segunda-feira, 26 de julho de 2010

2170 - OS PRIMEIROS SUPORTES PARA A ESCRITA

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Literatura e outras artes

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
A escrita na história dos homens - Das pinturas rupestres de Lascaux ao códex





A necessidade de o homem se expressar através de desenhos e sinais tem sua origem nas pinturas rupestres encontradas em Lascaux, executadas há quase vinte mil anos atrás. Nelas, os homens deixaram para a posteridade desenhos de animais – touros, cavalos, veados – os quais simbolizam os primórdios da arte da escrita. Porém, o aparecimento da escrita propriamente dita só ocorre aproximadamente no quarto milênio a.C., na região entre os rios Tibre e Eufrates, na Mesopotâmia, onde foram descobertos os primeiros símbolos escritos pertencentes aos sumérios.

As primeiras inscrições foram encontradas no sítio do grande templo da cidade de Uruk e ficaram conhecidas, por isso, como “plaquetas de Uruk”. São inscrições gravadas em argila que contêm listas de sacos de grãos, de cabeças de gado, estabelecendo uma espécie de contabilidade do templo. O sistema de escrita utilizado por esse povo era o pictográfico. Seus símbolos eram desenhos e representavam a palavra que se pretendia escrever. Com o passar do tempo, esses desenhos foram simplificados, tornando-se uma espécie de pequenas cunhas de diferentes tamanhos e orientações. Os sumérios imprimiam sinais na argila fresca que tomavam a forma de cantos e de linhas, formando cunhas; daí a denominação de escrita cuneiforme.

A escrita cuneiforme, que servia inicialmente para registrar a contabilidade, passa a ser utilizada para a transcrição de hinos religiosos, de leis, de fórmulas divinatórias e de relatos épicos, de que são exemplos o código de Hammurabi, o mais antigo conjunto de leis penais da história, e a epopéia de Gilgamesh, encontrada nas ruínas de Uruk, gravada não em argila, mas em pedra, e considerada o texto mais antigo do mundo. Segundo Jean , esse texto circulou em todo o Oriente Próximo do século XXV ao século VII a.C. Gilgamesh, quinto rei da dinastia de Uruk, reinou por 126 anos e construiu as muralhas da cidade, tornando-se o primeiro herói-fundador a inspirar uma epopéia. Azrié revela que a obra narra “o nascimento de deuses e de homens, a vida, a morte, o bem, o mal e o dilúvio que a Bíblia retomará como tema, dois mil anos mais tarde. É exatamente a partir do dilúvio que os sumerianos começam sua história e datam suas dinastias” . A escrita cuneiforme, criada na Mesopotâmia, servirá como modelo a outros povos, como o acadiano, o hitita, o persa, o cananeu e o assírio, que a adaptam. Destaca-se que ler e escrever o cuneiforme era privilégio somente de alguns – os escribas -, que formavam uma casta aristocrática, detendo poder e força.

Ao lado dos sumérios, os egípcios criam a escrita hieroglífica – a “escrita dos deuses” -, feita de desenhos estilizados: cabeças humanas, pássaros, animais diversos, plantas e flores. Para Jean “tais símbolos, gravados na pedra ou desenhados e pintados, possuem uma beleza mais que humana e são, além do que significam, uma espécie de ‘poemas visuais’ que para os antigos egípcios só podiam ser de inspiração divina” . De acordo com os egípcios, a escrita foi criada pelo deus Thot, que fez dela um dom dos homens.

As primeiras inscrições em hieróglifos datam do terceiro milênio a.C., no entanto, Jean lembra que a escrita egípcia parece ter surgido anteriormente. Desde seu aparecimento até aproximadamente 390 d.C. ela não sofre transformações consideráveis. O autor ainda comenta que o sistema hieroglífico reproduz quase completamente a língua falada, sendo, por isso, considerado uma escrita verdadeira. No Egito, a escrita serve também para fazer a contabilidade, redigir contratos jurídicos, de compra e venda, de casamentos. Além disso, foi utilizada para veicular a literatura, textos geográficos e científicos, entre outros. Entre os egípcios, ela era também um privilégio dos escribas, cujo aprendizado era complexo: “a arte de escrever era adquirida por força de cópias e ditados, primeiro, em letras cursivas, depois em hieróglifos”, ressalta Jean .

A maior contribuição dos egípcios foi o uso de um material leve, fino e mais manuseável – o papiro, que revolucionou o mundo da escrita. Planta aquática encontrada às margens do Nilo, o papiro era utilizado para a confecção de diversos objetos, como sandálias, cordas, esteiras, velas de barcos. Suas fibras resistentes e flexíveis, entrelaçadas, serviam de superfície própria para escrever. O papiro representou, para os egípcios, o suporte da escrita hieroglífica e atravessou séculos como veículo da cultura do Egito e também de outros povos, já que era exportado para toda a bacia do Mediterrâneo. Gregos e romanos também escreviam em rolos de papiro, o que permitiu a preservação da memória cultural da Antigüidade.

O Oriente Próximo é ainda o berço de dois outros sistemas que transformarão a escrita: o aramaico, do qual vai derivar o hebraico e o árabe, e o fenício, que vai dar origem ao alfabeto. O alfabeto fenício era composto por 22 signos, todos consoantes. Na história da escrita, o sistema fonético, cujos signos representam os sons produzidos na fala, representa uma verdadeira revolução. Comparado aos sistemas anteriores que continham uma enorme variedade de signos, o fonético, com suas poucas letras, é de fácil aprendizagem e, por isso, marca o início de um processo de democratização da escrita, tornando-a mais acessível.

Grandes marinheiros e comerciantes, os fenícios propagaram, em suas viagens, seu sistema de escrita, adotado e melhorado pelos gregos no século VIII a.C., acrescentando-lhe vogais. A invenção do alfabeto na Grécia, segundo observa Havelock, não significou a propagação imediata da escrita e da leitura, pois o domínio da nova técnica custou séculos para firmar-se e era um privilégio de poucos especialistas. A escrita ainda convivia com uma forte tradição oral. A respeito da escrita grega, Jean afirma que:
Com a escrita grega, surge, a partir dos séculos V e IV a.C., uma das mais ricas literaturas de todos os tempos, representada por todos os gêneros: poesia, teatro, prosa, história, filosofia. Somos dela herdeiros, como também o somos de sua escrita...

No século V a.C., o alfabeto grego já vigorava plenamente com vinte e quatro letras, sendo dezessete consoantes e sete vogais. Somente nesse período, conhecido como o século de Péricles, cristaliza-se a cultura grega através da história, da filosofia, da arte, da arquitetura e da literatura. No século seguinte – século IV a.C. – surgem as primeiras escolas na Grécia, ocasionando a expansão da aprendizagem da escrita e da leitura. Platão se insere nesse contexto e seus questionamentos sobre a escrita são fruto da desconfiança do filósofo a respeito da função da escrita em uma sociedade que se alicerçava em uma tradição oral.

Com tais mudanças, a literatura, até então veiculada oralmente pela recitação ou pelo canto, passa a assumir uma forma escrita, cujos suportes ainda são as tabuletas de madeira ou de argila e os rolos de papiro. No entender de Chartier , a mudança de uma cultura estritamente oral para a escrita é bastante significativa, pois o texto literário passa por um processo de dessacralização:
O percurso do mundo grego nos leva então de uma poesia fundamentalmente associada à performance, governada pelas formas de sociabilidade e pelos rituais religiosos, durante os quais era cantada, a uma poesia governada pelas regras da “instituição literária”.

Os textos antigos, lembra Chartier , eram compostos para serem falados e compartilhados por um púbico ouvinte. A ode, por exemplo, consistia em “um discurso ritual executado durante uma importante prática de sociabilidade religiosa da Grécia antiga: o symposión, ou banquete de embriaguez dionisíaca” . O percurso descrito por Chartier termina no período helenístico, com a criação da Biblioteca e do Museu de Alexandria, quando as categorias básicas que estruturam e fixam a ordem do discurso literário moderno, como o conceito de obra, a categoria de autor e a interpretação que revela os significados da obra, aparecem pela primeira vez.

Da mudança da cultura oral para a escrita, surge a preocupação com a conservação dos textos, nascendo daí o sonho de uma biblioteca universal, capaz de reunir a totalidade dos textos existentes. Esse sonho começa a tomar forma em Alexandria, cidade fundada por Alexandre, rei da Macedônia, um dos maiores generais das forças gregas. Com sua morte, o vasto império conquistado por ele foi dividido, cabendo aos Lágidas ou Ptolomeus, governar o Egito. Assim, o primeiro Ptolomeu torna-se rei do Egito e inicia uma dinastia que só termina quando o país cai sob a dominação do Império Romano.

Em 310 a.C., o rei Ptolomeu I cria em Alexandria uma biblioteca a fim de reunir o acervo cultural e científico da Antigüidade. Para a organização da biblioteca, o rei contou com o trabalho do orador grego Demétrio de Falério, que foi o principal instigador da idéia de tornar Alexandria um centro cultural mais importante que Atenas. No reinado de Ptolomeu II, a biblioteca já contava com cerca de 500 mil volumes, tornando-se realmente o maior referencial científico e cultural do Mundo Antigo. O acervo continha documentos inestimáveis em papiros, pergaminhos, gravuras, vindos de diferentes lugares e povos, principalmente da Grécia, cuja tradição, por ser a mais rica de todas, era a mais significativa.

Em 30 a.C., o Egito e, por conseqüência, a Alexandria, passaram ao domínio do Império Romano e a biblioteca acaba sendo destruída, mas sua importância como obra monumental de preservação da escrita, em um tempo no qual essa era ainda privilégio de poucos, ficou inscrita na história da humanidade como a primeira iniciativa de arquivamento da memória dos homens e das diferentes culturas existentes.

Durante a vigência do Império Romano, que incluiu a anexação da Grécia em 146 a.C, a influência da cultura grega sempre se mostrou muito forte. Veyne declara que “em Roma, a civilização, a cultura, a literatura, a arte e a própria religião provieram quase inteiramente dos gregos ao longo do meio milênio de aculturação”. A presença dos gregos se faz sentir também na escrita, pois é da escrita grega que provavelmente se origina o alfabeto latino . Os romanos escreviam à moda dos gregos, utilizando letras maiúsculas para as pedras e minúsculas para a escrita em papiro ou plaquetas de cera.

Com a decadência do Império Romano e, com ele, do paganismo, o cristianismo começa a se expandir e, já na Alta Idade Média, período entre os séculos VI e XI, a escrita vai tomando rumos diferentes, tendo como marco inicial a substituição do papiro pelo pergaminho. Os antigos escribas escreviam em rolos de papiro, chamados volumen em latim, cujo material era caro, muito frágil e difícil de ser manipulado. Surge em Pérgamo, na Ásia Menor, durante o século II a.C., um outro material, feito de couro de carneiro, bezerro ou cabra, mais resistente, flexível e próprio para a escrita, que dá origem ao pergaminho. Esse tipo de material passou a ser cada vez mais utilizado no lugar do papiro e foi responsável por uma das grandes revoluções do mundo da escrita.

Jean enfatiza que o pergaminho ocasionou dois avanços decisivos: permitiu o uso da pena de ganso para escrever e foi o ancestral do livro, já que as folhas podiam ser dobradas e costuradas, sobrepostas e unidas umas às outras. É assim que, no século IV da era cristã, o pergaminho possibilita o aparecimento de uma nova forma de veicular a escrita no lugar do antigo rolo de papiro, tão familiar aos leitores gregos e romanos. Surge o códex, livro manuscrito, composto por folhas dobradas, reunidas e encadernadas.

Na avaliação de Chartier , os dispositivos que caracterizavam o códex transformaram o uso dos textos e estabeleceram uma nova relação entre leitor e escrita: “Com a nova materialidade do livro, gestos impossíveis tornavam-se comuns: assim, escrever enquanto se lê, folhear uma obra, encontrar um dado trecho”. O autor ainda observa que a leitura do rolo mobilizava o corpo inteiro, tinha de ser contínua e não permitia ao leitor escrever enquanto lia. Para Chartier , a invenção do códex é a primeira inovação fundamental da cultura escrita.
Postado por Susana

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