sexta-feira, 23 de julho de 2010

1917 - HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Investigações em Ensino de Ciências – V12(3), pp.321-337, 2007
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A INSERÇÃO DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO CURRÍCULO DE
LICENCIATURA EM FÍSICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA: UMA
VISÃO DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS.
(Inserting History and Philosophy of Science in the Physics Teacher Training
curriculum at Federal University of Bahia: the professors’ view)
Katemari Rosa [katemari@gmail.com]
Departamento de Física - Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS
Maria Cristina Martins [mcristi@ufba.br]
Instituto de Física - Universidade Federal da Bahia – UFBA
Resumo
Este trabalho mostra parte dos resultados de uma pesquisa mais ampla, aqui trazemos
uma discussão sobre como se dá a inserção de História e Filosofia da Ciência no currículo de
formação de professores de Física da Universidade Federal da Bahia. O currículo é analisado
da perspectiva da estrutura da matriz disciplinar, as disciplinas e suas ementas e,
principalmente, da percepção dos professores do Instituto de Física em relação ao tema e suas
práticas. Os dados foram obtidos através de pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas
com docentes da instituição. Os resultados apontam para a necessidade de se
pensar também na formação continuada de docentes universitários ligados à formação inicial
de professores de Física, particularmente no que se refere às discussões em História e
Filosofia da Ciência.
Palavras-chave: História e filosofia da ciência, Currículo, Formação inicial de professores de
física.
Abstract
This work presents a discussion on how the insertion of History and Philosophy of
Science in physics teacher training curriculum is made, analyzing the Federal University of
Bahia experience. The curriculum is analyzed from the program perspective, the courses and
its summaries, and also by the perception of the Physics Institute professors regarding this
matter and their own practice. The data had been collected through documental research and
semi-structured interviews with the professors. The results point to the need of a look into “inservice
professors programs” for those working with physics teacher training, particularly
introducing discussions in History and Philosophy of Science.
Keywords : History and philosophy of science, curriculum, physics teachers training.
Introdução
Neste artigo, compartilhamos resultados de pesquisa realizada no Programa de
Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), em que buscávamos analisar, num estudo de caso comparativo, como se dá a
inserção de História e Filosofia da Ciência (HFC) no curso de Licenciatura em Física da
UFBA e da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Trata-se, portanto, de uma
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pesquisa mais ampla, já concluída, mas que optamos por discutir neste artigo apenas os dados
relativos a um dos Institutos supra citados. Aq ui, apresentamos a análise dos currículos em
Física da UFBA. Primeiramente situamos o leitor com um breve histórico da UFBA, e em
seguida voltamos o olhar para como a História e Filosofia da Ciência estão inseridas na matriz
curricular. Posteriormente trazemos o diálogo com professores do Instituto de Física e
analisamos suas idéias em relação ao tema.
HFC no ensino de ciências
A importância da História e da Filosofia das ciências para a formação científica de
qualidade vem sendo amplamente defendida (LANGEVIN, 1933; MATTHEWS, 1993, 1994;
RUTHERFORD, 1995, SNOW, 1995; PEDUZZI, 1998; OSTERMANN, 2000; FREIRE Jr.,
2002; PATY, 2002; TEIXEIRA, 2003; MASSONI, 2005), principalmente no que se refere à
formação de professores para a Educação Básica. De acordo com Freire Jr. (2002), o volume
de pesquisas nessa área, no Brasil, vem crescendo exponencialmente, embora exista um hiato
entre as proposições e as experiências práticas realizadas.
Um dos caminhos para a análise dessa questão é através dos currículos de
ciências, em geral, e de formação de professores, em particular. Nesse sentido, é preciso
considerar o objetivo dos currículos. Matthews (1995) destaca a importância de currículos em
ciências que contemplem:
distinguir entre asserções e argumentos pautados em dados e provas científicas e os
que não são; considerar a maneira pela qual se desenvolveu uma determinada teoria
ou pensamento científico se relaciona ao seu contexto moral, espiritual, cultural e
histórico; estudar exemplos de controvérsias científicas e de mudanças no
pensamento científico (IBID, p.167).
E alega que a contextualização histórico- filosófica pode contribuir para atingir
esses objetivos da perspectiva curricular.
Também sobre os currículos, o documento Ciência para Todos, da American
Association for the Advancement of Science, faz recomendações explícitas para “tratar a
natureza da ciência”, e “aquilo que as pessoas deveriam compreender acerca de alguns dos
grandes episódios da história do trabalho científico e de alguns temas essenciais”
(RUTHERFORD, 1995, p.19-20). Dentre os critérios utilizados para a seleção dos temas
apresentados no documento, está o “valor filosófico”, isso evidencia uma preocupação com
questões de filosofia no ensino de ciências.
As diretrizes para o ensino de ciências na educação básica têm apresentado a
inserção de elementos de HFC como algo desejável. Outrossim, existe, no Brasil, um
movimento de reestudo e reestruturação dos currículos dos cursos de licenciatura.
Na dimensão que trata da formação de professores as principais contribuições da
HFC ficam por conta das possibilidades de maior compreensão da natureza da ciência por
parte dos professores, uma vez que um grande número1 de pesquisas realizadas com
professores aponta que esses apresentam concepções “inadequadas” (ABD-EL-KHALICK E
LEDERMAN, 2000), “deformadas” (GIL-PÉREZ, 2001), que vão de encontro às
epistemologias contemporâneas. Massoni (2005) realiza um estudo etnográfico sobre a
1 Em revisão realizada por Massoni, a autora afirma que “uma quantidade grande de trabalhos visa detectar as concepções da
natureza da ciência retidas por professores e estudantes” (MASSONI, p. 23, 2005).
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contribuição de diferentes visões epistemológicas contemporâneas na formação de
professores, acompanhando uma disciplina de História e Epistemologia da Física numa
Licenciatura em Física e traz resultados que sugerem ter havido uma “evolução significativa”
das CNC dos estudantes.
Outras defesas relacionadas à formação de professores referem-se a um melhor
entendimento dos próprios conteúdos de física, das possíveis dificuldades dos alunos
(FREIRE Jr., 2002), de como esses aprendem, do estudo de epistemologia para além das
teorias de aprendizagem (OSTERMAN, 2000).
Apesar da inserção de HFC no ensino de ciências não ser consensual, e sofrer
críticas (MATTHEWS, 1992; KUHN, 1998; ABRANTES, 2002; FREIRE Jr., 2002), não
encontramos resistências quanto a sua inserção na formação de professores de ciências. As
objeções são, em geral, relacionadas à formação do cientista, do pesquisador em Física.
Metodologia
Partindo da hipótese que discussões de HFC são importantes na formação do
professor de Fisica, nosso objetivo era investigar como a inserção desses conteúdos, dessas
discussões, é feita na UFBA. Para isso, consideramos importante ouvir os docentes que ali
trabalham, além de analisar a estrutura curricular do curso. Dentro de uma abordagem
qualitativa, adotamos o estudo de caso como método de pesquisa, devido às características do
objeto de investigação: a percepção que esses professores de Física apresentam em relação à
HFC.
Nesse sentido, realizamos gravações de entrevistas em áudio e posteriormente
analisamos qualitativamente esses registros. Além disso, valemo-nos da análise de
documentos institucionais como as matrizes curriculares, planos de curso, ementa e súmula de
disciplinas, projetos pedagógicos e relatório de avaliação interna.
População
A população pesquisada foi composta de professores do Instituto, que
compreende três departamentos: Estado Sólido, Geofísica Nuclear e Física Geral. Para a
seleção da amostra partimos da estimativa de quantos docentes ministram aula para um
licenciado. Um estudante de licenciatura em Física precisa cursar obrigatoriamente, em
média, 12 disciplinas do IF para a integralização do curso (13 disciplinas no noturno e 10 no
diurno), portanto, se considerássemos que cada disciplina fosse ministrada por um único
docente, o estudante teria estudado com cerca de 20% do corpo docente do IF-UFBA, que era
composto de 53 membros (vide Tabela 1).
Para selecionar a amostra que seria entrevistada, realizamos um sorteio da
seguinte forma: utilizamos uma lista numerada contendo o nome de todos docentes de cada
departamento. A cada docente foi atribuído o respectivo número na lista. Foi então sorteada a
quantidade equivalente a 30% dos docentes em cada Departamento. Isso é: 30% do
Departamento de Estado Sólido, 30% para o de Geofísica Nuclear e assim por diante.
Adotamos esse critério, de amostragem estratificada ponderada (GIL, 1999;
TUCKMAN, 2005), pois esse permitia incluir alguns parâmetros, e assim controlarmos a
validade interna, e respeitar a representatividade dos departamentos. O parâmetro de
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estratificação que utilizamos foi não ser professor substituto nem visitante. E a ponderação foi
observada na proporcionalidade dos departamentos. Cada parâmetro de estratificação
constituia uma variável de controle, ou seja, uma fonte de erro em potencial ou “influência
estranha” (TUCKMAN, 2005). No nosso caso, optamos por não incluir professores que não
fizessem parte do quadro permanente porque poderíamos acabar obtendo opiniões de pessoas
que não tinham a vivência nesses institutos, o que constituiria em fonte de erro para a análise
do IF como um todo.
A amostra inicial da pesquisa era em torno de 30%: 16 sorteados, porém o
percentual efetivo foi menor, devido às dificuldades para localizar os docentes, pois nessa
tentativa, descobrimos que a listagem de docentes do departamento que nos foi fornecida
estava desatualizada, contando com pessoal que já não mais estava na universidade, por
aposentadoria ou razões diversas. Como já havíamos iniciado as entrevistas, não descartamos
os docentes já sorteados. Além disso, contamos com alguma resistência de docentes em
participarem da pesquisa, tornando o número de entrevistados menor do que o de sorteados.
TABELA 1: Número de docentes do IF, percentual sorteado, e percentual entrevistado
Departamento Docentes Sorteados Docentes Entrevistados Total nº % nº %
Estado Sólido 24* 07 29 06 25
Geofísica Nuclear 14* 04 29 01 07
Física Geral 15* 05 33 03 20
Total 53* 16 30 10 19
*números já corrigidos, com a listagem de professores atualizada.
O critério inicial de amostragem aleatória estratificada não foi, portanto,
efetivado. Durante a realização das entrevistas acabamos adotando o critério de saturação de
dados. Bertaux2 define o critério de “exaustão ou saturação”, como aquele em que o
pesquisador verifica a formação de um todo e reconhece a reconstituição do objeto no
conjunto do material. Assim, a saturação ocorre quando, passado certo número de entrevistas,
o pesquisador tem a impressão de que a apreensão do objeto está contemplada em suas
semelhanças e diferenças, é quando as entrevistas passam a não trazer novidades em relação
aos dados já obtidos (ALBUQUERQUE, 2005; FREIRE JR. 2005).
No total foram entrevistados 10 professores, ou 19% da população, porém a
representatividade dos departamentos não foi alcançada, tendo sido entrevistados 25% do
Departamento de Estado Sólido, 20% de Física Geral e apenas 07% de professores da
Geofísica Nuclear.
Instrumentos
Realizamos entrevistas padronizadas de final-aberto em que se tinha a formulação
exata e a seqüência das questões antecipadamente determinadas, dessa forma as mesmas
perguntas foram feitas a todos os entrevistados, o que nos permitiu comparar as respostas e
facilitou a organização e análise dos dados (TUCKMAN, 2005). Foi elaborado um roteiro de
2 Bertaux, D. L’approche biographique: sa validité méthodologique, sés potencialités. Cah Inte Social. 1980; 69: 197-225.
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entrevista contendo 13 questões sendo que três delas referiam-se exclusivamente às
disciplinas que abordavam explicitamente, de acordo com a ementa, aspectos de história ou
filosofia da ciência. A discussão do funcionamento dessas disciplinas deixaremos para um
outro trabalho.
A validação do roteiro foi feita entrevistando-se dois professores substitutos, um
do Departamento de Física Geral e outro do Departamento de Geofísica Nuclear. Nesse
momento verificamos a necessidade de reformulação de escrita da questão sete, para melhor
compreensão do respondente.
O roteiro foi estruturado em cinco blocos: no primeiro buscávamos informações
sobre a formação do docente e possíveis trabalhos anteriores com História, Filosofia e
Sociologia da Ciência; no segundo o objetivo era saber a opinião dos docentes em relação a
inserção de HFC na formação de professores de física; no terceiro bloco as questões versavam
sobre o funcionamento de disciplinas específicas que abordassem explicitamente história ou
filosofia da ciência, e era respondida apenas pelos professores que tivessem lecionado tais
disciplinas. No quarto bloco de perguntas o interesse era saber mais sobre a interação do
Instituto de Física com a Faculdade de Filosofia e a quinta parte cobria considerações gerais
que o docente quisesse fazer em relação ao assunto.
Tratamento dos dados
A análise das entrevistas foi feita em dois momentos: sintetizando a entrevista de
cada docente, formando um perfil de cada entrevistado; e criando categorias de respostas.
Neste artigo apresentamos a parte referente a essas categorias.
Estruturamos categorias de análise sob as quais analisamos todas as entrevistas,
mostrando uma visão geral do conjunto de professores do Instituto de Física. Essas categorias
foram estabelecidas através do próprio roteiro de entrevista aliado às respostas obtidas.
Justamente por ser uma pesquisa qualitativa a análise dos dados tendia a ser indutiva, num
tratamento “de baixo pra cima” (BODGAN & BIKLEN, 1994; LÜDKE & ANDRÉ, 1986).
Por outro lado, ainda que se tratesse de uma pesquisa eminentemente qualitativa, as categorias
não foram retiradas apenas das respostas obtidas, pois acreditávamos que ao partirmos para a
pesquisa e ao elaborarmos um roteiro de entrevista já estávamos delimitando, em certa
medida estruturando, as respostas que poderíamos obter.
Além disso, para a criação das categorias, ou unidades de análise, baseamo-nos no
processo de análise textual discursiva (MORAES, 2003), em que usamos as transcrições das
entrevistas como texto, fonte de dados, e daí extraímos frases para formarmos unidades.
Nesse processo iniciamos com unidades de análise compostas por frases longas, excertos de
parágrafos, e depois fizemos um refinamento das unidades de base, tendo em vista a
investigação em que as análises se inseriam (MORAES, 2003).
Procuramos agrupar respostas que exprimissem um cont eúdo similar em uma
mesma categoria, fazendo análise quantitativa da freqüência das respostas em cada uma delas.
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Resultados e discussões
Breve histórico da UFBA
Acreditamos que situar o leitor no contexto em que se formou o IF-UFBA,
trazendo um pouco de sua história, pode ajudar a compreender as questões sobre História e
Filosofia da Ciência nesse Instituto, seja pela sua trajetória iniciada na Faculdade de Filosofia,
pela estrutura departamental que apresenta, seja pelo papel que desempenha como principal
instituição formadora de professores de Física no estado da Bahia.
O Instituto de Física da UFBA tem sua origem na Faculdade de Filosofia e ao
final da década de 50 foi criado o Instituto de Matemática e Física (IMF), ainda ligado à
Faculdade de Filosofia. Nessa época a organização do Instituto era voltada para o Ensino,
apesar de já existir o curso de bacharelado. As condições eram precárias e a pesquisa
incipiente. Em 1968, com a Reforma Universitária, passou a chamar-se Instituto de Física,
fazendo parte dos institutos básicos da UFBA, ganhando sede própria onde está atualmente
(RIBEIRO FILHO, 1996).
Originalmente o Instituto era composto por dois departamentos: Departamento I e
Departamento II. Em 1975 foram criados os atuais departamentos de Geofísic a Nuclear,
Física Geral (na época, Física da Terra) e Física do Estado Sólido, onde são alocadas as
disciplinas de graduação e pós-graduação para os cursos de Física e outros das áreas de
ciências exatas e ciências biológicas. Até o ano de 1998 foi a única instituição formadora na
área de Física no Estado. Mas em 1999 novos cursos de licenciatura foram criados em
universidades públicas estaduais e também teve início o curso de licenciatura em Física
noturno, primeiro curso a operar completamente à noite na UFBA. Assim, podemos dizer,
grosso modo, que o perfil dos professores de Física do estado da Bahia é o perfil dos egressos
de licenciatura do curso da UFBA.
Atualmente, o corpo docente do IF está, como um todo, envolvido em atividades
de ensino, pesquisa e extensão, além dos encargos administrativos, não havendo distinção de
professores envolvidos com a licenciatura ou o bacharelado.
Se por um lado a não distinção do corpo docente em professores mais envolvidos
com a formação do licenciado ou do bacharelado é interessante, pois coloca o Instituto como
um todo responsável pela formação de professores, por outro indica a falta de uma unidade de
grupo de pesquisa em Ensino de Física mais fortemente preocupado com as discussões de
formação de professores.
HFC na matriz disciplinar da UFBA
A UFBA possui um curso de Física diurno, com as habilitações em Bacharelado e
Licenciatura, e um curso de Licenciatura em Física noturno, que foi criado em 1998, tendo
sua primeira turma iniciado no ano seguinte. Em conseqüência da nova proposta da
licenciatura noturna, e das limitações impostas pelo período com relação à carga horária – o
turno da noite tem carga horária menor do que o curso diurno – foi necessário desdobrar os
conteúdos requeridos para o perfil desejado numa matriz curricular diferente da diurna. Com
isso houve um enriquecimento das discussões e o coletivo de professores decidiu criar um
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conjunto de disciplinas que não são tradicionalmente encontradas nos cursos de Física, e que
tem a finalidade de fazer uma introdução contextualizada dos conteúdos de Física aos
iniciantes no curso. Assim, o IF-UFBA acaba tendo dois currículos distintos para a
habilitação em licenciatura.
No curso diurno, a opção por uma das habilitações oferecidas é realizada ao longo
do curso. Sendo que quase todas as disciplinas são comuns até o 4º semestre. A partir do 5º
semestre inicia-se a parte diferenciada das duas habilitações.
O núcleo básico, comum às duas habilitações tem um total de 1335 horas e é
composto dos seguintes matérias: Física Geral e Experimental, Matemática, Química Geral e
Inorgânica e Química Orgânica, Disciplinas Optativas escolhidas duma lista de disciplinas
definida pelo Colegiado.
Os estudantes que optam pela licenciatura completam a sua formação com
Estrutura da Matéria I e II, Mecânica I e II, Termodinâmica, disciplinas de formação do
educador e disciplinas optativas, num total de 1500 horas. E os que optam pelo bacharelado
têm o ciclo profissional composto por disciplinas de física clássica e moderna, métodos de
física teórica e disciplinas optativas, perfazendo 1305 horas.
Para o curso noturno, há os blocos de Física Geral, com 480 horas, Matemática
composto de 360 horas, Física Clássica com 225 horas. E ainda Física Moderna, somando 90
horas, Formação do Educador perfazendo 690 horas, Outras Disciplinas Obrigatórias com 180
horas, Disciplinas Optativas num total de 435 horas e Disciplinas Eletivas com 45 horas.
Totalizando 2505 horas para a integralização curricular. Apesar das Físicas Básicas terem
uma proposta diferenciada, isso não fica evidente no Projeto Pedagógico do curso noturno.
Ao analisarmos a matriz curricular da licenciatura diurno encontramos duas
disciplinas que traziam em seu programa questões de História e Filosofia da Ciência:
Evolução da Física e Física e Sociedade. Essas disciplinas eram optativas, isso é, o estudante
não precisava cursá-las para integralização do curso. No curso noturno eram sete as
disciplinas que traziam na ementa elementos de HFC: Física Básica I, Física Básica II,
Evolução da Física, Física Básica III, Física Básica IV, Física e Sociedade e Filosofia da
Ciência. Dessas, três eram obrigatórias e quatro optativas, respectivamente. Para o
bacharelado era oferecida como optativa apenas a disciplina Evolução da Física. No quadro
abaixo apresentamos sinteticamente o grau de obrigatoriedade dessas disciplinas nas
diferentes habilitações.
Percebemos que a relevância de HFC vinha num crescente do bacharelado para a
licenciatura diurno até chegar no curso noturno. Nossa leitura foi de que o Instituto não
considerava essencial, imprescindível, a discussão de HFC na formação do bacharelado nem
na licenciatura diurna, apesar de aí a relevância aumentar, já que dobravam as disciplinas
optativas oferecidas. Ainda assim, não havia o caráter obrigatório. Entretanto, o noturno além
de ter três disciplinas obrigatórias, contava com duas vezes mais opcionais do que a
licenciatura diurno. Podíamos considerar o curso noturno como ainda em fase de
implementação, pois foi criado em 1999 e teve em 2004 os primeiros concluintes que o
cursaram desde o início (há estudantes que concluíram antes porque pediram transferência do
diurno). Assim esse novo currículo refletia uma considerável preocupação do Instituto em
inserir HFC na Licenciatura. Não encontramos registros de ter havido alguma avaliação
interna do curso, no sentido de analisar em que medida as mudanças adotadas no curso
noturno foram benéficas para a formação de professores de Física, seja relacionado aos
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conteúdos de física e pedagógicos, seja nas próprias questões de HFC e concepção da
natureza da ciência.
Disciplina
Carga
Horária (h) Bacharelado Lic.
Diurno
Lic.
Noturno
FIS 139 – 14
Física Básica I 68 Não oferecida Não
oferecida Obrigatória
1º semestre
FIS 140
Física Básica II 68 Não oferecida Não
oferecida
Obrigatória
2º semestre
FIS 112
Evolução da Física 51 Optativa Optativa Obrigatória
9º semestre
FIS 120
Física e Sociedade 68 Não oferecida Optativa Optativa
FCH 278
Filosofia da Ciência 68 Não oferecida Não
oferecida Optativa
FIS 141
Física Básica III 68 Não oferecida Não
oferecida Optativa
FIS 142
Física Básica IV 68 Não oferecida Não
oferecida Optativa
QUADRO 1: Disciplina vs. obrigatoriedade - UFBA
Entrevista com os docentes
A seguir nos concentramos na análise das questões de um a sete do roteiro de
entrevista, e da número 11.
Cada tabela foi composta da unidade de análise na primeira coluna, da quantidade
de respondentes para a categoria referente na segunda, e do valor percentual do total de
respondentes na última. O total de professores entrevistados foi 10.
A primeira parte do roteiro referia-se à formação do docente.
Formação docente:
Tabela 2: Formação acadêmica dos docentes entrevistados
1. Qual é a sua formação acadêmica (graduação e pós-graduação)?
nº %
Licenciado 2 20
Física 1 10
Matemática 1 10
Bacharel 9 90
Apenas em Física 9 90
Em Física e outras áreas 3 30
Mestrado em Ensino de Física 1 10
Mestrado em Física 4 40
Outras áreas 2 20
Doutorado em Física 4 40
Doutorado em História da Ciência 1 10
Outras áreas 1 10
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Foi pequeno o número de docentes licenciados em Física, ou com pós-graduação na área
de educação, apenas 10%. A maioria dos docentes entrevistados da UFBA (90%) tinha
formação de bacharelado. A soma de bacharéis em Física e outras áreas é maior do que 10
(número total de entrevistados) porque havia docentes com dois cursos de graduação.
Tabela 3: Experiência em História, Filosofia e Sociologia das ciências
2. Você já trabalhou com História, Filosofia e Sociologia das ciências?
nº %
Não 6 60
Sim 4 40
História e Filosofia Ciência 3 30
História da Ciência 1 10
Filosofia da Ciência 0 0
Embora 60% dos professores não trabalhassem com História, Filosofia e
Sociologia das ciências, é expressivo que 40% afirme já ter trabalhado com HFC. São
docentes que já escreveram pelo menos algum artigo, ou pesquisaram de forma sistemática
em História ou Filosofia da Ciência. Por exemplo,
A única coisa que eu posso chamar de trabalho na área, foi um artigo
que escrevi a pedido da revista [...]. Foi um número especial,
comemorativo dos cem anos da relatividade restrita; um artigo curto
sobre a contribuição de Einstein à criação do que a gente chama de
cosmologia moderna, na década de ’10, o início da década de ’20 do
século XX. Então, foi um artigo curto, sobre história da ciência, a
convite por eu ser [...] pesquisador da área de cosmologia, mas fora isso,
não faço trabalhos na área. (Professor 09BA)3
Esse número não representava, portanto, que 40% dos entrevistados eram
pesquisadores ativos na área. De fato, apenas um dos entrevistados poderia ter sido
classificado como tal. Por outro lado, o dado revelou que não apenas os pesquisadores na área
transitam por HFC, o que denota um perfil de pesquisadores com interesses menos estritos.
Nessa questão fomos mais abrangentes do que pretendíamos ao longo deste trabalho e
incluímos a sociologia da ciência, a fim de não excluir essa área como possibilidade, mas não
houve docentes que afirmassem ter trabalhado com o tema, ao contrário, como podemos ver
neste trecho de entrevista, que foi o único a mencionar a sociologia:
Bem, sociologia, eu diria que menos porque, [...] formado no Brasil, eu
acho que eu terminei refletindo na minha formação o fato de que no Brasil
você valoriza mais a história e a filosofia da ciência, a história e a
epistemologia da ciência, que eu diria que talvez é uma influencia mais
francesa, e menos a sociologia da ciência. Mas eu acho que também, em
relação a outros países, a coisa é um pouco semelhante; mesmo em relação
a Estados Unidos, tradicionalmente, os departamentos lá eram de História
e Filosofia da Ciência, [...] porque sociologia da ciência, ela ganha um
peso maior da década de setenta pra cá, com a chamada Nova Sociologia
3 Todas as transcrições aqui apresentadas mantêm a construção original feita pelos docentes, feita essa ressalva,
não usaremos “sic” ao longo do texto.
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da Ciência. Então, acho que é por isso que você tem, digamos assim, na
difusão se fala mais em História e Filosofia da Ciência. (Professor 04BA)
Quando da revisão da literatura sobre o tema, encontramos expressões como
“História, Filosofia e Sociologia da Ciência” em trabalhos como os de Matthews. Contudo, na
literatura nacional a expressão de sociologia era em geral suprimida. Mesmo dentro do
programa de pós-graduação nos ressentimos de estudos sobre a sociologia da ciência. Esse
resultado nas entrevistas revelou uma possível razão para o fa to.
Ainda no primeiro bloco, encontramos um docente que afirmou trabalhar apenas com
História da Ciência, mas não alguém que trabalhe apenas com a Filosofia da Ciência, o que
acabou por indicar uma predominância da História sobre a Filosofia.
O segundo bloco de questões referia-se à inserção de HFC na formação de
professores, compreendendo as perguntas de três a sete.
Inserção de HFC na formação de professores
Tabela 4: Opinião sobre HFC no Ensino Médio e Superior
3. O que você pensa sobre a utilização de História e Filosofia da Ciência no ensino
de física em nível médio? E no superior?
Ensino Médio nº %
Acha muito importante 5 50
Faz sentido especialmente se ela for para contextualizar a Física 1 10
Simpatiza com a idéia, pois sempre é uma forma de despertar interesse 1 10
Acha interessante, mas não sabe se é viável, pela carga horária, pela
forma 1 10
Não é muito favorável 1 10
Não tem opinião 1 10
Ensino Superior
Acha imprescindível para a licenciatura, e interessante para o
bacharelado 3 30
Fundamental tanto para o bacharelado quanto para a licenciatura 3 30
Importante porque não se aprende ciência sem saber como é que a
ciência é 1 10
Acha que pode ser interessante, ao final do curso 1 10
Acha importante, mas não imprescind ível 1 10
Um assunto pertinente 1 10
Nessa questão indagamos tanto sobre o Ensino Médio (EM) quanto Superior a fim de
verificar a coerência entre o que se esperava dos professores para o EM e o que a universidade
oferecia para a formação desses professores, através de seus docentes.
Em relação ao EM, apenas um dos docentes não era favorável à inserção de HFC no
ensino de Física, muito embora a classificação dessa resposta não tenha sido fácil, pois não
apresentava clareza de opinião. Em geral não encontramos oposição quanto a HFC para
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contextualizar a Física no EM, por outro lado, os docentes não se sentiam à vontade para
opinar sobre essa questão uma vez que se diziam distanciados desse nível de escolaridade.
Esse resultado indicou também o distanciamento dos entrevistados das pesquisas em ensino, o
que para nós foi um reflexo da anteriormente identificada falta de unidade de um grupo de
pesquisa em Ensino de Física no Instituto.
Em relação ao Ensino Superior, a pergunta não se restringia ao bacharelado ou
licenciatura, porém as respostas marcaram uma diferenciação de como os docentes viam a
questão para as diferentes habilitações do curso de Física. Enquanto 30% dos entrevistados
consideraam HFC fundamental tanto para bacharéis quanto para licenciados, 30% afirmaram
que essa discussão era, sim, imprescindível para os professores, mas não para os
pesquisadores. Nesse caso, ser “interessante para o bacharelado” englobava tanto as opiniões
que consideraram a discussão aconselhável, quanto as que apenas admitiam sua existência, ou
seja, nem recomendaram a inserção de HFC para bacharéis, tampouco consideraram-na
prejudicial. Como exemplificou esse trecho do professor 04BA: “[...] enquanto na formação
de bacharel eu acho que é aconselhável, eu diria que na formação do professor, eu considero
ela absolutamente indispensável”, ou nesse do professor 08BA “e se um Físico, [...] ele
quisesse [estudar HFC], ele perderia alguma coisa? Claro que não! [...] Então, eu acho que
seria desejável”.
De qualquer forma, 60% dos entrevistados consideraram HFC fundamental ou
imprescindível para a formação do professor de Física. Sendo que nenhum docente
manifestou-se contrário à discussão do tema na licenciatura.
Tabela 5: Opinião dos docentes sobre HFC na formação de professores
4. Para você, qual o papel da HFC na formação dos licenciandos em
física?
nº %
Aprender mais física, ter um bom entendimento conceitual da
física 3 30
Para gostar de física, torná- la interessante 3 30
Ter boa visão de como se dá o conhecimento científico 2 20
Para tornar as aulas mais enriquecedoras, ser um bom
professor 2 20
Para entender a física como construção 2 20
Para humanizar a física 2 20
Para fazer conexões com outras disciplinas no EM 1 10
Crescimento cultural, cultura geral 1 10
Para facilitar a aprendizagem dos alunos 1 10
Para mostrar diferentes escolas de pensamento 1 10
Crescimento metodológico, metodologia de pesquisa 1 10
Não respondeu 1 10
Na questão quatro obtivemos uma lista de razões para o licenciado ter discutido HFC
durante sua formação, nesse caso, a soma do número de respondentes é superior a 10, pois os
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docentes, em geral, apresentaram diversas funções para a HFC. Os destaques ficam para
respostas que indicaram que discutir HFC proporcionaria uma maior compreensão dos
conceitos da Física, em que 30% dos docentes manifestaram-se nesse sentido. E também para
os 30% que viram nessa inserção uma maneira de tornar a disciplina mais interessante,
motivando os estudantes a gostarem de Física.
Além disso, argumentos como “crescimento cultural” e de “metodologia de pesquisa”
foram mencionados. De maneira geral observamos características para um crescimento
pessoal do estudante, ou seja, que independiam do papel de professor, e uma significação
profissional, em que a HFC contribuiria para o trabalho em sala de aula. Sendo que das
categorias criadas, mais da metade (64%) poderiam ser caracterizadas como relativas a um
crescimento pessoal do graduando.
Tabela 6: Opinião dos docentes sobre conteúdos de HFC
5.
O que, sobre História e Filosofia da Ciência você acha que deveria ser
essencial, importante que o licenciado discutisse durante o curso?
nº %
Os principais blocos da física: eletricidade, mecânica, ótica e
relatividade
5 50
A virada do séc. XIX para o séc. XX 2 20
As grandes revoluções da física 1 10
Grandes sínteses, passando pelo factual, não omitindo as
controvérsias, as diferentes escolas filosóficas. 1 10
Cada momento importante da ciência, contextualizando em relação
às linhas de pensamento, à época e à sociedade
1 10
A física dos gregos até a atualidade 1 10
Conceitos fundamentais da física: tempo, espaço, matéria, interação 1 10
Epistemologia 1 10
Não tem opinião formada 1 10
Quando questionados sobre o que achavam importante que o licenciado discutisse em
relação a HFC, os docentes responderam, majoritariamente (70%), sobre questões
relacionadas à História da Física, e apenas um citou Epistemologia. O que é um resultado não
surpreendente, uma vez que a experiência profissional como físicos deve ter oportunizado aos
docentes um maior contato com questões de História da Física do que de Epistemologia. Por
outro lado, a resposta não era restrita a um ou outro, isso permitia que os docentes falassem
tanto de História quanto de Filosofia, entretanto as questões nessa área quase não apareceram,
tendo sido mencionadas por apenas 30% dos entrevistados.
Ainda que os docentes tenham falado sobre questões da natureza da ciência,
quando elencaram os motivos para estudar HFC, a maioria não pareceu relacionar esse motivo
a uma necessidade de estudar Epistemologia. Aparece aí uma contradição, ou a assumpção de
que estudar aspectos de História da Física seria suficiente para se construir uma concepção
contemporânea sobre a natureza da ciência, como sugerido por Marsh e Wang (MASSONI,
2005) .
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Tabela 7: Utilização de HFC na sala de aula
6. Você utiliza (utilizou) HFC nas disciplinas que ministra
(ministrou)? Como?
nº %
Não 1 10
Sim 9 90
Sim, implicitamente 1 10
Sempre que possível apresento o contexto histórico 2 20
Faço indicação de leituras complementares 1 10
Sim, procuro utilizar História e Filosofia 4 40
Sempre, utilizando história para contextualizar a
física 1 10
Coerentemente com as respostas obtidas na questão três, em que os docentes se
mostraram favoráveis à discussão de HFC na formação do licenciado, 90% afirmaram que
utilizaram HFC em sala de aula. Ainda assim, 10% dos entrevistados negaram tal uso. Dos
nove entrevistados que disseram usar HFC, três indicaram apenas o uso da HC, quatro de
HFC e dois não explicitaram quais aspectos. Isso é interessante porque na pergunta anterior
houve apenas três indicações de conteúdos de FC a serem inseridos na licenciatura. O que nos
leva a pensar nas possíveis razões para essa pequena disparidade. Pode ser que na questão
anterior um dos docentes que diz que utiliza HFC não tenha se lembrado de qualquer aspecto
de FC que considerasse importante, ou que o termo “História e Filosofia da Ciência” acabe
sendo usado mesmo quando não se tratando de Filosofia. Há ainda a possibilidade do
entrevistado ter dito que utiliza, em função de reconhecer a importância da mesma e até
desejar fazê- lo, mas de fato não utilizar.
Outro dado trazido pela questão seis é que novamente vimos um predomínio da
contextualização histórica sobre as discussões epistemológicas, uma vez que houve docentes
que admitem HFC, ou História, ou contextualizar historicamente, mas nenhum afirmou que
utilizava apenas Filosofia da Ciência, ou Epistemologia. Tivemos que 80% dos entrevistados
indicaram algum uso de história e 40% de Filosofia da Ciência.
Tabela 8: Os PCN’s e a atuação dos docentes
7.
Considerando as sugestões dos Parâmetros Curriculares Nacionais para que se
contextualize as aulas de ciências utilizando, entre outros elementos, a história e
filosofia da ciência, como você acredita que pode colaborar nesse sentido nas
disciplinas que tem ministrado? Por quê?
nº %
Acredito que nós ensinamos da forma que fomos ensinados 1 10
Não sei, mas espero que contribua 1 10
Não trabalho com a licenciatura 1 10
As minhas não contribuem 2 20
Não respondeu 5 50
Consideramos significativo que 50% dos entrevistados não tenham respondido a
questão sete e temos duas hipóteses para esse resultado: a primeira é de que os professores
desviaram suas respostas porque nunca tinham pensado antes no assunto, ou porque
Investigações em Ensino de Ciências – V12(3), pp.321-337, 2007
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perceberam que suas aulas não colaboravam para as futuras aulas dos licenciados; a segunda
hipótese é porque simplesmente não sabiam como responder. Vale ressaltar que a categoria
“não responderam” exprimia situações em que não foi possível extrair da resposta dos
professores uma idéia que redargüisse a pergunta, ou seja, as respostas foram demasiado
vagas. Por exemplo:
Alguns sim, né? Aqueles que se tocaram mais com as coisas, outros não.
Outros, mais ou menos assim como curiosidade, uma coisa um pouco
estranha. Mas, alguns, eu diria que levam. [...] nos comentários que eu
vejo nos professores é que alguns falam certas conceituações que são
contadas [...] outros é somente pra curiosidade e ver algumas coisas fora.
(Professor 10BA)
[...] e nessa matéria, eu começo a matéria, nos primeiros dias dessa matéria
eu dou, eu faço história, história da tecnologia, não é história da ciência,
quer dizer física, mas eu tento situar uma coisa que a gente vai usar, [...]
estou sempre falando de astronomia, estou sempre falando de físicos, falo
de Newton, falo de Feymann, estou sempre situando, estou sempre
contando alguma história sobre alguém, sempre que eu falo nisso eu
procuro sempre situar, [...] Então tem uma série de fatos científicos que
passam desapercebidos se você não localizar no espaço e no tempo.
(Professor 03BA)
Apareceram mais respostas de como o docente procura trabalhar com HFC do que de
como isso poderia contribuir para o licenciado quando fosse para a sala de aula.
Por outro lado, um professor respondeu que espera que contribua e outro acredita que
a contribuição se dá a partir do momento em que ele ministra uma aula contextualizada, pois
os estudantes acabam seguindo um exemplo de seus professores na hora de ministrarem suas
próprias aulas, corroborando com a noção de simetria invertida, conceito de que a formação
do professor é simetricamente invertida em relação a sua atuação profissional, pois ele
aprende a ser professor sendo aluno (MELLO, 2001). E 20% dos professores admitiram que
suas aulas não contribuiam com o licenciando para que ele fizesse a inserção de HFC no EM.
O terceiro bloco do questionário foi referente à interação do Instituto de Física com a
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH).
Interação entre IF e FFCH
Tabela 9: Integração do IF com a Faculdade de Filosofia
11.
Como é a interação do grupo que trabalha com HFC no Instituto de
Física com o departamento de História, Filosofia ou Sociologia da
universidade? Você participa dessa interação? Qual sua opinião em
relação a essa interação? Por quê?
nº %
Não sei. 3 30
Não existe. 1 10
Existe, mas é em função de um docente específico 3 30
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Atualmente a FFCH tem a interação com o mestrado em
Ensino 3 30
É a melhor possível 1 10
Não respondeu 1 10
Os docentes admitiram que atualmente há uma maior interação, porém no nível da
pós-graduação, e que até então essa interação se dava apenas através de um professor do
Instituto. A soma dos respondentes é superior a 10 porque houve sobreposição para essas duas
respostas. Fora isso, 30% admitiu não saber como é a relação entre o IF e a FFCH.
A contradição nessa pergunta foi muito grande, pois ao mesmo tempo em
que um docente disse que a relação era a melhor possível, outro foi
enfático ao afirmar que não existia: “Não existe! Na minha forma de ver.
Não sei se alguém já te disse que existe. Mas, basicamente não existe”
(Professor 07BA).
O que vimos talvez não tenha sido exatamente uma contradição, mas o reflexo de
uma interação existente em função de um docente específico, decano no Instituto, que
trabalhava tanto no departamento de Filosofia quanto de Física:
Eu agora sou do Instituto de Física, não tenho nada a ver, formalmente,
com o Instituto de Filosofia, eu voto pra chefe de departamento lá e voto
aqui. Eu voto nos dois, mas não é estatutário. Tanto que o pessoal não
dispensa o meu voto. [...] Mas eu sou considerado, também, do
departamento lá. Com todas as prerrogativas. (Professor 10BA)
E que ao longo dos anos pareceu ter influenciado o IF no que diz respeito a se ter
presente questões de filosofia na formação dos estudantes.
Tudo isso porque a partir [desse docente], que foi um batalhador dessa questão
(de inserir filosofia no currículo). Vale dizer a você que quando, na Faculdade
de Filosofia, o curso de Física era lá, antigamente, nos anos sessenta; o pessoal
queria aprovar o currículo, mas não tinham colocado essa disciplina e o pessoal
mandou voltar. Então, desde a filosofia existe essa coisa, a consciência da
importância de você ter um curso sobre a evolução dos conceitos da física.
(Professor 01BA)
(...) Tem um professor muito interessante, um professor que gosta de filosofia
(...) é uma pessoa que gosta, vive filosofia e teve um papel importante nessa
história do instituto (...).(Professor 01BA)
Provavelmente essa ligação pessoal fê- lo crer que o Instituto como um todo interagisse
com a Faculdade de Filosofia. Entretanto, fora essa ligação de um docente específico, 50%
dos entrevistados não confirmaram uma interação entre os departamentos. E 30% admitiram
desconhecer a situação.
Apesar dessa limitação do diálogo entre os departamentos, a influência positiva do
Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências para o incremento
desse diálogo foi relatada por 30% dos entrevistados. Portanto, no nível da pós-graduação
observamos uma relação entre o IF e a FFCH. Da nossa vivência no Instituto percebemos que
a presença do Programa no IF gerou discussão entre os estudantes da graduação, e das
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conversas com os professores, vimos que o debate também afetou o professorado, ainda que
percebamos, e sejam relatados, comentários preconceituosos em relação ao Programa. O mais
importante é que o debate foi instaurado, assim HFC tornou-se questão. Apesar das
dificuldades de interações acadêmicas entre o IF e o IFCH, esse assunto tornou-se ponto de
discussão no ambiente do Instituto de Física.
Conclusões
O Instituto de Física da UFBA vê de forma positiva a inserção de História e Filosofia
da Ciência na formação dos licenciados em Física e os docentes procuram fazê- lo nas aulas
que ministram, contudo têm dificuldades para isso, basicamente em função da própria
formação. Nesse sentido, como a formação desses docentes foi majoritariamente no
bacharelado, vimos ser necessária a ampliação dessa discussão também para a formação do
Físico.
A matriz curricular do curso noturno demonstrou um movimento de ampliar a inserção
de HFC na licenciatura, mas carece de pesquisas sobre o desempenho deste novo currículo.
Além disso, pareceu haver uma falta de divulgação de experiências nesse sentido de outras
universidades, ou mesmo a inexistência de outras experiências. O que reforça tanto a
necessidade de se desenvolverem pesquisas quanto a de compartilhá- las.
Voltar o olhar para os professores que participam da formação do licenciado, nos
mostrou a necessidade dos Institutos pensarem em mecanismos de uma formação continuada
para professores do ensino superior, que contemplem as discussões contemporâneas de
História e Filosofia da Ciência. Existem muitos programas e investigações relativos à
formação continuada de professores para a Educação Básica, mas devemos pensar também na
Educação Superior.
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Recebido em 12.12.06
Aceito em 10.10.07


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