudávamos o rumo, o pic-nic era na Ilha Porchart, onde havia um restaurante rústico, o dono era freguês de meu pai. Na Ilha havia muitos coqueiros que davam coquinho catarro, ótimo para a tosse comprida. A Ilha era no meio do mar, afastada da praia, as vezes chegava-se a pé, e outras somente de charrete, anos depois aterraram uma parte desviando o mar, fazendo caminho ficar fácil. Houve grande polemica a respeito, a Ilha perdeu a sua beleza, a sua característica, quem saiu perdendo foi São Vicente, a praia do Itararé ficou reduzida e uma pequena prainha.

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A lembrança do meu primeiro carnaval foi o Bumba meu Boi Bumbá, que medo, lembro também do homem exótico (louco) ele andava pelas ruas com um pau cheio de fitas coloridas o Ricocó, tinha também o Pedrinho maluco, usava suspensório de pano de saco, quando dava de cara com alguém dizia: "todo mundo me conoce, os burros me cumprimentam", e ia andando pelas ruas com a sua cantilena, ele era galego, vindo da Espanha o navio naufragou, ele com 6 anos, da família somente ele e a mãe se salvaram.

Lembro-me quando chegou a Santos o famoso "Circo Recarey", eu era bem pequena, meu pai ganhou uma permanente de um camarote, o circo foi armado na confluência da rua de hoje, Goitacazes e Galeão Carvalhal, no Gonzaga, tudo era mato, quase não havia casas, e as que havia, eram pequenas moradias, o Chic mesmo era na cidade.

O parapeito do camarote era de veludo encarnado, na noite de inauguração, a banda furiosa tocava a todo vapor, lembro dos gigantes e cabeçudos, os anões, os palhaços com seus sapatos grandes, ficava do lado da Belezinha do Gonzaga, a amazonas do circo vestida de veludo com chapéu de plumas, o cavalo preto fogoso, saia fumaça das ventas, os arreios com tachões dourados, os trapezistas de lá para cá, o homem gigante com a perna de pau tirando flores da cartola, um macaco de saia jogando cascas de amendoim nos assistentes, o elefante no estalar do domador volteava dançando, o chicote o fazia dançar, aquilo era deslumbrante para mim.

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Não me saía da cabeça o espetáculo dos trapezistas, um dia meu pai recebeu do interior jacas (cestos) de charque (carnes salgadas) depois de alguns dias seguidos de chuva, as carnes começaram a soltar água salgada, no primeiro dia de sol as empregadas armavam com bambus cruzados no quintal uma armação pendurando as carnes para secar, foi eu ver o trançado de bambus e, pegando um guarda-chuva fui me empoleirar nos mesmos imitando os circenses.

Tudo foi ao chão, quebrei a cabeça,. sangue escorrendo, eu chorando que estava morrendo, e meu pai dizendo ainda não vais morrer, pois não estão saindo as tripas, apanhei umas boas palmadas. Eu morria de medo quando meu pai me ameaçava: "qualquier dia te meto el brazo por uma manga".

Don Pedro era um gaiato contador de casos, contava ele para os amigos, que na terra havia um "brutarates"(bruto) analfabeto (caso de outro século vivido por ele):

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Quando a mulher do "Brutarates" paria e comia todas a galinhas na quarentena, ele maltratava Dna. Florinda, a parteira, xingava, tinha raiva pois sabia que as galinhas e os ovos acabariam.

A Dona Florinda, única parteira do lugar, um dia passando pela rua viu o tal vomitando, o celebro dela girou rápido e nesse momento pensou na vingança, chegando perto passou a mão na barriga do tal e disse:

O senhor esta grávido. O homem mais do que depressa perguntou: Eu vou comer galinhas? - Tantas quanto quiser, respondeu a parteira.

Dona Florinda tratou de arranjar um lagarto, e deixou-o sem comer, passado alguns dias lá foi ela com a sua bolsinha, atender o bruto. Mandou que ele se deitasse na posição de parir, passou bastante mel nos testículos e foi encostando o lagarto, primeiro lambeu e depois foi mordendo, e ela foi deixando até sangrar.

Quando mais ele gritava, mais ela encostava o bicho, até que ele disse que não queria mais ter filhos nem comer galinhas.

Dona Florinda vestiu o lagarto com roupas de nené e toquinha rendada, colocando-o nos braços, que embevecido dizia: "Ojos verditos, dientes de nacar, fuiste tu que comiste los quebalos de tu pápa".

Quando eu percebia que meu pai não sorria, estava tristonho e balançando-se na cadeira, eu pulava para o seu colo e pedia "conte histórias", ai ele espairecia, sempre tinha coisas para contar.

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Ele contava que na inauguração da Avenida Paulista em 1.891, houve uma grande discussão para a escolha do nome, uma parte os potentados - queriam o nome de um certo cidadão, outros opinavam que deveria ser Av. das Acácias. Porem o realizador do projeto, no auge das discussões disse: Essa Avenida será Avenida dos Paulistas, famosa pelos Palácios dos Barões, dos Condes, Cavaleiros e Reis (classificação desse nome no tempo).

Todo o material desses palácios, foi importado - vitrais da França, os pintores da Itália, eram obras de arte, anjos envoltos em diáfanos véus transparentes, grinaldas de flores, tudo igual aos palácios estrangeiros. Contava que na sua terra alguns velhos usavam em bastão um ferro na ponta, e iam catando tocos de cigarros, batiam no chão e diziam: "Alça colilla (toco) que te embastôno" - Com esse tocos faziam cigarros com a palha de milho, e no domingo iam a "Plaza Mayor" fumar, era importante para eles.

Outras vezes, meu pai nos ensinava o "trava língua", e tínhamos que falar depressa e sem tropeços: "Três tablas van por el rio tarabincuntinculadas, llameremos al tarabincuntinculador que las venga a tarabincular mejor".

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Em 1921 ou 1922 mudamos para a Rua Visconde do Vergueiro 41/43 - D. Pedro já era chamado de Sr. Pedro, pois espanhol rico é chamado de Don, porem pobre é chamado Sr. - O armazém tinha 4 portas, o pé direito era bem alto, foi dividido ao meio, metade para armazém e a outra, moradia fechada até o teto com tábuas de forrão, dividindo paredes baixas dos cômodos, que era o quarto do casal, no meio a sala de jantar, e o nosso quarto que era isolado dos meninos, Pedro e Carlos, por um cortinão pesado com argolas corrediças.

As portas eram bem altas com bandeira em cima, foram transformadas em janelas, na rua um lampião a gás que iluminava dentro de casa, e embaixo desse lampião minha mãe sentava-se a noite na calçada para costurar e fazer nossas roupas. A rua Visconde do Vergueiro era o Beco das Palmeiras, fica entre a rua São Leopoldo e a Rua do Comércio.

(Texto escrito mais a frente, porem recolocado nessa posição face ao assunto - GEH)

Abro aqui neste espaço, voltando ao Beco da Palmeiras, quando minha mão sentava-se na soleira da porta na calada da noite. Nessa rua não passava gente, não era passagem obrigatória (só os moradores). Dizia ela: "Ouço o murmurar do rio da minha terra", ela nasceu e se criou na beirada do Rio Águeda / Ciudad Rodrigo, por isso lhe era notório o barulho. Este ano (1.990) soube pela historiadora Santista Wilma Terezinha, que por ali passava o Ribeirão dos Gerónimos nos áureos tempos.

Os lampiões tinham hora certa para serem apagados, vinha o homem com uma vara alta e com um gancho e fechava a luz (gás, luz elétrica e os bondes eram da Cia. City, empresa inglesa). Meu pai foi primeiro saqueiro de Santos tanto para costurar sacos a mão, como também, o primeiro a ter maquinas elétricas, elas era alemães "Adler", veio um técnico da Alemanha ensinar o manuseio delas a minha mãe, ela era inteligente ! aprendeu logo, o interessante era ver o homem e ela, ele não falavam português, e ela nada de alemão, mais soube transmitir para as costureiras os ensinamentos do alemão.

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Meu pai depois do resultados das duas primeiras maquinas, adquiriu mais quatro. Ele foi o primeiro na fabricação de sacos, comprou também da Alemanha uma peça grande, tinha ganchos de um lado e do outro, prendia a juta em ambos os ganchos de lá para cá, passando no meio um facão, saía de cada vez mitos sacos, que eram fechados por uma máquina pequena que fazia um cordão bem arrematado.

Lembro-me quando esteve em Santos a aeronave Graf Zepelin, ela sobrevoou o centro da cidade, para homenagear o Barão Otto Ubelle, Diretor Superintendente da firma alemã de café "Theodoro Wille", que estava localizada na Rua do Comércio perto de casa. Era um balão grande ! olhando para cima quando ele passou no beco ou na nossa rua ficou sem se ver a frente (proa) e a traseira (popa). Foi um espetáculo, festa na cidade, com a chegada do balão.

O armazém sendo bem alto, meu pai mandou fazer um mezanino, e lá em cima ficavam os pacotes de sacos remendados, depois de um temporal com chuva por alguns dias, foram molhados alguns pacotes pela goteira do telhado. Meu pai me chamou no quintal e me ensinou como montar as telhas no telhado. A mamãe brava disse: Esse serviço é para homem, ensina o Pedrito. - Nô Serafina, el es gordito y se cai se esborracha.

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Aquilo para mim não foi trabalho foi festa, subi a escada levando na cabeça uma telha de cada vez. Lá em cima olhando para baixo ia chamando os vizinhos pelo nome, quando eles me viam, diziam "Desce dai Esperancita!, hoje me lembro que perigo, pois os fios elétricos corriam atravessados pelo telhado a olho nu, quando encostava um no outro saia faísca.

Antigamente no meu tempo de menina era comum o uso de tamanco, tanto para os homens como para as mulheres, eles eram fechados no bico, canoas de português. O tamanco das mulheres tinha uma flor no bico bordada. Quando andavam eram um toc.. toc.. na rua, muitas vezes o tamanco servia como defesa da mulher, que não hesitava de tirar do pé, e batendo no sujeito dizia: "Sai da frente laparoto que eu te quebro as fuças".

Os portugueses eram fortes e trabalhadores, eles faziam jus ao dinheiro do seu ordenado mensal. Muitas vezes vi português carregar dois sacos cheios de café na cabeça de 60 quilos cada um, e subir a escada para deposita-los na pilha que estava no meio do armazém. No alto dessa pilha, o arranjador responsável pela colocação, que devia ser bem balançada, ia remanejando-os de um para outro lado.

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Na esquina da Rua do São Bento com a São Leopoldo(lado do Convento) tinha o Bar Vasco da Gama. No alto da fachada, bem na quina do telhado, tinha a estatua do Navegador Vasco da Gama, em tamanho de um homem normal, em cima de meia canoa - só aparecia a proa. Vestido com trajes coloridos, correntes no pescoço com uma cruz no peito, calças gibão (casaco sem mangas) que ia até os joelhos, e gorro na cabeça. Olhando do alto do Morro do São Bento parecia que o Vasco da Gama estava chegando na praia, até ondas tinha na frente do barco.

Em frente a Rua Visconde do Vergueiro tinha o Palácio dos Vergueiros, prédio de porão alto, todo com ladrilhos portugueses em relevo, tinha dois andares em cima do porão(hoje contariam como 3 andares). O portão era de lado, abóbada em cantaria, do lado esquerdo da entrada uma escada em forma de meia-lua, também em pedra com diversos lances. Na entrada da rua, lado direito, tinha uns argolões de bronze, o chão era de paralelepípedos para a entrada de carruagens, no fundo havia ferro com argolas, o negro Domingos bem velho de carapinha branca, dizia ter sido escravo do Sr. Visconde, e aquele ferro era o tronco onde ficavam presos os escravos fujões. O negro Domingos tinha um bastão com costas de ouro, dado pelo "sinhô" quando foi alforriado, vivia de esmolas, mal conseguia andar, ele fora cocheiro do tilbury.

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Eu conheci bem esse Palácio, era um cortiço, onde eu ia aprender bordado com a Maria Moleque, todos os dias eu subia a escada, tinha pinturas de homens e mulheres desnudos dos lados e no patamar, olhando bem em frente tinha uma divisória de madeira baixa, onde se podia ver as pinturas no teto, os lampadários de bronze com vidros de cristal lapidados, era do tempo do gás ou da lamparina. Quando conheci os fios elétricos, estavam presos por todos os lados nas paredes, havia uma republica de portugueses nesse salão de pinturas, iguais as figuras que tinha visto do Palácio de Versalhes, em um cartão postal.

No porão na parte de trás tinha o sapateiro, o nome? era Mestre, ele era alemão, a cama dele era uma espécie de maca com cortinado pendurado no teto. Mestre Sapateiro arrastava o "R" no falar. Tinha participado ativamente em 1.914/1918 da Primeira Guerra Mundial, tinha fotos de militares e ele as mostrava ao meu irmão Pedro, apontando entre eles o próprio, tinha coleção de selos em álbuns, o que fez despertar no Pedro o colecionar de selos, eles se davam bem, todo e qualquer prato ou bolinho doce, que era feito em casa, a parte do Mestre Sapateiro era reservada.

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Continuando a história do Palácio, bem no fundo tinha a Dona Maria Galinheira, que vendia ovos e galinhas, as penosas eram vendida com penas e as pessoas tinha de matar e depenar, para depois fazer o prato preferido. Onde era o galinheiro tinha sido as baias dos animais do Visconde. Interessante lembrar que dos lados do patamar da entrada, depois de subir a escada, parecendo receber os visitantes ou convidados tinha de um lado a pintura de Adão, coberto de frente com cachos de uva, e do outro lado a Eva com seu esplendor de beleza, envolta em gaze, e com uma coroa de flores na cabeça.

Minha amiga Ida Cappola Correia e eu, éramos alunas de bordado da Maria Moleque - Moleque no nome - ela era bonita e namoradeira, um pouco adiantada no tempo. No casamento dela fui sua dama de honra, carregando a almofada na frente dos noivos, a passos cadenciados. O carro era um landáu puxado por cavalos brancos, por fora todo nacarado, por dentro forrado de cetim com pufês de filó e flores de laranjeira, quem alugava esses carros era a Casa David Serra, que também alugava carros mortuários.

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