domingo, 25 de julho de 2010

2114 - A IDADE MÉDIA

O MUNDO FANTÁSTICO DA IDADE MÉDIA:
Interdisciplinaridade entre História da Indumentária e Laboratório de Criação
Renato Riffel
Silvia Teske
“ A Idade Média continuou a ser, se não meu
ofício, ao menos meu hobby – e minha
tentação permanente. Vejo-a em qualquer
canto, em transparência, nas coisas com as
quais me ocupo, que, mesmo não parecendo,
são medievais.”
Umberto Eco
RESUMO
Este artigo apresenta o resultado de uma experiência vivenciada na primeira fase do curso de
Design de Moda da ASSEVIM (Associação Educacional do Vale do Itajaí-Mirim), no primeiro
semestre do ano de 2006. O período histórico da Idade Média foi o eixo temático escolhido para a
discussão de alguns conteúdos específicos de duas disciplinas do curso: História da Indumentária e
Laboratório de Criação. Partimos da idéia de que conhecer os vários momentos que formaram a alta
Idade Média, possibilitaria uma visita cautelosa e específica pelos vários estados desse período que
ainda continua tão presente na atualidade. Para fazermos essa relação entre passado e atualidade
resolvemos trabalhar outros títulos criativos para desenvolver uma relação mais direta e lúdica
quanto ao significado de cada momento, que serviriam como base para a construção de um traje e
instalação com referência nesta época A proposta de atividade (em grupo) foi: pesquisa do período
histórico e especificamente do período sorteado entre os oito citados anteriormente; coleta de
materiais e técnicas; criação de conceito; geração de alternativas dos trajes; confecção do produto e
montagem de instalação; e por fim, organização dessas informações em um texto com formato
paper e apresentação com performance do produto e do tema. Durante os diversos procedimentos
metodológicos utilizados, enfatizamos a pesquisa como eixo para a coleta de materiais sobre os
períodos estudados. Diversos foram os aspectos observados durante o processo, mas enfatizamos a
relevância de um trabalho que lide com história e com a prática criativa para possibilitar a
compreensão do pensamento específico de cada momento medieval enquanto manifestação
histórica e cultural do ser humano.
Palavras-chave: História da Indumentária. Criatividade. Conceito. Traje. Pesquisa.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho propicia um olhar mais cuidadoso sobre a Idade Média, já que o estudo
da evolução histórica da moda, neste período, aponta para o surgimento da mesma, enquanto
sistema de mudanças cíclicas baseadas no desejo de afirmação social dos indivíduos no momento
em que estes buscavam parecer-se aos que consideravam superiores.1
1 Cabe salientar aqui, que o sistema de moda, como o conhecemos atualmente, toma forma somente a partir do século XIX com o
apogeu da sociedade burguesa materialista, quando o crescimento econômico do estado moderno cria condições de ascensão social
para grande parte das populações. No entanto, os primeiros indícios da formação desse sistema apontam para épocas anteriores
quando a formação de diferentes classes sociais propiciou formas individuais de expressão e de articulação das formas do parecer,
revelando determinados vínculos sociais.
2
O trabalho que apresentamos é resultado de uma experiência vivenciada na primeira fase do
curso de Design de Moda da ASSEVIM, no primeiro semestre do ano de 2006. Intitulamos o
trabalho “O Mundo Fantástico da Idade Média”, pois este foi o eixo temático escolhido para a
discussão de alguns conteúdos específicos de duas disciplinas do curso: História da Indumentária e
Laboratório de Criação, as quais constam do currículo do primeiro semestre do curso de Design de
Moda. Buscamos desenvolver um trabalho no qual os conceitos e conhecimentos desenvolvidos
numa disciplina se relacionassem com os conceitos e conhecimentos discutidos noutra disciplina,
pois, de certa forma, elas se complementam e dialogam. Pois segundo Ivone Mendes Richter (apud
BARBOSA, 2002, 85) “[...] o prefixo ‘inter’ vai indicar a inter-relação entre duas ou mais
disciplinas, sem que nenhuma se sobressaia sobre as outras, mas que se estabeleça uma relação de
reciprocidade e colaboração, com o desaparecimento de fronteiras entre as áreas do conhecimento.”
O objetivo geral da disciplina de Laboratório de Criação é ampliar o potencial criativo do
aluno fazendo com que adquira noções básicas sobre sensibilidade, percepção, habilidade e
criatividade, por meio de técnicas para estimulo do auto-conhecimento em um processo de
aprendizagem que envolva o convívio, a troca de conhecimentos e a prática de atitudes criativas,
ensaiando os primeiros passos para um método criativo. Por sua vez, o objetivo geral da disciplina
de História da Indumentária é buscar conhecer os períodos históricos e suas respectivas
indumentárias para compreender a fase embrionária do sistema de moda e usá-las como referencial
para pesquisa e construção de um produto de moda.
Diante dos objetivos propostos, buscou-se estruturar uma atividade que possibilitasse
envolver os acadêmicos em uma pesquisa sobre pensamento da época para análise e
desenvolvimento de materiais que pudessem ser utilizados para a confecção de um traje fantástico
que trouxesse a baila as peculiaridades de um tema e da criatividade, na construção de uma
indumentária.
A preocupação com a pesquisa sobre Idade Média partiu de nossa experiência, enquanto
professores de acadêmicos do Curso de Design de Moda, sendo que sentimos, em diversas ocasiões
dificuldade em encontrar materiais e conceitos que discutissem a produção de um produto de moda.
Como também da necessidade de propor uma nova atitude diante da pesquisa, seja ela teórica ou
prática, trazendo a questão da unidade dos conhecimentos, ao invés do vício da fragmentação.
(BARBOSA,2002, p. 86).
Revisitando a Idade Média como aquilo que Umberto Eco (apud SCHIFFER, 2000, p. 31)
chamou de “a infância à qual sempre devemos retornar para fazer uma anamnese”, compreendemos
que seria interessante trabalharmos a reflexão medieval em suas características psicológicas e
ontológicas do prazer estético, e por conta disso sistematizamos um projeto interdisciplinar
intitulado: “ O Mundo Fantástico da Idade Média”.
Tomamos, como ponto de partida, para trabalhar com os acadêmicos, o período histórico da
Idade Média apresentado em oito sub-períodos sendo assim distribuídos:
Os Reinos e as Guerras, O amor Cortês, As Cruzadas, As Corporações de Ofícios, a Peste,
A Inquisição, Monges e Mosteiros e Os Descobrimentos de Novos Mundos.
Para o trabalho com os acadêmicos do curso de Design de Moda, partimos da idéia de que
promover a interdisciplinaridade entre as disciplinas de Laboratório de Criação e História da
Indumentária, com seus respectivos conteúdos para a primeira fase, possibilitaria:
• Contato com o processo criativo aliado a um referencial histórico, pois dessa forma o
acadêmico pode somar teoria e prática na concepção de um produto, sem ignorar a importância
3
da fundamentação para a geração de idéias e a possibilidade de que esse conhecimento crie
ambientes temporais, assim como espaciais, para que os dados sejam revertidos em
posicionamentos críticos, ampliando desta forma também a questão visual e prática;
• Compreensão do contexto cultural e histórico do período histórico estudado, no caso Idade
Média, por meio de um envolvimento maior com a questão histórica, deixando de ser apenas
uma informação teórica para servir como referência para reflexão de paradigmas atuais que
ainda sofrem esse tipo de interferência;
• Reflexão e ampliação do universo de possibilidades tanto de conceitos quanto de materiais,
pela necessidade de relacionarem títulos lúdicos e poéticos, suscitando leituras não verbais, com
conceitos teóricos e históricos, especificamente verbais, transformando questões consensuais em
possibilidades criativas.
• Contato com outros discursos e áreas de conhecimento, na busca tanto de materiais quanto de
conceitos criando nos acadêmicos a necessidade de pesquisar universos distintos, muitas vezes
diferentes das áreas específicas de pesquisa, dando lugar a um diálogo de formas e discursos que
num primeiro momento pareceriam paradoxais.
• Relação semiótica com os instrumentos e materiais criativos, na construção de simbologia
fazendo um elo entre passado e presente, onde materiais contemporâneos assumem a simbologia
de artefatos medievais. Neste movimento tanto os símbolos da Idade Média, quanto os símbolos
contemporâneos ganham nova interpretação e os materiais acabam adquirindo expressão,
movimento e forma visual, que vai além do matérico, assimilando e despertando novas e
exclusivas interpretações.
2 AS ETAPAS E PROCEDIMENTOS
Segundo a maioria dos pesquisadores, o conceito de moda aparece a partir do momento em
que as mudanças na forma do vestir, ou seja, da indumentária, obedecem a mudanças cíclicas e de
estilo do trajar, construindo relações subjetivas entre os sujeitos onde a construção de identidades
estéticas privilegia o individualismo no parecer. Estes conceitos começam a tomar forma a partir da
Idade Média, no momento em que, “o crescimento econômico, a revolução agrícola e técnica, o
desenvolvimento do comércio criaram não só cortes ricas e poderosas como o aparecimento de
novos núcleos de grandes fortunas.” (LIPOVETSKY, 1991).
A partir dessas colocações, procurou-se dividir o período estudado em sub-temas, propondo
não somente uma leitura histórica linear do período, mas buscando a transversalidade dos temas,
apontando para os aspectos que definiram o surgimento da moda enquanto sistema na Idade Média.
Dessa forma, a fragmentação da pesquisa, proposta no trabalho, tem por objetivo facilitar a
compreensão dos complexos mecanismos que apontam para o surgimento desse sistema, aliando
pesquisa bibliográfica e iconográfica à construção de um produto de moda.
Na divisão do período em sub-temas, procurou-se relacionar os mesmos aos objetivos de
compreensão propostos, privilegiando os temas específicos que promovessem a discussão
relacionada à indumentária. Por outro lado, temáticas importantes do período, cujo valor aponta
para uma compreensão do período histórico e da estruturação da sociedade também se encontram
presentes, já que “a cada época, a complexidade de nossos trajes e de nossos adornos passa por
modificações e de representação extremamente significativas, que, conforme entendemos refletem o
próprio contexto sócio-histórico em que tais modificações se encontram.”. (CASTILHO, 2005, 32)
4
Foi necessário, para alcançar os objetivos da proposta, escolher algumas atividades que
servissem de guia para o desenvolvimento do trabalho. Como ambas as disciplinas fizeram parte do
regime concentrado,2 a partir da segunda semana de aula a proposta foi apresentada aos alunos. Em
um primeiro momento, a disciplina de Laboratório de Criação, apresentou a proposta de
interdisciplinaridade e fez o sorteio dos temas. No momento seguinte, a disciplina de História da
Indumentária apresentou a sistematização do conteúdo, roteirizada da seguinte forma:
· Sorteio e distribuição dos temas envolvendo o período histórico a idade Média, dividido
em sub-períodos.
· Encaminhamento da pesquisa e referências indicadas.
· Encaminhamento do processo criativo: títulos lúdicos e poéticos para incutir uma
reflexão visando transformar conteúdos consensuais e históricos em possibilidades
criativas. Assim, cada sub-período foi relacionado a um título que suscitasse uma leitura
não convencional e criativa do período, mas que também tivesse uma relação com
indumentárias contemporâneas, respectivamente: Armadura do Rei Traído, Noiva com
Véu de 10 Metros, Roupa do Caixeiro Viajante Sem Mala, Roupa da Rainha Tecelã,
Traje do Medo Revelado, Traje Anti-Fogo para Proteger a Santa da Fogueira, O Chapéu
Mais Alto do Mundo e Vestimenta da Serpente Encantada.
· Pesquisa do referencial histórico dos sub-períodos propostos
· Pesquisa de materiais e geração de alternativas
· Construção do produto
· Comunicação da idéia através de apresentação performática e instalação do produto
confeccionado.
Para iniciarmos os trabalhos, dividimos a turma em oito grupos, por afinidade, e sorteamos
os sub-períodos, já considerando a relação com os títulos lúdicos e poéticos como desafio para a
pesquisa.
Os Reinos e As Guerras, o Amor Cortês, As Cruzadas, As Corporações de Ofícios e A Peste
são os sub-temas que apresentam as discussões relativas à indumentária e a estruturação do sistema
de moda. Já os sub-temas A Inquisição e Monges e Mosteiros trazem a discussão sobre o papel da
Igreja e sua influência na sociedade medieval, e um último sub-tema apresentado, A Descoberta de
Novos Mundos, procura mostrar a transição do período medieval para o Renascimento. Todos esses
sub-temas serviram posteriormente para o processo criativo, onde adquiriram o contexto lúdico por
meio dos títulos direcionados para que servissem tanto para reflexão como para a construção do
produto.
No sub-tema Os Reinos e as Guerras procurou-se orientar a pesquisa relacionada à formação
dos reinos e das cortes européias e ao apego destas ao luxo, o estabelecimento de uma classe de
senhores de terras e seu enriquecimento, e das relações que a indumentária estabelece, como forma
de afirmação social através do parecer entre estas duas classes.
2 As aulas em regime concentrado na Assevim/Favim, acontecem no início de cada semestre com duas disciplinas por turma. Estas
disciplinas desenvolvem-se com uma carga horária concentrada nestas primeiras semanas letivas.
5
No entanto, o intercâmbio entre os povos da Europa eram limitados, ficando muitas vezes
restritos aos campos de batalha. A configuração da nobreza guerreira como agente de um novo
código das relações amorosa encontra-se no sub-tema O Amor Cortês. Segundo Flori (2005), a
abordagem do amor cortês surge no início do século XII e difunde-se por todo o Ocidente cristão,
trazendo uma nova dimensão a um mundo exclusivamente masculino e guerreiro. (FLORI, 2005, p.
157). Dessa nova dimensão também nos fala NERY, relatando o surgimento de um código de honra
cavalheiresco rendendo homenagens ao sexo feminino, onde o homem aparece menos autoritário e
viril, e mesmo estando sempre pronto para guerrear, não deixava “de ser um nobre de maneiras
delicadas.”. (NERY, 2003, p. 70). Essa concepção estabelece um novo código nas relações
amorosas, onde a indumentária aparece também como um instrumento de sedução.
As Cruzadas compõem outro importante fator de pesquisa, já que se apresentam não
somente como expedições militares organizadas pelos cristãos europeus visando combater os
muçulmanos e cristianizar os territórios da Ásia Menor. Estas expedições também tinham motivos
não-religiosos, procurando abrir rotas de comércio com o oriente e conquistar novos territórios,
influenciando dessa maneira as cortes européias não só na forma das vestimentas como também na
estruturação da própria sociedade. Laver (1989) nos informa que “ao retornarem para a Europa, os
cruzados não trouxeram só os tecidos orientais, mas as próprias roupas ou a técnica do corte.”.
(LAVER, 1989, p. 56). Também Köhler (2001) relata que as Cruzadas colocaram em contato todos
os povos da Europa, introduzindo uma uniformidade na indumentária, “enriquecida pelas férteis
influências da antiga civilização oriental, sobretudo no que diz respeito aos tecidos e ornamentos.”
(KOHLER, 2001, p. 161). As novas rotas para o oriente também fazem ressurgir o comércio, e com
eles os centros comerciais conhecidos como burgos, promovendo o ressurgimento das cidades,
incrementando a economia monetária e propiciando a ascensão da classe burguesa.
A partir do século XV, a especialização dos ofícios proporcionou inúmeras inovações, tanto
na tecelagem como na fabricação do vestuário. Tendo como sub-tema As Corporações de Ofícios, a
pesquisa foi orientada no sentido de discutir-se a especialização dos ofícios, já que estas
corporações controlavam e regulamentavam o processo produtivo artesanal, fazendo surgir “uma
classe de tecelões de altíssima qualidade e também o aparecimento dos alfaiates.” (LIPOVETSKY,
1991).3
Por fim, encerrando os temas que apresentam uma relação específica com a indumentária e a
moda, o sub-tema A Peste propões discutir não só a relação da indumentária com a saúde e a
higiene da Idade Média, mas também a crise européia do Século XIV e suas conseqüências como o
enfraquecimento do sistema feudal e a concentração das grandes fortunas por parte da burguesia.
A inclusão dos sub-temas A Inquisição e Monges e Mosteiros objetivou a discussão da
autoridade clerical4 como fator de influência na sociedade medieval, observando não só a sua
interferência nos assuntos comerciais, religiosos e nas relações sociais, como também a sua
influência nas expressões artísticas, considerando o estilo gótico como principal manifestação desse
período. O último sub-tema proposto, A Descoberta de Novos Mundos, não apresenta uma relação
direta com o período medieval, mas aparece como proposta de mostrar um período de transição para
o Renascimento. A colonização das Américas, as revoluções científicas que estavam em marcha a
ascensão do capitalismo promoviam o fim do universo imutável.5
3 Dessa forma surgem os processos complexos de fabricação do vestuário, as roupas tornam-se mais elaboradas e ornamentadas,
apesar da limitação criativa imposta pelas regras das próprias corporações.
4 A consolidação do poder da Igreja Católica é apresentada como uma das fundamentais características da Idade Média européia. A
igreja passa a ter poder sobre os soberanos que, para serem reconhecidos, devem ser coroados pelo papa.
5 Apesar de parecer deslocado quanto ao conteúdo histórico a ser estudado no período, este último sub-tema promove uma
transitoriedade para os conteúdos seqüenciais do semestre, apresentando-se como um complemento para compreender o objetivo
proposto: conhecer os mecanismos que definiram o surgimento da moda enquanto sistema no período histórico da Idade Média.
6
Na disciplina de Laboratório de Criação, o foco deste roteiro abrangeu o processo criativo,
onde num primeiro momento havia a necessidade de enfatizar a relação entre os sub-períodos
históricos, apontados na introdução, com respectivos títulos lúdicos e poéticos. Em seguida, para
organizar o processo criativo utilizamos conceitos apontados por Mauro Rodrigues Estrada, acerca
das fases do processo criativo, sendo eles, nesta ordem: o questionamento, o acúmulo de dados, a
incubação, a iluminação, a elaboração e a comunicação. (ESTRADA, 1992,47)
A primeira fase, o questionamento, envolve a preparação e a observação, onde organizamos
reflexões sobre questões específicas dos sub-períodos estudados; no segundo momento, na fase do
acúmulo de dados, todas as possibilidades que envolviam o tema/conceito foram elencadas, em um
processo de saturação de informações, da mais viável até a mais improvável. Diante desta orgia de
possibilidades, partimos para terceira fase do processo criativo, a incubação, onde trabalhamos de
maneira informal, trazendo palavras chaves, materiais possíveis, idiossincrasias e interpretações
subjetivas de cada sub-período, provocando um verdadeiro devaneio. Foi nesta fase que iniciamos
experimentos, desenhos de geração de alternativas, protótipos e releituras, visando alcançar a
confiança e decisão, a fase da iluminação. Neste momento, com os saberes focados, já sabíamos que
nosso produto tratava-se de trajes instalados em uma ambientação propícia, que teria como forma
de apresentação a questão performática. Com estas decisões alavancadas, partimos para a
elaboração do produto, onde a idéia saiu da esfera mental e foi para a esfera física e social, e é
importante observar como aqui, os alunos conseguiram traduzir em falas contemporâneas questões
medievais, tanto do ponto de vista da linguagem verbal (o texto), como da linguagem visual (cores e
materiais e modos de construção). Como última fase do processo, a comunicação, a partir dos
esboços prévios, e com o produto já construído e acoplado em manequins, iniciamos a ambientação
para a apresentação da idéia a partir de uma performance (pequeno esquete teatral).
Após as apresentações de todos os grupos, os ambientes, bem como os produtos ficaram
expostos para apreciação da comunidade acadêmica, onde ficaram registradas por meio de etiquetas
em linguagem verbal as considerações sobre a proposta.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o trabalho realizado, observamos vários aspectos que consideramos positivos, que nos
alertou para a importância do trabalho interdisciplinar para que os acadêmicos observem a
relevância das disciplinas e a reflexão da própria grade curricular do curso, demonstrando de forma
mais clara, como que as disciplinas por fase, mantêm um eixo lógico e que vincula áreas específicas
na construção de um conhecimento.
Dos resultados, alguns nos pareceram dignos de serem apontados, como é o caso do maior
envolvimento com a questão histórica, que deixou de ser apenas informação teórica para servir
como referência para reflexão de paradigmas atuais que ainda sofrem esse tipo de interferência; o
despojamento em relação a construção dos produtos, ampliando as possibilidades criativas tanto nos
conceitos como nos materiais e formas de apresentação (observou-se que, por meio da performance,
a apresentação passou a ser mais divertida, com possibilidade de debate informal, caracterizado por
questões importantes que somente a teoria lida ou a pra da produção trariam a baila); a compreensão
da importância da história e da teoria para o processo de produção em moda.
Quanto ao maior envolvimento com a questão histórica, ficou claro na postura dos
acadêmicos que os detalhes comportamentais, assim como os de estrutura física, e o contexto social
do período que pesquisavam, passou a ter um grande interesse, pois eram esses dados que serviriam
de referência para a construção do produto e sua apresentação, eram eles que geravam decisões e
novos comprometimentos e possibilitavam o uso deste ou daquele material.
7
No caso da construção do produto, observou-se uma atitude mais flexível, fluente e original
diante dos temas, principalmente com as questões dos títulos poéticos e lúdicos, que se por um lado
criavam uma reflexão maior sobre o dado histórico, por outro também permeavam um limite, uma
ordem pré-estabelecida de caminho para a pesquisa e essa ordem não permitia apenas citações, mas
promovia o conceito de interdisciplinaridade, ou seja, dava um rumo para uma unidade, para uma
questão específica dentro do sub-período.
Nas apresentações ficou bastante claro esse compromisso com um caminho como opção, e
cada um dos grupos dos acadêmicos, buscou interpretar e salientar sua busca, criando clima e
ambiente propício ao que vinham dizer.
A compreensão da importância da história e da teoria para o processo de produção em moda
ficou muito saliente, quando percebemos, nos acadêmicos, o interesse em materiais, cores, ou
formas de construção, que podiam servir de referências para outros trabalhos, independente deste
referencial histórico, e que tais referências só vieram a ser apontadas por conta da pesquisa teórica e
prática que as fundamentou.
Foi importante também, perceber, um maior entrosamento entre os professores de duas
disciplinas, que em um primeiro momento não pareciam tão afins (uma com caráter mais teórico e a
outra mais prático), ampliando dessa maneira não só a concepção peculiar de cada área de
conhecimento, como a postura em trabalhar com as mesmas.
Obviamente, houve casos de impaciência com a pesquisa, por parte tanto de professores
quanto de acadêmicos, pois a proposta obrigava a que nos libertássemos dos padrões óbvios de
pesquisadores e aterrissássemos em um manancial que não possuía ainda respostas às nossas
perguntas. Para os acadêmicos a dificuldade era trabalhar sem respostas prontas e buscando suas
soluções nas questões que conseguiam formular (pois muitas vezes era ali que residia a resposta).
Para os professores a dificuldade foi não dar respostas prontas (a tentação era enorme), sob o risco
de perder a possibilidade que a pesquisa buscava, ou seja, a de propiciar novas visões sobre um
determinado período histórico, assim como novas fórmulas criativas para resolução de problemas
de construção de conhecimento.
Observamos também que este tipo de proposta serve de base para o Trabalho
Interdisciplinar.6 O trabalho desta primeira fase do curso de Design de Moda, superou as
expectativas, já que os grupos estavam conectados com essa relação entre teoria e prática e também
com uma facilidade maior em expor sua pesquisa oralmente.
4 REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mãe (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez,
2002.
CASTILHO, Catia ; MARTINS, Marcelo M. Discursos de moda: semiótica, design e corpo. São
Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2005.
ESTRADA, Mauro Rodriguez. Manual de criatividade: Os Processos Psíquicos e o
Desenvolvimento. Hildegard Asbac (Trad.). São Paulo: IBRASA, 1992.
6 O Trabalho Interdisciplinar é uma atividade teórico/prática onde grupos de alunos aplicam conceitos das disciplinas do semestre de
forma integrada.
8
FLORI, Jean. A cavalaria: a origem dos nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo: Madras,
2005.
KÖHLER, Carl. História do vestuário. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.
Maria Lúcia Machado (Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
NERY, Marie Louise. A evolução da indumentária: subsídios para criação de figurino. Rio de
Janeiro: SENAC Nacional, 2003.
SCHIFFER, Daniel Salvatore. Umberto Eco: o labirinto do mundo: uma biografia intelectual. Ana
Montola (Trad.). São Paulo: Globo, 2000.

COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contador de visitas