domingo, 25 de julho de 2010

2071 - A IDADE MÉDIA

www.klepsidra.net Tempo e cultura clerical na Idade Média Central - Um balanço historiográfico


Leandro Duarte Rust


Mestrando em História UFRJ

Colabor. do Prog. de Est. Medievais UFRJ

Prof. Subst. do Depto. de História UFJF

leandrorust@yahoo.com.br



O texto que se segue é um apanhado de algumas reflexões gerais que norteiam nossa pesquisa - ainda em curso - dedicada à representação do tempo pelos clérigos que constituíam a Santa Sé entre 1179 e 1215.


Nas breves páginas que se seguem realizaremos uma revisão bibliográfica acerca deste rico campo de investigação da pesquisa histórica medievalista: as temporalidades que perpassaram a existência dos clérigos seculares da Idade Média Central.


A representação do tempo por um agente histórico – seja ele individual ou coletivo – é, para o estudioso de uma sociedade, um tema da maior relevância. Pois, conceber o tempo não é um fenômeno cultural de limites precisos, de alcance facilmente mensurável, tampouco um bem simbólico puro ou monolítico: revestido com a tinta invisível dos aspectos culturais que animam a vida cotidiana, o tempo se esconde numa série de domínios da existência humana onde não se manifesta explicitamente.[1] Afinal, desde que o homem almejou manter-se no compasso das estações e dos corpos celestiais ele lança continuamente vastas redes de significados sobre o tempo: assim, a duração das estrelas no firmamento torna-se poética, a marcha dos dias é dramática, o fluxo cronológico pode ser irônico... A imagem do tempo não é algo natural aos homens, mas uma elaboração multifacetada, polissêmica, densa e variável ao longo da história.[2] Ela não se encontra apenas nos relógios e calendários, mas infiltra-se nas leis e organizações políticas, nos códigos éticos e morais, nas formas de sociabilidade, nos sistemas filosóficos e religiosos, nos tratamentos dispensados ao corpo e ao espaço e até nos empregos da violência.[3] “São estas maneiras de ‘fazer a história’ que ‘marcam’ ou ‘selam’ o tempo”.[4] Uma temporalidade é um dispositivo essencial da relação do homem com o mundo que o rodeia, permitindo-lhe dotar-se de uma identidade e orientar suas ações.[5] Uma representação do tempo é a janela que oferece uma das visões mais abrangentes sobre um universo cultural.


Portanto, não é ao sabor do acaso ou por modismos historiográficos que as concepções, experiências ou práticas do tempo pelo medievo têm atraído cada vez mais a atenção da historiografia medievalista, ainda que esta atenção na maioria das vezes se contenha às poucas páginas de um artigo ou de um capítulo de um estudo maior. Este campo de investigação que teve na nouvelle histoire os esforços mais sistemáticos para sua implantação e ampliação aparece em diversas obras, desde aquelas que aí têm o problema integral de sua pesquisa[6] ou por estudos que o freqüentam levados por outras temáticas, como as “maneiras de sentir e pensar”,[7] a antropologia medieval,[8] o milenarismo,[9] o Além e o sobrenatural,[10] o cotidiano,[11] o calendário[12], a morte e o medo...[13]




Contudo, muitas abordagens lançadas nos anos 50 e 60 permaneceram incólumes a revisões e novos aprofundamentos, enraizando-se na historiografia como uma espécie de “lugares comuns”. A breve revisão historiográfica que segue tem o objetivo de problematizar alguns destes pressupostos solenizados pela historiografia. Para isso selecionamos algumas obras através de dois critérios: (1) tratam-se de abordagens pioneiras e fundadoras da pesquisa histórica sobre as atitudes clericais diante do tempo – abordagens que ainda hoje exercem forte influência sobre os historiadores -, e/ou (2) estudos que, ao surgirem, sintetizaram o conhecimento produzido pelos historiadores sobre este tema até sua data de publicação.


O ponto de partida desta revisão encontra-se na obra de Jacques Le Goff. Um artigo publicado pelo medievalista francês em 1960, intitulado Na Idade Média: tempo da igreja e tempo do mercador,[14] tornou-se um dos mais célebres trabalhos sobre este campo de investigação, especialmente pelo pioneirismo de sua abordagem histórica dos significados temporais expressados pelo clero medieval (séculos XI-XIV). Le Goff demonstra que, durante este período, duas concepções de tempo digladiavam-se: de um lado, o tempo concebido por teólogos e filósofos cristãos, e, do outro, o tempo prático manipulado pelos mercadores.


Segundo o autor, a percepção do devir temporal por parte dos clérigos medievais consistia em revesti-lo de qualificações espirituais, tornando-o a sucessão linear desencadeada no ato da Criação que, tendo a eternidade por pano de fundo, transcorre irreversivelmente para o Apocalipse, o fim dos tempos: o “tempo da igreja” é sinônimo de tempo histórico.[15] Já o mercador via o tempo como um artefato profano, isto é, um quadro essencial e rotineiro de medidas e orientações em meio à trama de acontecimentos que o envolviam. O mercador o conquista, impõe-lhe um preço, trata-o como um objeto de cálculo, de projeção de riscos e de realização de lucros: um tempo mensurável, mecanizável, e sobre o qual “agem a inteligência, a habilidade, a experiência e a manha do mercador”.[16] Um tempo sagrado versus um tempo profano, daí o conflito. Em seguida o artigo chega ao momento mais rico de suas análises: os possíveis encontros destes dois tempos, cabendo à própria igreja, por meio dos escolásticos, permitir ao mercador unificar seu tempo de trabalho ao da vida religiosa cristã.[17]


O artigo de Le Goff tem o mérito de abordar os sentidos atribuídos pelos homens ao tempo como um produto sócio-cultural variável no interior de uma mesma sociedade e de um mesmo período. Numa civilização podem coexistir tantos “tempos” quanto existam diferentes segmentos sociais. Esta pluralidade de representações é possível por que a imagem do tempo é entrelaça a uma série de fatores historicamente construídos, tais como as heranças culturais preservadas, o escalonamento da hierarquia social, as divisões sócio-profissionais, o controle sobre parcelas do poder ideológico... Este artigo de Le Goff torna o estudo das temporalidades um marco inaugural da Antropologia histórica, configurando o domínio cultural como terreno de riscos, de mudanças decisivas, de conflitos...[18]

Este estudo foi pioneiro ao aplicar sobre as qualificações tecidas sobre o tempo pelos agentes históricos um método de investigação histórica, rejeitando seu encarceramento num âmbito puramente psicológico ou filosófico, transformando-as em um fenômeno de grande envergadura histórica: constituintes de conflitos sociais, do exercício do poder, das dinâmicas culturais...

Todavia, alguns pontos deste artigo de quase meio século devem ser reavaliados.


Em primeiro lugar, questionamos a forma como o historiador distancia estes tempos, isto é, de um lado um tempo concebido e conceituado – tempo sagrado -, do outro um tempo praticado e vivido – tempo profano. Há aqui um roteiro bem organizado, uma ordenação que pesa sobre os significados temporais, fazendo com que haja entre “o tempo profissional [e] o tempo sobrenatural (...) separação essencial e encontros contingenciais”.[19] No que concerne ao “tempo da igreja” - que nos interessa em especial - o artigo de Le Goff resume seus significados àqueles expressados de maneira direta e consciente pelos clérigos: não há representação do tempo para além das reflexões eclesiásticas sobre este, a história ou o Além. As fontes históricas de tal representação seriam tratados morais, relatos de viagens espirituais, narrativas eclesiásticas ou comentários sobre a Bíblia, mas não, por exemplo, uma legislação conciliar ou documentos eclesiásticos administrativos.[20]




Este tempo conceituado é, em grande medida, um tempo estilizado, isto é, um desdobramento quase automático da condição de clérigo. Como se o recebimento das ordens implicasse a adesão a este tempo pouco afeito à materialidade e à praticidade, mais familiar aos anjos do que ao homem comum. Além disso, esta representação do tempo reclama o direito à exclusividade, pois é tomada como a totalidade dos significados temporais que permeiam as atividades clericais: as qualificações deste tempo conceituado encobrem a possibilidade de que outros valores temporais possam ser encontrados junto aos clérigos medievais. O “tempo da igreja” surge, então, em seu ímpeto globalizante, homogeneizado, incompatível com ambigüidades ou duplicações de sentido, e sua autonomia o torna não apenas impermeável a outros valores temporais, mas incisivo ao rejeitá-los.[21] A rigidez e o arcaísmo desta temporalidade seriam amenizados somente com a entrada em cena de dois novos segmentos clericais: os franciscanos, estes eclesiásticos “progressistas”,[22] e os “intelectuais” medievais, clérigos universitários que, urbanos como o mercador, a ele seriam solidários:[23] “sob sua ação (...) o tempo se quebra e o tempo dos mercadores se liberta do tempo bíblico que a igreja não sabe manter na sua ambivalência fundamental”.[24]




Posteriormente, já na década de 1980, o célebre medievalista francês afirmava que, se em um flanco do campo de batalha em que era travada a luta pelo controle do tempo a igreja sofria uma derrota irreversível para o mercador, em outro ela aperfeiçoava uma poderosa arma. Uma nova representação do tempo recebia seus últimos retoques, mais humanizada, afeita à lógica aritmética e significativamente maleável: o tempo do purgatório.[25] Desta forma, este recuo do poder da igreja sobre o tempo terreno foi “em parte compensado pela aquisição de um poder sobre o tempo dos homens para lá da sua morte”.[26]




Todavia, esta nova representa não foi capaz de desfazer a clivagem essencial que Le Goff, na aurora da década de 60, reconhecia como definidora da temporalidade clerical dos tempos medievais: um tempo seduzido pelo transcendental, com uma incontida empatia pelo sagrado, mais inclinado aos espíritos desencarnados do que à trama dos assuntos deste mundo.




Afinal, será que este tempo metafísico e “extra-ordinário” que pesava sobre os eclesiásticos medievais era capaz de sustentar todas as atividades da igreja romana? Será que, composta de homens, instalada no espaço, manipulando bens terrenos e exercendo atividades administrativas e fiscais, a igreja não compartilharia, em momento algum, os traços temporais identificados pelo autor como pertencentes ao mercador?[27]



Por fim, Le Goff trabalha com representações mentais, postulado que projeta significados temporais constantes e comuns sobre um imenso e heterogêneo universo clerical: que “tempo da igreja” é este que coloca ombro a ombro a prudente visão de história de Hugo de Saint-Victor e a carga escatológica de Joaquim de Fiore?




Publicada pela primeira vez em 1957, a obra Os Dois Corpos do Rei, de Ernest Kantorowicz, traz em seu interior um capítulo intitulado “Sobre continuidades e corporações”, cujas reflexões somaram importantes contribuições ao nosso campo de investigação.[28] Nesta seção de sua obra, Kantorowicz analisa os impactos históricos de uma alteração na avaliação filosófica do tempo pelos medievais, a passagem da abordagem agostiniana para as averroísta e tomista – o que faz seu interesse recair sobre os eclesiásticos do século XIII. Para o autor, a passagem da percepção temporal agostiniana, de teor depreciativo e angustiante, para as visões averroísta e tomista, que tornavam o tempo um elemento de contínua vitalização e edificação, implicou em desdobramentos decisivos para o mundo medieval como, por exemplo, para a progressiva constituição do “Estado” e do pensamento corporativo.




Este trabalho de Kantorowicz tem o mérito pioneiro de vislumbrar as transformações dos significados temporais em uma sociedade como “um fator histórico de grandes proporções”.[29] Já nos anos 50 do século passado, o autor inovava ao rejeitar a restrição desta problemática aos domínios filosóficos, atribuindo-lhe um estatuto histórico então concedido apenas a “estruturas” como a economia ou o mito. Em nossa opinião, este estudo de Kantorowicz (ao lado do já mencionado artigo de Jacques Le Goff), foi decisivo para a implementação das representações medievais do tempo como um campo de investigação histórica.




Este historiador apóia suas análises sobre os aspectos conscientes e conceituais de uma representação temporal; em outras palavras: são os aspectos filosóficos da transformação na apreciação do tempo que merecem atenção. Entretanto, não podemos perder de vista o fato de que a obra de Kantorowicz é “um estudo sobre a teologia política medieval”, o que torna sua limitação à latitude filosófica desta transformação uma opção absolutamente coerente. Além disso, o próprio autor demonstrou estar ciente desta escolha ao afirmar que estes aspectos não esgotavam as possibilidades de alterações nas abordagens do tempo:



Como sempre, a prática precedia a teoria, mas a prática existente tornava as mentalidades ainda mais receptivas a uma nova teoria. A simultaneidade, contudo, não implica causalidade e tudo que se pode dizer é que a filosofia que defendia o continuum infinito do Tempo fez sua aparição como concomitante a tendências correlatas em outras áreas.[30]





Ao contrário de Le Goff, que considerou as especulações temporais eclesiásticas o espelho de todo o “tempo da igreja”, Kantorowicz enfatiza a complexidade de seu problema.




Entretanto, um pressuposto de análise deste autor polonês implicou numa restrição de seu estudo, um esgotamento de possibilidades decorrente exatamente da palavra-chave de seu estudo: “transformação”. O estudo de Kantorowicz concentra-se nos domínios filosóficos, que têm na coerência e na lógica duas de suas exigências essenciais; o que faz com que, nestes domínios, a representação do tempo tenda a ser quase sempre coesa, coerente e, conseqüentemente, singular, raramente múltipla. Assim, a constatação de disparidades e contradições no interior de uma abordagem do tempo tem duas explicações possíveis: ou são brechas na consistência das reflexões do agente em questão ou são indícios de que este agente inova, modifica sua caracterização do tempo, passando de uma abordagem a outra. O estudioso apreende as incompatibilidades na significação do tempo como uma incoerência ou uma substituição, mas não uma coexistência de significados. Resumindo: a primazia do universo especulativo sobre suas análises fez com que Kantorowicz não admitisse que atributos temporais distintos (ou “contraditórios”) pudessem coexistir em uma mesma representação do tempo. Portanto, ainda que o autor tenha revelado o mundo das práticas como um terreno em que os clérigos pudessem revelar traços peculiares de sua temporalidade, estes seriam já os indícios de “uma nova abordagem do Tempo”, [31] e não outros traços da representação empreendida por eles.




No nosso julgamento, os trabalhos de Le Goff e Kantorowicz são - além de brilhantes - marcos fundadores da legitimidade historiográfica da investigação sobre as relações entre os homens e o tempo. E é exatamente a este pioneirismo que creditamos o maior de seus méritos: assumir os riscos de destruir a inocência do tempo. Ou seja, como realidade humana o tempo não é algo natural aos homens, como um elemento objetivo e invariável ao longo das sociedades; mas um produto de interações sociais, de heranças e dinâmicas culturais, de intervenções ideológicas... Uma representação do tempo é uma modalidade de interação humana.




Outra obra de conhecimento obrigatório para o estudo da representação do tempo na Idade Média é Categorias da Cultura Medieval (1972) de Aaron Gurevitch. No encalço da personalidade do homem medieval, o autor explora as categorias culturais que julga decisivas para a estruturação do “modelo do mundo” dos medievais: o espaço, o tempo, o direito, a riqueza, o trabalho e a propriedade.[32] A análise de concepções de tempo é aqui uma etapa de um estudo de dimensões incomparavelmente maiores. Arrebatado por esta visão totalizante, Gurevitch elabora a síntese mais completa por nós encontrada sobre representações medievais do tempo, abarcando as principais contribuições da historiografia até princípios da década de 70. O autor, especialista em cultura medieval nórdica, explora a genealogia cultural e as relações travadas entre temporalidades então existentes; como o tempo bárbaro, o tempo campesino, o tempo literário dos romances de cavalaria, o tempo filosófico, o tempo urbano, etc.[33] Destacam-se também suas preocupações em abordar uma temporalidade como um mecanismo de sistemas de dominação e território das relações de poder. Por outro lado, no entanto, é esta mesma visão totalizante que sustenta pressupostos e formulações controversas.




Elaborado sob o modelo historiográfico annaliste, Categorias da Cultura Medieval é um típico estudo da “história das mentalidades”, indicativo da ampla aceitação, por parte do medievalista russo, das formulações acima mencionadas de Jacques Le Goff.[34] Tal como o historiador francês, Gurevitch engloba e nivela os significados atribuídos ao tempo pelos clérigos medievais numa única e imensa categoria: não mais a de “tempo da igreja”, mas a de “tempo cristão”. Todo este estudo do conhecido professor da Universidade de Moscou almeja uma totalidade explicativa que enfatize as especificidades da Idade Média como um todo, o que explica a sincronia com que suas análises caracterizam o passado medieval, levando o autor a um incontido desinteresse por contextualizações precisas e marcos cronológicos. Esta ênfase numa identidade coletiva e global cria condições propícias para generalizações, para negligenciar a heterogeneidade e os conflitos culturais decisivos existentes no interior deste disperso “tempo cristão” (tais como Cluny versus Cister, espirituais franciscanos versus conventuais...). Gurevitch, seguindo o caminho até então percorrido pelos medievalistas, não dá atenção a desacertos e incongruências decorrentes das variações cruciais em que incorriam os eclesiásticos medievais ao significar o tempo. Podemos então entender porque a obra reedita a formulação de Le Goff que emparelhava, como elos de uma mesma temporalidade, clérigos tão diferentes como monge calabrês Joaquim de Fiore e o pensador escolástico Tomás de Aquino.






Outro pressuposto annaliste é acolhido pelo medievalista russo: representar o tempo é acima de tudo um processo cultural baseado em abstrações, em reflexões deliberadas, em formulações diretas, enfim, em conceituações explícitas. Para o autor, qualificar o tempo é, sobretudo, um ato intelectual; daí seu apelo àqueles que considera os alicerces deste tempo cristão: místicos, filósofos e pensadores.[35]




Concluindo: a obra de Gurevitch revigora a estilização do tempo lançada por Jacques Le Goff : as representações do tempo são aí estratificadas, dispostas numa hierarquia sobre a qual a igreja exerceu sua hegemonia no decorrer de séculos.[36] A temporalidade clerical era capaz de projetar filtros, de distinguir-se das demais concepções de tempo para condicioná-las, controlá-las do seu exterior. Distanciando-se provisoriamente de pressupostos annalistes, Gurevitch deixa transparecer sua filiação marxista ao afirmar que as qualificações atribuídas ao tempo correspondem à práxis das “classes sociais”, “de grupos separados: estes percebem-no e vivem-no cada um à sua maneira”.[37] Estas palavras são emblemáticas do fechamento e do enrijecimento com que o autor caracteriza a temporalidade clerical nos tempos medievais.




A imagem historiográfica é então reeditada: inerente à condição de eclesiástico (quer regular ou secular), a representação do tempo pelos clérigos medievais era incorrigivelmente sagrada, doando-se integralmente ao transcendente, logo, pouco suscetível à racionalização, irremediavelmente desinteressada pelo terreno, pelo secular, pela praticidade...



O domínio do tempo pela igreja podia durar tanto quanto correspondia ao ritmo lento, medido da vida da sociedade feudal. (...) Ligar-se às gerações, aos reinados (...) tinha mais importância para os homens desta época do que medir com precisão fatias curtas de tempo, mas sem conexão com os acontecimentos religiosos e políticos.[38]





Vinte e dois anos depois do célebre artigo de Jacques Le Goff o conflito entre “tempo da igreja” e “tempo do mercador” ainda não havia arrefecido: o surgimento deste anunciava que o controle do tempo escapava de forma irreversível aos eclesiásticos. Entre o sagrado e o profano não haviam intercâmbios relevantes, mas um combate mortal em que a vitória de um implicava no recuo do outro. Na obra de Aaron Gurevitch a representação do tempo pelos clérigos medievais é uma categoria definida por sua coesão, homogeneidade e unicidade.






O relógio astronômico medieval da cidade de Praga

Algo semelhante persiste na obra de Hervé Martin, Mentalités Médiévales, publicada em 1995. A primeira parte desta obra é dedicada a um balanço do “état de nos connaissances” acerca dos “cadres fondamentaux qui structuraient les mentalités médievales”;[39] entre os quais figuram a analogia, o símbolo, as festas, o espaço e o tempo.


No capítulo dedicado a este último, o autor realiza um apanhado das características da noção de tempo ao longo de toda a Idade Média, incluindo os clérigos dos séculos XII e XIII. O estudo de Martin segue de perto o trabalho empreendido por Le Goff, partindo da mesma premissa de que a idéia de tempo é uma construção mental complexa, sobre a qual interferem as atividades cotidianas, a práxis criadora, a linguagem, as bagagens culturais, os ciclos de trabalho, etc...[40] Entretanto, o autor traz uma inovação em relação àquele artigo de quase meio século: além de explorar as maneiras pelas quais os homens conceituam o tempo, Martin não só se dedicará aos esquemas de representação temporal (como as imagens cíclicas, lineares...), à evolução lingüística para expressar atributos temporais e às alterações na visão de história; como também às diferentes formas de calendário, aos mecanismos cotidianos de indicação temporal e ao progressivo avanço da precisão cronológica, incluindo aí os meios clericais.[41]




Entretanto, ao conceder tamanha primazia à mensuração do tempo, sua perspectiva de análise mostra-se acentuadamente linear, apostando na passagem progressiva e ordenada de uma imprecisão quantitativa a um domínio cada vez mais esmerado dos instrumentos indicativos de intervalos de tempo. O que pode ser constatado através dos sub-títulos utilizados pelo autor: (1) Le temps immobile du haut moyen age (jusqu´em 1100 environ), (2) L´affinement dês catégories temporelles aux XIIe et XIIIe siècles e (3) Vers la mesure exacte du temps (XIIIe-XVe siècles). Surge, assim, a impressão de uma análise teleológica, em que as representações medievais do tempo caminharam irremediavelmente para a precisão moderna do relógio mecânico. Esta teleologia se revelaria ainda através do juízo de valor que decreta a inferioridade das avaliações qualitativas do tempo diante das estimativas quantitativas.




Mais do que isso, a obra de Hervé Martin não só não questiona a estilização dos significados temporais clericais que apontamos no trabalho de Le Goff, como vem enraíza-la ainda mais. Expliquemos melhor. Apesar de enriquecer o estudo do “tempo da igreja” ao elucidar a disposição dos referenciais temporais na atividade clerical diária – tornando o tempo mais “prático”, “vivencial” -, o autor faz o seguinte emparelhamento: a abordagem clerical do tempo consistia numa imprecisão quantitativa correlata a um predomínio da avaliação qualitativa, isto é, espiritual, religiosa (o que caracterizou a alta Idade Média, período em que a igreja, segundo o autor, exercia uma verdadeira soberania sobre o tempo); ao passo que os seguimentos seculares, em especial os mercadores, avaliavam o tempo com uma crescente precisão quantitativa, forçando o recuo dos referenciais qualitativos para tornar-se cada vez mais profano, secular (aspecto marcante da Baixa Idade Média). Assim, o aparecimento do relógio mecânico solapava a hegemonia eclesiástica sobre o tempo: “toujours au XIVe siècle, les laïques, patriciens, seigneurs et princês, ont commencé à participer à la gestion du temps collectif, aux cotes dês ecclésiastiques, qui semblent avoir été leurs éducateurs em la matière”.[42] Desta forma, Martin - quase meio séculos após o artigo de Le Goff – enraíza a representação temporal dos clérigos baixo-medievos numa moldura não só já conhecida, mas tida como a única possível: um tempo demasiado contemplativo e minimamente prático; tão embevecido pela magnitude do transcendente quanto desinteressado pela solidez da sociedade.





Ao término desta apreciação dos estudos de Jacques Le Goff, Ernest Kantorowicz, Aaron Gurevitch e Hervé Martin devemos atentar o leitor para um esclarecimento de suma importância: não rejeitamos suas análises, pelo contrário, algumas de suas afirmações são imprescindíveis para caracterizarmos a representação do tempo que perdurava em meio aos eclesiásticos medievais. Um exemplo disso é o tratado ascético-moral redigido por Lotário di Segni (futuro Inocêncio III), que “correspondaient au gôut et aux vues de l´époque”.[43] Esta obra pode ser enquadra nos postulados historiográficas propostos por tais autores: nela o tempo surge como artífice da lamúria que é o existir humano; portador da instabilidade e da precariedade, ele só adquire sentido ao ser conduzido para eternidade e integrado à economia cristã da salvação.[44] Mas estes significados atribuídos ao tempo por Inocêncio III são apenas alguns que constituam a temporalidade professada pelos clérigos que integravam a Cúria romana.


A objeção fundamental que fazemos aos trabalhos inventariados nesta revisão diz respeito ao risco de estilização aí presente, ou seja, generalizar para todo o mundo eclesiástico dos séculos XI-XIII qualificações temporais que pertencem a círculos clericais específicos. Os significados temporais apontados nestas análises não esgotam a representação clerical do tempo durante a Idade Média Central; ao lado destes valores temporais destacados pela historiografia como constituintes de uma temporalidade clerical medieval figuravam diversos outros, inclusive muitos daqueles considerados como antagônicos ao mundo clerical de então. Discordamos da perspectiva comum destes autores que descreve os ambientes clericais deste período como produtores de uma temporalidade que floresce como um bloco conceitual e coerente; uma representação exclusivamente sagrada, de contornos tangíveis e facilmente isoláveis que, - especialmente em Jacques Le Goff, Aaron Gurevitch e Hervé Martin – não apenas não interage com outras temporalidades a ela contemporâneas, mas por vezes as repelem, como ocorria diante do tempo profano do mercador.




Ora, o estudo do passado faz desmoronar esta organização, esta sistematização de fronteiras. Os sujeitos históricos são plurais em suas interações, múltiplos em suas experiências e bagagens culturais, e suas significações do tempo não escapam a esta constatação. A capacidade humana de representar o tempo não é monolítica, pelo contrário, pode incorrer em variações, duplicações, elaborações destoantes, expressões subliminares. Assim, se tomarmos como fonte um registro em que um ou mais clérigos tratavam de temas aparentemente distantes de uma especulação sobre o tempo – como documentos administrativos ou registros fiscais – podemos encontrar a ocorrência simultânea de significados temporais heterogêneos ou até mesmo opostos no interior de uma mesma representação do tempo. Diferentes qualificações temporais podem habitar uma temporalidade, coexistirem num mesmo agente histórico, ainda que somente algumas dentre elas adquiram relevo em suas reflexões e especulações.[45]




Desta forma, revisar como a temporalidade clerical da Idade Média Central tem sido caracterizada pela historiografia é também repensar uma série de pressupostos que demarcam os limites e a natureza dos horizontes culturais destes agentes históricos: a sistematização, a estipulação de fronteiras, a instauração de roteiro bem organizado de tarefas entre os agentes históricos. Cabe ao historiador redobrar sua atenção e aguçar sua apreciação crítica do passado, pois...





A dissecação - a que chamamos de análise - não tem apenas o inconveniente de fazer a realidade explodir; no mais das vezes, ela projeta filtros, critérios e obsessões que só existem em nossas visões ocidentais. (...) Ora, basta examinar a história de qualquer grupo humano para perceber que esse arranjo de práticas e crenças (...), mais se aparenta a uma nebulosa em perpétuo movimento do que a um sistema bem definido.[46]







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[1] GINZBURG, Carlo. Relações de Força. São Paulo: Cia das Letras, 2002, p. 53.

[2] DOCTORS, Márcio (Org.). Tempo dos Tempos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 16.

[3] ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000; HALL, Edward. A Dança da Vida: a outra dimensão do tempo. Lisboa: Relógio d´Água, 1996; NOWOTNY, Helga. Le Temps à Soi. Paris: Éditions de la Maison de Sciense de l´homme, 1992.

[4] RICOEUR, Paul. Introdução. In: UNESCO (Org.). As Culturas e o Tempo. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Edusp, 1975, p. 30.

[5] BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985, vol. 5, p. 296-332.

[6] Humphrey, C., Ormond, W. M. (ed.). Time in the Medieval World. York: York Medieval Press, 2001; WHITROW, George. O Tempo na História. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

[7] BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. Lisboa: Edições 70, 1983.

[8] SCHMITT, Jean-Claude. Le Corps, les Rites, les Rêves, le Temps. Paris: Gallimard, 2001.

[9] COHN, Norman. Na Senda do Milênio. Lisboa: Presença, 1981. DUBY, Georges; O ano Mil. Lisboa: Edições 70, 1967; FRANCO JR., Hilário. As Utopias Medievais. São Paulo: Brasiliense, 1992; _____. O ano 1000. São Paulo: Cia das Letras, 2000.

[10] SCHMITT, Jean-Claude. Os vivos e os mortos na sociedade medieval. São Paulo: Cia das Letras, 1999; HULIN, Michel. La Face Cachée du Temps. Paris: Fayard, 1985; LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: Estampa, 1994; _____. O Nascimento do Purgatório. Lisboa: Estampa, 1995; MORÁS, Antônio. Os Entes Sobrenaturais na Idade Média. São Paulo: Annablume, 2001.

[11] DAVRIL, Anselm & PALAZZO, Eric. La vie des moines au temps des grandes abbayes Xe-XIIIe siécles. Paris: Hachette, 2000; SENNET, Richard. Carne e Pedra. São Paulo: Record, 2002; PASTOUREAU. Michel. No Tempo dos Cavaleiros da Távola Redonda. São Paulo: Cia das Letras, 2001; LACEY, R., DANZIGER, D. O Ano 1000: a vida no final do primeiro milênio. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999; LADURIE, Emanuel Le Roy. Montaillou. Lisboa: Edições 70, s/d.

[12] AVENI, Antony. Empires of Times: Calendars, Clocks and Cultures. New York: Basic Books, 1989; DUNCAN, David. Calendário.Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

[13] ARIÈS, Philipe. L’homme devant la mort. Paris: Seuil, 1979; BRAET, Herman & VERBEKE, Werner (Ed.). A Morte na Idade Média. São Paulo: Edusp, 1996; DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente. São Paulo: Cia das Letras, 1989; _____. O Pecado e o Medo. São Paulo: UNESP, 2003, vol. 1.

[14] LE GOFF, Jacques. Na Idade Média: tempo da Igreja e o tempo do mercador. In: ______. Por um novo conceito de Idade Média. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p. 43-73.

[15] Idem, p. 45-51.

[16] Idem, p. 54.

[17] Idem, p. 53-59.

[18] BURGUIÈRE, André. A antropologia histórica. In: LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 148-150.

[19] Idem, p. 55.

[20] Esta restrição documental é curiosa em se tratando da “história das mentalidades”, vertente historiográfica que defendia a adoção de um campo documental o mais abrangente possível, afinal “todo e qualquer documento se pode prestar a uma pesquisa das mentalidades”. CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 138.

[21] Mesmo tratando uma temporalidade como uma elaboração sócio-cultural, Le Goff faz com que conflitos sociais e políticos refluíssem para o cultural e assim, a cultura erudita drenou o conjunto social para trás de si, alcançando uma autonomia em relação às outras instâncias do real, a tal ponto que é considerada como tendo uma dinâmica própria, independentemente do resto da formação social. Ver: DOSSE, François. A História em Migalhas. Bauru: Edusc, 2003, p.247-267; ______ . A História à prova do Tempo. São Paulo: Unesp, 2001.

[22] LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 193-198.

[23] LE GOFF, Jacques. Os Intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

[24] LE GOFF, Jacques. Na Idade Média... op. cit., p. 60.

[25] LE GOFF, Jacques. O Nascimento do Purgatório. Lisboa: Estampa, 1995, p. 271-272.

[26] LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: Estampa, 1994, p. 118.

[27] Esta estilização das temporalidades é retomada em outro artigo do autor, no qual aparecem o “tempo das cidades”, o “tempo do camponês”, o “tempo senhorial”... LE GOFF, Jacques. Tempo. In: _____ & SCHMITT, Jean-Claude (Org.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: Imprensa Nacional, Bauru: EDUSC, 2002, p. 531-541. Todavia, este risco de estilização deve ser analisado caso a caso nos trabalhos do medievalista, pois tal crítica não se aplica, por exemplo, ao mercador medieval, que o próprio Le Goff considera “habituado a agir nos tempos de certo modo empilhados uns sobre os outros”. LE GOFF, Jacques. Tempo da... op. cit., p. 56.

[28] KANTOROWICZ, Ernest. op. cit., p. 170-192.

[29] Idem, p. 171.

[30] Idem, p. 170.

[31] Idem, p. 171.

[32] GUREVITCH, Aaron. As Categorias da Cultura Medieval. Lisboa: Caminho, 1990, p. 33.

[33] Idem, p. 115-179.

[34] “Em meados dos anos sessenta eu trabalhava em um texto dedicado à caracterização da cultura medieval européia ocidental. (...) No auge do trabalho, quando as questões fundamentais já pareciam esboçadas, li o livro de Jacques Le Goff ‘A Civilização do Ocidente Medieval’ (...). O novo livro de Le Goff produziu uma imensa impressão em mim (...).” GUREVITCH, Aaron. A Síntese Histórica e a Escola dos Anais. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 173-174.

[35] Eis os personagens em que Gurevitch vai buscar o registro do “tempo cristão”: Isidoro de Sevilha (p. 132), Agostinho de Hipona (p. 137-141), Orósio (p. 140), Beda (p. 142), Honório de Autun (p. 143-144), Tomás de Aquino (p. 144), Pedro Lombard (p. 145), Oderic Vital (p. 148), Walter Map (p. 149), Joaquim de Fiore (p. 152-153), Oto de Freising (p. 156-157), Hildegard von Bingen (p. 158), Dante Alighieri (p. 164).

[36] Idem, p. 171.

[37] Idem, p. 171.

[38] Idem, p. 173. O peso da abordagem de Le Goff sobre as formulações de Gurevitch pode ser mais uma vez observado num conhecido artigo do medievalista soviético, no qual encontramos a seguinte afirmação: “O tempo eclesiástico podia permanecer preponderante enquanto correspondesse ao ritmo lento e medido da vida da sociedade feudal (...). Na Idade Média não havia necessidade de valorizar e economizar o tempo, de medi-lo e conhecer-lhe (...)”. GUREVITCH, Aaron. O tempo como problema de história cultural. In: UNESCO (Org.). As Culturas e o Tempo. Petrópolis: Vozes, Edusp, 1975. p. 279.

[39] MARITN, Hervé. op.cit., p. 1.

[40] Idem, p. 155-156.

[41] Idem, p. 160-174.

[42] Idem, p. 173.

[43] NAZ, Robert (Ed.). Dictionnaire de Droit Canonique. Paris: Librarie Letouzey et Ané, 1957, col. 1770.

[44] INOCÊNCIO III. De Contemptus Mundi sive De Miseria Conditionis Humanae. In: MIGNE, Jean-Paul. Patrologiae Latinae. Paris: Garnier Fraters Editores, 1889, v. 217, col. 0701-0746.

[45] Em um instigante artigo, Rebecca Lester, psicóloga e antropóloga da Universidade de Washington, afirma: “this distinction between sacred and profane time not only is not helpful in some cases, but may, in fact, lead us to significantly misunderstand the beliefs, practices, and experiences of the people with whom we work”. LESTER, Rebecca. The immediacy os eternity: time and transformation in a Roman Catholic convent. Religion, 33, p. 201-219, 2003. Disponível on-line em http://www.elservier.com/locate/religion.

[46] GRUZINSKI, Serge. O Pensamento Mestiço. São Paulo: Cia das Letras, 2001, p. 26 e 51-52.







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