quinta-feira, 29 de julho de 2010

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63 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 64 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 3 ACIMA,
LOGUN-EDÉ,
JOVEM
CAÇADOR.

POVO Negro 65 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 REGINALDO PRANDI ASRELIGIÕESNEGRASNA SOCIEDADEBRANCA O quadro das religiões negras, ou religiões afro-brasileiras, é bastante diversificado. Em seu conjunto, até os anos 30 deste século, as religiões negras poderiam ser incluídas na categoria das religiões étnicas ou de preservação de patrimônios culturais dos antigos escravos negros e seus descendentes, enfim, religiões que mantinham vivas tradições de origem africana. Formaram-se em diferentes áreas do Brasil, com diferentes ritos e nomes locais derivados de tradições africanas diversas:candomblé na Bahia,
xangô em Pernambuco e Alagoas, tambor de mina no Maranhão e Pará,batuque no Rio Grande do Sul,macumba no Rio de Janeiro. Para uma sociologia dos cultos afro-brasileiros REGINALDO PRANDI é professor do Departamento de
Sociologia da USP e
autor de, entre outros

livros,O s Candomblés de São Paulo: a As religiões negras do Brasil 66 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 grande parte se perdeu através do tempo, sen- do hoje muito difícil traduzir os versos das cantigas sagradas e impossível manter con- versação na língua do candomblé. Além do queto, as seguintes “nações” também são do tronco iorubá (ou nagô, como os povos iorubanos são também denominados): efã e ijexá na Bahia, nagô ou eba em Pernambuco, oió-ijexá ou batuque de nação no Rio Grande do Sul, mina-nagô no Maranhão, e a quase extinta “nação” xambá de Alagoas e Pernambuco.
O candomblé de “nação” angola, de ori- gem banto, adotou o panteão dos orixás iorubás (embora os chame pelos nomes de seus esquecidos inquices, divindades bantos), assim como incorporou muitas das práticas iniciáticas da nação queto. Sua linguagem ritual, também intraduzível, originou-se pre- dominantemente das línguas quimbundo e quicongo. Nessa “nação”, tem fundamental importância o culto dos caboclos, que são espíritos de índios, considerados pelos anti- gos africanos como sendo os verdadeiros ancestrais brasileiros, portanto os que são dignos de culto no novo território em que foram confinados pela escravidão. O candom- blé de caboclo é uma modalidade do angola centrado no culto exclusivo dos antepassa- dos indígenas. Foi provavelmente o candom- blé angola e o de caboclo que deram origem à umbanda. Há outras nações menores de origem banto, como a congo e a cambinda, hoje quase inteiramente absorvidas pela na- ção angola.
A nação jeje-mahin, do estado da Bahia, e a jeje-mina, do Maranhão, derivaram suas tradições e língua ritual do ewê-fon, ou jejes, como já eram chamados pelos nagôs, e suas entidades centrais são os voduns. As tradi- ções rituais jejes foram muito importantes na formação dos candomblés com predominân- cia iorubá.
Em nosso século nasceu a umbanda, que tem sido reiteradamente identificada como sendo a religião brasileira por excelência, pois, formada no Brasil, ela resulta do encontro de tradições africanas, espíritas e católicas (2). Ao contrário das religiões negras tradicionais que se constituíram como religiões de grupos negros, a umbanda surge como religião uni- versal, isto é, dirigida a todos. A umbanda sempre procurou legitimar-se pelo apagamen- to de feições herdadas do candomblé, sua
Na Bahia originou-se também o muito po- pular candomblé de caboclo e o menos co- nhecido candomblé de egum. Mais recente- mente, no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, constituiu-se au m b a n d a, que logo se disseminou por todo o país, abrindo, de certo modo, caminho para uma nova etapa de difu- são do antigo candomblé. O Nordeste foi ber- ço também de outras modalidades religiosas mais próximas das religiões indígenas, mas que cedo ou tarde acabaram por incorporar muito das religiões afro-brasileiras ou as in- fluenciar. Trata-se doc a t i m b ó, religião de espíritos aos quais se dá o nome de mestres e caboclos, que se incorporam no transe para aconselhar, receitar e curar. Esse tronco afro- ameríndio tem particularidades em diferen- tes lugares, sendo chamado dej u r e m a,t o r é,
pajelança, babaçuê, encantariae cura( 1 ) . Tudo indica que a organização das religiões negras no Brasil deu-se tardiamente. Uma vez que as últimas levas de africanos trazidos para o Novo Mundo nas últimas décadas do século XIX, período final da escravidão, foram fixa- das sobretudo nas cidades e em ocupações urbanas, os africanos desse período puderam viver no Brasil em maior contato uns com os outros, física e socialmente, com maior mo- bilidade e, de certo modo, liberdade de movi- mentos, num processo de interação que não conheceram antes. Esse fato propiciou con- dições sociais favoráveis para a sobrevi- vência de algumas religiões africanas, com a formação de grupos de culto orga- nizados.
Quando se fala em candomblé, geralmen- te a referência é o candomblé queto, ou da chamada “nação” queto, da Bahia, vertente em que predominam os orixás e ritos de ini- ciação de origem iorubá. Seus antigos terrei- ros são os mais conhecidos e prestigiados do Brasil: a Casa Branca do Engenho Velho, o candomblé do Alaketo, o Axé Opô Afonjá e o Gantois. As mães-de-santo que alcançaram grande prestígio e visibilidade na sociedade local têm sido dessas casas, como Pulquéria e Menininha, sua sobrinha-neta e sucessora no candomblé do Gantois; Olga, do terreiro do Alaketo; e Aninha, Senhora e Stella, do candomblé do Opô Afonjá. O candomblé queto tem tido grande influência sobre outras “nações”, que têm incorporado muitas de suas práticas rituais. Sua língua ritual deriva do iorubá, mas o significado das palavras em
1 Para as diferentes modali- dades religiosas afro-bra- sileiras, ver Bastide 1975, 1978; Carneiro 1936; Rodrigues 1935; Motta 1985; Pinto 1935; S. Ferretti 1986; M. Ferretti 1985, 1994; Eduardo 1948; Herskovits 1943; Corrêa 1992; Oro 1994; Prandi 1991a, 1993; Santos 1995; Braga 1992; Camargo 1961.
2 Camargo 1961; Concone 1987; Ortiz 1978. 67 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 matriz negra, especialmente os traços referi- dos a modelos de comportamento e mentali- dade que denotam a origem tribal e depois escrava, mantendo contudo essas marcas na constituição do panteão. Comparado ao do candomblé, seu processo de iniciação é mui- to mais simples e menos oneroso e seus ritu- ais evitam e dispensam sacrifício de sangue. Os espíritos de caboclos e pretos-velhos ma- nifestam-se nos corpos dos iniciados durante as cerimônias de transe para dançar e sobre- tudo orientar e curar aqueles que procuram por ajuda religiosa para a solução de seus males. A umbanda absorveu do kardecismo algo de seu apego às virtudes da caridade e do altruísmo, assim fazendo-se mais ocidental que as demais religiões do espectro afro-bra- sileiro; mas nunca completou o processo de ocidentalização, ficando a meio caminho entre ser religião ética, preocupada com a orienta- ção moral da conduta, e religião mágica, vol- tada para a estrita manipulação sobrenatural do mundo.
Desde o início as religiões afro-brasilei- ras se formaram em sincretismo com o cato- licismo, e em grau menor com religiões in- dígenas. O culto católico aos santos, numa dimensão popular politeísta, ajustou-se como uma luva ao culto dos panteões africanos. Com a umbanda, acrescentaram-se à verten- te africana as contribuições do kardecismo francês, especialmente a idéia de comunica- ção com os espíritos dos mortos através do transe, com a finalidade de se praticar a ca- ridade entre os dois mundos, pois os mortos devem ajudar os vivos sofredores, assim como os vivos devem ajudar os mortos a encontrarem, sempre pela prática da carida- de, o caminho da paz eterna, segundo a dou- trina de Kardec. A umbanda perdeu parte de suas raízes africanas e se espraiou por todas as regiões do país, sem limites de classe, raça, cor (Prandi, 1995). Mas não interferiu na identidade do candomblé, do qual se des- colou, conquistando sua autonomia. E o candomblé também mudou. Até 20 ou 30 anos atrás, o candomblé era religião de ne- gros e mulatos, confinado sobretudo na Bahia e Pernambuco, e de reduzidos gru- pos de descendentes de escravos localiza- dos aqui e ali em distintas regiões do país. No rastro da umbanda, a partir dos anos 60 deste século, o candomblé passou a se ofe- recer como religião também para segmen-
tos da população de origem não-africana. A presença do negro na formação social do Brasil foi decisiva para dotar a cultura brasileira dum patrimônio mágico-religioso, desdobrado em inúmeras instituições e dimen- sões materiais e simbólicas, sagradas e profa- nas, de enorme importância para a identidade do país e sua civilização. No que diz respeito à religião especificamente, os cultos trazidos pelos africanos deram origem a uma varieda- de de manifestações que aqui encontraram conformação específica, através de uma multiplicidade sincrética resultante do con- tato das religiões dos negros com o catolicis- mo do branco, mediado ou propiciado pelas relações sociais assimétricas existentes entre eles, e também com as religiões indígenas e bem mais tarde, mas não menos significati- vamente, com o espiritismo kardecista.
Desde sua formação em solo brasileiro, as religiões de origem negra têm sido tributá- rias do catolicismo. Embora o negro, escravo ou liberto, tenha sido capaz de manter no Brasil dos séculos XVIII e XIX, e até hoje, muito de suas tradições religiosas, é fato que sua religião enfrentou-se desde logo com uma séria contradição: a própria estrutura social e familiar às quais a religião dava sentido aqui nunca se reproduziram. As religiões dos bantos, iorubás e fons são religiões de culto aos ancestrais, que se fundam nas famílias e suas linhagens.
O tecido social do negro escravo nada ti- nha a ver com família, grupos e estratos sociais dos africanos nas suas origens. Assim, a re- ligião negra só parcialmente pôde se repro- duzir aqui. A parte ritual da religião original mais importante para a vida cotidiana, cons- tituída no culto aos antepassados familiares e da aldeia, pouco se refez, pois a família se perdeu, a tribo se perdeu. Na África, era o ancestral do povoado (egungum) que cuida- va da ordem do grupo, resolvendo os confli- tos e punindo os transgressores que punham em risco o equilíbrio coletivo. Quando as estruturas sociais foram dissolvidas pela es- cravidão, os antepassados perderam seu lu- gar privilegiado no culto. Sobreviveram marginalmente no novo contexto social e ri- tual. As divindades mais diretamente ligadas às forças da natureza, mais diretamente en- volvidas na manipulação mágica do mundo, mais presentes na construção da identidade da pessoa, os orixás, divindades de culto ge-
68 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 nérico, estas sim vieram a ocupar o centro da nova religião negra em território brasileiro. Pois que sentido poderia fazer o controle da vida social para o negro escravo? Fora de suas assembléias religiosas, era o catolicismo do senhor a única fonte possível de ligação com o mundo coletivo projetado para fora do tra- balho escravo e da senzala.
Se a religião negra, ainda que em sua re- construção fragmentada, era capaz de dotar o negro de uma identidade negra, africana, de origem, que recuperava ritualmente a famí- lia, a tribo e a cidade, perdidas para sempre na diáspora, era através do catolicismo, contu- do, que ele podia se encontrar e se mover no mundo real do dia-a-dia, na sociedade dos brancos dominadores, responsável pela ga- rantia da sua existência, não importa em que condições de privação e dor. Qualquer tenta- tiva de superação da condição escrava, como realidade ou como herança histórica, impli- cava primeiro a necessária inclusão no mun- do branco. E logo passava a significar o imperativo de ser, sentir-se e parecerb r a s i -
leiro. Nunca puderam ser brasileiros sem ser católicos. Podiam preservar suas crenças no estrito limite dos grupos familiares, muitas vezes reproduzindo simbolicamente a famí- lia e os laços familiares através da congrega- ção religiosa, daí a origem dos terreiros e das famílias-de-santo. Mas a inserção no espaço maior exigia uma identidade nacional, por assim dizer, uma identidade que refletisse o conjunto geral da sociedade católica em ex- pansão. O fim da escravidão, a formação da sociedade nacional, o extravasamento das populações pelas amplitudes geográficas, com a criação de possibilidades as mais diferen- tes, tudo isso só fez reforçar a importância do catolicismo para as populações negras. O próprio catolicismo, como cultura de inclu- são, hegemônica, não fez oposições, que não pudessem ser vencidas, ao fato de o negro manter uma dupla ligação religiosa. Pois em São Luís, talvez o mais vivo e denso centro cultural dos sincretismos afro-católicos, não são apenas os devotos das religiões negras que são também católicos; católicas também são consideradas pelos seus fiéis as próprias divindades trazidas da África. As religiões afro-brasileiras, em suas origens, sempre fo- ram devedoras e dependentes do catolicismo, ideológica e ritualmente. Só muito recente- mente — quando a sociedade brasileira não
precisa mais do catolicismo como a grande e única fonte de transcendência que possa legitimá-la e fornecer os controles valorativos da vida social —, as religiões de origem ne- gra começaram a se desligar do catolicismo. Mas isso é um projeto de mudança de iden- tidade que mal começou e que exige, antes, outras experiências de situar-se no mundo com mais liberdade e direitos de pertencimento (3).
Desobrigadas, desde o nascimento, das questões referentes à administração da justi- ça que pressupõe princípios universalistas e pactos coletivos acima dos desejos individu- ais, posto que isso era domínio exclusivo da religião geral da sociedade geral, isto é, o catolicismo; desinteressadas de conteúdos formadores da pessoa para o mundo profano, porque o modelo aqui é branco; alimentando o culto de deuses que se exteriorizam e se expressam especialmente através daf o r m a, não é sem razão que as religiões afro-brasilei- ras desenvolveram um enorme senso ritual presidido por inigualável senso estético, ca- paz de transbordar os limites do sagrado para se impregnar nas expressões mais profanas que modelam a identidade nacional. Ser bra- sileiro agora é ser do samba, do “camarão ensopadinho com chuchu”, do carnaval de avenida — que é tudo afro-brasileiro e nada absolutamente religioso. Os elementos da religião tradicional, ao serem assimilados pela cultura nacional, deixam de ser religiosos para serem simplesmente exóticos. E mesmo quan- do conteúdos religiosos, nessas circunstâncias, são mantidos por seus cultores, como o ebó para Exu que abre o desfile da grande escola de samba de prestígio universal, isso não tem nenhuma importância para a sociedade. Esse ebó, certamente privativo de um grupo que busca firmar sua identidade religiosa singu- lar, não se publiciza a não ser como ingredi- ente estético.
UMBANDA, UMA RELIG IÃO UN IV ERSA L No Estado do Rio de Janeiro, cerca de 1920, foi fundado o primeiro centro de umbanda, que teria nascido como dissidência de um kardecismo que rejeitava a presença de guias negros e caboclos, considerados pelos espíritas mais ortodoxos como espíritos infe- riores. De Niterói, esse centro foi se instalar
3 Para outras interpretações e aspectos de sincretismo católico nas religiões afro- brasileiras, ver Valente 1977; S. Ferretti 1995; Sanchis 1995.
69 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 numa área central do Rio em 1938. Logo se- guiu-se a formação de muitos outros centros desse espiritismo de umbanda, os quais, em 1941, com o patrocínio da União Espírita Brasileira, promoveram no Rio o Primeiro Congresso de Umbanda, congresso ao qual compareceram umbandistas de São Paulo.
A fundação, nos anos 20, daquele primei- ro centro de umbanda no Rio de Janeiro, como dissidência pública e institucionalizada do kardecismo, num processo de valorização de elementos nacionais, como o caboclo e o pre- to-velho, que são espíritos de índios e escra- vos, deve ter representado uma forma de acomodação seletiva, um movimento de rearranjo entre duas alternativas confluentes na perspectiva dos fundadores da umbanda: uma mais rica em conteúdos doutrinários, a outra mais centrada em práticas rituais. O kardecismo como religião de salvação, reli- gião da palavra, o candomblé como religião ritualística, de manipulação do destino.
A umbanda que nasce retrabalha os ele- mentos religiosos incorporados à cultura bra- sileira por um estamento negro que se dilui e se mistura no refazer das classes sociais, numa cidade que, capital federal, é branca, mesmo quando proletária; culturalmente européia; que valoriza a organização burocrática da qual vive boa parte da população residente; que premia o conhecimento pelo aprendizado escolar em detrimento da tradição oral; e que já aceitou o kardecismo como religião, pelo menos entre setores importantes fora da Igre- ja Católica. “Limpar” a religião nascente de seus elementos mais comprometidos com a tradição iniciática secreta e sacrificial é to- mar por modelo o kardecismo, capaz de ex- pressar ideais e valores da nova sociedade republicana, ali na sua capital. Os passos decisivos foram a adoção da língua vernácula, a simplificação da iniciação, com a elimina- ção quase total do sacrifício de sangue, inici- ação que ganha, ao estilo kardecista, caracte- rísticas de aprendizado mediúnico público, o desenvolvimento do médium. Mantém-se o rito cantado e dançado dos candomblés, bem como um panteão simplificado de orixás, já porém há muitos anos sincretizados com san- tos católicos, reproduzindo-se, portanto, um calendário litúrgico que segue o da Igreja Católica, publicizando-se as festas ao com- passo desse calendário. Entretanto, o centro do culto no seu dia a dia estará ocupado pelos
guias, caboclos, pretos velhos e mesmo os “maléficos” e interesseiros exus masculinos e femininos, as pombagiras, já cultuados em antigos candomblés baianos e provavelmen- te cariocas (Prandi, 1994b).
Na umbanda que se consolidará a partir de então, a presença da entidade no transe ritual volta-se mais para a cura, limpeza, aconselhamento dos fiéis e clientes, afastan- do-se de outro ideal kardecista: o de comuni- cação com os mortos com o fim de estender ao mundo dos espíritos atrasados e sofredo- res a doutrinação evangélica caridosa, e rece- ber dos espíritos de luz orientação para o desenvolvimento de virtudes na terra, curas do corpo e da alma, evolução espiritual dos vivos e dos mortos.
Quando a umbanda nascia, a Igreja Cató- lica lutava pela reiteração da autoridade da hierarquia romanizada, proclamava-se a re- ligião brasileira única, ou única via de diálo- go e intermediação entre o “povo” e o Estado da ditadura Vargas. Nunca tendo aceitado o espiritismo kardecista, cuja base de prestígio firmava-se sobre enorme rede de filantropia e adesão de uma intelectualidade da peque- na-burguesia tradicional urbana, a Igreja Católica sequer se pronunciava oficialmente sobre a umbanda em seu período inicial, tra- tada por ela, como por intelectuais leigos da época, como baixo espiritismo, portanto for- ma degenerada do kardecismo. Só no final dos anos 1940 a Igreja iria declarar-se aber- tamente contra a umbanda, reconhecendo-a
ipso facto como religião, e religião inimiga, e importante inimigo. Desligado da Igreja Católica desde a república, o Estado, na prá- tica, funcionou por muito tempo como uma espécie de braço armado da Igreja contra os cultos e práticas de origem africana, indígena e mesmo do catolicismo de cura pré- ultramontano. Até o final da ditadura Vargas, assim como antes e pouco depois, a umbanda experimentou amargamente sistemática per- seguição por parte dos órgãos policiais, como já experimentara o candomblé da Bahia du- rante a primeira metade do século, o xangô pernambucano nos anos 30 e o xangô alagoano praticamente dizimado nos anos 20.
Do Rio de Janeiro, a umbanda instala-se e se expande em São Paulo rapidamente, de- pois pelo país inteiro. Três décadas depois será analisada e festejada como a religião brasileira. A adoção da umbanda por São
70 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 Paulo dá-se publicamente. Sua presença na cidade ocorre com grande visibilidade, ainda que os terreiros fossem obrigados a registrar- se nas delegacias policiais. A partir do final dos anos 50, as festas populares públicas que arregimentam a maior quantidade de devotos e simpatizantes são as festas de Iemanjá nas praias de Santos e Praia Grande, nos dias 8 e 31 de dezembro de cada ano. Como no Rio de Janeiro e em muitas outras cidades brasilei- ras. A popularização da umbanda em São Paulo é já então definitiva, pois que São Pau- lo já é também a metrópole de todos os bra- sileiros, a multidão de cada um, o mercado de todas as coisas e causas, o capricho de todos os gostos, o templo de todos os deuses.
A umbanda, ritualmente muito próxima do candomblé dos ritos angola e caboclo, em que já estão esquecidos os inquices bantos, substituídos pelos orixás nagôs, procura in- corporar na doutrina em formação as verda- des teologais do cristianismo– fé, esperança e caridade–, as grandes virtudes católicas adotadas pelo kardecismo, e procura empres- tar desta religião seus modelos de organiza- ção burocrática e federativa. Não logra intei- ramente nem uma coisa nem outra.
Seu panteão tem à frente orixás-santos dos candomblés e xangôs, mas o lugar de desta- que está ocupado por entidades desencarnadas semi-eveméricas, à moda kardecista e africa- na, ou encantados de origem desconhecida, à moda dos cultos de maior influência indíge- na: os catimbós, os candomblés de caboclos, as encantarias, de onde também se originam certas práticas rituais, como o uso de bebida alcoólica e tabaco. A umbanda é a religião dos caboclos, boiadeiros, pretos velhos, ci- ganas, exus, pombagiras, marinheiros, crian- ças. Perdidos e abandonados na vida, margi- nais no além, mas todos eles com uma mesma tarefa religiosa e mágica que lhes foi dada pela religião de uma sociedade fundada na máxima heterogeneidade social: trabalhar pela felicidade do homem sofredor. É kardecista esta herança da prática da carida- de, que no kardecismo sequer separa o mun- do dos vivos do mundo dos mortos, pois estes também precisam de ajuda na sua saga em direção à luz, o desenvolvimento espiritual. É para praticar a caridade que as entidades da umbanda vêm nas sessões do culto; para isso são chamadas durante a metamorfose ritual em que o sacerdote iniciado abandona seus
papéis de mortal para dar lugar à personalida- de dos encantados e dos espíritos. Vêm para “trabalhar”, como se diz, trazendo para as aflições de toda ordem explicações e solu- ções– quantas vezes imploradas em desespe- ro. Explicações e soluções que pertencem a um mundo onde acredita-se não haver os li- mites da temporalidade e da materialidade terrenas que nos ameaçam traiçoeiramente a cada instante e em cada situação de nossas vidas. Ali onde nossa racionalidade não con- ta, posto que aqui, neste nosso mundo, ela está limitada por nossa condição humana, nossa fragilidade cármica de desejos, frustra- ções e apego à materialidade do corpo, nosso desespero diante da dor, nossa mísera incom- petência de sermos como desejamos e como os outros desejam que sejamos.
A história dessas religiões aparentadas, porque mediúnicas, porque elos de uma mes- ma cadeia simbólica da nossa própria história como sociedade em formação, porque expe- riências de concepções de mundo, da vida e da morte, tão instigantes, a história dessas religiões que são o candomblé, o kardecismo, a umbanda, e mais o tambor de mina, o batu- que, a pajelança, o catimbó, tudo isso impreg- nado dos secularizados valores cristãos do catolicismo pré-Restauração e pré-Vaticano II, essa história decifra-se com a história da sociedade. A sociedade é a esfinge. Mas para o crente, o convertido, a religião é a decifra- ção da sociedade. A fé é a privação da dúvida, como alguém já disse.
O refluxo do kardecismo em favor da umbanda, que se verifica decisivamente na década de 50, é capaz de espelhar um movi- mento de reordenamento das classes sociais iniciado nos anos 30, mas muito mais decisi- vamente, um refazer da imagem que se expe- rimenta dessa mesma sociedade. Não é só o momento do nacionalismo, mas também da intervenção do Estado numa política econô- mica que prepara o país para as mudanças profundas que se darão no sistema produtivo no segundo pós-guerra, quando a atividade produtiva urbana do eixo Rio–São Paulo rou- ba a cena da produção rural, quando as rela- ções de trabalho de base familiar e as profis- sões rurais perdem definitivamente para o primado do assalariamento ao modo capita- lista, individual, impondo-se na constituição da sociedade brasileira princípios
71 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 universalistas de qualificação profissional, competição pelos postos de trabalho, monetarização das relações de troca, enquan- to novas classes médias se moldam pela pos- sibilidade de ascensão social individualiza- da. Já é outra a sociedade.
A umbanda, de certo modo, rompe com a concepção kardecista do mundo: aqui não é mais uma terra de sofrimentos onde devemos ajustar contas por atos de nossas vidas ante- riores. Trazendo do candomblé a idéia, ainda que desbotada, pouco definida, de que a ex- periência neste mundo implica a obrigação de gozá-lo, a idéia de que a realização do homem se expressa através da felicidade terrena que ele deve conquistar, a umbanda retrabalha a noção culpada da evolução cármica kardecista, assim como, através da propiciação ritual, descobre a possibilidade de alteração da ordem. É necessário que cada um procure a sua realização plena, mesmo porque o mundo com o qual nos deparamos é um mundo que valoriza o individualismo, a criatividade, a expansão da capacidade de imaginação, a importância de subir na vida. Este pormenor é essencial.
Por esta forma de ver o mundo, a umbanda se situa como uma religião que incentiva a mobilidade social, porém mais importante do que isso é o fato de que essa mobilidade está aberta a todos, sem nenhuma exceção: pobres de todas as origens, brancos, pardos, negros, árabes... os t a t u s social não está mais impres- so na origem familiar. Trata-se agora, para cada um, de mudar o mundo a seu favor. E essa religião é capaz de oferecer um instru- mento a mais para isso: a manipulação do mundo pela via ritual. As cidades grandes do Sudeste, depois todas as outras, conhecem o despacho. Exu está solto pelas ruas e encru- zilhadas do Brasil.
O kardecismo sempre se pensou como religião intelectualizada, nascido que foi sob o racionalismo do século XIX. Abandonou no Brasil a intenção de ser também ciência, sob orientação de seu mais importante líder nos últimos dois quartos deste século, Fran- cisco Xavier, para quem “aquele que crê não precisa fazer experiências”. Sua enorme ca- pacidade de organização e de constituição burocrática jamais foi plenamente alcançada pela umbanda: o kardecismo é uma religião que deu certo numa sociedade em que “cada um conhecia seu lugar”. Os líderes espíritas foram pequenos intelectuais de uma pequena burguesia urbana tradicional, escolarizada,
5 FILHAS-DE-SANTO EM CERIMÔNIA DE INICIAÇÃO.
72 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 filhos de famílias com um mínimo des t a t u s e com certa visibilidade social, vivendo num mundo em que os papéis sociais estavam for- temente definidos pela origem familiar e so- cial, e que encontravam no espiritismo uma forma de partilhar idéias e ideais anticlericais, abraçando uma religião cristã, filantrópica, erudita, que aposta nos homens por sua boa vontade, por sua capacidade de adesão livre, e que é socialmente conformista. Ainda que muitos pobres ou uma maioria de pobres cons- tituíssem as bases do kardecismo, do final do século passado até poucos anos após 1950, a existência da religião dependia muito dessa camada média letrada que optara intencio- nalmente por essa religião como alternativa cristã ilustrada. Poucos foram no Brasil os líderes carismáticos do kardecismo. A pró- pria liderança de Chico Xavier impõe a ne- cessidade de produção e estudo de uma lite- ratura, psicografada, que ensina e que salva através da reflexão.
Já o modelo de liderança da umbanda tem muito do candomblé, em que todo o poder– verdade e preceito– está nas mãos do pai ou mãe-de-santo e emana do deus ou espírito que o cavalga, cada um em seu ter- reiro. Na umbanda não há codificação fundante, não há um pai fundador, mas sim vários e antagônicos entre si. Não há autori- dade superior e nem pensamento disciplina- do que se sobreponha ao carisma do chefe da casa. A liderança e o governo espiritual são entendidos, nas religiões afro-brasileiras, como sendo decorrência do desejo e da de- terminação de divindades e encantados, e que podem mudar constantemente de acor- do com o humor da entidade sobrenatural que comanda o grupo de culto.
Num país e numa época em que o bem- estar social, em todas as formas de assistên- cia material e previdenciária, não é assumido como dever do Estado, a maneira como o kardecismo realiza a virtude da caridade, que é assistência espiritual mas também sanitária e material, fez dele importante parceiro no conjunto da sociedade civil, como as socie- dades de misericórdia católicas, com quem por muito tempo dividiu papéis no cuidado dos desvalidos e desamparados, fossem cri- anças, adultos ou velhos. Foi isso um grande trunfo do espiritismo em sua defesa contra a pregação católica anti-kardecista e em favor de seu reconhecimento institucional pela so-
ciedade. A umbanda se proporá e em parte realizará uma obra assistencial à moda espí- rita, mas já muito menos significativa.
No Estado Novo o governo federal não só regulamenta o trabalho assalariado, como institui a previdência social e as aposentado- rias. Grande parte das tarefas das obras filan- trópicas e assistenciais vai sendo incorpora- das pelo Estado, que passa também a financi- ar órgãos não-governamentais de assistência, especialmente hospitais, asilos, orfanatos. Vão se criando na população expectativas por serviços sociais que passam a ser reivindica- dos como direitos pela população junto aos governos federal, estadual e municipal. Cada vez mais o Estado se embrenhará nessas ques- tões. Ainda que os serviços oferecidos sejam ruins, sua prestação não é mais um benefício da caridade laica ou religiosa, é direito do cidadão. Corrói-se o campo de atuação social do kardecismo filantrópico.
O kardecismo, uma das chaves da umbanda, é uma religião de transe, da expe- riência religiosa pessoal, e ao mesmo tempo uma religião da palavra, da pregação doutri- nária codificada em livros religiosos de auto- ridade incontestável. Dotado de um código moral e doutrinário explícito e de procedi- mentos condutores da experiência religiosa públicos e publicados, a iniciação no kardecismo adotou uma pedagogia do não- segredo, do não-mistério. Essa univer- salização contribuiu enormemente para uma acentuada unificação burocrático-insti- tucional. Mas a umbanda carrega também consigo parte duma norma muito cara aos candomblés, que é a do segredo, do recolhi- mento iniciático, da infalibilidade da mãe- de-santo, da autoridadee x - c a t h e d r a do orixá acima de qualquer preceito, tendo por conse- qüências enormes dificuldades de unificação doutrinária e institucional. Nunca será reli- gião unificada. Nunca terá um único código. Sempre será sectária e divisionista, como o candomblé.
O ideal de transe consciente kardecista e o transe modelar inconsciente que a umbanda trouxe do candomblé têm também significa- do nas formas diferentes de sociabilidade que se estabelecem nesses grupos religiosos. O sacerdote umbandista não é doutrinariamen- te nem moralmente responsável pelo uso que dele faz a entidade que o possui. Para os
73 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 kardecistas as virtudes e habilidades intelec- tuais do médium condicionam e interferem na plena manifestação do espírito incorpora- do. Essa diferença leva a noções muito distin- tas de código moral, autoridade, responsabi- lidade e poder.
Embora o candomblé não faça distinção entre o bem e o mal, no sentido judaico-cris- tão, uma vez que o seu sistema de moralidade baseia-se na relação estrita entre homem e orixá, relação esta de caráter propiciatório e sacrificial, e não entre os homens como uma comunidade em que o bem do indivíduo está inscrito no bem coletivo, a umbanda, por sua herança kardecista, preservou o bem e o mal como dois campos legítimos de atuação, mas tratou logo de os separar em departamentos estanques. A umbanda se divide numa linha da direita, voltada para a prática do bem e que trata com entidades “desenvolvidas”, e numa linha da “esquerda”, a parte que pode traba- lhar para o “mal”, também chamada quimbanda, e cujas divindades, “atrasadas” ou demoníacas, sincretizam-se com aquelas do inferno católico ou delas são tributárias. Essa divisão, contudo, pode ser meramente formal, como uma orientação classificatória estritamente ritual e com frouxa importância ética. Na prática, não há quimbanda sem umbanda nem quimbandeiro que não seja umbandista, pois são duas faces de uma mes- ma concepção religiosa.
Assim, estão do lado “direito” os orixás, sincretizados com os santos católicos, e que ocupam no panteão o posto de chefes de li- nhas e de falanges, que são reverenciados, mas que pouco ou nada participam do “traba- lho” da umbanda, isto é, da intervenção má- gica no mundo dos homens para a solução de todos os seus problemas, que é o objetivo primeiro da umbanda enquanto religião ritu- al. Ainda do lado do “bem” estão o caboclo (que representa a origem brasileira autêntica, o antepassado indígena) e o preto-velho (sím- bolo da raiz africana e marca do passado escravista e de uma vida de sofrimentos e purgação de pecados). Na “esquerda” estão os exus masculinos e as pombagiras, sincretizados com demônios católicos, sem- pre dispostos a trabalhar “para o mal”, visan- do sempre o bem de seus adeptos, amigos e clientes. Embora religião surgida neste sécu- lo, durante e em função do processo intenso de urbanização e industrialização, o panteão
da umbanda é constituído sobretudo de enti- dades extraídas de um passado histórico que remonta pelo menos ao século XIX. Ela nun- ca incorporou, sistematicamente, os espíritos de homens e mulheres ilustres contemporâ- neos que marcam o universo das entidades do espiritismo kardecista.
As respostas que os umbandistas encon- tram ao se enfrentarem com a sociedade em mudança, o sentido que eles experimentam ao lidar religiosamente com este mundo que eles podem manipular, e a noção de poder de origem religiosa que eles conhecem e usam podem levar muitos deles ao desejo de senti- rem ampliadas essas respostas, essas possibi- lidades de manipular o mundo, esse poder. A umbanda não terá sido em suas vidas a reli- gião final. É enorme o número de ex- umbandistas hoje filiados ao candomblé.
CANDOMBLÉ, AGORA TAMBÉM UM A RELIG IÃO PARA TO DO S Por volta de 1950, a umbanda já tinha se consolidado como religião aberta a todos, não importando as distinções de raça, origem social, étnica e geográfica. Por ter a umbanda desenvolvido sua própria visão de mundo,
bricolageeuropéia-africana-indígena, símbo- lo das próprias origens brasileiras, ela pode se apresentar como fonte de transcendência capaz de substituir o velho catolicismo ou então juntar-se a ele como veículo de renova- ção do sentido religioso da vida. Depois de ver consolidados os seus mais centrais aspec- tos, ainda no Rio de Janeiro e São Paulo, a umbanda espalhou-se por todo o país, poden- do ser também agora encontrada vicejando na Argentina, no Uruguai e outros países la- tino-americanos, além de Portugal (4).
Durante os anos 1960, contudo, algo sur- preendente começou a acontecer. Com a lar- ga migração proveniente do Nordeste em busca das grandes cidades industrializadas no Sudeste, o candomblé começou a penetrar o bem estabelecido território da umbanda, e velhos umbandistas começaram a se iniciar no candomblé, muitos deles abandonando os ritos da umbanda para se estabelecer como pais e mães-de-santo das modalidades mais tradicionais de culto aos orixás. Neste movi- mento, a umbanda é remetida de novo ao candomblé, sua velha e “verdadeira” raiz original, considerada pelos novos seguidores
4 Sobre a presença das reli- giões afro-brasileiras em países do Cone Sul, ver Oro, 1993; Frigerio & Carozzi, 1993; Pi Hugarte 1993; Prandi, 1991c; na Venezuela, Polallak-Eltz, 1993; em Portugal, Pordeus Jr. ,1995.
74 REVISTA USP, SÃO PAULO (28): 64-83, DEZEMBRO/ FEVEREIRO95/ 96 como sendo mais misteriosa, mais forte, mais poderosa que sua moderna e embranquecida descendente.
Nesse período da história brasileira, as velhas tradições até então preservadas na Bahia e outros pontos do país encontraram excelentes condições econômicas para se re- produzirem e se multiplicarem mais ao sul; o alto custo dos ritos deixou de ser um cons- trangimento que as pudesse conter. E mais, naquele período, importantes movimentos de classe média buscavam por aquilo que pode- ria ser tomado como as raízes originais da cultura brasileira. Intelectuais, poetas, estu- dantes, escritores e artistas participaram des- sa empreitada, que tantas vezes foi bater à porta das velhas casas de candomblé da Bahia. Ir a Salvador para se ter o destino lido nos búzios pelas mães-de-santo tornou-se ummust para muitos, uma necessidade que preenchia o vazio aberto por um estilo de vida moderno e secularizado tão enfaticamente constituído com as mudanças sociais que demarcavam o jeito de viver nas cidades industrializadas do Sudeste, estilo de vida já, quem sabe?, eivado de tantas desilusões (Prandi, 1991a).
O candomblé encontrou condições soci- ais, econômicas e culturais muito favoráveis para o seu renascimento num novo território, em que a presença de instituições de origem negra até então pouco contava. Nos novos terreiros de orixás que foram se criando en- tão, entretanto, podiam ser encontrados po- bres de todas as origens étnicas e raciais. Eles se interessaram pelo candomblé. E os terrei- ros cresceram às centenas.
Os anos durante os quais o candomblé virá a se instalar em São Paulo, grosseiramente dos meados dos 60 aos primeiros anos dos 70, e que estamos habituados a chamar simples- mente de “os anos 60”, marcam um período de fundamentais efervescências no plano da cultura e das mentalidades; profundas são as mudanças em relação aos modos de vida e aos códigos intelectuais. Na Europa, nos Es- tados Unidos, no Brasil. No Brasil, sobrema- neira no Sudeste, nas grandes cidades, na metrópole paulista.
São os anos da contracultura, da recupe- ração do exótico, do diferente, do original. A juventude ocidental ilustrada se rebela, toma gosto pelas civilizações orientais, seus mis- térios transcendentais e ocultistas (lembremo- nos dos Beatles e da peregrinação da juven-
tude americana e européia em busca dos gurus do Himalaia). Valoriza-se a cultura do outro. No Brasil, valoriza-se a cultura indígena. A antropologia redimensiona a etnografia para fazer política indigenista. E valoriza-se a cultura negra, sobretudo a negro-baiana. A sociedade sai em busca de suas raízes. É pre- ciso voltar para a Bahia– “por que não?”–, acampar em Arembepe. Abrir as portas da percepção, ir em busca do prazer, da expan- são da sensibilidade, de gratificações imedi- atas para o corpo e para a mente.
O inconformismo e o desprezo pela cultu- ra racional, essa mudança de rumos, está nas classes médias. Não obstante, vale lembrar que o movimento se mostra de forma genera- lizada através da mídia, que já é eletrônica, e provoca novos gostos, traz novas informa- ções. A intelectualidade brasileira de maior legitimidade nos anos 60 participará ativa- mente de um projeto de recuperação de ori- gens, que vai remeter muito diretamente à Bahia.
Em 1964, através da antiga TV Excelsior, Elis Regina canta “Arrastão”, de Ruy Guerra e Edu Lobo: “Eh, meu irmão me traz Iemanjá pra mim/ Nunca jamais se viu tanto peixe assim...” Da modernidade da Bossa Nova partia-se para a recuperação do conteúdo de uma brasilidade “legítima”. Iemanjá, diga-se de passagem, já é muito conhecida no Sul- Sudeste através da umbanda. Mas, na medida em que a referência passa a ser a Bahia, o orixá passa a ser referido como o da Bahia, isto é, o do candomblé. São anos de produção de uma nova forma de cantar em que elemen- tos da cultura do candomblé vão se firmando com legitimidade entre as classes médias consumidoras do que se produz de mais avan- çado no país. Da Bossa Nova à Tropicália, os baianos estão na ponta da renovação da mú- sica popularb r a s i l e i r a. A música “Canto de Ossanha” de Vinícius e Baden, ainda com Elis, mas já pela TV Record, é novo marco. Virão Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, entre os mais impor- tantes. Tudo leva à Bahia: o Cinema Novo, as artes cênicas. ComO Pagador de Promes-
sas, filme de Anselmo Duarte adaptado da peça de Dias Gomes, o Brasil se reconhece e se faz reconhecer nas telas do mundo inteiro. Iansã, Santa Bárbara da promessa, está no centro do enredo: o padre contra, o povo a favor. O paladar do país experimenta o sabor
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