segunda-feira, 26 de julho de 2010

2228 - RELAÇÃO DAS PRINCIPAIS BIBLIOTECAS NA IDADE MÉDIA

A produção, confecção e circulação dos livros medievais eram sempre cercadas por múltiplos obstáculos que lhes tornavam difícil o acesso. O primeiro e principal obstáculo era de ordem econômica. O livro custava caro.

Um livro requeria grande quantidade de pergaminho (de acordo com o formato, obtinha-se de dez a dezesseis folhas por pele) e o pergaminho era um material oneroso. A difusão do papel chiffon, ocorrida na Espanha desde o século XII, na França no XIII, permitiu baixar o preço. Mas é somente no século XIV e, sobretudo, no XV que o uso do papel se difundiu largamente no domínio do livro manuscrito.

Com igual superfície, calculando-se a partir de documentos franceses, o papel podia tornar-se cinco vezes mais barato que o pergaminho no século XIV e até treze vezes mais barato no século XV, graças ao aprimoramento das técnicas de papelaria e à multiplicação das oficinas de papel. Mas em outros lugares, especialmente na Alemanha, a diferença foi menor. De qualquer modo, o ganho sobre o preço total do livro permanecia relativamente limitado, na ordem de 10 a 20%, somente em relação às obras em pergaminho.

A relativa modéstia desse ganho permitiu a esse tipo de livro guardar uma posição suficientemente sólida, visto que muitos letrados parecem ter tido um preconceito desfavorável contra o livro de papel, julgado, ao mesmo tempo, menos nobre e menos sólido, sobretudo para os textos importantes e para obras pelas quais o dono se apegava, desejando transmiti-las aos descendentes.

O fator principal do elevado preço era o custo da cópia. Os bons copistas eram raros. No final da Idade Média, os "scriptoria" monásticos haviam perdido o essencial de sua importância e a maior parte dos escribas seria artesãos profissionais que se encontravam principalmente em grandes cidades, nas capitais da nobreza e as cidades universitárias.

Mesmo deixando de lado o caso dos livros de luxo ornados de miniaturas, verdadeiras obras de arte destinadas aos grandes senhores e aos reis, a confecção de livros tomava tempo. Os bons copistas trabalhavam lentamente (por volta de duas folhas e meia por dia). Em um ano, um bom copista produzia apenas cinco livros de duzentas folhas.

Nas cidades universitárias, onde mestres e estudantes tinham necessidade de muitos livros, mas dispunham de limitados recursos financeiros, procurou-se reduzir a um mínimo o preço de revenda dos livros: pequenos formatos, linhas apertadas, escritas mais cursivas, multiplicação das abreviaturas permitiam economizar o pergaminho ou o papel, sempre ganhando um pouco de tempo de cópia.

Acredita-se que muitos estudantes e mestres escolheram uma solução bem menos onerosa (que não garantia a correção dos textos transcritos) que consistia em encomendar a qualquer copista "amador" (um capelão necessitado ou um estudante pobre). Supõe-se que os mais caros, geralmente as grandes Bíblias ou os volumes glosados dos Corpus Iuris Civilis ou do Corpus Iuris Canonici, custavam uma dezena de libras de Tours (unidade de medida francesa). Mas existiam inúmeros pequenos volumes sob a forma de simples cadernos soltos, nos quais se anexavam "anotações" de cursos; apontamentos de questões disputadas, de sermões, de breves tratados práticos etc., que eram vendidos por algumas poucas moedas.

O mercado de livros de segunda mão era muito ativo, especialmente nas cidades universitárias onde era alimentado pelas obras colocadas à venda por estudantes em necessidade ou deixando a universidade. Em Paris, por volta de 1400, o "preço médio" de um livro correspondia aproximadamente a sete dias de "salário e pensão" de um notário ou secretário do rei (que eram no final da Idade Média, equivalente aos conselheiros do Parlamento e os professores da universidade).

A mais importante das bibliotecas privadas parisienses, do escrivão do parlamento Nicolas de Baye, em 1419, permanecia bem abaixo dessa cifra teórica, com 198 volumes dos quais uma parte foi adquirida por doação ou herança. No caso da França, os únicos a possuírem uma biblioteca de alguma importância eram os príncipes de sangue e os grandes senhores, os homens de saber. Para além delas, uma pequena e média nobreza, mercadores, baixo clero, os livros eram praticamente ausentes.

Entre os próprios homens de saber, as coleções de livros possuíam importância variável. A biblioteca de um estudante, ainda que abastado, não ultrapassava, em média, uma dúzia de volumes: os livros de estudos fundamentais, de um lado, uma ou duas coleções de textos religiosos, de outro. Seus professores, que tinham necessidade de uma pequena biblioteca pessoal para preparar seus cursos, eram um pouco melhor aquinhoados e possuíam um determinado número de comentários e tratados modernos; isso representava, no mínimo, cerca de trinta livros. Contudo, alguns mestres, mais ricos ou de espírito mais curioso, possuíam bibliotecas que alcançavam ou até ultrapassavam uma centena de volumes. Foi igualmente com essa cifra média de uma centena de volumes que se organizaram as bibliotecas de homens do Parlamento de Paris por volta de 1400.

A dimensão média das bibliotecas teria aumentado do século XIV para o XV. A produção de livros novos tinha diminuído sensivelmente na França, entre 1350 e 1450, em virtude da crise econômica geral do período e pode-se entender que era uma tendência comum a toda a Europa ocidental. A existência de um ativo mercado de segunda mão e a cuidadosa conservação dos manuscritos antigos, permitiam às coleções aumentarem pelo simples efeito da acumulação. Entretanto, o crescimento não foi considerável.

Os proprietários de bibliotecas consideravam-nas verdadeiros tesouros e as tratavam com o maior cuidado. O valor de um livro era simbólico e material. Cuidadosamente conservados dentro de um cofre ou armário, os livros proclamavam a ciência de seu proprietário. Freqüentemente adquiridos junto a livrarias de universidades, por vezes despachados com altos custos de Paris ou de Bolonha, os livros eram indissoluvelmente ligados aos estudos e aos diplomas. Toda biblioteca de alguma importância possuía um alto valor de mercado. Ela representava uma forma de entesouramento, um capital tanto intelectual quanto financeiro que se pretendia legar aos seus herdeiros, se eles empreendessem seus próprios estudos, fosse num colégio, fossem em alguma igreja.

Existiam três tipos de bibliotecas. Primeiramente, as bibliotecas principescas. Na altura da morte do rei da França Carlos V (1380), sua "livraria" do Louvre contava com pouco menos de 1300 volumes; no século XV, o duque de Bourgogne Filipe, "O Bom" teria tido uma biblioteca com cerca de 880 livros. Por seu turno, os papas de Avignon enriqueceram sem cessar suas coleções de livros. Eles possuíam mais de dois mil quando morreu Urbano V, de acordo com um inventário de 1369. Seu catálogo preciso deixa supor que pelo menos os familiares do soberano, seus visitantes distintos e seus conselheiros políticos tinham acesso às bibliotecas.

Em seguida havia as bibliotecas das catedrais, dos mosteiros e dos conventos. Tratava-se, em geral, de antigas coleções que, excetuando-se as dos religiosos mendicantes, não foram especialmente enriquecidas no final da Idade Média, mas haviam sido extremamente importantes (mais de 300 volumes em Notre-Dame de Paris em finais do século XV, 486 na catedral de Reims em 1462, e mais ainda nos mosteiros: por volta de 1450-1460, havia cerca de 1600 volumes em Saint-Denis ou em Claraval na França, 1100 em Monte Cassino na Itália, 800 em Melk na Áustria, etc). De resto, tais bibliotecas eclesiásticas eram ricas em textos religiosos e em livros litúrgicos que não eram necessariamente úteis para os homens de saber.

As bibliotecas mais "modernas" eram as dos conventos mendicantes, cujos estudantes, leitores conventuais e pregadores, compartilhavam do espaço, sobretudo, no caso dos colégios e universidades. Os principais colégios universitários tinham uma biblioteca cujo núcleo era geralmente constituído pela própria biblioteca do fundador, que vinham completar as doações posteriores. Era assim que o colégio da Sorbonne possuiria, desde 1338, uma biblioteca de 1772 volumes que a tornavam então, sem dúvida, a mais bela da França; o colégio de Navarra em Paris e o de Foix em Toulouse deviam, os dois juntos, abrigar cerca de 800 volumes por volta de 1500.

Os outros colégios possuíam coleções muito mais modestas, mas por vezes, preciosas: cerca de 200 livros no colégio d'Autun em Paris (1462), 150 no colégio d'Annecy em Avignon (1435), 78 no colégio de Pélegry em Cahors (1395), etc. Os colégios ingleses parecem oferecer cifras da mesma ordem (...). Uma das mais célebres bibliotecas de colégio foi, no final da Idade Média, a do Collegium Amplonianum de Erfurt, que recebeu em 1433, de seu fundador, o antigo reitor Amplonius Ratingk, uma extraordinária coleção de 637 livros, rica em clássicos, o que representou uma das vias de ingresso do humanismo na Alemanha. No conjunto as bibliotecas dos colégios continham livros de estudos, destacando-se as disciplinas tradicionalmente ensinadas nas universidades.

Mas os estatutos não parecem indicar que os visitantes externos tenham sido acolhidos com muita facilidade nas bibliotecas de colégios. O mesmo acontecia com as bibliotecas de universidades, as quais eram, aliás, freqüentemente, muito menos importantes e que praticamente não existiam antes do século XV. É provável que, no exercício cotidiano de suas atividades profissionais ou administrativas, o conjunto dos homens de saber, sobretudo os leigos — fossem médicos, advogados, procuradores, juízes ou oficiais do rei —, deveria, antes de tudo, contar com os recursos de sua pequena livraria pessoal e de sua memória, eventualmente auxiliada por aqueles pequenos cadernos e anotações pessoais que alguns pedagogos os aconselhavam a começar a compor desde o tempo de seus estudos, sugerindo ainda que os mantivessem sempre à mão.





Surgimento da Tipografia



Do Manuscrito a invenção da tipografia, que transformou completamente, tanto em rapidez quanto em quantidade, a circulação da informação escrita no seio da sociedade, foi realmente uma das revoluções técnicas mais importantes da história da humanidade.

A difusão da tipografia foi relativamente lenta. Os primeiros livros impressos dos quais foram conservados alguns exemplares — a "Bíblia de 42 linhas", dita de Gutenberg, o Saltério de Mayence — datam dos anos 1450. Tratava-se então de uma técnica essencialmente germânica, implantada em Mayence, Colônia, Estrasburgo, Bâle. Além disso, durante uma geração ainda, através de toda a Europa, os impressores serão na grande maioria os alemães. Foi apenas em 1470 que eles começaram a emigrar para além de suas fronteiras. Nessa época, apenas cinco ou seis tipografias funcionavam fora da Alemanha, sendo que as únicas que prometiam um certo futuro eram as de Veneza, onde Jean de Spire se estabeleceu em 1469, e de Paris, onde Ulrich Gering de Constance e dois companheiros vieram instalar, em 1470, sua oficina próxima da Sorbonne.

O decênio 1471-1480 viu a imprensa se multiplicar na Alemanha (em 26 localidades novas, tomando conta também da Suíça e dos Países Baixos), mas principalmente na Itália (44 localidades novas). Em compensação, a França, com sete implantações em Albi, Angers, Caen, Lyon, Poitiers, Toulouse e Viena, a Península Ibérica (oito implantações) e, de maneira surpreendente, a Inglaterra (apenas quatro implantações: Londres, Westmister, St Alban's, Oxford) ainda não haviam entrado no movimento.

Avaliados pelos historiadores em cerca de 27.000 edições antes de 1500, correspondendo a mais de dez milhões de livros, tal produção provinha, ao menos em quatro quintos, da Itália (44%) e da Alemanha (35%); em seguida, vinham 15% de edições francesas, e os outros países da Europa simplesmente repartiam os 5% restantes. Se, no total, cerca de 240 localidades européias haviam visto, em 1500, funcionar uma prensa de imprimir, o mapa da tipografia apresentava ainda lacunas espantosas. Entre uma e outra, havia, evidentemente, alguns desníveis. A aparição da tipografia não terminou de uma vez com as atividades dos copistas de manuscritos; mesmo que a produção destes tenha sofrido inflexões por toda parte e mais claramente após 1470, continuou-se a transcrever livros manuscritos até o início do século XVI.

Os manuscritos mais antigos continuavam a ser utilizados e a circular. Aqueles que possuíam belas coleções tinham tendência a conservá-los e não substituí-los, a não ser progressivamente, pelos livros impressos. Estes, de fato, custavam menos, mas não se pode esquecer que os primeiros livros impressos tiveram modestas tiragens, por vezes da ordem de cem exemplares, e não eram então necessariamente tão bem comercializados e nem muito acessíveis.

Os estudos apontam que, por volta de 1480, a parte da impressão nas "bibliotecas do saber" francesas não passava dos 6% e que foi apenas por volta de 1500 que ela passou para mais de 50%. A evolução parece ter sido a mesma por todo lado, anterior em dez ou quinze anos na Itália, mais lenta ainda na Inglaterra. Efetivamente, como se tem observado há tempos, os textos impressos do século XV foram, em sua grande maioria, os textos "medievais" cujo mercado parecia assegurado. Mas não eram necessariamente esses os que tinham a preferência das bibliotecas eruditas. Em primeiro lugar, encontram-se livros religiosos, que constituem quase a metade da produção incunábula: tratava-se, por um lado, de Bíblias, por outro, de livros litúrgicos (missais, breviários, livros de horas), enfim, tratados de espiritualidade, livros de devoção, vidas de santos, etc., em latim ou em língua vulgar. Outra categoria bem provida: a gramática; porém tratava-se de obras elementares (o Donato, o Doctrinale de Alexandre de Ville-Dieu, os Dísticos de Catão, etc.) que eram dirigidos tanto aos alunos das escolas primárias quanto aos estudantes da faculdade de artes; eles puderam servir para a melhoria dos ensinamentos de base, não para a renovação cultural das elites. Vinha finalmente a literatura profana, geralmente em língua vernácula: enciclopédias e florilégios, crônicas, versões mais ou menos modernizadas das canções de gesta ou dos romances corteses, para uso, sem dúvida, de um público aristocrático, que se aproximavam com obras decididamente populares, do gênero dos almanaques e outros "calendários dos pastores".

Os textos eruditos, dos quais existiam nas cidades universitárias, centenas de manuscritos, não tiveram as honras da impressão, a não ser tardiamente. Nem as Sentenças de Pedro Lombardo, nem os grandes doutores da escolástica, de Tomás de Aquino e Alberto Magno, até Gerson, foram impressos em Paris antes de 1500. Poder-se-ia dizer o mesmo de Aristóteles ou dos Corpus e comentários de direito romano e canônico. Os textos jurídicos, que ocupavam um tal lugar nas bibliotecas eruditas da Idade Média, praticamente não representam mais de 10% das edições. Ou seja, foram os textos propriamente humanistas, (clássicos latinos e, cada vez mais, os gregos) e as obras de autores italianos recentes que teriam sido os livros impressos mais procurados pelos letrados, inclusive na França ou na Inglaterra, porque precisamente os manuscritos lá eram raros.

É possível concluir que, desde os primeiros decênios de sua existência, a imprensa alargou consideravelmente o público da cultura escrita. Os meios populares, pelo menos urbanos, não se conservariam mais à parte do mundo do livro; os oficiais subalternos (sargentos, notários, etc.), os simples vigários tiveram, dali por diante, a possibilidade de constituir para si próprios um embrião de biblioteca, ainda que fosse com apenas uma dezena de volumes. Vê-se, por toda parte, entre 1480 e 1530, multiplicarem-se essas "bibliotecas mínimas", de acordo com a expressão de Pierre Aquilon. Além disso, a tipografia certamente permitiu um efetivo progresso cultural nos meios aristocráticos. A isso deve-se evidentemente aliar o novo impulso então proporcionado às grandes bibliotecas principescas. Mas, no que concerne aos homens de saber, colocando-se à parte, sem dúvida, uma elite de humanistas, geralmente italianos estimulados por novas idéias e sempre curiosos de novos textos, não se percebe em que medida, antes de 1500, os progressos do livro impresso modificaram as proporções ou a composição das bibliotecas.



Cap. 3 da obra "Homens e Saber na Idade Média" - Jacques Verger

Extraído de A arte do livro e da escrita

Adaptado por Spectrum





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