domingo, 25 de julho de 2010

2074 - A IDADE MÉDIA

O corpo na Idade Média

*Licenciada em Educação Física, Especializanda em Ativ. Física, Desempenho Motor e Saúde (UFSM)

***Licenciada em Educação Física (UFSM)

***Professora Ms. do Curso de Educação Física (UFSM), Doutoranda em Ciências do Mov. Humano (UFRGS)

(Brasil)
Daniela Dressler Dambros*

Liriana Correa Dalla Corte**

Angelita Alice Jaeger***

danidambros@hotmail.com




Resumo

A partir de uma revisão bibliográfica, este estudo destaca aspectos culturais e históricos da Idade Média, explorando as relações de corpo, sexo, vestimentas, higiene, cultura física, práticas desportivas e de lazer deste período histórico. Percebe-se que, no período de supremacia da Igreja, as proibições e privações eram muitas, e praticamente tudo relacionado ao corpo era considerado heresia, pecado. Porém, no final da Idade Média, com o Renascimento, o corpo foi saindo do anonimato e da escuridão.

Unitermos: Corpo. Idade Média. História.

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 121 - Junio de 2008


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Introdução

Esta pesquisa tem o objetivo de descrever como era e o que se pensava sobre o corpo no período histórico chamado de Idade Média, conhecido também como “idade das trevas”, como cita TAVARES DE JESUS (1994). Para isso, contamos com estudos e reflexões de diversos autores.

Para compreendermos a visão de corpo da época, é necessário analisar os contextos histórico, social e cultural que influenciaram o pensamento das pessoas que viveram neste período. Descreveremos, portanto, a supremacia da Igreja, as manifestações artísticas e culturais, a religiosidade e as crenças da população medieval – o que se pensava sobre corpo, higiene, morte, sexo e cultura física.

A Idade Média

Segundo a ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA (1999), a Idade Média é o período da história européia que começa com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476. Da formação dos reinos germânicos, a partir do século V, até a consolidação do feudalismo entre os séculos IX e XII, temos o período denominado alta Idade Média. Neste período, para SOUTO MAIOR (1969), a terra era sinônimo de poder e, como complementam FARACO E MOURA (1995), disputada através de constantes batalhas. Na baixa Idade Média, que vai até o século XV, o capitalismo afirma-se sobre o modo de produção feudal. FARACO E MOURA (1995) afirmam que o declínio da Idade Média se dá com o crescimento da burguesia, a chegada do comércio e as grandes navegações, no fim do século XV. Já SOUTO MAIOR (1969) sugere que este longo período de tempo chega ao fim com a peste negra e as cruzadas. Para PEREIRA (2004), o fim da Baixa Idade Média dá-se, oficialmente, com a queda do Império Romano do Oriente, derrubado pelos Turcos, conhecida como a tomada de Constantinopla.

A supremacia da igreja na Idade Média

De acordo com TAVARES DE JESUS (1994), a Idade Média teve uma grande influência da Igreja. FARACO E MOURA (1995) afirmam que a Igreja era vista como o lugar do mundo terreno onde estava Deus. Como a base da sociedade era o teocentrismo, ou seja, Deus era o centro de todas as coisas, a Igreja influenciava de maneira muito forte o comportamento das pessoas no campo moral, nos relacionamentos interpessoais, na vida familiar e na forma de pensar e vestir.

Segundo FARACO E MOURA (1995), as camadas sociais, dentre as quais o clero e a nobreza estavam no comando, eram determinadas por Deus e, como mostra SOUTO MAIOR (1969), o desejo de mudança estaria indo contra a vontade divina. BESEN (2004) diz que uma das características do homem medieval é “aceitar-se num lugar social determinado: forte ou fraco, rico ou pobre, guerreiro ou trabalhador, religioso ou leigo. Nesta posição, ele vê a vontade de Deus”.

O homem medieval, segundo FARACO E MOURA (1995), preocupava-se muito com a salvação eterna da sua alma e, sob influência da Igreja, renunciava seus bens materiais e os prazeres terrenos. Acreditava que, assim, iria para o “paraíso” depois de sua morte na Terra. BESEN (2004) menciona que foi no século XII que se fixaram os sete vícios capitais: orgulho, avareza, gula, luxúria, ira, inveja e preguiça.

O conhecimento, a cultura e as manifestações artísticas

TAVARES DE JESUS (1994) diz que os monges eram “os únicos letrados em um mundo onde nem os servos nem os nobres sabem ler”. Segundo SOUTO MAIOR (1969), eram conhecedores de línguas clássicas, grego e latim; por isso, somente eles tinham acesso às obras.

A Igreja dominava a ciência e as artes. Os mosteiros eram os locais onde a cultura estava depositada e eram vistos como um local próprio para a meditação e para exercitar as “atividades do espírito”. Para TAVARES DE JESUS (1994), a filosofia é conhecida como “serva da teologia” e divide-se em dois grandes momentos. O primeiro, chamado de patrístico, corresponde ao pensamento dos chamados “padres” da Igreja, preocupados em relacionar fé e ciência. Santo Agostinho foi um deles, defendendo uma “iluminação” divina para a aquisição da verdade. O segundo momento é denominado escolástico. Há uma preocupação com a reflexão filosófico-teológica, e surgem as escolas monaicas e catedrais, além das Universidades.

FARACO E MOURA (1995) citam a religiosidade expressada nas manifestações artísticas. Na arquitetura, destacam-se as grandiosas catedrais. Elas eram projetadas para o céu devido à crença na existência de uma de um Deus que vive num plano superior. As esculturas não eram vistas de forma autônoma; geralmente ilustravam os ensinamentos da Igreja ou eram vistas na decoração de edifícios. Na pintura, encontramos personagens pouco volumosos, cobertos por muita roupa, com o olhar direcionado para o céu. SOUTO MAIOR (1969) nos mostra a música sacra e mais especificamente os cantos gregorianos como marcas do período medieval.

Já na literatura, FARACO E MOURA (1995) apresentam o estilo de época predominante (em Portugal), conhecido como trovadorismo, que vai de 1189 a 1434. O nome vem devido à sua apresentação, em forma de texto musical, através de cantigas com viola e lira. SOUTO MAIOR (1969) destaca Santo Agostinho e Tomás de Aquino como os escritores da época, representando, respectivamente, alta e baixa Idade Média.

De acordo com BESEN (2004), na Idade Média surgiu o culto pelas imagens. Via-se na imagem esculpida, pintada ou retratada num vitral, um meio para instruir sobre o significado do anúncio da salvação àqueles que não sabiam ler. As imagens narram a história da salvação, reforçam a recordação e elevam a piedade.

Para PEREIRA (2004), a alta Idade Média pode até ser considerada época de trevas e de atraso cultural. Mas a baixa Idade Média, época em que foram construídas catedrais e igrejas magníficas em estilo gótico, castelos e mosteiros, e onde viveram incomparáveis pintores, escultores, poetas, escritores e filósofos, não pode ser apontada como período de trevas culturais, crueldades e desrespeitos à dignidade humana, em hipótese alguma.

A literatura moral e o gesto

Para SCHMITT (1995), a base da teologia moral da Igreja está na reunião das três virtudes mencionadas por São Paulo – fé, esperança e caridade, e de quatro virtudes que Cícero diz serem as componentes da “beleza moral” – scientia, o discernimento do verdadeiro, a prudência e a sabedoria; beneficientia, o ideal de justiça, dando a cada um o que lhe é devido; fortitudo, a força e a grandeza da alma, que inspiram o desprezo às coisas humanas e temperantia ou modestia, que consiste em cumprir toda ação e pronunciar toda palavra com ordem e medida.

De acordo com SCHMITT (1995), a palavra latina gestus significa os movimentos e atitudes do corpo em geral, e não somente determinado gesto particular. Na alta Idade Média, a palavra gestus e as reflexões relacionadas a ela desaparecem aos poucos.

O autor cita o que Cícero diz traduzir para o exterior a excelência do espírito: “os movimentos e as atitudes do corpo”, “a atitude, o caminhar, a maneira de sentar, de se inclinar à mesa, o rosto, os olhos, o movimento das mãos”. Os gestos, como o andar, não devem ser “vivos demais”, nem “débeis demais” ou efeminados; a virtude reside no justo meio.

SCHMITT (1995) nos traz ainda alguns tratados de edificações, destinados a soberanos, que fazem parte da chamada literatura moral. O tratado do bispo Martim de Braga, escrito para o rei Miro de Galícia, recomenda a continentia: a alimentação, a linguagem, o riso e o andar devem ser feitos sem “tumulto”. O tratado destinado a Isidoro de Sevilha, escrito por P. Pascal e P. Riche, recomenda “um movimento de corpo cheio de constância e gravidade, sem ligeireza vaidosa e sem desordem, e um andar que não pareça, por sua insolência, imitar as contorções dos mímicos e os gestos dos bufões que correm daqui para ali”.

Cita outro texto de Cícero, presente em De officiis, que enuncia regras da moderação do corpo: “que a face seja bem reta, que os lábios não se contorçam, que uma abertura imoderada não distenda a boca, que o rosto não se volte para trás, que os olhos não mergulhem em direção ao sol, que a nuca não se incline, que as sobrancelhas não estejam nem levantadas, nem caídas.”

O corpo

SCHMITT (1995) afirma que, no século VI, vários autores mencionam o uso do corpo a propósito dos vícios – a gula em Pomerius, a fornicação (relacionamento sexual ilícito) em Cassiano e o orgulho em Gregório. Já na baixa Idade Média, surge uma nova visão de corpo, que não é mais apenas a “prisão da alma”: quando bem governado, o corpo pode se tornar meio e lugar de salvação do homem.

De acordo com MATOS E GENTILE (2004), na Idade Média, o corpo foi considerado perigoso, em especial o feminino, visto como um "lugar de tentações". Alguns teólogos chegaram a dizer que as mulheres tinham mais conivência com o demônio porque Eva havia nascido de uma costela torta de Adão, portanto nenhuma mulher poderia ser reta.

Segundo RODRIGUES (1999), a abertura do corpo humano e a dissecação de cadáveres, para a mentalidade medieval, era uma ação inconcebível, um gesto do mais supremo sacrilégio e por este motivo, conforme nos mostra PEREIRA (1988), a anatomia passa por um período de estagnação – representando um período negativo para a Educação Física – tendo seus estudos retomados com a chegada do Renascimento. O corpo jamais poderia ser considerado como objeto; para os medievais, a putrefação era continuidade da vida, era húmus. Existiam valas coletivas que ficavam abertas até serem preenchidas por corpos e era comum tê-los em putrefação em casa. Há imagens da época que retratam homens dançando com cadáveres que se desfaziam.

RODRIGUES (1999) diz ainda que, com freqüência, os reis da França, ao morrer, tinham seus corpos esquartejados e seus fragmentos espalhados pelas Igrejas importantes do território. Os medievais acreditavam que tais “relíquias reais” propiciariam boas colheitas. Além disso, de acordo com BESEN (2004), havia também o culto às “relíquias dos santos”, ocorrendo até roubos de partes dos corpos. Não se concebia fundar uma cidade sem o túmulo de um santo, havendo, deste modo, lutas violentas para garantir o corpo, que traria proteção.

Segundo BESEN (2004), a festa de Corpus Christi nasce na Idade Média com a finalidade de fazer a adoração pública da Hóstia, o “corpo de cristo”.

Com o propósito de libertar o Santo Sepulcro de Cristo do domínio muçulmano, surgiram as Cruzadas – lutas em busca da posse de Jerusalém e da Terra Santa, onde estava a sepultura do filho de Deus.

O sexo

Segundo FRANCO JÚNIOR (2001), a vida sexual tornou-se inexistente e a virgindade passou a ser vista com grande valor, seguindo os modelos de Cristo e sua mãe. Na Idade Média, a palavra latina verecundia toma o sentido de vergonha ligado a carne e ao pecado sexual, segundo SCHMITT (1995).

A castidade, para FRANCO JÚNIOR (2001), era vista como compensatória por quem já havia pecado e deveria se abster de sexo pelo restante da vida. A vida sexual era possível ao cristão desde que acontecesse numa relação definida e supervisionada: o matrimônio. Esse só era permitido entre heterossexuais, combatendo-se a prática da bestialidade (sexo entre humano e animal). O pecado da homossexualidade era explicado por proporcionar apenas prazer e não procriação.

FRANCO JÚNIOR (2001) diz ainda que a prática sexual deveria ser apenas vaginal, ficando a mulher debaixo do homem e no escuro, para evitar a visão da nudez. O sexo oral ou sodomita, as bruxarias para seduzir alguém, práticas anticoncepcionais e abortivas e as relações incestuosas ou adúlteras eram vistas como pecado e castigadas, com pena de seis a quinze anos de jejum e excomunhão, acompanhados geralmente de interdição perpétua de qualquer relação sexual e de casamento. Porém, de acordo com SOARES (2004), “havia ainda liberdade sexual, até para bispos e papas”. Um exemplo é Arquibaldo, bispo de Sens, França, que instalou um harém na abadia de São Paulo, no século X.

Cultura física e práticas desportivas

De acordo com PEREIRA (1988), a preocupação estética e a cultura física eram contra os dogmas da Igreja e, portanto, foram proibidas. Havia um dualismo entre o corpo, visto como pecaminoso, e a alma, destinada à salvação. FRANCO JÚNIOR (2001) mostra que as formas encontradas pelos clérigos para evitar a ociosidade eram cantos, leituras e conversas entre si.

No ano 393, de acordo com MATOS E GENTILE (2004), o imperador romano Teodósio, convertido ao cristianismo, proibiu os Jogos Olímpicos (que seriam retomados somente no final do século XIX, vendo neles uma "manifestação pagã". Tal medida expressava as concepções do cristianismo, que comparava os antigos deuses a demônios e qualificava como pecado a exibição dos corpos nus dos atletas.

De acordo com SOUZA (2004), os exercícios físicos eram a base da preparação militar dos soldados, que durante os séculos XI, XII e XIII lutaram nas Cruzadas empreendidas pela Igreja.

Segundo OLIVEIRA (2004), durante a Idade Média verificou-se uma acentuada diferenciação entre as atividades das classes altas e baixas. Conforme PEREIRA (1988) as atividades hípicas eram comuns às camadas dominantes e SOUZA (2004) afirma que eram valorizadas a esgrima e a equitação como requisitos para a participação nas Justas e Torneios, jogos que tinham como objetivo enobrecer o homem e fazê-lo forte e apto. OLIVEIRA (2004) complementa, dizendo que “os nobres se dedicavam a desenvolver suas aptidões guerreiras em torneios e combates, além de praticar a equitação e a caça”.

SOUZA (2004) diz que “há registros de várias atividades praticadas neste período, como o manejo do arco e flecha, a luta, a escalada, a marcha, a corrida, o salto, a caça e a pesca e jogos simples e de pelota, um tipo de futebol e jogos de raquete”. OLIVEIRA diz que “o povo tinha grande apego aos jogos de bola”. Segundo PEREIRA (1988), entre os servos existiam lutas corpo a corpo e jogos populares, que, conforme FRANCO JÚNIOR (2001) tinham o objetivo de testar a força e as habilidades físicas. Nas festas populares, estavam presentes os saltimbancos e os acrobatas, como mencionam FARACO E MOURA (1995).

Vestimentas

MATOS E GENTILE (2004) dizem que, na Idade Média, a nudez sofreu uma repressão severa. FARACO E MOURA (1995) mencionam que homens e mulheres, nobres e camponeses, vestiam-se com roupas longas. Cobrir o corpo, além de proteger das variações climáticas, era uma questão moral e religiosa, decorrente do cristianismo. Contrarias esta crença, conforme SOUTO MAIOR (1969) seria considerado heresia.

Segundo MATOS E GENTILE (2004), até mesmo os nobres que se exercitavam regularmente e disputavam torneios de cavalaria escondiam o corpo com trajes volumosos, apesar do desconforto que o excesso de tecido causava aos praticantes. As pessoas conservavam as roupas até durante o banho.

Higiene

Conforme RODRIGUES (1999), animais conviviam em harmonia com homens. Nas casas os cômodos eram de uso comum; desconhecia-se o sentido de privacidade e as necessidades eram eliminadas sem um local específico.

De acordo com MATOS E GENTILE (2004), o banho era um hábito pouco freqüente nos castelos, conventos e entre a população em geral, pois se acreditava que a sujeira era uma proteção contra as epidemias (em especial, a peste negra), que ameaçavam a saúde pública. Há registros de que os monges do mosteiro de Cluny, na França, tomavam dois banhos completos por ano e segundo SOARES E MIRANDA, ainda não existiam tratamentos odontológicos na época.

Lazer

Segundo OLIVEIRA (2004), a organização dos lazeres era de base religiosa: todo dia de festa começava pelas cerimônias de culto; estas se prolongavam em espetáculos, que apresentavam cenas da vida de Cristo ou dos Santos. Havia também o teatro inspirado em romances e crônicas. FARACO E MOURA (1995) comentam que neste período, as manifestações teatrais eram simples e ocorriam ao redor das igrejas e mosteiros, nas ruas, que eram locais, como mostra RODRIGUES (1999) de grande ruído, estreitas e fedorentas, constituídas de espaços onde se praticavam os ofícios, os afazeres profissionais, as conversas, os espetáculos e as brincadeiras. Depois do espetáculo, o divertimento mais apreciado era a dança: “dança dos donzéis” nos castelos e ronda em torno da árvore de maio ou ao redor da fogueira de São João. Havia os jogos do interior da casa, entre os quais era preferido o xadrez, a respeito do qual se encontraram tratados manuscritos em bibliotecas medievais.

A Inquisição

De acordo com a ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA (1999), Inquisição foi a designação dada a um tribunal eclesiástico que julgava os hereges (aqueles que se opunham aos dogmas da Igreja) e as pessoas suspeitas de se desviarem da ortodoxia católica e dos costumes considerados corretos. A pena poderia ser a prisão, o exílio para lugares distantes e até o confinamento numa aldeia por toda a vida. Costumava-se, também, destruir a casa do herege.

A ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA (1999) menciona que os acusados de crimes mais graves, os que se recusassem a renunciar suas opiniões ou os que reincidissem depois de alguma condenação, geralmente eram queimados nas fogueiras. O auge da Inquisição deu-se no século XIII, quando o papa Inocêncio IV autorizou o uso da tortura quando se duvidasse da veracidade da declaração dos acusados. Segundo GARCIA (1997), a não observância de alguns princípios éticos legitimou a mutilação, a destruição e a cremação de corpos, tornando-os sede de sofrimento.

De acordo com RODRIGUES (1999), a tortura presente na Idade Média era justificada como uma ação sobre o espírito por meio do corpo, visto que, na mentalidade medieval, o corpo é inseparável da alma. A dor era denominada por termos que designavam também amargura, tristeza, solidão e luto, entre outros estados não necessariamente ligados à pura corporalidade. GARCIA (1997) complementa dizendo que a tortura até a morte não era suficiente. Havia a necessidade da cremação, para o corpo ser purificado. Um corpo sepultado continuaria existindo fisicamente, seria ainda uma substância material; por isso era necessário destruí-lo completamente para que não deixasse nenhum rastro de vergonha e desonra. O corpo material era visto como portador do espírito; portanto, as idéias da pessoa só eram completamente anuladas com a destruição do físico, mesmo já sem vida.

O Renascimento

Segundo MATOS E GENTILE (2004), no final do século XII (baixa Idade Média), houve uma retomada do comércio e da vida urbana em boa parte da Europa ocidental e foram redescobertos, em traduções árabes, os textos dos pensadores greco-romanos, perdidos no início da Idade Média. Tudo isso levou a uma mudança da mentalidade vigente. Começou a surgir um novo tipo de intelectual, o humanista, que via no homem a medida de todas as coisas, como os filósofos gregos. Esse processo ficou conhecido como Renascimento.

De acordo com SCHMITT (1995), na baixa Idade Média, a atenção aos gestos é renovada. Essa redescoberta do gesto como objeto de pensamento e de reflexão ética deve-se muito ao Renascimento Intelectual do século XII.

MATOS E GENTILE (2004) dizem também que o pensamento renascentista influenciou pintores, escultores e artistas em geral, que retomaram os padrões da Antigüidade clássica em suas obras. A arte renascentista celebrou abertamente o corpo e a beleza física. Como mostra FARACO E MOURA (1995), o nu passa a mostrar uma nova ideologia de mundo, a “da concretude terrena, do material”. MATOS E GENTILE (2004) mencionam ainda que a mulher, antes ligada ao pecado, reapareceu, seminua e deslumbrante, em O Nascimento de Vênus, tela de Sandro Boticelli pintada em 1485. Leonardo da Vinci, na gravura conhecida como O Homem Vitruviano (1492) e Michelangelo, conforme FARACO E MOURA (1995), com A criação do homem (pintura) e David (escultura), imortalizaram o equilíbrio e as proporções da figura masculina.

Conclusões

Através desta pesquisa, pode-se concluir que o contexto histórico-cultural da Idade Média foi o responsável pela visão de corpo da época. Além do comportamento da população medieval ter sido extremamente controlado, também seu pensamento foi manipulado pelo poder dominante da época: o clero e a nobreza. Usando o nome de Deus, os poderosos obtinham muitos benefícios, e a população acreditava que, se contrariasse as ordens da Igreja, não teria a salvação da alma; portanto, não reagia.

As proibições e privações eram muitas, e praticamente tudo relacionado ao corpo era considerado heresia, pecado. Por isso, o corpo era escondido. Nem mesmo poderia aparecer em pinturas ou esculturas se não estivesse encoberto. E as atitudes do corpo deveriam ser contidas, os gestos deveriam ser discretos.

Porém, no final da Idade Média, com o Renascimento, o corpo foi saindo do anonimato e da escuridão. O período mais obscuro da história foi dando lugar à liberdade de expressão e pensamento.

Bibliografia

BESEN, J. A. A religiosidade na Idade Média. Disponível em www.pime.org.br/pimenet/missaojovem/mjhistdaigrejamedia.htm, acessado em 28/10/2005

ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA, 1999

FARACO & MOURA, Língua e Literatura – 2º grau, Vol.1, São Paulo: Editora Ática, 1995.

FRANCO JÚNIOR, H. A Idade Média: nascimento do Oriente. São Paulo: Brasiliense, 2001.

GARCIA, R. P. A evolução do homem e das mentalidades – uma perspectiva através do corpo. IN: Revista Movimento, ano III, n° 6, 1997.

MATOS, C. E., GENTILE, P. e FALZETTA, R. Em busca do corpo perfeito. IN: Revista Nova Escola. Abril, São Paulo: edição 173, ago. 2004

OLIVEIRA, C. H. S. Esporte. Disponível em www.cdcc.sc.usp.br/escolas/juliano/esporte.html, acessado em 28/10/2005

PEREIRA, O. A. S. Idade média, época de trevas? - A família imperial brasileira e sua sagrada estirpe medieval. Disponível em www.ihp.org.br/docs/oasp20000411.htm, acessado em 23/10/2005.

RODRIGUES, J. C. O corpo na História. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999

SCHMITT, J. C. A moral dos gestos. D. B. Sant’Ana. Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995.

SOARES, C.; MIRANDA, F.; RECIFE, E. Sorria, você está sendo estudado. IN: Super Interessante. Abril, São Paulo: edição 201, jun. 2004.

SOUTO MAIOR, A. História Geral. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.

SOUZA, E. P. M. O universo da ginástica: evolução e abrangência. Disponível em www.denix.hpg.ig.com.br/a_ginastica.htm, acessado em 28/10/2005

TAVARES DE JESUS, A. A volta do mito de Prometeu. IN: Revista Motrivivência. Editora da UFSC, Florianópolis: n° 5, 6 e 7, dez. 1994.

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