domingo, 29 de agosto de 2010

2751 - HISTÓRIA DOS BONDES NOBRASIL

Os Bondes de
P I R A J U
Estado de São Paulo
BRASIL
por
Allen Morrison
texto traduzido ao português por
Nelson Montilha de Faria Junior



[See English version]




Piraju é uma cidadezinha pitoresca na região cafeeira 340 km a oeste de São Paulo, não muito longe da fronteira com o Paraná. A localização é remota e a população que era somente de 4000 em 1915, é hoje por volta de 25000. Piraju era a segunda menor cidade do Brasil – após Bom Sucesso em Minas Gerais – para ter um bonde elétrico. Também teve umas das poucas linhas rurais de bonde elétrico do Brasil.

A Estrada de Ferro Sorocabana abriu um ramal em 1906 de Manduri até um ponto 2 km ao norte de Piraju chamado Vila Tibiriçá [veja o mapa da área]. O Ramal de Piraju não foi construído ao longo de toda Piraju pela presença de um vale largo, muito profundo ao longo do rio Paranapanema. Em 1911 a Caisse Générale de Prêts Fonciers et Industriels (Caixa Geral de Empréstimos Fundamentais e Industriais) da França levantou fundos para construir um bonde elétrico da estação ferroviária para a cidade e além de Piraju para a zona rural rica em café. Em 1912 Bromberg, Hacker & Cia. de São Paulo, um agente da Siemens-Schuckertwerte de Berlim, instalou uma usina de força na Fazenda Boa Vista, 15 km a oeste da cidade, que ainda ilumina a cidade hoje. A fotografia abaixo foi tirada em 1983. Ambas as turbinas e a bandeja de ferramentas na parede estão marcadas “J.M. Voith, Heidenheim, 1912”. [Gilberto Polenghi]



Também em 1912, Eduardo Guinle & Cia. do Rio de Janeiro, agente da General Electric dos Estados Unidos, pediram oito veículos para trilho para Piraju de J.G. Brill Co. na Filadélfia: seis vagões de transporte de 4 eixos de números 1 a 6, e dois bondes de passageiros de 4 eixos de números 7 e 8. Aqui está uma foto tirada na fábrica Brill em 1912 do carro reboque 7 de passageiros com 12 bancos, que foi posteriormente motorizado. [col. Brill, Historical Society of Pennsylvania]



Em 1913 Guinle adquiriu outro bonde de passageiros de 4 eixos da Brill, o número 10, e um vagão de 2 eixos menor com 9 bancos, de número 9, de uma fonte não identificada [veja abaixo]. Tramway Eléctrico Municipal de Piraju começou seus testes em 1º de agosto e foi formalmente inaugurado em 15 de agosto de 1915. O intervalo entre os trilhos da linha era um metro e os vagões levavam alavancas de estilo americano. A linha começava na estação ferroviária [veja o mapa da cidade], onde a foto abaixo foi tirada no dia da estréia. [col. AM]



Os construtores do bonde, políticos locais e suas famílias posaram antes de embarcarem no bonde para a viagem inaugural. [col. Gilberto Polenghi]



Da Vila Tibiriçá a linha contornava o monte no seu sentido particular, cruzava o rio Paranapanema em um cavalete de aço e circulava pelas ruas de Piraju. A linha interurbana deixava a linha urbana próximo da ponte [veja o mapa da cidade]. A fotografia abaixo, tirada por volta de 1930, mostra um grupo feliz descendo as costas do monte para o vale do rio. A vista é sul. Aquela é Piraju do outro lado do rio. [col. Gilberto Polenghi]



A ponte que o bonde costumava cruzar foi construída pela Companhia de Ferro Anglo-Brasileira sob a supervisão de Kermit Roosevelt, filho do presidente americano Theodore Roosevelt. Roosevelt visitou seu filho em outubro de 1913, e ambos deixaram a área pouco depois, antes de o bonde ser inaugurado. A fotografia abaixo, datada de abril de 1914, mostra a envergadura de aço de 109 m (358 pés) sob a construção próxima a uma ponte de vagão. A vista é norte, do banco sul do rio. [col. AM]



A fotografia sem data abaixo, olhando para a mesma direção, mostra um bonde viajando para o sul no que parece ser uma ponte de madeira perto da ponte de vagão. Essa é, de fato, a mesma estrutura de aço como acima suportada por vigas de madeira. [col. AM]



A ponte do bonde era também usada por pedestres, animais e outros veículos, porque não havia outro modo de se cruzar o rio Paranapanema [veja o mapa da cidade]. Note os cabos de bonde suspensos. [col. Gilberto Polenghi]



Esta foto, tirada nos anos 30, mostra a represa que eventualmente irá elevar o nível da água que submergirá a ponte do bonde à distância [veja o mapa da cidade]. Parece ter junções de trilhos acima, que parecem que foram planejadas para o bonde. Note que o bonde em A e a linha ao longo da estrada em B. Em C ela sai da estrada e ia rumo a Rua Major Mariano em D e a garagem do bonde (não mostrada) em E. [col. AM]



Na garagem do bonde a linha interurbana saía da ramificação da linha urbana e percorria 26 km para oeste e sul para Sarutaiá [veja mapa da área]. Aqui está uma vista de cartão postal rara de um bonde não identificado de 12 bancos no terminal Sarutaiá. A data é 1916. [col. Irineu Sela Frias]



Ampliação de um bilhete de segunda classe usado na linha de Sarutaiá. A identidade do Dr. Rubião Junior é desconhecida. [col. Gilberto Polenghi]



Outro mistério em Piraju é a origem do bonde de passageiro 9 de 4 rodas, mostrado aqui na Rua Major Mariano [veja mapa da cidade]. É um estilo clássico da Brill, mas não há pedido de tal veículo nos registros da Brill. Parece provável que Tramway Eléctrico Municipal de Piraju adquiriu o vagão da São Paulo Tramway, Light & Power Co., que proveram veículos similares em 1914 para o bonde em Sorocaba, que também usava a bitola métrica. [col. AM]



O bonde elétrico era obviamente uma fonte de orgulho e prazer para os residentes da pequena cidade, mas o negócio principal da TEMP era a agricultura. A fotografia abaixo, tirada na Filadélfia, mostra um dos vagões de carga motorizados com vagões 27GE1 que a TEMP fez pedido à Brill em 1912. [Brill Magazine, Filadélfia, 12/1913, pág. 378]



De acordo com os registros da Brill, o vagão 2 foi construído em 1912 como reboque de gôndola, com trucks modelo 55F. Esta fotografia sem data mostra um vagão de transporte de gêneros com trucks 27GE1 da Brill, semelhante ao vagão 3 acima. Aparentemente muitos vagões foram reconstruídos. Os vagões de reboque foram reconstruídos como vagões com motor. [col. AM]



Os livros de pedidos da Brill descrevem o Piraju 6 como um carro reboque, com trucks 55F para transporte de gêneros. Piraju 6 nesta fotografia é uma gôndola motorizada, com trucks 27GE1, que carregavam feno. [col. Gilberto Polenghi]



O Anuário Estatístico do estado de São Paulo relatou que o Tramway Eléctrico Municipal de Piraju operava seis vagões de passageiros e dez vagões de carga em 1916. A mesma pesquisa relatou sete vagões de passageiros e oito vagões de carga em 1921. A Brill construiu nove veículos para Piraju. Outro vagão de passageiros veio presumidamente de São Paulo. A origem dos outros seis veículos é desconhecida. Aqui está uma gôndola motorizada de número 5 em um piquenique de funcionários do bonde em 1923. A localidade é a fazenda Santa Virgínia, não muito longe da usina de força Boa Vista mostrada na primeira fotografia [veja o mapa da área]. Note que todo homem (e criança) tem um chapéu e que o automóvel é de número 32. [col. Ernesto & Jaime Baptista]




O sistema de bonde de Piraju foi vendido em 1921 para Marcos Rolim, um industriário regional, e em 1925 para a firma de eletricidade da região, Companhia Luz e Força Santa Cruz – que era controlada pela Corporação Votorantim de Sorocaba. Ambos os serviços de passageiros e tráfico de carga em Piraju eram pesados e a CLFSC planejava comprar vagões adicionais e estender a linha até Carlópolis no estado do Paraná. Se construído teria sido a única estrada de ferro eletrificada interestadual no Brasil (e teria envolvido uma ponte muito maior sobre o rio Itararé). As construções de uma nova barragem e usina hidrelétrica no rio Paranapanema começaram e as linhas dos trilhos pareciam ter sido colocados sobre as travas [veja foto da ponte acima].

Mas a CLFSC aparentemente mudou de idéia. Um historiador local diz que o bonde fechou em 1931. A barragem não foi inaugurada – e supostamente a velha ponte do bonde não estava submersa – até 1936 e o Guia Levi, a publicação mensal que lista os horários de trem por todo estado, mostra bondes ainda circulando da estação ferroviária até a cidade de Piraju em sua edição de abril de 1937, pág. 130 [veja mapa da cidade]. [col. AM]



Os quadros de horário da ferrovia às vezes não são mantidos atualizados. Os registros da cidade declaram o bonde oficialmente fechado em 2 de agosto de 1937. De qualquer modo, 1931 ou 1937, este foi o fechamento de bonde elétrico mais precoce no Brasil.

As duas fotografias seguintes foram tiradas na garagem do bonde [veja mapa da cidade] nos meados de 1930. Os cavalheiros são da Companhia Paulista de Eletricidade, a operadora de bondes em São Carlos no outro lado do estado de São Paulo, que compraram o bonde 9 de 4 eixos de Piraju. [col. AM]



No segundo retrato o carro parece ter mais de quatro rodas. [col. AM]



A Companhia Paulista de Eletricidade reconstruiu o bonde 9 como carro fechado e a colocou em serviço en 1936. Transportou os residentes de São Carlos até 1962.

Outros veículos foram vendidos a Votorantim. O Ramal de Piraju foi fechado em 1965, sendo os trilhos removidos, e nas décadas seguintes o que restou foi uma estação ferroviária e um terminal de bondes desertos, no meio do campo. [AM]



Depois da visita do autor um jornal local publicou o seguinte artigo:



Em 1983 o rio Paranapanema inundou-se e passou por sobre a ponte. Após as águas baixarem, o rio voltou ao seu nível original e os suportes de concreto da ponte de aço do bonde, submersos por meio século, foram expostos [veja o mapa da cidade]. [Gilberto Polenghi]



A história do bonde de Piraju não termina aqui! Em fevereiro de 2000, na ocasião do aniversário de 120 anos da cidade, o Prefeito Maurício Pinterich anunciou um plano de adquirir quatro bondes belgas do sistema abandonado em Assunção, Paraguai, para usar em uma linha turística proposta. Piraju é cercada por rios e lagos e se tornou em centro de férias para pesca, navegação e outros esportes aquáticos.

Mas não aconteceu. Ainda esperamos que alguém venha resgatar este bondinho, que com certeza teve um importante papel na história de Piraju.





BIBLIOGRAFIA
(em ordem da publicação)

Artigos de notícia em Brazil-Ferro-Carril (Rio de Janeiro), 6/1911, p. 8, e 31/8/1915, p. 338. Planeamento, construção e inauguration do tramway de Piraju.

"Passenger and Freight Cars for Piraju" em Brill Magazine (Filadélfia), 12/1913, pp. 377-379. Texto, diagramas e fotografias dos carros Brill construídos para Piraju.

São Paulo (estado). Repartição de Estatística e Archivo do Estado. Anuário Estatístico de São Paulo, 1915-1921. São Paulo , 1916-1926. Todos os anos a seção "Viação Urbana” em vol. 2 fornece estadísticas do Tramway Eléctrico Municipal de Piraju.

São Paulo (estado). Instituto Geográfico e Geológico. Mapa topográfico "Piraju" escala 1:100,000, 1919. A linha de bonde interurbana entre Vila Tibiriçá e Sarutaiá.

The Letters of Theodore Roosevelt. Elting E. Morison, editor. Cambridge, Massachusetts, 1954. Uma nota na p. 752 do vol. 7 diz: "Roosevelt, Mrs. Roosevelt and their niece, Margaret Roosevelt, sailed from New York for Rio de Janeiro on October 4 . . . On October 16 the whole party left Rio, going by train to São Paulo, Santos and Porto Alegre." A cronologia em vol. 8, apêndice IV, p. 1482, indica que em 28 de outubro Theodore “inspected industries including the Anglo-Brazilian Iron Co.”

Leman, Constantino. Piraju, Ontem e Hoje. Piraju, 1959. Descrição do tramway, pp. 120-122.

Polenghi, Gilberto. "Relembrando..." Folha de Piraju (Piraju), 4/2/1984, p. 6. Descrição da linha interurbana de Sarutaiá.

Piraju vai importar bondes paraguaios, Artigo da Terra Networks de 8/2/2001 sobre o projeto turístico de tramway.

Ralph Mennucci Giesbrecht. Estações Ferroviárias do Brasil: Piraju. Descrição, história e fotografias da estação de estrada de ferro de Piraju.

Estância Turística de Piraju. A Galeria de fotos antigas do município inclui algumas vistas da ponte do tramway.

Olivier Vianna. O bonde elétrico de Piraju. Texto e nove ilustrações.

Agradecimentos especiais aos residentes Gilberto Polenghi, Motaury Iaralham e Erwin Von Wromski de Piraju para suas contribuições a este estudo.



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